Oito anos antes

Eu estava com medo depois de acordar de outro pesadelo.

Não costumava tê-los, porém quando eles surgiam, eu nunca conseguia voltar a dormir.

Andei pela casa ouvindo meus passos fazerem a madeira ranger. Apoiei minha mão contra a porta e a empurrei, ouvi o barulho dela ranger também, a madeira estalou.

Olhei para os lados, o brilho da lua estava iluminando, não era algo muito simpático, isso me lembrava de um filme de terror que William e eu assistimos, então eu fiquei com ainda mais... medo.

Aproximei-me da cama em que havia um corpo largado com a perna tremendo roncando com a boca aberta.

— William? — eu o balancei tentando acordá-lo, não tive pena, nunca tive, ele jamais hesitava em me pedir favores escolares ou sociais.

Andava com meus amigos, copiava as minhas lições, se aproveitava de mim para fazer as tarefas de casa e sempre estava com o papai na oficina enlouquecendo nossa mãe com as manchas de graça ou óleo.

— William? — chamei mais alto até o ouvir resmungar em seu sono.

Virou o rosto para mim. Cabelos cobrindo seus olhos, lábios entreabertos e ressecados, mãos abertas.

— O que foi Ellie? — ele perguntou já rolando para o canto e permitindo que eu me sentasse.

— Estou com medo, eu não queria dormir sozinha — eu estava me acomodando embaixo das suas cobertas e abraçava o seu corpo antes mesmo que ele pudesse dizer que não me queria em sua cama.

— Do que mais você tem medo? — ele perguntou pouco atento a nossa conversa noturna, apenas tentando me distrair.

— Eu não sei, e você? — comecei a pensar no assunto e pude enumerar várias coisas que eu não gostava: escuro, cobras, fantasmas, monstros, cachorros grandes...

— Tenho medo de ficar sozinho — ele respondeu de prontidão.

Para a sua idade ele sempre foi um pouco mais intelectual do que eu mesmo eu sendo mais estudiosa.

As vezes eu gostava de sua filosofia — principalmente da teoria dos desejos —, as vezes não, dependia muito do ponto de vista que ele estava defendendo.

— Parece ser assustador — eu o abracei ainda mais forte e arregalei meus olhos.

— Você está me sufocando — ele resmungou e eu afrouxei meu aperto.

— Desculpa — murmurei afastando-me um pouco.

Ele se rearrumou na cama algumas vezes, me deu um ou dois chutes e bocejou.

Fiz o mesmo, propositalmente, aproveitei e chutei sua canela, porém ele pareceu nem ter sentido.

— Will — sussurrei colocando a coberta em cima de minha cabeça.

— O que foi? — ele sussurrou de volta já embaixo da coberta comigo.

— Se eu ficar com medo posso acordar você de novo? — nunca fui corajosa, nunca seria, tinha medo de tudo.

— Você não vai ficar com medo, sabe por quê? — eu neguei com a cabeça e ele sorriu me abraçando — por que eu tenho uma arma secreta contra monstros malvados.

— O que é? – esta era a primeira vez que ele falava sobre uma arma contra monstros.

Eu poderia aproveitar muito bem uma arma contra monstros como aquela. Seria melhor do que passar a noite em claro tentando prever o próximo ataque.

— Você olhe para ele e diga bem alto que eu te amo, eles têm medo disso, então não vão encostar um dedo em você — havia tanta confiança em sua voz que eu acreditei.

— Eu só tenho que dizer que você me ama? — fiz um beicinho e ele riu.

— Eu falo para eles toda a noite que eles me incomodam que você me ama.

— E o que eles fazem?

— Eles têm medo dessa palavra, eles têm medo do amor — fiz cosquinha em sua barriga e ele revirou, retiramos a coberta de nossos rostos para recuperarmos nosso fôlego.

— Quem pode ter medo do amor? — perguntei achando que eu era a entendedora do assunto.

— Eu amo amar você, amo saber que você ama me amar de volta — ele afagou meus cabelos e eu me aconcheguei em sua cama sentindo o carinho.

— Quem disse que eu te amo de volta? — empinei meu nariz e senti outra onda de cosquinhas me atacar — amo! Eu amo! — disse tentando me livrar dele.

— Agora está melhor.

— Obrigada Will.

— Boa noite Ellie.

Meu irmão me ama.