Um dia depois
Um dia depois
No dia seguinte, eu fui falar com a minha mãe sobre as coisas de Will, apenas isso, queria que ela soubesse que eu estava tentando voltar ao normal.
Queria poder voltar a fazer parte daquela família como fazia antes.
Serena, minha mãe, chorou em meu ombro quando eu disse que sentia falta da nossa família unida.
Isso não me fez chorar.
Acho que não estava acostumada a chorar no ombro de minha mãe; isso me pareceu estranho, estranho e reconfortante, saber que eu poderia não chorar, que eu ainda tinha controle sobre minhas glândulas lacrimais.
No final, ela disse que eu poderia ficar em casa.
Dois dias sem ir à escola me afundariam em afazeres e deveres posteriores, ao menos algo poderia me manter longe dos meus pensamentos e isso me faria protelar a leitura da carta de Will mais um pouco.
Parecia que se eu lesse tudo teria que fazer sentido e ele me deixaria para sempre.
Eu não gostava disso, dessa parte tão... definitiva da vida.
Eu precisava de tempo, mais tempo.
Sendo assim decidi que iria dar uma volta no centro, sem bolsa, sem celular e sem qualquer modo de ter que voltar ou ir a algum lugar.
Peguei apenas a chave de casa e desapareci do mapa.
Na rua, havia uma placa sobre o desaparecimento de duas pessoas, porém não havia como eu acreditar naquilo. A criminalidade era quase igual a zero! Eu sabia disso, todos sabiam disso, não havia um lugar para prender os sequestrados além da mata.
Senti um frio percorrer minha coluna e continuei andando. Aquilo não era problema meu, minha casa ficava muito bem segura entre o litoral e a mata.
Suspirei.
Não queria andar sem rumo, porém andando por andar era melhor do que andar com algo em mente, pois quando você anda por andar você percebe algo que, normalmente, deixaria passar.
Senti como se tivesse alguém me observando, olhei para trás e não vi ninguém.
Bufei e olhei para uma porta ao meu lado, era negra com a madeira descascando da mesma cor e a maçaneta era dourada, reluzente.
Não hesitei ao entrar, aquilo era algo que eu ria de William por fazer, porém eu preferiria as crenças dele neste momento; o fato de ele ser supersticioso e sempre ter algo em que acreditar do que ser como eu, uma pessoa que se dedicava apenas a uma crença, a um Deus, a um destino.
Ele tinha opções, mesmo sendo fiel ao catolicismo, nunca fechou suas portas para outras religiões.
E ele não teria cometido suicídio.
Não teria.
Ele não se matou.
As paredes eram cobertas com tecidos pretos rasgados e velhos. A luz em cima de minha cabeça parecia ter sido escolhida propositalmente, meio azulada, fazendo o ambiente mais escuro e, em teoria, sombrio.
Olhei para minhas mãos, elas estavam normais, eu era razoavelmente pálida.
As prateleiras de livros eram extensas, havia, inclusive, estantes. Algumas mesas guardavam os sais e alguns frascos com objetos não identificados dentro.
Aquela era uma típica loja de pessoas que eu não me imaginava entrando sem Will.
Nenhuma vendedora estava a vista, então peguei um livro com um título que me chamou a atenção e comecei a folhear suas páginas, observando os desenhos e a escrita desconhecida a mim.
— Posso ajudá-la? — uma senhora de idade com seus cabelos pintados de azul, roxo e vermelho apareceu ao meu lado com a sua mão perfeitamente esmaltada de cinza.
Ela era um calidoscópio de cores personificado.
— Eu... — fiquei sem saber o que falar, nem mesmo eu sabia o que eu queria.
Não havia levado dinheiro, não sabia o que ela fazia.
Eu apenas entrei pela porta.
— Elisabeth? — ela perguntou se aproximando e pegando minha mão, passando suas afiadas unhas pela minha palma quando eu tentei me desvencilhar — o que você quer? Respostas ou perguntas?
— Como assim? — balancei minha cabeça aceitando que ela não me faria mal.
A criminalidade da ilha era quase nula.
Eu estava a salvo.
E eu senti minhas mãos tremerem, não pelo contato, mas pela falta de bebida. Eu queria... queria tanto...
Não!
— Você quer as respostas para as suas perguntas ou quer que eu te ensine a fazer as perguntas certas? — ela me guiou até uma portinha e nós passamos por algumas miçangas que caíam pelo batente da porta.
Sentei-me na frente dela com uma bola de cristal entre nós duas e um tarô. Eu não acreditava neles.
— Eu só entrei aqui — disse com calma pronta para me levantar quando ela soltasse minha mão.
— Você tem que parar de se prender a ele, tem que deixá-lo partir, encontre a verdade, apenas ela poderá libertá-lo.
Fiquei parada, ouvindo, ela sabia que havia mentiras mascarando a morte de William? Como ela sabia e eu não? Eu era a sua irmã!
— Se você tem medo da solidão, não há o que temer. Existe outra pessoa que pode segurá-la, mas deixe que William siga seu caminho. Está na hora dele, não a sua.
Senti as suas palavras como um grande e ardido tapa no rosto, contra a minha bochecha, com direito a um anel grosso para deixar marca.
Eu não estava exatamente tentando me livrar dele, fazê-lo ir embora.
— Eu sei que chegou a sua hora! Ele morreu! Eu estou tentando soltá-lo, acabei de doar suas roupas! — argumentei, como se aquilo fosse suficiente.
Poderia ser, mas não era.
— Eu vejo. Encontre a verdade e ele será livre, então você poderá derrubar as barreiras que construiu com medo de se magoar — ela fechou seus olhos e inspirou fundo.
— Não tenho medo disso — grunhi, mas era verdade, eu tinha medo de me magoar, de amar.
— Você não vai precisar de alguém, porém perceberá que vai querer alguém ao seu lado.
— Isso não é verdade. Eu estou bem... estou muito bem sozinha.
— Você pensa que está bem, que pode viver sem os outros, mas não pode. Você vai precisar da ajuda das pessoas, de uma pessoa que seja. Apenas uma. Mas precisará.
— Por quê? — perguntei indignada batendo minha outra mão contra a mesa vendo a bola de cristal tremer e a pilha das cartas de tarô quase cair.
— Por que você está viva. Você precisa de alguém para juntar as peças do seu quebra-cabeça, alguém que a entenda. Todos precisam de alguém.
— Eu não estou quebrada — disse entredentes pela ousadia da mulher de se quer insinuar que eu tinha defeitos, que eu não conseguiria seguir com a minha vida da maneira independente que eu estava vivendo.
E ela tinha razão.
— Sim, você está, talvez ainda não tenha percebido, talvez esteja tentando esconder os cacos, porém eu vejo o que pode consertá-la.
Vingança?
A verdade?
Pegar de volta o que um dia foi meu?
Terminar assuntos inacabados?
Sacrificar-me por um bem maior?
Desistir de mim mesma?
Parar de buscar por uma resposta?
Continuar perguntando?
— Amor — a mulher disse segurando a minha mão e a soltando.
Seu olhar era terno, furta-cor, e eu fiquei parada até entender do que se tratava.
Amor?
Sério?
— Meus pais me amam — murmurei sentindo meus olhos lacrimejarem.
Amor magoa as pessoas, amor destrói, amor ilude, amor mente, amor mata, amor abandona.
“Surpresa? Eu não acredito no amor. Ele não faz bem as pessoas, ele atrapalha o pensamento, tira você da realidade, ele dói, machuca e você ainda quer mais. Você morre por amor e mata pelo mesmo. Como você pode querer algo assim dentro do seu coração?”
Eu amei meu irmão e nada de bom veio disso depois que ele foi embora.
Amar, para mim, era uma perda de tempo, ele mesmo me disse isso.
Você só se magoa no final.
Ninguém amaria alguém como eu.
— Não é esse tipo de amor, Elisabeth. Eles a amam incondicionalmente. Estou falando daquele amor que você e William compartilhavam antes de brigarem. Ele não era obrigado a amá-la e você não sentia necessidade de amá-lo em retorno, porém o fazia. Vocês queriam partilhar este sentimento — ela colocou as mãos sobre a bola de cristal, fechou seus olhos e deixou seus dedos deslizarem em cima do vidro.
Assisti-a ainda sem palavras sobre o que estava ouvindo, parecia absurdo, era absurdo, mas fazia sentido, em partes. Eu não sabia se deveria acreditar ou não no que ela disse.
— Depois de brigarem, você ficou com medo de amar. Com medo de sofrer da mesma maneira. Não adianta se forçar a amar, o único amor que vai salvá-la de si mesma é o amor voluntário.
Fechei meus olhos e repousei a testa contra a mesa, sentindo meu coração palpitar, relembrando da nossa briga, minha e de William.
A briga que desencadeou o meu pesar de meses, a briga que nunca foi divulgada as pessoas, a briga que eu deveria ter evitado, a briga que eu me arrependia todos os segundo por ter iniciado.
E se ele se matou pelo o que eu disse?
E se ele se matou por que eu não atendi suas ligações?
Ele morreu sozinho, sem acreditar no amor.
Eu o abandonei quando ele mais precisava. Eu falhei como irmã quando não percebi que ele estava cavando a própria cova, quando negligenciei meu dever de permanecer ao lado dele mesmo quando ele não merecesse minha companhia.
“Ouvi a promessa silenciosa dele dizendo que iria me salvar, que eu tinha que confiar nele e que ele não iria me deixar morrer, que enquanto ele estivesse comigo, eu tinha que sobreviver.”
Não é só porque ele estava usando drogas que ele era mais ou menos meu irmão. William sempre seria William, eu só não percebi isso naquela hora. Pensei que por causa da química em seu organismo... ele não estava lúcido, não era ele mesmo, eram as mentiras que eu contava a mim mesma.
E era.
Sempre foi.
Levantei meu rosto para pedir um conselho quando percebi que a mulher havia desaparecido da minha frente.
Eu queria beber, mas acho que perdi minha companheira incansável, pois ignorei Vanessa durante dois dias, portanto ela não estaria contente.
E eu não me importava com isso.
Nenhum pouquinho.
E eu não iria fazer mais isso.
Estava na hora de enfrentar meus fantasmas.
Sóbria.
Lúcida.
Consciente.
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