[1] Ferido
[Alex]
[Para uma melhor experiência leia esta primeira cena ouvindo a música fixada no capítulo]
As luzes dos carros atravessavam a janela em que eu me mantinha encostado, mesmo que a velocidade do ônibus não fosse alta ou algo do tipo, os pequenos flashes que vinham dos carros que passavam na direção contrária ofuscavam-me a visão. Pequenos e inchados, era a descrição que qualquer pessoa faria se os vissem naquele momento, e não era para menos, eles assim se encontravam por causa do meu choro copioso. Estava tudo escuro e mesmo que as luzes que vez ou outra iluminassem meu rosto, eu ainda conseguia me esconder dentro do capuz largo da blusa que eu usava.
Não que alguém em algum momento fosse se incomodar com meu choro baixo, por vezes silencioso, enquanto eu mesmo questiono sobre como o mundo é injusto e o motivo de eu estar vivendo toda aquela merda.
Meu telefone continuava em meu colo, e não havia nenhuma mensagem recebida desde que eu deixei a casa de minha irmã Kristen, uma noite atrás. Eu acreditei que estando ao lado dela, eu poderia viver de alguma maneira a minha própria vida, sem que me julgassem pelas decisões ou pessoas que eu decidisse me relacionar, mas isto foi apenas uma maneira do universo me dizer — não querido, não sonhe demais.
Tudo aconteceu algumas semanas depois de eu ter me mudado para casa dela, o então noivo de minha irmã começou a questionar sobre a duração de minha estadia em sua casa. E claro como uma boa esposa submissa e que pouco se importa com a merda que seu irmão mais novo estava passando, ela logo tratou de tentar apaziguar o cara, lhe dizendo que tudo se resolveria com minha mãe, e que em pouco tempo eu já não estaria mais com eles.
Me doeu muito perceber que até mesmo na vida de minha irmã, eu era indesejado, e ela sendo a pessoa que sempre me disse que estaria ao meu lado em todos os momentos da minha vida.
Mas danem-se todos!
O melhor que eu tinha a fazer era simplesmente sumir dali e quem sabe recomeçar em algum outro lugar, em um lugar onde ninguém me conhecesse e que não poderiam me machucar ou me julgar por eu ser quem sou. E isto me traz a este presente momento, em que olho desanimado através da janela enquanto o mundo parece continuar funcionando e minha vida passando diante dos meus olhos castanhos e avermelhados.
Acho que eu estava tão perdido em meus próprios pensamentos, que mal havia percebido que aquele já era o final da linha, não somente para mim, mas para quaisquer outros passageiros que ali estivessem porque dormiram e perderam seus pontos, em algum momento da longa viagem. Senti um toque gentil e ao mesmo tempo urgente sobre meu ombro, em seguida a voz rouca da pessoa que me despertara de meus devaneios. Estranhamente as coisas passaram a ganhar forma.
— Ei sonhador, fim da linha — disse o homem de bigodes fartos e grisalhos, seu rosto era arredondado. Ele possuía uma enorme e protuberante barriga, o que fazia com que alguns de botões de sua camisa azul celeste parecessem estarem desabotoados.
— Perdão, senhor. Onde estamos? — perguntei confuso e um pouco preocupado, eu não sabia exatamente quanto tempo havia se passado ou o quão perdido eu estava, e nada disto me interessava naquele momento.
— Em Seattle — disse o homem que parecia de certa maneira ligeiramente incomodado, ele demonstrava estar bastante inquieto e impaciente, e seu pé esquerdo parecia tamborilar sobre o piso do ônibus.
Diante da resposta do homem, que julguei ser o motorista, apenas anuí e levantei-me completamente atrapalhado, tentei apalpar minhas coisas que deveriam estar em algum lugar do compartimento que havia sobre minha cabeça. Eu repetia o nome da cidade como uma espécie de mantra, enquanto puxava as minhas malas. Eu não estava dando a mínima para o quão longe eu tinha chegado, mas toda aquela coisa de desaparecer da vida daqueles que deveriam de certa forma me amar. Naquele momento não me parecia ter sido muito bem planejado e isto ficava cada vez mais visível de uma maneira que me assustava, pois eu não sabia o que fazer ou o que aconteceria dali para frente.
O motorista logo abriu um pouco de espaço em direção a porta do veículo para que eu pudesse passar. Logo que coloquei meus pés sobre o chão da rodoviária, pude perceber que havia pessoas até demais para o horário. Olhei para os dois lados do lugar que me soava cada vez mais inóspito e estranho, lancei um último olhar na direção do ônibus em que saí, e que agora encontrava-se com suas portas fechadas. O som dos carros circulando de um lado para o outro incrementavam o temor dentro de mim pelo desconhecido.
Não sei por quanto tempo fiquei ali parado entre as plataformas, mas o som dos carros continuava a ecoar por todos os lados, tornando isto algo familiar para mim e despertando-me então de meu torpor. Eu decidi que deveria seguir o som dos carros, mesmo não sabendo para onde exatamente eu queria ir ou o que fazer, e para somar aos meus problemas, meu dinheiro não era suficiente para me alimentar por um dia ou talvez dois. Retirei o celular de meu bolso, olhei para meu visor por alguns instantes, pensei em tudo o que havia acontecido nos dois últimos dias, e em toda a mágoa que eu sentia de meu lar.
Digitei minha senha rapidamente e comecei a navegar pelo Instagram, minha página estava repleta de pessoas que estavam sorrindo com seus amigos, familiares ou algum amor que a vida lhes trouxera. Muitos rostos conhecidos passaram pelo meu feed. Um nó cada vez maior parecia se instaurar em minha garganta, ainda mais quando eu vi uma foto minha que minha irmã tinha publicado horas atrás. Achei irônico o fato de agora que eu desapareci de fato da vida dela, ela parecia estar preocupada. Meus olhos começaram a arder novamente quando o súbito choro parecia querer rasgar meu peito juntamente com a dor que eu sentia naquele momento, guardei meu telefone em meu bolso e fui em direção a uma escadaria que ali tinha e que levava ao lado de fora do Terminal Rodoviário.
Sentei-me em um dos diversos degraus que estavam visivelmente sujos e cheios de lixo. Pouco me importei com a condição do lugar, eu apenas queria um lugar onde eu pudesse uma vez mais chorar e que ninguém me visse naquele estado deplorável. Coloquei minha cabeça entre meus joelhos e abracei meu corpo como em uma tentativa de amenizar o sofrimento que eu sentia, meu rosto em pouco tempo ficou uma vez mais úmido, as lágrimas agora escorriam por minhas bochechas e meu nariz parecia querer desaguar — e eu sei que este último detalhe, eu poderia ter deixado de lado, apenas ignorem tal comentário desnecessário.
Questionei uma vez mais o porquê de aquilo estar acontecendo justamente comigo, se eu bem me recordava, eu nunca tinha sido uma daquelas crianças egoístas ou mal-educadas, sempre amei minha família com todo o meu coração, mas parecia que naquele momento a pessoa que eles haviam conhecido tinha se transformado em alguma abominação que os faziam sentir asco. E esta súbita transformação de tudo o que eu conhecia era o que mais machucava.
Percebi que meu telefone começara a vibrar em meu bolso, ignorei por algum tempo até o ponto de se tornar insuportável, peguei meu aparelho e olhei seu visor, nele mostrava a foto de Kristen e seu contato salvo como Kris. Tudo o que eu menos queria era conversar com ela naquele momento, eu não queria lhe dar satisfação alguma, ou alimentar suas falsas esperanças de que tudo não passava de uma fase e que eu voltaria a ser quem eu era ou quem todos em minha família gostariam que eu fosse. Kristen após um tempo insistindo em me ligar e eu insistindo em não lhe atender, acabou cedendo e desistiu, pelo menos isto tinha sido por algum tempo, e eu tinha certeza de que ela tentaria mais outras milhões de vezes se preciso.
Decidi me distrair um pouco, voltei ao meu Instagram e para minha surpresa um outro rosto muito familiar e querido apareceu na minha tela. Era uma foto de Sarah, ela estava com uma garota que pela proximidade das duas em sua foto, eu julgaria ser Kathy, sua namorada. A mulher ao seu lado tinha o cabelo raspado nas laterais e seus fios tingidos em um verde-água, que com toda certeza era bem chamativo, ela também tinha diversas tatuagens em seus braços. Elas estavam sorrindo e pareciam tão felizes — não vou negar que isto mexeu um pouco comigo, me fazendo ponderar se um dia eu teria alguma coisa assim, se eu sorriria ao lado de alguém desta mesma maneira, sem me preocupar em mostrar as minhas verdadeiras cores.
Notei que a foto postada por Sarah era bem recente, de minutos atrás para ser exato e como um sinal do universo ou algo do tipo, a coincidência de estarem exatamente no mesmo lugar que eu. Sarah e sua namorada estavam em Seattle. Fechei meus olhos por alguns segundos, senti que ainda havia mais lágrimas para serem derramadas, mas eu as impedi, respirei fundo, contei em silêncio até dez, pelo menos umas duas ou três vezes. Olhei para a tela de meu telefone que ainda estava com o Instagram aberto, a foto de Sarah já não se estava no topo, mas havia um story dela recente. Eu vi o curto vídeo em que a única coisa a ser vista era o mar e suas ondas rítmicas ao som de Pearl Jam. Tomei coragem e decidi responder seu story.
"Ei, Sarah,
Quanto tempo...
Como você tem passado? Aliás você e a Katherine formam um casalzão da porra!
Bem, acontece que estou em Seattle e sem lugar algum para passar a noite, não haveria nenhuma possibilidade de você ter um espaço para mim?
Beijos e abraços"
Senti naquele momento que talvez existisse uma luz no fim do túnel, comecei a aguardar ansiosamente por uma resposta vinda de Sarah, e que aos poucos os minutos foram se estendendo, o que fez com que meu peito uma vez mais pesasse e eu novamente me sentisse derrotado. Guardei meu telefone em meu bolso, e respirei fundo uma vez mais, meus pensamentos pessimistas me diziam que qualquer tentativa seria praticamente inútil e que me restaria apenas a opção de retornar para minha casa, que se encontrava a milhas de distância de onde eu me estava.
Como dizem: "a noite é uma criança" — repeti o ditado popular sentindo um gosto amargo me tomar, me invadir, e não somente em minha boca. Sai da Estação Rodoviária Greyhound que me levou diretamente a uma rua mais movimentada, com carros de todos os tipos circulando de um lado para o outro, pessoas também passavam e elas de certa maneira, pareciam todas felizes e novamente as invejei, queria eu estar sentindo uma pontinha desta felicidade, imaginei-me em seus lugares e o alívio veio tão rápido da mesma maneira que logo desapareceu. Naquela noite, o mundo parecia ser um lugar opressor, e mal eu sabia o quanto mais daquilo eu ainda teria de aguentar.
Continuei caminhando e minha barriga agora começava a protestar, seu barulho parecia absurdamente mais alto do que eu jamais me recordara. Avistei não muito longe de onde eu me encontrava um McDonald que ainda estava aberto, e ao que indicava não iriam fechar tão cedo. Adentrei o local e pude sentir diversos olhos caírem sobre mim, era como se algo em mim brilhasse como se fosse a porra de um outdoor que lhes dizia — sou estranho, estou perdido e fodido — e mesmo que os olhares estivessem sobre mim, e a atmosfera parecesse cada vez mais inóspita. Eu caminhei até o balcão onde uma moça que não aparentava ter mais idade que eu, forçou um sorriso para poder parecer simpática e então me atendeu.
— Senhor, qual será o seu pedido? — disse a jovem de pele morena, aparelho nos dentes e um belo sorriso, se não fosse tão oportuno e falso.
— Quero um combo simples, com chá gelado ao invés de refrigerante — eu disse tentando provar que eu estava no controle. A atendente anotou o meu pedido tão rapidamente e logo imprimiu o recibo.
Peguei minha carteira em meu bolso, percebi o quão magra ela estava, tinha mais alguns dólares restantes comigo e talvez eles poderiam apenas me comprar algum salgadinho de batatas. Com certo pesar entreguei o dinheiro na mão da atendente, que terminou de registrar meu pedido. Senti meu celular vibrar em minha perna, meu coração parou por um instante, minhas mãos já estavam trêmulas e isto era um belo efeito de nervosismo, fome e temor, havia a possibilidade de ser Kristen ou Sarah que poderia ter visto minha mensagem, eu silenciosamente torcia para que fosse a segunda opção.
Aguardei entregarem o meu pedido, o que não demorou muito tempo já que não existiam tantos a serem entregues. Assim que o retirei do balcão, me dirigi até uma das poucas mesas que estavam disponíveis, sentei-me rapidamente ao lado da janela e olhei para fora do estabelecimento em que me encontrava. Encarei um pouco mais a cidade que continuava a viver independente das pessoas estarem bem ou não, talvez eu fosse apenas mais uma das milhares de pessoas que ali viviam que poderiam estar passando por alguma merda.
Comecei comendo as batatas, meu telefone ainda estava em meu bolso, meu coração ainda batia tão rapidamente, mas eu não sentia que tinha tanta coragem para ver quais das opções eram em meu telefone. Demorei mais alguns minutos até enfim retirar o telefone de meu bolso, fiquei feliz por um breve momento quando notei que havia diversas notificações de Sarah, eu as abri e imediatamente as li, não pude conter o sorriso em meu rosto.
Sarah tinha me falado que tinha um quarto vazio em seu apartamento, meus dedos tremiam por pelo menos haver a possibilidade de aquilo dar certo, digitei meu número para ela, desejando que ela me ligasse o mais rápido possível, o que não acabou demorando para acontecer.
Assim que atendi, eu pude perceber a empolgação existente em sua voz — alguém pelo menos estava feliz em me ter por perto — ela por um instante me fez relembrar das vezes em que sonhávamos acordados durante nossas aulas de química sobre o dia em que dividiríamos um apartamento e sairíamos com quem quiséssemos, sem que nossos pais fossem implicar ou nos impedir de viver nossas vidas. E naquele momento aquela nostalgia toda conseguiu esquentar meu coração, que esteve este tempo todo tão frio, anestesiado e quebrado.
Sarah não demorou muito para vir ao meu encontro, enquanto eu terminava de comer meu lanche, a vi entrar pela mesma porta que eu havia adentrado minutos atrás. E lá estava ela, como eu sempre me recordava.
Ela continuava um pouco mais baixa que eu, diferente de como ela costumava ser na escola. Sarah havia emagrecido um pouco, carregava consigo o mesmo sorriso caloroso, que foi um dos motivos para termos nos tornado grandes amigos. Seu cabelo estava mais longo e em sua cor natural, castanho escuro, entretanto, ela tinha raspado o lado direito de sua cabeça, deixando o restante de seu cabelo jogado para a esquerda. E em termos de senso de moda, minha garota nunca desapontava. Ela vestia uma jaqueta jeans rasgada em suas mangas, uma camiseta preta, calça jeans e um All Star cano alto na cor branca.
— Garoto, você não sabe o susto que me deu com sua mensagem repentina — Sarah me disse após eu me levantar, me dar um forte abraço e manter seu sorriso caloroso em seu rosto.
Me senti seguro depois de dias de pura incerteza, mesmo eu não dizendo nada sobre minha repentina visita, Sarah me conhecia tão bem que nem era preciso dizer muita coisa para que ela compreendesse o que se passava.
— Finalmente aconteceu, não é mesmo? — sua pergunta possuía uma carga de ambiguidade somente conhecida por nós. Sabíamos de que ela se referia ao fato de que um dia minha mãe enfim saberia sobre mim, mas também sobre ao dia em que dividiríamos um lugar. Fiquei sem graça para poder respondê-la, simplesmente assenti e ela estudou minhas reações com extrema cautela.
Sarah nunca foi o tipo de pessoa que deixava as coisas passarem facilmente despercebidas, mesmo que as pessoas não lhe dissessem muito, ela tinha a incrível capacidade de enxergar o que estava além de sua visão. Sua mãe sempre lhe dizia que esta sua capacidade um dia a faria uma excelente psicóloga, assim como ela, mas Sarah jamais quis seguir os passos de sua mãe, ou de qualquer outra pessoa em sua família. Desde que nos conhecemos, ela sempre me pareceu certa e segura sobre todas as decisões que queria tomar. E estudar artes cênicas e atuar, sempre estiveram em seus planos.
Tudo o que estivesse ligado à arte, era motivo suficiente para chamar sua atenção. Sarah não queria se resumir em apenas ser atriz, ela era e queria muito mais que isso, sempre teve uma sensibilidade tão mais aguçada do que até mesmo a minha, ela sempre teve gosto pela pintura, cantar e até mesmo fazer pequenas esculturas.
— Vamos? Kathy está nos esperando no carro — Sarah me disse de maneira tão convidativa, enquanto olhava para a minha bandeja que parecia estar quase limpa, eu concordei e levei a bandeja com o restante das batatas até o balcão comigo. Deixei a bandeja, e apenas levei o chá que eu ainda não tinha terminado.
Eu não sei se foi sorte ou algo do tipo, mas o fato de que Sarah morava relativamente perto da estação rodoviária foi uma daquelas incríveis coincidências do universo, e quem seria eu para olhar o cavalo dado pelos dentes?
Sentindo-me um pouco mais calmo, e um pouco mais familiarizado com as luzes de Seattle, percebi que os diversos carros que ainda passavam por nós pareciam ganhar um novo significado. Um que eu não tinha descoberto ainda, mas eu pouco estava ligando para nomenclaturas a esta altura do campeonato.
~ E então pessoal, gostaram do primeiro capítulo? Deixem seus pensamentos sobre o Alex e o que acham que espera por ele em Seattle.
E vocês tem algum amigo ou amiga que conhecem vocês tão bem, quanto a Sarah [maravilhosa, diga-se de passagem] conhece o Alex? Me contem nos comentários.
Vejo vocês no próximo capítulo!
Obrigado uma vez mais se você leu até aqui. 💜
Um beijo no coração de cada um de vocês! 😘💜
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