Parte 1 - 6
Tirando minha mente confusa, minha vida era bem simples. Eu morava sozinho há pouco tempo e não pagava aluguel. Então, era quase tudo calmo, e meus problemas financeiros pouco existiam.
Meus dias caíam na rotina. Eu fazia o que tinha para ser feito em casa e ia trabalhar em algum "bico", um serviço informal em que ficava por dias ou semanas. Costumava usar meu gosto oriental no tempo de intervalo, ouvindo o quanto podia das sinfonias.
Nas noites, em frente ao celular ou ao monitor, paralisava meus olhos naquelas garotas asiáticas de canções fúteis. Via imagens e vídeos delas. Ficava minutos sorrindo, engolindo seco, suspirando... Mas logo parava, procurando preservá-las. Não que seus rostos sorridentes ficariam sérios e me assombrariam, é que eu não gostava de gastar o doce olhar delas. Como uma criança que gasta com cuidado a bala em sua boca.
Deitava na cama e pensava. Recordava-me das composições japonesas. Na tênue e distante relação do frívolo e do belo em minha vida. Passava e repassava minhas memórias. Sabia que a sinfonia que trazia profundidade à mente me faria definir como vazios os momentos em que eu me adocicava.
E me lembrava como queria esquecer daquelas fingidas e vãs expressões.
Daqueles rostos que tentavam traduzir com sorrisos uma pureza. Que enganavam.
A lembrança soava forte e profunda, mas não havia coragem para seguir com seu objetivo.
*
Era 2014. Por si só, o ano tinha movimentado bastante o Brasil. Ainda mais para quem trabalhava num hotel em véspera de copa, como eu. O evento tornou comum em meus dias o convívio com os clientes importados. Não tardei em me acostumar com os "Thank you", com os "Gracias"...
Recebia bem pelo que trabalhava. Eu carregava malas e ajudava na organização dos quartos, além de fazer outras tarefas esporádicas. Era um lugar relativamente pequeno, então eu dava conta.
Mesmo os funcionários convivendo com várias línguas e sotaques, não criávamos intimidade com os estrangeiros. Meu único contato com eles, até então, era avisar sobre a arrumação dos dormitórios. A maioria entendia meu inglês e espanhol enrolados.
Meu horário era o diurno, então o recepcionista sempre me deixava ciente dos hóspedes noturnos. "Mitsui Yoko", segundo me passou, tinha sido a única nova pessoa no hotel, em meu quinto dia. Estava no quarto sete. Disse-me que ela chegara à noite e que estava sozinha. E, segundo as palavras do próprio recepcionista, ela falava da idade de 18 anos em um inglês que pouco escondia sua nacionalidade.
Eu já havia atendido uma família japonesa ali, além de trabalhar próximo ao bairro da Liberdade e daquele ano ser de copa. Então, como alguns leitores podem pensar, não seria uma coincidência clichê ou um caprichado e milimétrico trabalho do destino eu me encontrar com outrem de origem nipônica. Portanto, minha mente, mesmo alinhada ao país de certa forma, não tinha porque transformar um encontro perfeitamente possível em algo especial e único, digno de uma narração como esta. Bem... era o que se podia pensar.
Sabendo disso, o meu primeiro aparecimento para a garota, o meu doce vazio, terá o foco nos parágrafos seguintes. E não se preocupem com a intimidade com que trato a jovem "Yoko", ou se isso soa sério e frio, pois nada, nem uma prévia de sua influência, pode tirar seu teor profundo. O teor que faz dela a principal lembrança nesta história.
*
Naquele dia, eu não era o responsável pelo sétimo quarto. Seria fácil um encontro, se eu fosse. E talvez ele não perderia o tom especial. Mas foi bom que tenha sido como foi, pois ganhou uma singularidade.
Ao terminar meu expediente nos outros quartos, caminhei pelo corredor com o carrinho de toalhas, quando uma voz soou, chorosa, de um dormitório. Fixei os olhos no número sete da porta por alguns segundos, pensando estar ouvindo coisa e esperando que o intervalo do pranto fosse na verdade seu fim. Quando o som das lágrimas voltou, bati três vezes, antes de perguntar se ela estava bem, acreditando no recepcionista: "Daijogu?"
Na nova parada repentina, eu entendi a falta de resposta como um sim. E voltei a caminhar, mais tranquilo com a moça. O som voltou, mas como um barulho de fechadura. Ao ouvir uma risada e um "Nē", eu me virei. A garota japonesa, com sua franja desgrenhada e seu cabelo negro escorrido nos ombros, mostrava a face corada e o súbito bom humor que meu erro causara.
''It's 'daijōbu', not 'daijogu'...", misturando os idiomas, ela corrigia, mantendo a expressão.
Com um franzido de estranhamento, assentindo com a cabeça, eu forçava um sorriso.
Suas lágrimas secas eram evidentes, e a uns dez centímetros do meu um metro e setenta e quatro, ela parecia ser mais jovem que eu. Seu rosto redondo e bochechudo completavam-se no olhar. A natureza daquela menina me ajudava a ver na memória a falsa doçura idol.
E ela aumentava uma típica alegria disfarçada em sua cara amassada pelo choro, enquanto apertava as duas mãos contra a barriga e voltava para o quarto.
Eu jamais esquecerei desse primeiro encontro. Pode não ter sido a melhor cena do mundo, com os melhores e mais profundos detalhes, e nem ter causado uma forte, rápida e diferente reação. Eu sei disso, leitor. Mas, após o que vivi com ela, seu cabelo desgrenhado, seu choro e seu mal visual explicaram-me o que os tais detalhes profundos não conseguiram explicar, pois não existiam. Essa é a vida real, com a tal reação forte que, em minha mente confusa, a simplicidade causou.
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