parte 2 de 3.
— Vou te contar tudo, ele diz que não, mas tenho que me abrir. Esse sangue que suja minhas mãos calejadas da enxada... meu próprio sangue. Tudo começou naquela sexta-feira 13. Bobagem... tudo começou na porra do dia que me casei.
"Eu tinha só vinte e dois anos. O dotor tem que intender; eu não queria casá. Sabe, eu queria sim... mas não naquele tempo. Eu gostava da Helen. Aquela mulher gostosa, peito e bunda... como era gostoso foder ela!"
"eu trabalhava na roça, tinha um pequeno sítio aqui perto. Os pais dela não eram muito deferentes. Aquele tongo do meu sogro, achando que esse aqui era trabalhador, não fez charme pra me deixá namorá com a cabritinha de 15 anos. E sabe, a bichinha gostava dieu. Não precisei pedir duas vezes e ela já tava cas pernas abertas querendo me dar... comi de jeito ela".
"sexo é bom, mas tem consequências... a vadia emprenhou, ela tinha que emprenhar? Me diga se ela precisava ter emprenhado?"
— Talvez ela tenha engravidado do espirito santo. — desferiu Igor.
— Moleque tá maroto demais pros meus gostos... — sussurrou o velho. — você deve matá ele...
Tentando tirar Igor da atenção de Tonho, Lucas o tocou no ombro e sorrindo entrou no jogo:
— As mulheres são assim, elas engravidam só pra segurar a gente. Elas não prestam.
— O dotor é esperto... cê sabe das coisas... ela emprenhou pra me prender a ela.
"Quando acordei na manhã seguinte, o velho tava com uma espingarda apontada pra minha cabeça. Fui obrigado a casá com a Helen. Eu era muito novo, gostava de jogar truco cos amigos, gostava de namorar. A era bom demais, mas tudo acabou".
"No começo pensei que daria certo, que seria legal o casamento, e foi, ter aquela buceta só pra mim... só pra mim... chegá da roça e beijar muito ela... como era bom. Mas enjoei".
"Conforme aquela barriga crescia, mas ela se tornava repugnante, nem sexo a gente podia fazer. Em casa ela não dava pra mim, pro bar eu num podia ir, um dia eu disse; foda-se, e sai. Peguei duas biscatinhas de uma só vez... num dei conta, mas peguei".
"Fiquemos casados por mais de 10 anos. Eu surrava ela todo dia. O dotor sabe que se não surra a muié, ela te bota chifres. Homem tem que ser macho! Eu ia pro bar, tomava minha "51",dava uns pega na Darlene e por volta das 5 da manhã eu tava chegando em casa. nho imagina que além de ver aquela gorda desgrenhada na porta, eu ainda tinha que escutar "ai, você gastô todo dinheiro com puta". Porra! O dinheiro era meu, se ela tinha fome, que fosse trabalhar, aquela vagabunda comilona!"
"Se não bastasse a baleia de chita que só sabia comer, ainda tinha três catarrentos. — seus olhos emocionaram-se. — meus catarrentos, mas eram pertuvos... correndo dum lado pro outro. O Wekesley de 10 anos, o Ivo de... acho que tinha uns sete... também tinha o Matheus, ele não corria. Três anos de idade e não andava. O dotor sabe, já deve ter visto alguém assim; o Matheus era retardado mental. Só sabia babar e cagar na cama, eu tinha nojo dele. Aquela coisa me olhava dando uma risada esquisita e sem dentes. Ele era a piada dos meus amigos. Por onde eu passava eles diziam "lá o pai do retardadinho". Isso doía em mim. Sabe, não me prenda por esse, aquele merecia mesmo morrer".
— Merecia mesmo. Os deficientes mentais são um estorvo!
— É, ele era mental, só chorava, aquilo me dava nos nervos. Mas a mãe dele não quis jogar no rio, eu teria jogado. Mas não queria maltratar a panduia. Minha mãe perdeu um filho ainda neném. Vi como ela sofreu, muié alguma merece passar por essa, tenho uma alma boa.
"Mas um dia ela passou das contas; eu cheguei na minha casa pouco antes da meia noite naquela sexta, naquela sexta-feira que o diabo anda entre nós, naquela maldita sexta em que eu não devia ter saído da cama; a gente brigou, eu surrei ela, e aquela burra ousou me dá um tapa na cara... cês tinham de vê, bati o litro de pinga na parede sem dó e fui em bora pra rua. No caminho vi um daqueles coisa de "Preto", como é o nome, aquela coisa de fazê macumba...
— "coisa de preto"? — Indignou-se Igor bagunçando o cabelo com a mão esquerda. — Doutor Lucas prenda logo esse louco racista!
Tonho girou lentamente a cabeça na direção do canto onde o jovem estagiário observava a conversa, no meio processo, o delegado Carvalho viu brotar mais uma vez na face abalada daquele débil, um sorriso doentio. Já não era mais seguro manter o garoto naquela sala. Além de atrapalhar a entrevista com aquele possível assassino em série, também estava pondo sua própria vida em risco.
"Caralho!" pensou Lucas apertando a caneta 4 cores na mão "ele tem que assistir isto aqui... Uma valiosa experiencia. Colabore, por favor, colabore".
— Igor, mais uma interferência e terá de se retirar.
— Quem disse que eu quero ver isso?
— Cale a boca. Ou você assiste, ou acha um novo trabalho. — golpeou a mesa com um tapa violento. — fica quietinho nesse canto... não quero um só pio! — olhou para tonho e viu que o ar de maldade outra vez houvera sido trocado pelo medo e frio anormal — então, senhor Antônio... o senhor dizia que, passou numa daquelas coisas de preto, né?
— S... é, passei sim. Não sei o nome daquilo, era uma cerquinha de gravetos... um grande terrêro com tambores e algumas cabeças de bode, ossos,. eram os ossos da cabeça. Ssempre tive medo daquelas coisas; as pessoas comentam aqui na cidade, que ali dentro "pai preto" fazia baxá espritos... eu me arrepiava só in pensá, são jamais entraria, mas bêbado...
"Quando tava passando lá, como se "o de rabo" tivesse assoprado, as nuve sumiram e a lua iluminou o terrêro de macumbas, ficou tudo muito bonito. Admirado me apoiei na cerquinha. Dai escuitei uma voz me chamar; Tonho sei do quê você precisa. Entre e lhe darei".
"Eu não queria, mas furioso pelo tapa que ainda me queimava, entrei na roda dos pretos. Uns cinco metros na frente tinha um paiol de pau-a-pique. Foi de arrepiar até meus pelins do cu, quando levei a mão pra bate na portinha, ela se abriu sozinha. Loguin vi lá sentado o pai preto; aquele véio sentado ao lado da taipa com seu cachimbinho na boca me chamou pelo nome e disse que, "aquele que os caipiras não nomeavam" havia estado ali, horrível, pai preto falava com aquele que não tem mais nome, eu devia tê corrido, mas num corrí".
— Quem seria esse "que não se nomeava"?
— Ele, ele, — coçou os olhos com o dorso da mão — ele era o véio do bar. O gordo mexia com um tal "livro de são Cipriano". Coisa de magia negra. Nho sabe? Um dia ele estripou mulher e filhos pra fazê um feitiço, ele num queria morrê. Queria vivê pra sempre.
— E pra variar, ele bateu as botas, correto?
— Errado — Tonho abriu um sorriso desdentado. Seu bafo voou com o vento causando ânsias de vômito no delegado, mas este manteve-se firme à ouvir a voz esganiçada — não estou vivo, mas também não morri. Sou eterno, a foice da própria morte — cuspiu no chão e então Tonho retornou de seu "delírio" — ele num morreu dotor, ele não pode mais morrê.
"Pai preto me fez sentar numa cadera, segurou minha mão e disse "sei o que você quer, quer ser livre. Poder voltar a ser homem" eu concordei e ele disse "eles tem que morrê" eu falei que não era capaz de fazer aquilo, dai pai preto me deu a coragem. Ele disse que daria, mas me enganou. Eles me usaram. Aquele bicho começou a baxá nele, ele arrudiava dum lado pro otro gritando. Até que me deu um copo de pinga pra beber e disse que se eu tomasse, teria coragem pra voltar a ser livre. Bebi tudo num gole só e cai dormindo".
"Quando acordei, tava no meio do mato. Num sei como cheguei lá. Contei pra minha muié do que havia visto antes de dismaiá (aquele homem gordo bem vestido ao lado do véio preto). Mas todos disseram que foi efeito do álcool. Sabe, por fim, até eu acreditei que havia visto coisas que não existiam".
— Se eu não acreditasse no senhor, — piscou para Igor — diria que você sofre de esquizofrenia, e aquilo foi mais uma alucinação. Mas eu acredito em tudo, sei que esse "pai preto" era, é coligado com o diabo. Mas me conte mais.
— Eu tinha combinado de levar o mais véio. Aquele de dez anos para pescar — o suposto espirito tomou conta — ele levou o garoto pescar. Armaram uma barraca na beira da lagoa e ficaram até tarde ali. Até que finalmente deitaram dormir. Foi dai que eu disse pra ele acordar porque estava com fome... e o velho acordou.
— Calado. — Lucas bofeteou a face do velho e este retornou.
— Eu acordei com fome dotor. Queria comer um bife, ou talvez um pouco de linguiça. Saí da barraca, mexi nas panelas que estavam arriba da fogueira, mas num tinha mais nada. Escuitei na minha cabeça uma voz falar bem assim "ele comeu tudo, aquele buchudo", fiquei furioso, num sei, mas num era eu. Num era eu... aquela fome que senti me roía as tripas, era quase uma dor que se tornava ódio do meu filho, o ódio queimava... ódio... quando aquela vadia emprenhou, foi aquele bastardo que tava no bucho dela, ele era uma algema... eu tava louco; peguei um galão de gasolina e encharquei a barraca. Aquela fome diabólica; peguei o esqueiro de acender o paieiro e taquei fogo na barraca com meu garoto dentro. Ele morreu queimado... ele gemeu quando o fogo tocou sua pele, ele chiou baixinho enquanto me chamava pedindo que eu o salvasse do fogo. Mas eu não o salvei, não salvei, eu o matei. Isso não foi o pior... eu... e...
— Oque o senhor fez depois?
O velho baixou o olhar em nítida vergonha, ameaçou vomitar e então respondeu:
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