Capítulo Quarenta e Um
Pedro Alves:
Olhei atentamente para Caio e Vincenzo, ambos de pé como se estivessem compartilhando uma piada interna. A situação parecia surreal, quase cômica, e eu tive que lutar contra a vontade de dar um tapa na nuca do meu irmão mais novo por sequer pensar em algo tão absurdo. Ele realmente achou que essa era uma boa ideia? Meu Deus, às vezes eu me pergunto como ele chegou até aqui.
— Espera aí, deixa eu ver se entendi. — Cruzei os braços, tentando conter o misto de frustração e descrença que borbulhava dentro de mim. — Você roubou o soro do laboratório da agência... pra interrogar o Rocky por conta própria... em vez de simplesmente capturá-lo e entregá-lo direto pra gente? Sério, Caio? Tem algum problema na sua cabeça?
Caio só deu de ombros, como se eu tivesse acabado de perguntar algo trivial, tipo se ele queria pizza pro jantar. O que só me deixou mais irritado. Eu queria uma explicação, algo que fizesse isso tudo ter o menor sentido possível.
— Caio, — insisti, minha voz ficando mais firme. — Eu realmente preciso de uma explicação agora. Você, por favor, poderia me contar tudo?
Ele olhou pra mim, tão relaxado quanto sempre, pegou o copo da minha mão como se estivéssemos em um almoço casual de domingo e não no meio de uma confissão de crime. Derramou um pouco mais de água no copo, me devolveu com um sorriso e, com a mesma calma desconcertante, serviu um copo pra si mesmo.
— Claro, claro. Vou contar tudo. — Ele falou com uma gentileza que só aumentava a minha vontade de arrancar respostas mais rápidas.
Eu não conseguia acreditar no quão despreocupado ele parecia. Vincenzo, ao meu lado, olhava para Caio com aquela expressão que só irmãos mais velhos têm quando observam o irmão caçula fazer algo estúpido, mas de um jeito tão descarado que era difícil não achar um pouco engraçado — se não fosse tão sério, claro.
— Sabe, — continuei, tentando não perder a compostura enquanto Caio bebia água calmamente, — você tá agindo como se não tivesse roubado um dos nossos maiores recursos do laboratório. Pra interrogar alguém que deveria estar preso, não no seu porão improvisado!
Vincenzo apenas suspirou, balançando a cabeça enquanto observava Caio, incrédulo com a ousadia. Nosso irmão mais novo parecia completamente alheio à gravidade da situação. Ele não estava só relaxado, ele estava folgado, como se isso fosse um detalhe insignificante do dia. E, honestamente, essa calma dele estava me irritando mais do que o próprio ato de roubar o soro.
— Caio, você usou um soro da verdade misturado com um tranquilizante no Rocky, que por acaso é aliado de uma das nossas maiores inimigas, e você acha que está tudo bem? — continuei, meu tom de voz subindo uma oitava sem eu nem perceber.
— Qual parte disso te pareceu uma boa ideia?
Caio, é claro, apenas deu outro gole na água antes de responder.
Caio soltou um suspiro vitorioso, como se tivesse acabado de fazer a revelação do século:
— Tivemos uma resposta. — Ele disse com aquele ar de quem se acha um gênio. Eu contei até vinte mentalmente para não bater na cabeça dele, mesmo que a vontade fosse absurda. Como ele podia ser tão inconsequente?
— Seu pequeno... — murmurei, quase rindo de nervoso enquanto minha paciência se esgotava. — Quem eram aqueles caras? Onde estão agora?
Voltei meu olhar para meus dois irmãos, como se estivesse esperando que algum milagre caísse do céu com uma explicação mais sensata. Mas, claro, esse milagre não veio.
— Se está falando dos irmãos, Synkie e Pierre, Synkie era um assassino de aluguel, enquanto Pierre faz qualquer coisa por dinheiro, igualzinho ao irmão. Eles são leais à Lilly, que os enviou para vigiar o Rocky e matá-lo, caso algo saísse do controle. — Caio respondeu, como se estivesse comentando o clima, ignorando completamente a gravidade da situação. — Mas, graças à minha incrível agilidade de leopardo, capturei os dois antes que tivessem a chance de se suicidar para evitar cair na nossa custódia.
Sério, ele falou aquilo com tanto orgulho que foi quase impossível não rolar os olhos. Tive que me segurar para não revirar os olhos mais uma vez.
— Conseguiram tirar alguma informação útil deles? — Perguntei, tomando um gole de água, tentando me manter focado.
Eu já esperava que Lilly tivesse algum esquema montado, mas ainda assim, era surreal como ela conseguia reunir tanta gente ao seu redor. Aqueles caras eram apenas mais um exemplo de como ela manipulava tudo à sua volta. Eu tinha lido os relatórios e sabia que esses dois seriam uma dor de cabeça no futuro se não tivéssemos agido.
— A grande pergunta que não quer calar é: por que a Lilly continua enviando marionetes em vez de atacar diretamente? — questionei, ainda tentando montar o quebra-cabeça na minha cabeça.
Vincenzo, que estava quieto até então, finalmente se manifestou:
— Pelo que conseguimos tirar deles, com a ajuda do soro — disse, lançando um olhar de canto para Caio, como se ele ainda não acreditasse que isso realmente havia acontecido. — Lilly está desenvolvendo novos soldados e tem as informações que roubou da agência Woop. Parece que todos que ela coloca ao seu lado passam por uma verificação rigorosa para entrar no grupo.
Suspirei. Claro que Lilly não era do tipo que deixava pontas soltas.
— Você está certo, mas ela vai querer mais do que isso. — Caio acrescentou, estalando a língua e tomando mais um gole de água. — Ela ainda está tentando colocar as mãos no processo de verificação do interrogatório e se livrar desses irmãos.
— Graças à Alice, conseguimos mandá-los para um lugar onde só ela ou Agnes sabem a localização. — Ele concluiu, como se tivesse resolvido todos os nossos problemas com uma simples jogada de mestre.
Eu estava prestes a dizer algo quando Vincenzo retomou o fio da conversa:
— Ah, e sobre aquela foto que a Lilly entregou ao Rocky para convencê-lo a ajudá-la... — Vincenzo começou, um pouco hesitante. — Para minha surpresa, eu conheço a criança. Ele é amigo da irmã do líder dos Sussurrantes.
Uma onda de preocupação me atingiu. Lilly estava disposta a qualquer coisa, até mesmo a manipular crianças inocentes para alcançar seus objetivos.
— Já entraram em contato com o líder para que ele proteja a criança? — perguntei, a tensão evidente na minha voz. — Lilly vai perceber que essa informação não tem mais utilidade e vai se livrar do garoto.
Vincenzo assentiu, concordando com minha análise.
— Mesmo que a irresponsabilidade das ações de Caio tenha nos feito perder alguém que poderia ter informações valiosas sobre Lilly, ainda temos um ponto de partida. — Suspirei, já me preparando para o sermão inevitável.
Caio, claro, apenas deu de ombros.
— Só fiz o que achei certo, nada mais do que isso. — Ele disse com aquele tom despreocupado que me irritava profundamente.
— Caio, precisamos agir com mais cautela. Nada de sair por aí nas suas missões sem pensar duas vezes no que vai fazer. — Estalei a língua, tentando manter a paciência.
Ele deu de ombros novamente, como se eu estivesse exagerando. No fundo, sabia que era só uma questão de tempo até ele fazer algo igualmente impensado.
Enquanto ainda processava tudo, ouvi o grito de Bella vindo de outro cômodo:
— Samuel!
Meu corpo reagiu antes da mente. Pulei da cama, mas meus irmãos me seguraram, tentando impedir que eu me machucasse no impulso.
Corremos para a sala e lá estavam Samuel e Bella, caídos no chão, com um embrulho entre eles.
— O que aconteceu aqui? — Connor surgiu da cozinha, para minha surpresa, segurando uma colher de pau como se fosse uma espada medieval. A cena toda teria sido hilária, se não fosse a preocupação com o grito de Bella.
— Quase quebramos uma encomenda que o pai do Connor mandou — Bella explicou, levantando-se com a dignidade de quem acabara de tropeçar em algo importante. — Samuel foi entregar e acabou tropeçando.
Connor riu ao abrir o embrulho e ver o conteúdo.
— Meu pai exagerou de novo com os presentes. — Ele pegou o objeto de dentro da caixa e começou a rir. — Enviou um enfeite de bonecos. Mandou um desses pro Luiz dias atrás, mesmo eu dizendo que não precisava. Como sempre, ele faz o que quer.
Eu olhei para o enfeite. Eram dois bonecos adultos e uma criança no meio. Algo muito fofo, na verdade.
— Que coisa linda! — Samuel disse, se aproximando com os olhos brilhando.
— Veja só os detalhes! — Vincenzo assobiou em aprovação. — Elio sabe mesmo como escolher um bom presente.
— E tem mais. — Connor puxou um celular e um notebook de dentro da caixa. — Aparentemente, Bella, isso aqui é pra você.
Bella pegou os itens com um olhar desconfiado, mas aceitou de bom grado. Ela leu o bilhete que acompanhava os presentes:
— "Querida Bella, sei por cima sobre o que aconteceu com você e, já que vai morar com Connor e Pedro, acho que seria bom ter alguns aparelhos para se comunicar com o mundo e conhecê-lo melhor." — Bella leu em voz alta, e sua expressão mudou para uma mistura de surpresa e constrangimento.
— Uau, Elio realmente é muito bom no que faz. — Caio comentou, e eu apenas assenti.
Bella ficou em silêncio, claramente envergonhada. Connor olhou para ela e soltou uma gargalhada.
— Bella, você é mais gentil do que eu imaginava. — Ele disse, com uma sinceridade que a deixou ainda mais corada.
Era interessante ver como Connor tratava Bella como uma garota comum, quando sabíamos que ela era tudo, menos isso. Ela era uma verdadeira lutadora — e ninguém, além de mim, sabia que ela vinha treinando sozinha nas últimas noites.
— Não diga isso — Bella respondeu, com um tom defensivo. — Só estou curiosa sobre quanto ele gastou em alguém como eu.
— Vai se acostumando, meu pai adora fazer essas coisas. Agora, que tal me ajudar na cozinha? — Connor disse, voltando para a cozinha com Samuel ao seu lado, animado, segurando as novas roupas do Senhor Bigodes.
Quando Bella se virou para mim, eu sabia que o momento das perguntas tinha chegado.
— Então, posso te fazer algumas perguntas agora? — Falei, esperando que ela finalmente abrisse o jogo.
Bella me olhou com desconfiança, voltando ao seu comportamento usual.
— Você tem perguntas para mim? Achei que já tinha deixado claro que não estou mais envolvida com os planos da Lilly. — Ela disse, firme.
— Não acho que todas as nossas perguntas foram respondidas. — Suspirei. — Ainda tenho algumas coisas que me deixaram curioso nesses últimos três dias.
Caio e Vincenzo ficaram em alerta, observando os movimentos de Bella enquanto ela ponderava sobre minha pergunta.
— Vou responder o que puder, Pedro. — Bella disse, sua voz agora carregada de sinceridade.
— Sei o que está fazendo... sua própria investigação. — Deixei o clima ficar mais tenso. — Sei que está tentando encontrar Lilly para se vingar por ter quase te matado.
Bella me analisou com calma antes de responder:
— Você não fez a mesma coisa quando a mãe do Samuel foi morta em uma missão? Você também quis caçar os assassinos até o fim. — Ela disse, e suas palavras bateram como um soco no estômago.
O silêncio que se seguiu foi pesado. As lembranças do passado ressurgiram na minha mente. Naquela época, eu tinha me consumido pela raiva, e mesmo que tivesse encontrado os responsáveis, nada trouxe Kara de volta. Aquela dor ainda estava presente, mesmo que eu não quisesse admitir.
Quando as palavras de Bella finalmente se assentaram, eu me acalmei.
— Eu só estava preocupado com você. — Falei, tentando manter a calma. — Não vou mencionar isso no futuro, prometo. Mas treinar sozinha não vai te ajudar em nada.
Bella ficou sem palavras, claramente surpresa com minha reação.
Vincenzo, sempre prático, entrou na conversa:
— Ela estava treinando sozinha? Bella, como espera melhorar sem um método adequado para o seu corpo, que ainda está se recuperando? — Ele balançou a cabeça, passando por mim. — De agora em diante, eu vou organizar seus treinos. E não aceito recusas.
Bella me olhou como se pedisse ajuda, mas eu apenas dei de ombros. Ela cometeu um grande erro se achava que poderia agir por conta própria sem consequências.
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No dia seguinte, o sol estava se pondo, tingindo o céu com cores suaves de laranja e rosa. Eu estava sentado na sala de estar, ao lado de Samuel, enquanto observávamos Connor cantarolar animadamente no vestiário. Ele estava escolhendo roupas para uma reunião importante na cidade, com uma empresa que havia assinado um contrato recentemente. Era a primeira vez que ele compareceria a um evento público desde que assumiu sua nova identidade e trabalho, então, na cabeça dele, a escolha do traje tinha que ser impecável.
Connor estava determinado a causar uma boa impressão. Víamos ele trocar de roupa várias vezes, cada uma mais elegante que a outra, enquanto ele girava em círculos na nossa frente, como se estivesse desfilando em uma passarela imaginária.
— Que tal essa? — Ele perguntou, sorrindo para nós enquanto girava em um terno preto bem ajustado. Não era como se precisasse da nossa aprovação, mas acho que ele gostava da atenção.
Samuel e eu apenas rimos e balançamos a cabeça. Eu não tinha muitas sugestões a dar, sinceramente. Só estava feliz em estar ali com ele, aproveitando o momento de descontração. Mais ainda, a ideia de acompanhá-lo nesse banquete me deixava empolgado. Era uma oportunidade de desfilar como o namorado dele — algo que, até pouco tempo atrás, eu só podia sonhar.
Depois de muito pensar, Connor finalmente decidiu por um novo terno, uma edição limitada de uma marca de luxo que ele adorava. Parecia perfeito nele, cada detalhe ressaltando sua confiança e charme natural. Justo quando ele estava ajustando a gravata no espelho, Bella entrou na casa, ofegante mas com um sorriso de satisfação estampado no rosto.
— Vincenzo realmente sabe como planejar um bom treino! — Ela disse, secando o suor da testa com a manga da camiseta. Seus olhos então brilharam ao ver Connor, e ela o analisou de cima a baixo, com um sorriso de aprovação. — Essa roupa está incrível em você, Connor.
— Ah, obrigado! — Ele respondeu, ajeitando o terno com um sorriso satisfeito.
Foi então que Bella notou uma grande caixa ao lado de Samuel. Ela arqueou uma sobrancelha e olhou curiosamente para nós.
— O seu pai enviou mais um presente? — Ela perguntou, intrigada.
— Na verdade, não foi ele dessa vez — Connor respondeu, assentindo com a cabeça, permitindo que Bella abrisse a caixa.
Ela se aproximou e abriu com cuidado, e seus olhos se arregalaram ao ver o que estava dentro. Havia vários documentos, incluindo fotos dela, junto com um equipamento de treino deslumbrante, de alta qualidade. Além disso, também havia materiais para seus estudos, algo que claramente foi pensado com muito carinho.
— Oficialmente, você é agora conhecida como Bella Alves. — Falei, observando o brilho de surpresa e emoção nos olhos dela. — Agora, para o mundo, você existe. Pode fazer o que quiser, seguir seus próprios caminhos.
Bella ficou em silêncio por um momento, absorvendo o peso daquelas palavras. Seu sorriso, dessa vez, foi diferente — mais sincero, mais profundo. Ela olhou para mim e para Connor, e pude ver o agradecimento em seus olhos.
— Obrigada. — Sua voz estava cheia de emoção. O sorriso que ela deu em seguida parecia iluminar todo o ambiente.
Aquela pequena palavra, "obrigada", carregava mais do que simples gratidão. Ela significava liberdade, uma nova chance, algo que até pouco tempo atrás Bella não acreditava que teria.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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