Primeiro dia
Segunda-feira
05:45
...
— Bom dia filha! Levant... Ô meu Deus do céu.
— Oxe, o que foi? — Provavelmente ela está assim, porque imagina que ou eu não dormi, ou eu acordei a uma hora. — Ah, vamos, eu vou ter o final de semana inteirinho pra dormir.
— Você precisa descansar, ok?
— Ok, mãe. Não se preocupa.
Depois de um tempo, já estávamos no carro rumo ao "Paraíso".
...
07:30
...
— Beba água todos os dias! Não esqueça de escovar os dentes e hidratar o cabelo! E principalmente: durma!
— Mãe, relaxa! Eu vou ficar bem.
— Está bem, eu te amo.
— Se cuida princesa, e nada de engravidar, escutou? — Dessa vez, quem fala é meu pai.
— OK! Eu amo vocês, mas não precisam se preocupar tanto. E eu não vou ficar grávida! Estou aqui para estudar.
— Ok, te amamos! — O carro se distancia cada vez mais.
— Vocês são maluquinhos — digo rindo e me deparo com a entrada da universidade.
As paredes são lindas, mesmo sendo de simples tijolos da cor avermelhada. Conforme eu adentrava, meus cabelos cacheados balançavam com o vento que batia em meu rosto, estava quente, então o clima estava agradável. Fui à sala do diretor e pedi o número do meu quarto.
— 88 — diz o diretor. — Vai ficar em um quarto que fica ao lado do refeitório. Vai dividi-lo com o Guilherme. — Não tira os olhos quase fechados do computador nem por um segundo. Sua testa protuberante se contrai as vezes, o que o deixa com uma feição engraçada.
— Ok, obrigada diretor — digo me afastando da sala do diretor de cabelos castanhos curtos e que não se dá ao trabalho de dar atenção aos novos alunos.
Tento não pensar muito nisso para que meu dia não siga numa vibe estranha, sigo em direção ao refeitório, e então, encontro o meu quarto. Nem foi tão difícil. Respiro fundo e abro a porta.
— Oi? — Indago e me deparo com um homem de cabelos castanhos e com uma franja fofa e encantadora, ainda úmida, seu corpo estava exposto, com exceção de uma toalha na cintura, parecia prestes a removê-la, e assim foi. Mas antes que eu pudesse ver alguma coisa, eu fecho ligeiramente meus olhos e viro meu rosto provavelmente vermelho.
— Oi — responde a pessoa, parecendo calma. Depois de longos segundos em um silêncio constrangedor, a pessoa (provavelmente o tal Guilherme) se pronuncia. — Não precisa esconder o rosto.
Ainda meio apreensiva, eu retiro minhas mãos do rosto devagar. O homem estava de calça e eu conseguia ver a borda de uma box branca. Tinha pouca massa muscular e não parecia nem um pouco envergonhado, pelo contrário, parecia que éramos amigos desde o jardim de infância.
— Desculpa.
— Tudo bem, isso é uma faculdade onde as pessoas dividem quartos. É meio inevitável. — Ele termina de se vestir, vem até mim e estica a mão esquerda. — Guilherme, qual o seu nome?
— Nathaly, ou Nathy, tanto faz. E... desculpa, de novo — digo, tentando não me perder em seus olhos castanhos claros, tão brilhantes e tão lindos!
— Relaxa Nathy... eu não gosto da sua raça. — murmura, saindo do quarto.
— Tudo bem... pera, você o que!? — exclamo deixando minhas coisas no quarto e indo atrás de Guilherme.
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08:00
...
— Como assim? — pergunto animada. — Tá brincando? Quem é o sortudo que vai te bancar?
— Para de ser louca, louca. Vamos comer que eu estou com fome, depois eu te ajudo a arrumar as suas coisas — diz Guilherme já atacando um hambúrguer. Iria dar uma boa dentada, mas me viu quase em cima de seu saboroso lanche. Então, ele olha para mim com uma cara estranha e me ignora. Dá uma bocada bem grande e uma de suas bochechas se enchem de maionese.
— Dá um pedacin? — Limpo sua bochecha na tentativa de conseguir algum pedaço.
— Não.
— Ah, vai Guinho, por favor!
— Nahhhh, nem vem com essa cara. E que história é essa de "Guinho"? Que intimidade é essa hein?
Eu estava com fome, mas não queria pagar meu lanche, então deixei ele comer até a metade enquanto conversávamos e de repente, eu agarrei seu hambúrguer, o mordi e comecei a correr. Estava tudo indo bem, as pessoas eram amigáveis, em todo lugar que eu acenava pra alguém, eles me retribuíam e eu estava quase terminando o hambúrguer do Gui. Porém, eu acabo batendo em alguém. Eu iria cair, mas a pessoa me segura. O hambúrguer cai no chão, mas ninguém se deu pela falta.
— Olha por onde anda, esquisita. — Ele me põe de pé, me olha por um tempo e continua. Tem cabelos loiros hipnotizantes e olhos azuis brilhantes. Típico. — Toma cuidado.
— Não preciso das suas preocupações, eu posso me cuidar sozinha. Além do mais, você me segurou por que quis — retruco, já me sentindo meio mal. Droga!
— Olha como fala comigo, mocinha. — Ele se aproxima de mim. — Não me faça fazer o que eu não quero. Moranguinho, fica de olho na sua amiguinha, pra eu não ter que mostrar quem é que manda.
O garoto vai embora, sozinho.
— Que moleque estranho. Você o conhece, Gui?
— Ele... é meu ex. É um babaca, amiga, não liga pra ele.
— Ok. Misericórdia, Moranguinho.
— Tá de brincadeira, né?
Depois desse acontecido, voltamos para o nosso quarto. "Moranguinho" me ajudou a arrumar as minhas coisas e depois disso, estávamos cada qual, deitado em sua cama de solteiro.
— Você gosta de fazer o que? — pergunta Gui.
— Gosto de dançar, jogar bola, jogar vôlei e de xadrez também. Principalmente o xadrez. E em formação acadêmica, eu sou apaixonada por biologia, mas gosto ainda mais da engenharia elétrica. E você?
— Eu gosto de vôlei também. E em formação acadêmica, eu amo medicina. Quero ser um cirurgião cardíaco.
— Eu que não iria no seu consultório, vai que você quebra meu coração?
Nós rimos juntos.
— Eu só faço isso com outros garotos. — Nós rimos mais um pouco. — Ah, amiga.
— Pode falar.
— Já que você gosta tanto de esportes, poderia ver a quadra de esportes comigo.
— Ah, eu quero, moranguinho.
— Para de me chamar assim, cadela.
— Cadela é sua irmã!
— Ela é uma cadela mesmo! — Ele pega o celular e procura algo na galeria. — Olha essa gatona aqui! — Ele mostra o celular para mim.
— Aahhh ela é muito fofa, mano! Onde você comprou o moletom dela? — pergunto com o celular dele na mão.
— Na Shoppee kkkk — diz, eu devolvo o celular. — Mas, enfim, vamos à quadra?
— Bora! — concordo, pronta para segui-lo para onde quer que ficasse a quadra, mas ele me olha com um olhar semicerrado.
— Ah, sabe o que tem além da quadra? — Guinho me olha com ar enigmático.
— O que? — questiono, curiosa.
— Um espaço super silencioso chamado: "Aqui, amigos estão destinados a se tornarem inimigos."
— Nossa, e que lugar é esse?
— Uma sala com vários tabuleiros de xadrez! Quem sabe você derruba nosso campeão?
Pensei seriamente sobre esse futuro adversário. Eu não costumo levar esses jogos muito a sério, como por exemplo o vôlei, eu apenas me preocupo em sacar (que é a única coisa que eu faço bem), se eu errar o resto, eu fico rindo igual uma hiena, mas se eu errar um saque, eu fico puta.
No futebol, eu também não levo muito a sério, gosto mais é de me divertir jogando bola. E na dança, já tem mais importância. Como eu não preciso de muito esforço mental, eu adoro colocar a maior quantidade de intensidade em cada movimento executado pelo meu corpo, eu me sinto viva dançando.
Já no xadrez, é uma real competição. Um jogo de estratégia e inteligência de observação. Dois reinos lutam pela sobrevivência e fazer sacrifícios em troca de uma arrogante vitória é inevitável.
...
08:40
...
Eu e Gui fomos a quadra de esportes, mas então ele recebeu uma ligação e teve de se afastar, disse que demoraria um tempo e que eu poderia ir dando uma fuçada nas coisas. Dei ouvidos ao conselho e dei uma boa olhada na quadra. Enquanto ele se distanciava, notei uma porta que dava para uma sala lotada de mesas com tabuleiros de xadrez. Cada uma com duas cadeiras. Em duas das mesas, eu pude ver duas duplas, uma delas jogando de forma séria e pensativa e a outra dupla jogando de forma bastante descontraída, rindo e conversando em voz baixa sobre jogadas e estratégias. Mas, o que mais me chamou a atenção, foi um garoto no meio da sala que estava sem dupla, percebi que estava de brancas e seu relógio estava acionado, estava a exatos 14 minutos pensando... na primeira jogada?
Entrei silenciosamente na sala, e me posicionei à sua frente. Tinha olhos escuros como a noite, seu cabelo era azul quase preto e cintilava por conta da luz forte da sala. Sua pele era branca e aparentemente delicada, mas que causava um gigantesco contraste com seu olhar frio e confiante. Estendi minha mão e ele a apertou com firmeza. Me olhava como se já visse minha derrota. Ah, meu querido, pode tirar o cavalinho da chuva.
— Você é o melhor, não é? — Questiono, depois de sentar na cadeira.
Ele não responde, mas eu consigo uma resposta. Está me analisando com cautela, procurando saber se sou uma oponente que vai exigir mais atenção e esforço mental. Após aparentemente tirar suas conclusões, ele joga e bate no relógio.
— Ok, eu deveria saber — suponho.
O jogo segue tenso. Ele movimenta as peças com certeza e maestria. Vou admitir que me deu muito trabalho, mas algumas expressões dele deixavam claro que eu não era uma oponente qualquer.
— Xeque. — diz, pela primeira vez. Sua voz é grave, rouca e putz, muito atraente. Me senti um pouco nervosa ao olhar ao redor e ver muita gente assistindo à nossa partida, até mesmo as duplas que jogavam antes.
Penso por aproximadamente 1 minuto. Não, era mate em dois movimentos caso meu rei fosse para a esquerda, então, o movi para a direita.
— Espertinhad — murmura, me deixando ainda mais nervosa.
— Joga logo. — digo, tentando esconder meu nervosismo e ansiedade.
Ele vai me deixando encurralada, mas de repente, ele cai numa armadilha e eu fico com material a mais. Ele me olha com um sorriso provocador.
— Empate? — pergunto.
Ele pensa com calma e analisa o tabuleiro. Viu que estava quase sem tempo e que eu estava na vantagem e cede à minha tentadora sugestão. Assente que sim com a cabeça e estende a mão, eu a apertei com firmeza e ouvimos aplausos agitados vindos de todos que estavam assistindo, inclusive o Guinho.
— Olha só ela! — diz quando eu saio da sala. — Foi um jogo e tanto! Vocês simplesmente jogaram por uma hora e meia! — Guinho mostra o tempo do vídeo que havia gravado.
— Você gravou por quê? — pergunto massageando minha cabeça.
— Porque eu quis! — responde brincalhão.
— Nossa, grosso.
— E grande também. — Faz gestos um tanto suspeitos com suas mãos. — É que eu quero fazer uma análise com você depois, você perdeu um mate lindo!
Rimos juntos e Guinho me dá um tapa na testa. Eu iria questioná-lo, mas ele me virou e eu dei de cara com quem acabei de empatar.
— Foi um bom jogo — admite. —, parabéns. — Ele me abraça, e sussurra em meu ouvido. — Foi sorte de principiante, não ache que eu vou pegar leve da próxima vez.
— Vá em frente, eu não tenho medo de você. — Retribuo o abraço e ele continua.
— Esteja aqui amanhã as 9 em ponto. — Sua voz soa mais rouca que o normal.
Nos soltamos e ele segue caminho. Guinho me olha confuso.
— O que foi isso?
— Ah vá, não enche, eu te conto depois.
...
10:30
...
— Ele simplesmente te desafiou! Você precisa ir! — exclama em voz alta enquanto pula na cama animadamente.
— Eu sei! Não vou deixar que ele continue se gabando por aparentemente "ser o melhor" — Faço aspas com os dedos e Guinho para de pular na cama, se senta e me olha. — Eu iria de qualquer jeito, ele precisa de pelo menos algumas derrotas.
— Não o subestime, ele já ganhou de um grande mestre russo. Sabe quem é Alexander Grischuk? É um grande mestre russo tricampeão em blitz.
— Sim, eu conheço. E eu empatei com o cara que já ganhou de um grande mestre russo, isso não é suficiente pra você acreditar que eu possa arrebatar aquele filho da puta?
— Claro que é suficiente! Você é capaz, mas pode ser que ganhe umas e perca outras, é apenas isso que estou te falando.
— Eu sei que você tem razão, mas quero garantir que eu permaneça com raiva dele até nós nos enfrentarmos de novo. Caso contrário, não terei chance alguma. — Ele ri. — Tá rindo do que?
— Você está duvidando de si mesma? Acorda louca! Você empatou com o nosso melhor jogador, e nem sei porque fez isso, o jogo estava completamente ganho! Vem cá.
Fui até a sua cama e nós realizamos a lenta análise da partida. Ele é um ótimo observador, na teoria, joga melhor que eu. Até perguntei se ele já havia ganhado daquele garoto, mas ele negou. Então continuamos a análise. Eu tinha visto o mate, mas o deixaria acreditar que sou burra o suficiente para deixar aquela implacável vitória escapar.
Durante a conversa, ele disse que na semana seguinte se iniciariam os jogos institucionais, esse ano, os coordenadores querem se desfazer rápido desse compromisso. Então serão 8 semanas de jogos, na primeira semana será handebol, na próxima será corrida, seguido de badminton e a primeira fase do xadrez, pois nessa instituição de ensino, muita gente joga xadrez. No próximo mês, ou seja, na quinta semana será futebol, seguido de vôlei, competições de dança e as finais do xadrez.
Estou muito ansiosa para que comecem os jogos. Tomarei o cuidado de conhecer as jogadas favoritas do meu principal adversário. Quais aberturas ele prefere, por exemplo. Continuamos a análise até a hora mais esperada do dia. O almoço.
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