Após alguns minutos de viagem, chegamos em sua pequena casa que ficava localizada em um bairro rústico da cidade. Lá, me juntei a JiSoo que havia se oferecido a ajudar as tias de ______ a preparar alguns aperitivos para os familiares e amigos que vinham oferecer seu pesar e apoio a elas. E só quando a casa já estava mais calma, sem mais pessoas indo e vindo oferecer seu consolo, que eu pude ser apresentado a sua família formalmente.

Então nos juntamos na sala repletos de móveis lustrosos, bebericando chás e petiscando biscoitos e pães doces enquanto éramos envolvidos pelas lembranças contadas pela mãe em relação ao seu pai.

ㅡ Como tudo aconteceu? ㅡ ______, sentada próximo a JiSoo do outro lado do sofá L, indagou. ㅡ Como ele morreu? Ele sofreu?

Ela não pareceu muito confortável com a questão da filha.

ㅡ Lembra que você me ligou e eu disse que ele estava gripado? ㅡ ______ assentiu, eu me lembro bem dela ter comentado isso comigo. Aliás, foi no mesmo dia que ela pediu uma folga para o aniversário dele. ㅡ Bom, a médica disse que ele estava bem, mas na noite de terça-feira da semana seguinte a tosse havia piorado, pela manhã ele deu febre e então eu o levei para o hospital. Os médicos acharam melhor interná-lo, pois sua gripe havia causado uma pneumonia, a doença evoluiu rapidamente e ele não respondia ao tratamento. Então no sábado... ㅡ Os olhos da mulher se enchem de pesar. ㅡ eu havia voltado para casa durante a noite para descansar um pouco, mas antes mesmo que eu me deitasse me ligaram e... Eles tentaram o reanimar, mas a hora de seu pai já havia chegado e nada e nem ninguém poderia reverter isso.

Eu senti um enorme aperto no peito, principalmente quando encarei ______ e a vi tão quebrada com o que acabara de ouvir, ela não reagiu, seus olhos ficam vagos, mas a dor é palpável.

ㅡ Você deveria ter me contado. Eu queria ter ao menos me despedido dele.

Ao ver uma lágrima escapar dos olhos da filha, a mãe seguiu até o espaço livre ao lado dela, segurou suas mãos com ternura em uma íntima troca de olhares, disse:

ㅡ Desculpa... Mas não queria te preocupar, não queria que você sentisse a angústia que eu estava sentindo. Perdão.

______ assentiu e seus lábios curvaram-se para baixo formando um biquinho triste, sua mãe lhe abraçou com amor acariciando os cabelos.

ㅡ Mas quero que você saiba que apesar do Alzheimer, ele nunca deixou de te amar. Seu pai lutou até onde pode para não te esquecer. E antes da doença limitar seus movimentos, ele ficava até tarde sentado no sofá e sempre que eu perguntava o que estava fazendo, ele respondia que estava esperando você voltar da escola. ㅡ A mãe dela disse com um sorriso nostálgico, acariciando a cabeça da filha pousada em seu ombro. ㅡ Ele te amava como sempre amou.

______ levanta o rosto com um sorriso tênue para mãe que se apressou a secar suas lágrimas e depositar um beijinho em sua testa.

ㅡ E tenho certeza que mesmo naquele estado ele não deixaria o papel de pai ciumento, senhor Kim. ㅡ Dessa vez a sua fala é direcionada a mim com um tom descontraído.

Ri um pouco, nervoso assim como ______, sendo acompanhado por todos na sala, incluindo JiSoo.

ㅡ Mas como ele não está mais aqui, eu faço isso por ele.

ㅡ Quais são as suas intenções com a minha filha?

Eu ri mais um pouco.

ㅡ Esquece mãe. ㅡ se pronunciou rindo leve. ㅡ Nós não temos nada.

JiSoo gargalhou, mas logo tapa a boca evitando rir mais do que deveria e ______ a fuzilou com o olhar.

ㅡ Eu bem que queria ter algo com você. ㅡ respondi encarando seus olhos que arregalou-se enquanto seu corpo paralisava.

Ela abriu a boca algumas vezes, mas no final desistiu e contentou-se em desviar o rosto para esconder as bochechas rubras de mim.

ㅡ Eu vou tomar um banho. ㅡ colocou-se de pé. ㅡ Vem comigo, JiSoo?

A amiga assentiu pondo-se de pé sem conter o sorriso divertido em seus lábios ao assistir toda a cena de minha confissão levada em tom de brincadeira.

Eu estava sendo sincero, eu realmente queria ter algo com ______. Eu sinto algo por ela e algo forte demais para ser simplesmente ignorado.

ㅡ Se você machucar o coração da minha filha, eu acabo com você. ㅡ Senhora Kwan disse, séria de verdade, quando as meninas saíram da sala.

Forcei um sorriso medroso a mulher e assenti/me assustei desastrosamente.

ㅡ Cla-claro senhora Kwan.

***

Esses três dias em sua casa foram muito marcantes, pois nesse curto tempo pude conhecer ainda mais ______. Descobri que ela é muito mais forte do que imaginei. Nunca mediu esforços para ajudar o pai quando foi diagnosticado com a doença e mesmo muito nova começou a trabalhar. Com apenas dezessete anos, trabalhava como atendente em uma conveniência perto de casa, tendo que conciliar as horas exaustivas do serviço com a escola. Por conta disso, ela não teve muito tempo para se preparar para o vestibular para o curso que realmente queria. Mas com a pouca nota que tirou nos exames ela se contentou em cursar uma faculdade que nunca desejou, longe dos pais, amigos e de tudo o que amava.

Durante as madrugadas, eu fugia do sofá e lutava para convencer JiSoo a me deixar dormir com ela por apenas algumas horas. Já que sua mãe havia me proibido de pisar no quarto da filha. E por mais que ______ falasse ser uma má ideia e tentasse me fazer ir embora de seu quarto, acabávamos dormindo antes da discussão acabar.

E mesmo que sua mãe me direcionasse inúmeras ameaças caso eu machucasse os sentimentos de sua filha, ela me acolheu muito bem. Até fez um jantar de despedida para mim ontem.

ㅡ Boa viagem. ㅡ ______ disse quando estou prestes a embarcar.

ㅡ Você vai voltar para Seul? ㅡ inquiri mais ansioso que deveria.

Ela calou-se por instantes pensando em como me responderia.

Passei esses três dias com essa dúvida, se ela vai ou não voltar para a capital. A verdade é que não conversamos sobre nós, sobre nossas últimas discussões. Aliás, até pensei em levar esta conversa diversas vezes com ela quando nos encontrávamos sozinhos, mas julguei que não era o momento de tocar em um assunto tão estressante para ela neste momento de luto.

ㅡ Eu não sei. ㅡ foi o que respondeu sem me olhar nos olhos. ㅡ É um momento muito delicado para mim e para minha mãe. Eu fiquei tanto tempo longe de casa que eu perdi os últimos anos de vida do meu pai. Não quero mais perder um minuto sequer da família que me restou.

A encarei sentindo um nó dolorido se formar em minha garganta.

ㅡ Eu amo Seul, mas a única coisa que me prendia lá era meu pai. Pois, era lá eu tinha um salário bom para ajudar ele, mas agora que morreu, não tem o porquê voltar.

O nó só piorou e minha visão embaçou conforme as lágrimas brotavam, abaixei a cabeça para que ela não visse.

ㅡ Quero ficar esse tempo aqui, pensando no que vou fazer daqui para frente. ㅡ continuou. ㅡ Talvez eu pense um pouco mais em mim agora.

Mordi meu lábio inferior com força evitando a todo custo olhar em seu rosto. Com seu silêncio pensei em dizer o que eu sinto por ela, pois talvez fosse a nossa última vez juntos. Mas a minha coragem morreu sem motivo algum com minha fala, então preferi dizer outra coisa, que é uma verdade:

ㅡ Eu vou sentir muito sua falta, por favor pense bem.

Meu voo é anunciado mais uma vez.

ㅡ Vou pensar. ㅡ garantiu com carinho. ㅡ Agora é melhor você ir ou vai se atrasar.

Eu enchi meus pulmões de ar para acalmar esse sentimento horrível de despedida em mim. Levei meus olhos aos seus e os vi vermelhos com presença das primeiras lágrimas, sua língua deslizou pelos lábios em ansiedade. E é em sua boca úmida e avermelhada que minha atenção se prendeu. Eu não sei se essa vai ser a última vez que nós veremos, se for, quero levar o sabor de seus lábios nos meus.

Avancei sobre seu corpo e colei o meu ao seu. Encaixei seu rosto entre minhas mãos prendendo meus olhos nos seus. A respiração dela se torna desaritmada assim como a minha e nossos suspiros pesados se mesclam.

ㅡ Tae, é melhor não. ㅡ disse ao ver meus lábios se aproximando.

ㅡ Por favor. ㅡ disse com um sussurro fechando os olhos. ㅡ Um último beijo, por favor.

Ela arfou com e então saiu devagar. Com sua permissão, colei nossos lábios num selinho demorado antes de iniciar um beijo lento, intenso, repleto de sentimentos e saudades. Quando nos separamos, ofegantes, ainda muito próximos, observei seus olhos cintilantes e finalmente tiveram coragem de dizer, ainda hesitante, mas sincero.

ㅡ Talvez seja tarde demais, mas estou me apaixonando por você.