Você acredita em fantasmas?
"Muito boa noite, meus queridos ouvintes! Bem-vindos a mais uma sessão de terapia coletiva nesse programa que é a única coisa boa que acontece no seu dia. Hoje, meu povo, eu tenho algo especial. Não, especial não... ES-PE-TA-CU-LAR! Então, deixa eu perguntar uma coisinha: vocês acreditam em fantasmas?"
Efeito sonoro de um trovão.
"E não vale responder 'não', porque eu sei muito bem que metade de vocês já dormiu com a luz acesa depois de assistir um vídeo de terror no TikTok. Pois bem, hoje eu trouxe convidados pra dar aquela apimentada no seu cagaço diário. Eles caçam fantasmas! Sim, isso mesmo, gente que sai por aí à noite, investigando lugares que a maioria de vocês não teria coragem nem de passar de carro. Entrem, por favor!"
Som de passos e cadeiras arrastando.
"E aqui estão eles! Ingrid, Rafael e Bruno. Um trio que provavelmente divide o mesmo cérebro, porque, sinceramente, quem em sã consciência acha que é uma boa ideia ir atrás dessas coisas? De qualquer forma, sejam bem-vindos, meus amores."
"Obrigada! É uma honra estar aqui, a gente adora o seu programa."
"Eu sei, todo mundo adora. Mas vamos ao que interessa, porque eu não trouxe vocês aqui pra ficarem me bajulando. Começa aí, Ingrid: há quanto tempo vocês fazem isso?"
Bruno tenta responder primeiro, mas o radialista corta:
"Não, não, deixa a mulher falar. Mulheres geralmente têm mais juízo, embora eu esteja começando a duvidar disso, considerando a companhia dela. Vai, Ingrid."
A garota ri de leve.
"Fazemos isso há uns cinco anos. Começou como uma curiosidade, mas acabou virando profissão."
"Profissão? "
A coisa arqueia as sobrancelhas.
"Então vocês ganham dinheiro com isso? Olha só, e eu achando que o único jeito de ganhar dinheiro com fantasmas era vendendo kit de exorcismo no Mercado Livre."
Bruno tenta interromper novamente, mas o radialista o ignora, apontando pra Rafael.
"E você, Rafael? Já viu um fantasma ou só se olha no espelho e acha que é assombração?"
O rapaz fica sem graça.
"Já vimos coisas estranhas, sim, mas..."
"Estranhas" não vale, querido. Todo dia eu vejo coisas estranhas: fãs do Oruam, nordestinas achando que são Russas... Eu quero saber de fantasma. Algo que te fez cagar nas calças de verdade."
Ingrid toma a frente novamente.
"Tivemos dois casos em que não conseguimos explicar o que aconteceu. Foi bem tenso."
"HAHAHAHAHAH, Dois casos? Em cinco anos? Que porcaria, hein. Eu consigo mais histórias bizarras conversando com minha avó."
Bruno, decidido, inervem.
"Na verdade, trouxemos algo especial hoje. Vamos fazer uma demonstração ao vivo."
"Ah, claro! Porque o meu estúdio é o lugar perfeito pra brincar com espíritos."
A coisa sorri, sínica.
"Vocês ao menos avisaram a entidade que iam chamar ela? Ou ela já tá aqui, esperando que eu pague o Uber?"
"Trouxemos nossos equipamentos. Esse aqui detecta alterações no campo eletromagnético e..."
"Campo eletromagnético?" o radialista interrompe. "HAHAHAHAHA, essa eu quero ver. Vamos logo com isso, porque se essa brincadeira não der em nada, eu é quem vou fazer uma brincadeira com vocês.
"Bom, nós vamos fazer perguntas, e o espírito pode responder por meio deste aparelho aqui. É um Spirit Box. Ele capta frequências de rádio e, supostamente, as entidades conseguem manipular as frequências para falar com a gente."
A coisa se inclina na direção do aparelho.
"Entendi. Então é tipo um radinho... Interessante. O que eu posso prometer pra vocês, ouvintes, é que, se algum espírito aparecer, eu vou mandar ele direto pra casa de vocês.""
Ele ergue uma sobrancelha e cutuca o aparelho.
"E tem também este outro equipamento, o K2. Ele mede alterações no campo eletromagnético. É bastante usado...
"Ah, sim, claro! Ingrid, desculpa por ter te cortado antes. Me explica direitinho o que é isso. Eu prometo que vou tentar fingir que acredito."
Ingrid se esforça para manter a compostura.
"Bom, o K2 detecta variações no campo eletromagnético. Em teoria, espíritos podem influenciar esses campos. Então, quando a luz sobe no aparelho, significa que algo está interferindo nele."
Ela se aproxima do radialista para demonstrar.
"Só pra exemplificar..."
Quando ela passa o aparelho perto dele, todas as luzes do K2 disparam para o máximo.
"Olha só, ouvintes!" Parece que eu sou tão magnético quanto a minha personalidade. Ou vai ver que é só meu fígado tentando sair do corpo depois de tanto café."
Os outros convidados riem sem graça, mas Ingrid começa a franzir a testa.
"Isso... é estranho."
"Deve ser alguma interferência, querida. Então, que tal deixarmos o clima mais... interessante?
A coisa se levanta de repente, indo até o interruptor.
"Vamos apagar essas luzes. Porque, sejamos honestos, todo mundo sabe que tudo fica mais gostosinho no escuro."
Click de interruptor.
"A partir de agora, vocês são os apresentadores, e os ouvintes? São todos de vocês. Divirtam-se, crianças."
Ele desaparece na escuridão.
Ingrid liga o Spirit Box.
"Bom, hã... Ouvintes, nós vamos começar a tentar fazer contato. Tem alguém aqui"
A voz dela treme um pouco.
O Spirit Box permanece em silêncio. O K2, imóvel.
"Por favor, não estamos aqui para zombar, só queremos mostrar que vocês existem."
Ainda nada.
A voz da coisa surje na escuridão, a direção é incerta.
"Talvez o espírito seja tímido. Acho que vou me afastar mais um pouquinho..."
O som dos passos some.
Ingrid está visivelmente desconfortável.
"Tem alguém aqui conosco"
Um sussurro grave e distorcido surje do Spirit Box.
"Tá aqui."
O K2 dá um único pulso, subindo até o amarelo antes de voltar ao normal.
Ingrid arregala os olhos.
"Vocês viram isso?!" murmura Bruno, quase inaudível.
A garota engole em seco, sem saber o que fazer em seguida.
"Nós... nós não queremos fazer mal algum. Você vive aqui?"
"É o lugar..."
"Você gostaria de ajuda? Podemos..."
"Aqui é meu."
Ela gagueja, o rosto perde a cor.
"É... é seu, claro... nós... não queremos desrespeitar..."
"...u ma...o ...e...te"
Rafael se inclina perto do aparelho.
"O que foi isso? Ele disse... 'eu'?"
"Eu ma..."? Bruno franze a testa, tentando adivinhar.
Ingrid arregala os olhos, apavorada.
Ela entendeu a frase.
"Eu mato gente"
O K2 começa a piscar descontroladamente, indo do verde ao vermelho em pulsos rápidos. A garota grita, os três se levantam, os olhos fixos no aparelho.
"Chega! Desliga isso, Ingrid!" implora Bruno, a voz quase quebrando.
"Eu... eu preciso continuar... Como você... como você morreu?"
A resposta vem quase instantaneamente.
"Não morri."
Estática.
"Querem ver?"
Os três paralisam. Ingrid tenta dizer algo, mas sua voz falha.
"Querem? Tô aqui."
Bruno berra novamente, apontando para o aparelho.
"Desliga isso agora!"
A garota tenta desligar o Spirit Box, mas antes que consiga, uma última frase escapa.
"Tô atrás de vocês."
Todos se viram ao mesmo tempo, os olhos arregalados de puro terror. Rafael grita em pânico.
"MEU DEUS! O QUE É ISSO"
Click!
As luzes do estudo se acendem.
Parado atrás deles, o desgraçado aplaude com entusiasmo.
"Bravo! Isso foi incrível! Que atuação impecável! Por um momento, eu até pensei que vocês acreditavam nessa baboseira."
Passos apressados e xingamentos escapam da transmissão.
A porta bate com força.
"KYAKYAKYAKYAKYAKYA, Tá vendo, pessoal? Charlatões. Mas foi divertido, né? Espero que tenham gostado."
A coisa quase não consegue parar de rir.
"Bom, meus amores, nos vemos no próximo programa, e... Esses imbecis deixaram as coisas deles aqui na minha mesa, eu vou vender tudo na OLX, HAWHAHWEHAWHAW."
O K2 parou no vermelho.
Fim da transmissão.
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