Parte 3 de 3.
— Eu comi a carne dele. Era tão branquinha — cerrou os punhos e debruçou-se para o lado vomitando a sopa de ovo que houvera comido naquela manhã — eu comi a carne do meu filho, aquela fome. Ele quer que eu te mate...
— Você não vai me matar. — Carvalho esforçava-se para ficar firme após ouvir aquela bizarrice. Esperava falar com um louco, mas a ponto de tal crueldade, nunca houvera presenciado algo tão horrendo. Sentia vontade de dar um tiro naquele sádico, mas acalmou-se ao lembrar que tinha na sua frente um doente que precisava de cuidados — depois que o senhor matou o menino, sua mulher deu queixa na policia?
— Não. Eu disse pra ela que uma onça tinha roubado ele. A gorda quis fazer birra, mas depois de uns bons tapas ela acalmou-se.
"Eu sabia que algo estava errado. Eu sabia o que tinha feito. E aquelas vozes aumentaram. Elas pediam para eu matar a Helen, matar os garotos... ele pedia sangue. Eu sempre respondia "não", mas no fim, no fim sempre obedecia. Matei todos os cachorros pra tomar o sangue, matei galinhas, gatos, lagartos, perdi dois dentes mordendo eles, ele quer que eu beba o sangue seu e do garoto. Mas não vou fazer isso".
"Passou um tempo, e do nada, a gorda voltou a ser a minha muié. Não sei por que, mas aquilo que eu sentia antes voltou, talvez o "gordo" tenha feito eu sintí aquilo pra sofrer ainda mais, talvez ele soubesse oque aconteceria"...
— O senhor voltou a amar ela?
— Quem ama é viado. Eu gostava dela. Queria comer ela e tal... homem que ama é boiola.
"A gente tava feliz, mas nunca contei das vozes. Ela podia achar que eu era louco e me largar, dai eu teria que matar ela. Honra de homem! Jamais aceitaria que outro comece ela".
"Um dia ela saiu e me deixou com o de sete e o aleijadinho. Ela nos deixou sozinhos. O pirralho começou a chorar, troquei a frauda, dei mamadeira mas ele num parava, aqueles berros eram de me deixar louco. Dai ele me disse que em baixo da terra não se ouve nada, não ouve nada... cavei um buraco no jardim, agarrei o catarrento pela perna e enterrei lá... "aquele que não se nomeia" tinha razão, o choro parou. Finalmente consegui dormir".
"Quando a gorda chegou quis saber onde tava o Ivo. Falei que havia dado pra uns ciganos. Ela ameaçou ratiar. Dei uma surra daquelas. Ela disse que ia embora. Acorrentei na viga e fiz ela chiar enquanto sentava o rabo de tatu no lombo dela, mas foi por... por... foda-se! Surrei ela por amor... eu amava ela. Não podia deixar ela ir embora".
"Prometi para mim mesmo que nunca mais ia machucar um filho. Fui na igreja e eles expulsaram a entidade. Fomos felizes por quase um ano. Eu, a muié e o retardadinho mental".
— Seu monstro! — Igor segurava a arma com ambas as mãos trementes — você enterrou um filho vivo?
— Ele engolia terra, ele comeu terra, aquele filho do diabo. — cuspiu forte. A bola de catarro verde caiu aos pés do jovem — a alma dele foi salva, mas me diverti muito.
— Esquece, — guardou a arma deixando-a a mostra — você vai apodrecer na cadeia.
— Ele quer que eu mate o garoto, — dirigiu-se Tonho ao delegado com a face temente. — mas não vou mais obedecer... ele tá gritando... ele é poderoso... mas não vou ser dele...
— Então me conte, o que aconteceu com o retardado?
— Passou o tempo, parei com o baralho, cigarro, mas a pinga não aguentei. Escondido dos irmão da igreja eu tomava uns gole. Sempre tinha minha "51" debaixo da cama. A muié sabia, mas nunca ligou. Até aquela noite maldita!"
"A gorda tava na cozinha escaldando umas calças minhas, nois tinha um tacho grandão de aluminho. Era enorme com uma grande tampa de ferro. Ele tava a horas no fogão de lenha. A água já piava de tão quente e aquele era o único som da casa enquanto eu tomava minha pinga. Doce silêncio gostoso".
"Foi no sétimo trago que senti algo estranho. Um peso no peito, os lampiões não iluminavam como antes, ficou tudo frio, frio como hoje, ele havia voltado. Eu queria gritar, um ódio começou... o som da água tornou-se perturbador. Do nada o retardado começou a chorar, era o gordo mordendo a perna dele, choro infernal, ele tava com a bicheira na perna doendo. Eu mandei a Helen ir passar remédio mas ela disse que tava ocupada. Fiquei possesso, odiava muié desobediente."
"Ele devia ter parado, mas num parou. A voz então voltou e me mandou matar o aleijado, eu briguei, disse que não. Rolei no chão em uma peleja contra mim mesmo. A pançuda correu ver oque tava acontecendo, mas quando ela chegou perto, eu já havia sido derrotado."
"Sem dar satisfações, fui para o quarto, agarrei o babão pela perna fedida e carreguei pendurado. A gorda quis me enfrentar, mas cá outra mão fiz ela dormir; uma bela garrafada na cabeça dela". — Lucas levou a mão à boca. Estava abominado. — "abri o tacho e enfiei o molão na água quente. Fechei a tampa e fiquei lá segurando enquanto o catarrento gritava e debatia-se tentando fugir, no fim a panela caiu no chão, um pouco daquele liquido vermelho feito de sangue e água tocou minha perna, meu coro derreteu. Ele me fez matar o Mateus. Antes de morrer, o pirralho disse suas primeiras palavras, quando acordei e vi aquela coisa vermelha no chão, aquele ser sem pele, as palavras me torturaram, ele disse "papai, me salva, não te fiz nada"... ele disse isso. — voltou a chorar descontrolado. — "eu matei meu filho, mesmo assim ele me chamou de pai... eu era o pai dele".
— Acalme-se a culpa não foi sua. Ele fez aquilo. O senhor é inocente.
— Sou culpado, eu não vi o quanto era feliz... eu não sabia que era feliz.
"Ela me largou, fiquei sozinho. Mas um ano depois convenci ela a voltar comigo. Ela foi burra, a gorda não devia ter aceitado aquilo, ela não devia... não. Ela emprenhou de novo. Mas agora eu fiquei feliz, eu queria um novo filho. Uma filha foi o que ganhei. Ela tinha meus olhos. Fiquei muito feliz. Estava junto da minha gorda, tinha uma filha linda e a coisa havia sumido. Tudo eram flores novamente, eu,. eu amava minha família".
"Mas quando a dieta venceu, ela fez aquilo de novo; me deixou sozinho em casa. Eu tava cheio de cachaça na cabeça e o café tinha acabado. Ela pediu pra eu comprar, mas não fui, dai ela saiu, era meio dia. A voz voltou... eu não reagi dessa vez. Peguei a bebê que dormia, deitei seu corpinho sem peso na mesa, peguei um tijolo e com ele fiz o miolo da minha filha voar pra fora do cabeça, o miolo da bebê voou pela cozinha toda... eu num era eu... sequei o litro e fui pra cama como se não tivesse feito nada."
"Quando acordei, nove da noite, a cabeça tava doendo como nunca... caminhei até a cozinha... eu num lembrava do que tinha feito pra minha filha... mas lá tava a prova de que eu merecia a morte... Maria ainda estava morta... e do seu lado, pendurada a dois parmos do chão, tava minha gorda, ela se enforcou, tudo então acabou pra mim, desisti da vida, minha alma é dele, mas tenho que pagar, preciso pagar por tudo que fiz, eu me mataria, mas sou covarde, preto véio mentiu, num tenho coragem alguma".
— O senhor precisa de um médico. Eu posso te ajudar.
— ELE NÃO PRECISA DE AJUDA. — berrou a voz estridente. — vou comer sua mulher, corno desgraçado... — secou as lágrimas. — corra, ele quer te matar... corra. Por favor, te imploro, fuja dotor.
Lucas não chegou a ver o jovem aproximar-se veloz e golpear o louco com um chute. A cadeira virou e o esquizofrênico caiu gemendo. O menino queria dar outro golpe, mas o delegado saltou da mesa e segurou o estágio passando seu braço no pescoço do rapaz de modo à estrangulá-lo.
— Calminha, Batman... — o delegado soltou o jovem — nós não saímos por ai dando porrada em todo mundo. Entendeu? Esse é o trabalho dos bandidos. Nós estamos do lado da lei.
Igor colocou mais uma vez a arma no coldre de maneira desleixada e disse:
— Essa coisa tem que morrer! Ele não é humano. Ele tem o diabo no couro. Você escutou o que ele nos disse? Vamos matar esse... esse canibal.
— Escutei sim. Mas ele não tem demônio nenhum, ele é um doente que precisa de ajuda, isso é esquizofrenia... e nós vamos ajudar ele...
Igor pulou assustado. Tonho já estava em pé mais uma vez, mas desta, em sua mão estava a arma do jovem estagiário.
Tremulo e com os olhos correntes o velho apontava a pistola para o rapaz. Imediatamente o delegado sacou a sua e apontou para o louco:
— Tonho, amigo, abaixe a arma. Nós vamos te ajudar.
— Não, você não acredita em mim, eu não sou louco, ele quer que eu mate você... ele mandou... VOU BEBER SEU SANGUE, VIADO ARROMBADO... ele, ele quer que eu mate vocês... ele... eu... ele sempre vence...
Tonho disparou uma única e certeira vez, acertando em cheio na testa do garoto que caiu macio no gelado piso cinzento da delegacia. No mesmo instante, o velho teve seu peito nu alvejado por 6 tiros ardentes, aquele doente estava morto, e com ele morrera o segredo sobre o sangue que sujava suas mãos, ele estava livre de sua própria culpa, livre da prisão sem muros que era sua consciência.
— Eu mandei cobrir a porra da arma. — choramingou Lucas ajoelhado ao lado do corpo de Igor. — porque não cobriu? Moleque te odeio, te odeio, pobre garoto... maldito!
*****
Naquela mesma tarde, após muito chorar, finalmente estava na hora de voltar pra casa "não voltarei mais aqui..." pensava o delegado rodando a chave de seu celta verde.
Bip bip bip... chiou o celular. Era o detetive contratado para seguir sua esposa. Ele abriu a mensagem e sentiu o peito encher-se de magoa; dentro de um quarto do "motel libidus", uma mulata sensual gozava no colo de seu amante de aparentes 20 anos de idade.
— Maldita! Maldita! — esmurrava o volante como se este fosse o casal adultero fotografado. — eu dou duro no trabalho pra pagar sua faculdade, arrisco minha vida, perdi um amigo, e é assim que você me retribuiu... sua vaca, vadia... eu te mato. Q quem estou enganando, — encostou a cabeça no volante — mataria... se eu tivesse... tivesse... c...
— Coragem? — disse o pai preto sentado no banco traseiro do veiculo tragando a fumaça em seu cachimbo de madeira. — juntos vamos quebrar os chifres que ela te deu. — estendeu a mão oferecendo um copinho americano com um pouco de aguardente. — vá em frente, delegado, ele me pediu para vir te ver, beba e enfim irá tornar-se homem!
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