[2] Novos Começos
[Alex]
Ao chegarmos ao prédio de Kathy, percebi que o porteiro, um homem de meia-idade, de corpo esguio e cavanhaque, e as meninas pareciam tão íntimos. Ele as perguntou sobre quem seria o ilustre convidado — e obviamente referia-se a mim — Sarah rapidamente explicou que eu ficaria por ali por algum tempo. O homem assentiu e não fez mais pergunta alguma, ele sorriu para mim, mas não sei se era realmente a intenção dele ser gentil e amigável, ou se era apenas uma cordialidade em função de sua posição ali, e eu não quis pensar muito sobre, apenas o agradeci e coloquei meu melhor sorriso em meu rosto, considerando as circunstâncias em que acabei indo parar lá.
O apartamento de Kathy estava localizado no segundo prédio a esquerda do portão em que entramos, utilizamos o elevador e logo paramos no quarto andar. Os corredores me pareceram tão aconchegantes que eu senti um pouco de esperança de enfim encontrar meu próprio lugar.
Sarah e Kathy faziam suas piadas internas, mas não me senti incomodado, porque de uma maneira ou outra, ela acabava voltando sua atenção para mim, e as nossas piadas internas acabavam fazendo com que Kathy começasse a gargalhar ainda mais. Assim que adentramos o apartamento, pude perceber que mesmo sendo um lugar pequeno, e que tinha muito o toque de Sarah e talvez o de Kathy também, já que elas pareciam ser bem parecidas em muitos aspectos.
A decoração por mais simples que fosse, era muito mais sofisticada do que eu jamais poderia ter sonhado em ter. Sarah me tirou de meu estado de encantamento ao me dizer para que eu deixasse minha mala em algum canto, e pediu para que eu me sentisse em casa — aquelas palavras soaram tão amargas para meus ouvidos, afinal eu ainda estava tentando digerir toda aquela situação, toda aquela mudança de ares.
— Ande, tome um banho e coloque seus pensamentos no lugar — Sarah me disse, enquanto apontava na direção em que presumi ser o banheiro.
Já Kathy nos olhava apreensiva, eu não sabia o quanto Sarah deveria ter contado sobre para sua namorada em seu caminho até o McDonald, mas parecia que ela compreendia exatamente pelo que eu estava passando, entretanto, tudo indicava que ela preferia guardar quaisquer palavras para si mesma.
Eu anuí sentindo o cansaço se abater sobre mim, e após todo aquele trajeto, depois de todo o sofrimento das últimas semanas. Kathy entregou-me uma toalha enquanto eu escolhia alguma muda de roupa, e eu rapidamente a coloquei sobre meu ombro, em seguida caminhei até onde era o banheiro que Sarah tinha indicado, lá entrei e olhei para as paredes e tudo ao meu redor.
Eu mentiria se eu dissesse que eu não me sentia estranho, e que todo e qualquer lugar me parecia uma possibilidade de hostilidade. Fechei a porta atrás de mim e travei sua fechadura, me olhei no espelho por alguns segundos, vi que meus cabelos estavam todos embaraçados, eu possuía olheiras enormes, sem falar dos olhos fundos e vermelhos. Retirei minha blusa com camiseta e tudo, jogando-a no chão, e então comecei a reparar também em como meu corpo tinha mudado de uns tempos para cá, eu tinha emagrecido demais.
Tirei o restante das roupas, liguei o chuveiro que começou depois de pouco tempo a criar uma cortina de vapor, me senti tão bem e seguro de que eu poderia chorar ali, ninguém se incomodaria com isto, não naquele momento, e foi o que fiz, sentei-me no chão, pouco me importando com bactérias ou coisas do tipo, coloquei minha cabeça entre minhas pernas e fiquei ali por um bom tempo, eu só precisava deixar aquela dor sair.
♫
Eu não sei por quanto tempo eu havia adormecido após o banho. Sarah preferiu que conversássemos no dia seguinte, pois eu já estaria descansado da longa viagem e de todo estresse vivenciado nos últimos dias.
É louco pensar que muitas vezes quando estamos no fundo do poço e acreditamos que tudo o que nos parece familiar é apenas a dor do que sentimos no momento, e cegamos ao ponto de esquecer que ainda há pessoas que podem nos oferecer uma mão, que de alguma maneira possam ser uma luz em meio a toda a escuridão que nos cerca.
De alguma maneira, aquele pensamento fez-me sentir aliviado, mesmo que eu ainda estivesse sentindo um imenso vazio dentro de mim, eu lutava arduamente para manter o pensamento de que isso logo passaria, pois sempre tentei acreditar que nada nesta vida é perpétuo.
Me levantei ainda sonolento e cambaleante, caminhei em direção a cozinha que era interligada a sala de estar, e lá estava Kathy a beira da pia terminando de passar o café. Enquanto as panquecas que ela tinha preparado estavam postas sobre a pequena mesa, Kathy notou minha aproximação nada galante e me abriu um sorriso terno.
— Conseguiu dormir bem? — Kathy perguntou tentando buscar palavras certas para iniciar um diálogo, seus olhos continuavam sobre mim na expectativa de que eu a respondesse, e a resposta não parecia vir. Ela chacoalhou sua cabeça e então reformulou sua pergunta.
— Digo, como está se sentindo? — confesso que demorei um pouco para saber o que responder. Não que aquela fosse uma pergunta difícil, mas é que nem mesmo eu sabia como eu me sentia naquele momento. O silêncio perdurou entre nós e a expectativa sobre o que eu lhe responderia e o que eu a responderia começava a se instaurar no ambiente, respirei fundo, sorri e lhe respondi:
— Consegui dormir sim, o cansaço por fim acabou me vencendo, apesar de toda merda que está acontecendo — eu não soube exatamente o que dizer, portanto aquilo foi o que primeiro me veio na cabeça e talvez era como eu realmente me sentisse.
— Precisa de alguma ajuda? — perguntei na esperança de poder de alguma maneira ser útil. Eu odiava a ideia de estar de favor, de ser considerado um zero à esquerda que só as traria prejuízos. Sempre tive esta mentalidade, nunca gostei de imaginar que eu poderia estar dando trabalho aos outros, e isto ficou pairando ainda mais em meus pensamentos, ainda mais após todo o episódio com minha irmã — que àquela altura do campeonato, já havia me enviado diversas mensagens, mas eu preferi as ignorar, eu ainda não estava pronto para ter aquela conversa.
— Está tudo bem, Alex —Kathy respondeu-me sorrindo e quando percebi eu também estava sorrindo — Sarah foi comprar mel, já que o que tínhamos acabou.
Estava me sentindo de alguma forma querido por ali, mas uma espécie de alarme sempre soava em minha cabeça, dizendo para eu não me acostumar muito com isso, já que tudo poderia ser arrancado tão rapidamente e da mesma forma como tudo aconteceu em minha estadia com minha irmã.
Aceitei que eu não tinha muito o que fazer ali, pelo menos não naquele momento. Envergonhado comecei a olhar uma vez mais ao meu redor, gostaria de guardar cada mínimo detalhe da casa em minha memória. Acho que no fundo eu queria que aquele também fosse o meu lar, mas estava satisfeito com a possibilidade de temporariamente estar ali e com pessoas que não me enxotariam de suas vidas por um simples capricho de um parceiro extremamente homofóbico.
Enquanto eu circulava pela sala distraído, um objeto pendurado na entrada da pequena varanda chamou minha atenção — tratava-se de um pequeno pegador de sonhos que Sarah e eu confeccionamos em uma aula de artes há muito tempo atrás. Encontrar aquele objeto que fora esquecido completamente por mim durante todos estes anos, foi uma tremenda surpresa.
Me aproximei de onde estava o enfeite pendurado na varanda, toquei-o e logo senti um forte sentimento de nostalgia me invadir. Lembrei-me de cinco anos atrás quando tínhamos nos conhecido.
Na ocasião eu tinha acabado de mudar de escola, a princípio não conversávamos muito, mas nosso interesse por artes acabou rompendo qualquer parede gelo que ali existisse. Depois de alguns meses, em uma tarefa para a aula da Senhora McGraw, tivemos a oportunidade de trabalhar juntos, passamos uma tarde inteira confeccionando aquele pegador de sonhos, e foi ali que confessamos nossos segredos um para o outro.
Meu coração certamente estava aquecido e juntamente com a sensação nostálgica, algumas lágrimas de alegria brotavam de meus olhos. Aquele não era um lugar onde eu me sentia completamente estranho, e aquelas não eram pessoas que me deixariam sentir-se como um.
— Sempre quis manter isso comigo desde que me mudei de São Francisco — a voz de Sarah me despertou de meu estado aéreo. Eu não tinha percebido quando ela tinha regressado da mercearia, as coisas que ela tinha comprado, além do mel já se encontravam no balcão ao lado de Kathy.
— Uau, eu nunca imaginei que você ainda guardava isso. Na época eu achava que tinha sido uma péssima ideia para um trabalho manual — eu disse sorrindo, desta vez não era um sorriso que eu estava acostumado a usar de um tempo para cá, no intuito de esconder o quão magoado ou machucado eu estava, pela primeira vez em dias ou meses, era um sorriso genuíno.
— Você sempre teve uma opinião muito crítica das coisas que você faz — ela me disse após se aproximar de mim, me envolver em um abraço uma vez mais, e em seguida me dar um soco no ombro.
— Alguém tem que ser a pessoa sensata daqui, não é mesmo? Sem ofensas, Kathy... — eu respondi massageando meu ombro esquerdo, também na intenção de provocá-la, ainda mais sabendo que ela entenderia sobre o que eu também me referia. Kathy sorriu ao ver o quão radiantes parecíamos juntos.
— É bom ver que você manteve sua língua afiada e suas presas venenosas — ela disse após uma vez mais me abraçar.
— Acho que é bom estar de volta — eu respondi sabendo que aquelas palavras não apenas soavam estranhas para quem as ouvissem em um momento como aquele, e bem lá no fundo, era como eu me sentia, eu estava aos poucos voltando a ser eu mesmo, ou pelo menos era o que eu esperava que acontecesse.
— É bom ter você de volta — Sarah me disse enquanto desfazia o abraço, convidando-me para sentar-me à mesa com elas. Kathy se sentou do outro lado da pequena mesa que havia ao lado do balcão que dividia a pequena cozinha da sala com a varanda.
Kathy estava servindo o café para Sarah, e logo olhou para mim enquanto segurava o copo da cafeteira em suas mãos, ela me ofereceu um pouco de café. Eu aceitei, estranhamente não pensei muito sobre o fato de eu nunca ter sido muito fã de café.
Não pude deixar de notar o olhar de Sarah curioso e ao mesmo tempo como se me dissesse — mas você odeia café!
— É bom tentar novos ares — eu disse antes que Sarah respondesse qualquer coisa, ela apenas deu de ombros e começou a rir, Kathy não compreendeu muito o que estava acontecendo, mas acabou rindo junto com a gente.
— E como você está? — Sarah me perguntou sem muito fazer rodeios, pensei por um instante me desviar do assunto, mas no fundo eu sabia que com ela eu não tinha menor chance de utilizar minhas artimanhas e simplesmente fugir do que deveria ser realmente dito.
Quando estudávamos juntos, ela sempre me dizia — "se você guardar tantas coisas dentro de você, um dia você acabará sufocado..." — ela melhor do que ninguém, sabia o quanto eu guardava tudo para mim mesmo, o quanto tudo ficava lá dentro me corroendo por completo. Ela continuava a me olhar, era como se ela aos poucos tentasse arrancar o que quer que fosse que estivesse me incomodando, e ela estava certa, continuar guardando aquilo estava me matando.
— Acho que você deve imaginar que eu saí de casa por conta da minha mãe, não é? — eu disse e ela assentiu, ela melhor do que ninguém sabia exatamente o que estava acontecendo, mesmo que eu não tivesse lhe contado toda a situação que me compeliu a viajar diversas milhas até Seattle. Eu sabia que de uma forma ou outra, ela iria me ajudar a encontrar uma alternativa para isso tudo, nós dois sabíamos muito bem que ela é este tipo de pessoa.
— Eu imaginei que este era o caso, mas e quanto a Kristen? Ela sempre me pareceu do tipo mais compreensível... — Sarah perguntou tentando compreender mais do que se passava.
— Ela pode até ser compreensível, desde que isto não afete seu casamento... — a mágoa que eu tinha de minha irmã falou muito mais alto, eu sabia que Kris sempre foi uma pessoa compreensível, e que tenta olhar o outro lado também, mas aquela não tinha sido a ocasião.
— Aí! Não me diga que ela casou com... — Sarah disse enquanto fazia careta, demonstrando estar enojada com a péssima decisão da amiga.
— Sim, com o Phillip. E antes que me pergunte, também não sei o que ela viu nesse cara — eu disse contragosto, sentindo toda a fúria se apossar de mim ao lembrar da noite em que eu saí de sua casa.
— Kristen sempre teve bom gosto para as coisas, mas definitivamente não para homens — o comentário de Sarah me fez rir, ao relembrar dos outros namorados de minha irmã, Kathy apenas nos estudava em silêncio.
— E por quanto tempo planeja ficar em Seattle? — Sarah perguntou entrelaçando seus dedos, enquanto apoiava seus dois cotovelos sobre a mesa.
— Seria mentira se eu dissesse até que as coisas se ajustassem, mas a verdade é que eu não tenho a menor vontade de voltar para lá — eu disse olhando tanto para Sarah quanto para Kathy, que permanecia em silêncio diante toda a conversa que ela ouvia.
Não vou mentir em dizer que não senti como na noite anterior, e que a qualquer momento eu poderia voltar a estar sozinho e desamparado, mas também não poderia as culpar, elas tinham suas próprias vidas e seria muito cara-de-pau eu simplesmente aparecer do nada e pedir com um sorriso no rosto para morar com elas, por conta de um problema meu com a minha família.
Permanecemos em silêncio por algum tempo, Sarah e Kathy trocaram olhares e parecia que conversavam por telepatia, e provavelmente em suas cabeças deveriam estar travando algum tipo de batalha sobre qual seria o meu destino. Aquele demasiado silêncio que se fazia presente estava me deixando cada vez mais aflito, meu coração batia em uma frequência que eu desconhecia até a noite passada.
— Eu imaginei isso também, você sempre foi orgulhoso demais — ela disse sorrindo e Kathy também sorria enquanto me olhava também, meu coração naquele ponto estava quase saindo pela boca.
— Tudo bem para vocês se eu ficar por um tempo? — eu perguntei não aguentando mais todo aquele suspense. Olhei tanto nos olhos de Kathy que nada disse, quanto nos olhos de Sarah que ainda mantinha um semblante gentil, mas que aos poucos foi mudando para algo mais sério.
— Claro, mas assim como todos aqui, você precisará de um trabalho — disse Kathy sorrindo, enquanto Sarah assentia com a palavra da parceira.
— Claro, eu não pretendo ficar parado em casa, ainda mais com todos estes pensamentos me circulando... — eu disse certo de minhas palavras e de meus desejos interiores — Preciso de uma distração... — pelo menos era o que eu acreditava.
— Você teria alguma restrição do que fazer? — Sarah me perguntou enquanto me analisava, era como se algo já passasse por sua cabeça, e nem mesmo eu conseguia decifrar o que ela maquinava.
— É melhor conseguir algo do que estabelecer um local fixo nas ruas para poder arrumar clientes. Eu ainda continuo bonito apesar de toda essa merda... — eu disse sarcasticamente, Sarah e Kathy não conseguiriam evitar a risada.
— Que bom que pensa assim, pois eu conheço alguém que realmente precisa de um funcionário — ela disse com um sorriso ladino, e Kathy a olhava e pela sua expressão, ela sabia exatamente sobre o que sua namorada estava falando.
— Não seria o Vince, seria? — perguntou Kathy, olhei para ela naquele mesmo instante, e Sarah anuiu. Eu não sabia exatamente quem diabos seria aquele Vince, mas se este cara fosse capaz de me arrumar um emprego, para eu poder sustentar meu sonho de independência e meu teste interno de ser capaz de viver sem depender de minha família, eu estava pronto para o que quer que ele fosse jogar para cima de mim.
E aí, gostaram do capítulo?
Me contem nos comentários o que acharam e que tipo de trabalho vocês acham que o Alex conseguirá em Seattle.
Mais uma vez obrigado por chegarem até aqui e espero que esta história continue cativando vocês. 💜
Beijos e até a semana que vem!
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