Prólogo
Podia-se dizer que o cansaço tomava conta dos corpos de cada um presente naquela sala. Os suspiros, as respirações mais pesadas, os olhares tensos e nervosos enquanto observavam uma figura algemada ser arrastada até o centro do cômodo.
Subitamente, a temperatura caiu drasticamente, e todos sabiam exatamente o motivo. Os olhares lançados para a figura acorrentada se tornaram ainda mais estreitos, desconfiados, e a fina linha entre a raiva e o medo parecia cada vez mais perto de ser rompida.
Os grunhidos de frustração e ódio vindos do algemado se intensificaram ao ser preso em correntes ainda mais grossas do que suas algemas, e a cada movimento dele, a névoa gelada se espalhava pelo cômodo como fumaça seca e corrosiva para os narizes mais sensíveis. Debateu-se, e as algemas pesaram mais em seus pulsos ao conterem o gelo que a figura tanto queria colocar para fora.
Precisaram cobrir os rostos com máscaras para o ar gelado não agredir ainda mais suas mucosas mais sensíveis, todos esperando pelas próximas ordens quanto ao que fazer com o novo prisioneiro. Não poderiam tocá-lo, não ainda.
Os olhos do prisioneiro tinham a ferocidade de uma besta acorrentada, pronta para atacar o primeiro a se aproximar mesmo sem fazer qualquer movimento. Não adiantaria se debater, estava preso. Não adiantaria gritar, estava amordaçado. Não adiantaria amaldiçoar aquelas pessoas, ele mesmo já estava condenado.
A porta foi aberta, e o Tenente responsável por aquela operação adentrou o recinto, direcionando o olhar para o prisioneiro, analisando-o de maneira tão calma e apática a ponto de irritar o acorrentado até o último fio de cabelo.
— Uma mordaça? Que isso, gente? — o Tenente perguntou, esboçando uma careta confusa e não verdadeiramente empática para os soldados subordinados. — Não somos bárbaros, tirem isso.
Atrás do Tenente, outro adentrou o recinto e permaneceu mais atrás. Ambos pareciam exaustos, foram os principais agentes na apreensão daquele prisioneiro. Era de se espantar que qualquer um dos dois tivesse energia para ainda ficar de pé, e ali estava o Tenente, arrumando o próprio cabelo com uma mão enquanto encarava o prisioneiro como se estivesse falando com um colega de longa data.
— E então, como vai ser? — O Tenente ergueu as sobrancelhas, puxando uma cadeira para sentar à frente do prisioneiro. Sentou, apoiou os cotovelos nos joelhos à frente do corpo e manteve o olhar no homem à sua frente. — Vai colaborar ou eu preciso ir do jeito mais difícil?
O prisioneiro, já sem a mordaça, parecia conter um rugido vindo do fundo da garganta. Inclinou-se para a frente o suficiente para cuspir no rosto do Tenente. Este pareceu pouco surpreso com o ato, e limpou calmamente o rosto, suspirando por fim.
— Vocês são monstros! — o prisioneiro cuspiu as palavras.
— Entendi, vai ser do jeito mais difícil. — O Tenente assentiu com a cabeça ao falar, e estendeu a mão para o lado, na intenção de receber o arquivo com toda a ficha criminal.
O rosto sujo e cansado do Tenente não impedia dele esbanjar com comportamento quase tranquilo enquanto analisava a primeira página. Ele não precisava realmente analisar, já conhecia aquela ficha muito bem.
— Começamos com o pé esquerdo, Lan. É Lan, não é? Lan Benato, nascido no reino de Marte há 80 anos, mais conhecido por... — O Tenente não olhava para o papel ao falar, manteve os olhos cínicos diretamente em Lan. — Por ser a reencarnação do deus Saturno e ter assassinado friamente nosso fundador. Muito prazer, sou o Tenente Jonathan Kenneth, responsável por você daqui em diante.
O prisioneiro não respondeu, e o ódio em seu olhar apenas aumentou a cada palavra vinda de Jonathan. Este parecia tão tranquilo quanto antes. Já que um não continuaria a conversa, Jonathan faria as honras.
Fechou a pasta com a ficha criminal de Lan, suspirou novamente e sorriu sem separar os lábios.
— Causou um estrago na capital marciana, matou nosso fundador, matou dois dos nossos melhores soldados ontem, espero que achem uma cela digna para você.
— Se vai me matar, faça logo — Lan disse, e não entendeu ao notar o sorriso quase divertido nos lábios do Tenente.
— Quem me dera poder — Jonathan confessou, erguendo o corpo da cadeira e precisando olhar para baixo para continuar o contato visual com Lan. Jonathan apontou para o homem atrás de si antes de virar o corpo. — Mas ele ainda precisa conversar com você, já que não me deu o prazer de um diálogo, me considere magoado desde já.
E Jonathan considerava uma grande palhaçada aquela primeira abordagem, nunca falavam, nunca colaboravam, mas gostava de se apresentar formalmente mesmo assim.
Virou o rosto, na porta, o Major indicou para Jonathan sair, chamavam ele do lado de fora, e aquele homem prosseguiria a conversa a partir dali. Quisera ele ter a paciência do Major para as usuais conversas de reconhecimento.
Bastou colocar os pés fora daquela sala, recebeu um chamado via rádio do General daquela operação. Ótimo, mais dor de cabeça, Jonathan só queria voltar para casa e tomar um banho, sentia que estava fedendo, assim como todos aqueles outros soldados, depois de quase sete horas de perseguição. Um prato de comida cairia muito bem também.
Adentrou a sala do General sem ao menos bater, sua patente permitia isso, e encontrou um General bastante nervoso atrás da tela do computador central.
— General Axel — Jonathan disse, anunciando sua chegada.
— Você está imundo — o General comentou, já indicando para Jonathan se aproximar.
— Um agradecimento cairia tão bem quanto um banho agora, e você não me deixa ter nenhum dos dois, então aguente — Jonathan respondeu, apoiando uma mão na mesa do General. Não sentar era seu maior indicativo de querer muito ir embora.
— Temos um problema.
— Sempre temos.
— Assista.
O General empurrou um tablet na direção do Tenente, este levemente confuso com o ato. Não que o General fosse alguém fácil de lidar, mas se irritava com o fato dele nunca explicar antes de mostrar algo.
Clicou na tela, o vídeo começou a rodar e parecia uma filmagem noturna do Museu dos Caídos. Nada incomum até ali. Jonathan ergueu uma sobrancelha, alternando o olhar entre a tela e o General, e o homem sentado apenas indicou para ele continuar prestando atenção.
Então uma figura começou a andar pela filmagem, e pela hora, no máximo poderia ser um vigia, mas definitivamente não o era. As imagens seguintes foram ainda mais confusas. A figura chegou perto demais do maior cristal do Museu, e surpresa veio ao notarem o cristal brilhar.
Jonathan franziu a testa e abriu bem os olhos, o cristal pulsava em um brilho gélido com o toque daquela figura, e no segundo seguinte, o cristal trincou.
Todo o brilho sumiu, menos no pequeno pedaço trincado que agora estava em mãos daquela figura também brilhante. Uma reencarnação poderosa o suficiente para reacender o cristal. A filmagem encerrou após uma segunda explosão de brilho, como se a figura tivesse a intenção de fritar todo o sistema de segurança do Museu.
— Sua equipe foi exemplar ao capturar Saturno, preciso de vocês nesse caso. Descubram qual deles é, tragam aqui e abafem todo rumor que aparecer.
— Minha equipe teve duas baixas e estão exaustos.
— Recrute mais dois, capturar esse ladrão de merda é a nossa prioridade. — O General bateu com uma mão na mesa, encarando o Tenente. — Se isso se espalha, quantos mais desses sanguessugas vão querer aparecer? Não pode acontecer outro Crepúsculo de Fogo.
— Preciso de uma semana.
— Você tem até amanhã pra preencher seu time, em uma semana eu quero é a cabeça desse merdinha exposta no Museu — o General cuspia as palavras e bateu novamente com a mão na mesa.
Jonathan ergueu as sobrancelhas novamente, claro, o bendito queria que eles operassem milagre. Aquilo seria péssimo, foi com um mero rumor que tudo começou um século antes, e o frio na própria barriga o dizia que ali seria pior, principalmente com um roubo logo abaixo dos narizes deles enquanto as equipes estavam ocupadas caçando outra daquelas criaturas absurdas.
Antes do Tenente responder, a porta foi aberta novamente, e um soldado da equipe de Jonathan parecia alarmado o suficiente para chamar a atenção dos dois homens.
— Senhor.
— O que foi? — Jonathan se prontificou em perguntar.
— O prisioneiro... — O soldado ofegava, alternando o olhar entre os dois, já sabendo a reação de ambos com as próximas palavras. — As algemas de contenção falharam e ele explodiu gelo por toda a sala depois de quebrar as correntes.
— Merda — Jonathan resmungou, audivelmente, já se preparando para seguir de volta até aquele cômodo. — Algum ferido?
— Ele se matou, e feriu gravemente três dos nossos, incluindo o Major.
Em um piscar de olhos, o Tenente passou pelo soldado. Definitivamente não conseguiriam preparar a equipe em um dia, muito menos completar a missão em uma semana.
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