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26. Pragas purpurinadas

Ea, reino de Netuno

— Tio, tem certeza que não vai atrapalhar? — Zyr perguntou, enquanto terminava de dobrar algumas peças de roupa e as colocava dentro de uma mochila recheada de bolsos. Talvez fosse um bolso com uma mochila, e não o contrário, e o rapaz simplesmente amava isso.

Provavelmente cada bolso tinha um mundo inteiro dentro, e essa era a principal funcionalidade do acessório. Depois de descobrir a magia dos bolsos, Zyr não aceitou menos, e o resultado foi uma bolsa aparentemente vazia, mas tão bem arrumada e dividida que nem dava para notar.

Do outro lado do cômodo, um homem de cabelos loiro escuros e olhos fendados da mesma cor dos olhos de Zyr o entregava alguns outros objetos, como a escova de dentes e um pente. Tirus arremessou os objetos com um pouco de desleixo e Zyr sempre os segurava, tornava mais fácil de checar se não deixou passar algo. O homem sabia muito bem do garoto sempre esquecer pelo menos cinco coisas importantes em toda viagem.

— Que nada, é bom pra passear — Tirus disse, tranquilamente, arremessando uma tiara de cabelo em direção de Zyr. — Fora que o Nephele não confia no Veigor, então não ia deixar mais ninguém daqui te levar.

— Então você também vai pra vigiar o Veigor? — Zyr franziu a testa ao perguntar.

— Vou pra vigiar meu sobrinho na primeira meia hora de estadia dele em um canto pouco confiável. — Tirus pôs uma mão na cabeça de Zyr e bagunçou os fios já bagunçados do rapaz, franzindo os lábios no momento do ato, como se a motivação fosse óbvia.

Tirus não poderia ligar menos para líderes dos outros reinos, sua preocupação maior sempre seria seus sobrinhos que criou como se fossem seus próprios filhos. Zyr sabia disso, e inclinou o corpo para abraçar o tronco do tio de forma afetuosa, enterrando a cabeça no peito do homem de forma bastante torta.

— Vai ser tranquilo — Zyr disse, tentando passar confiança, e falhou feio ao perceber a face descrente de Tirus.

— Da última vez que achei que seria tranquilo, a mãe da Eana levou o Nephele pra servir de babá de grifo e ele voltou líder porque a líder morreu e a vice abdicou do cargo pra proteger o reino enquanto meio mundo explodia, então não me leve a mal, vocês têm o mesmo pique pra fazer merda — Tirus comentou, erguendo ambas as sobrancelhas. Zyr franziu os lábios, não poderia discordar. — E não é porque agora ela tá na sua cabeça e você é o único neurônio que presta que tá livre disso.

— Jeito maneiro de me chamar de azarado.

— Azarado é humildade, mas eu não sei palavra melhor.

Zyr até quis rir, mas o riso sairia meio azedo e meio choroso, talvez meio desastroso. Ele olhou para o chão em drama, em seguida desviou o olhar para o tio, para a bolsa, para a tiara em sua mão, para a bolsa de novo, e sentiu o coração bater mais forte por ver a mancha escurecida no bolso da frente onde tinha colocado um vidro de soro para o nariz.

— Inferno — Zyr resmungou, abrindo o bolso com rapidez e percebendo de ter deixado a tampa muito mal fechada enquanto o vidro tinha caído para o lado. Pelo menos era só soro, poderia deixar do jeito que tava e esperar que secasse durante a viagem.

Ele ouviu o riso abafado do tio, também teria rido se fosse com qualquer pessoa além de si mesmo. Não ia atrasar a hora da viagem por descuido, seria humilhante e nem Nikolai nem Eana o deixariam esquecer disso pelo próximo ano.

Antes que pudesse voltar a fechar o bolso e colocar a mochila nas costas, ouviu passos na entrada do quarto e soube de quem se tratava antes mesmo da figura pronunciar a primeira palavra.

— Você mal voltou, não pode ir! — Psique disse, seriamente, em tom de reclamação. Então ela percebeu a presença do tio ao olhar para o lado, e imediatamente suavizou a carranca. — Oi, tio.

— Boa tarde pra você também — Tirus comentou, e Psique sentiu uma pontada de culpa por não ter aparecido de maneira menos brusca.

Em compensação, ela se aproximou de Tirus com uma carinha abatida, franzindo os lábios em um bico choroso enquanto aceitava um abraço vindo dele. Enquanto se mantinha abraçada nele, voltou a olhar para Zyr com os olhos estreitos.

— Eu prometi que ia ajudar eles — Zyr disse, dando de ombros.

— Você vai morrer de novo ajudando essa gente ingrata — Psique concluiu, ainda de olhos estreitos e agora com a testa franzida. — E vai me deixar aqui sozinha.

— Assim é golpe baixo. — Zyr levou uma mão até o peito, dramaticamente, e recebeu uma careta vinda de Psique. Entendia a preocupação com a morte quando se tratava de Mercúrio, se recusava a também acreditar que poderia acontecer duas vezes. — Vai dar bom, sério.

— Não vai, e eu não tô me sentindo bem com você e a Eana saindo daqui exatamente pros dois lugares que menos deviam, mas ninguém me escuta — ela insistiu, e apertou o abraço em Tirus enquanto o sentia passar a mão por seus fios de cabelo carinhosamente. Psique podia sentir o coração aquecer pela atenção, sentia-se confortável, mas ainda com a preocupação tomando de conta de sua cabeça. — Urano e Mercúrio são problema.

— Por que não vai pra Urano com o Nikolai?

— O que? A Eana já vai com ele, não tenho o que fazer lá.

Er...

— O que tá acontecendo que você não me disse? — Nesse momento, Psique se afastou de Tirus e levou as duas mãos até o próprio quadril.

Pela cara de culpado, ela viu que Zyr não pretendia comentar sobre aquilo, e isso só a fez franzir mais a testa em uma insistência silenciosa.

Zyriak, abre o bico — Psique inquiriu, cruzou os braços e o encarou como se pudesse voar no pescoço dele a qualquer momento.

— O Nikolai vai sozinho.

— Por que?

— A Eana decidiu que ia pra outro canto.

— Ah não, não me diz que ela largou o filho da puta egocêntrico por aquela indigente desgraçada de Júpiter, não me diz que foi isso. — Ela levou uma mão até a testa, atônita, e passou a andar de um lado para o outro com o olhar desolado, incrédulo. — Isso é pior, muito pior...

Puderam ouvir o riso indiscreto de Tirus com as palavras de Psique, e Zyr também teria rido se não fosse indiretamente acusado de compactuar com aquilo. Se ele mesmo risse, Psique ficaria ainda mais possessa.

— O que eu sei é que ele vai sozinho, só isso — Zyr disse, com as mãos levantadas e os olhos bem abertos em espanto. — Por isso acho que você deveria ir.

— Eu não fiquei doida a esse ponto, tenho mais o que fazer.

— Sem querer me meter, mas já me metendo, eu acho que você precisa tirar umas férias — Tirus comentou, e Psique o olhou horrorizada.

— Claro que não! Tio, você tem que me defender aqui! Sua sobrinha tá de quatro por uma bandida, esse infeliz aqui tá querendo me fazer amigar com um desprovido de bom senso, e vocês tão falando de férias? Eu vou sair daqui direto pra um enterro e quem vai deitar no caixão sou eu!

Zyr não conseguiu segurar o riso, não totalmente, e precisou cobrir a boca com uma mão para não deixar tão óbvio seu humor. Se ela reclamava tanto do drama dos outros dois envolvidos no assunto, estava seguindo pelo mesmo caminho.

— Só que não é férias, ele tá indo pra ver se o bagulho estranho no chão de lá é um problema ou não — ele explicou, e tateou a própria roupa em busca do celular. Sobre aquilo não precisaria omitir ou contar meias verdade para Psique, realmente se preocupava com a questão. Se pudesse, Zyr também iria, mas outro problema envolvendo chãos e maldições igualmente reinava em Mercúrio. Desbloqueou a tela e passou as fotos da galeria tão rápido que ela não entendia como ele conseguia reconhecer qualquer foto naquela velocidade. Achou a que queria, e estendeu o aparelho em direção de Psique. — Não parece pouca coisa, e não vai demorar pro pessoal do Controle conseguir piorar isso aí.

Ela segurou o celular com pouca vontade, e de primeira não entendeu que tipo de foto era aquela. Precisou de cinco segundos encarando a tela para discernir ser uma imagem subaquática e do solo estar completamente tomado por uma mancha escura e viva.

Não parecia superficial como uma sombra ou como areia de coloração inusitada, mas uma lama em movimento que subia e descia continuamente como suco dentro de um liquidificador. O centro da mancha parecia mais baixo, mais fundo, e ela teve a impressão daquela cratera cada vez mais afundar.

Sentiu o choque percorrer desde os seus olhos até o final de sua coluna, juntamente do arrepio violento que a fez tremer por inteiro, e sua visão foi tomada por outra visão. Ou melhor, por uma lembrança de um sonho. A imagem das garras de seu pesadelo apareceram à sua frente, e ela pode reconhecer exatamente aquela cratera, aquela textura gosmenta, aquele lugar.

O ar deixou os pulmões de Psique e ela tropeçou para trás, segurando o celular de Zyr com força e involuntariamente.

Imediatamente, Tirus levantou para aparar a sobrinha, e Zyr se aproximou em um pulo para segurar nos dois braços dela enquanto o olhar fixo de Psique se mantinha sempre para frente, mas com foco em lugar algum. Ela tentava puxar o ar, mas seus pulmões não obedeciam, e sequer conseguia se desesperar pela falta de ar ao encarar tão diretamente a visão de seu pesadelo.

O ar voltou violentamente aos seus pulmões ao sentir um toque gelado diretamente em seu pescoço. Conseguiu mover os olhos, ofegando, e percebeu da mão de Zyr brilhar em prateado enquanto ele liberava o próprio poder para tirar ela do transe. Psique se agarrou no braço de Tirus e na mão de Zyr, tentando retomar a respiração.

Zyr manteve o poder pulsando contra o pescoço dela por mais alguns segundos, e Psique não iria reclamar da proximidade de nenhum dos dois, mesmo que odiasse receber o poder alheio. Seu coração pulsava como um tambor, e ela odiava aquela sensação.

— Calma, calma — ela ouviu a voz de Tirus, e tentou se apegar a isso enquanto se forçava a inspirar e expirar. — A gente tá aqui.

Psique assentiu, encolheu o corpo e tentou focar na própria respiração. Ao olhar para Zyr, ao encarar os olhos de coloração semelhante aos dela, Psique percebeu o entendimento abaixo da evidente preocupação. Pior que apenas o entendimento, a esse ponto tanto Zyr quanto a Lua dentro da cabeça dele tinham entendido exatamente o ocorrido.

— Digamos que eu aceite ir, meu pai me proibiu de sair do reino — Psique disse, em um sussurro. Engoliu em seco, só então aliviou a força com que segurava o braço do tio e a mão de Zyr.

[...]

Marduk, reino de Júpiter

Quando finalmente teve tempo de ligar o equipamento de rastreamento, Jonathan já imaginava achar o ponto brilhante na tela dentro de uma vala. Com tanta coisa acontecendo, ser designado para o trabalho de um estagiário era como tirar férias, pois todo seu esforço se resumia a encarar uma tela e vigiar um pontinho brilhante.

Férias no início, um grande tédio em seguida. Encarar o ponto brilhante era simplesmente chato, e nada que fizesse melhoraria isso. Tentou baixar qualquer joguinho no celular para passar o tempo, tentou se exercitar como fazia sempre pela manhã, mesmo que já fosse quase noite, chegou até a tirar um cochilo no meio do expediente enquanto esperava o bendito pontinho se mover.

O que foram horas de tédio, resultaram em um traçado irregular desde o reino de Marte até as margens do reino de Mercúrio, e isso realmente o pegou de surpresa. Jonathan não possuía o mapa do reino de Mercúrio por simplesmente ninguém do continente o possuir, então não soube dizer onde exatamente o ponto brilhante parou acima do reino mais ao sul do continente.

Porém, uma coisa era certa, Om tinha feito uma viagem e tanto, e pelo menos não tinha se abrigado em Netuno, isso já poderia ser uma vitória. Mas era em Mercúrio, e isso foi uma derrota, pois igualmente estava de mãos atadas.

Ele esfregou o rosto com força, e subiu as mãos para os cabelos completamente bagunçados, provavelmente estava a cara de alguém com ressaca, sentia-se desse jeito. Com todos da equipe viajando, teve a sala de reuniões inteiramente para si e para o equipamento de rastreio. Pelo tédio, começou a mexer em vários papéis e documentos, e os espalhou pela mesa e pelas poltronas como se precisasse muito olhar para qualquer coisa.

Realmente precisava, Jonathan sentia a cabeça pesada só de tentar recapitular os acontecimentos do último mês. Sua atenção até podia estar no trabalho, mas sua cabeça teimava em voltar para três tópicos sensíveis: Cairbre, Viktor e Danika.

Três pessoas com valores emocionais além do trabalho, e três pessoas que passaram a simbolizar tudo que Jonathan abominou no passado. Tinha decidido não julgar até ter certeza de que pessoas poderosas eram uma ameaça, não queria se tornar o próprio pai que morreu na tentativa de assassinar três divindades e desencadeou incidentes piores. Mas isso cansava, a preocupação cansava, a responsabilidade cansava, a incerteza cansava.

De todos os futuros que tinha imaginado para si, nenhum fazia jus à realidade.

Quase pegou no sono embalado nas próprias preocupações se não fosse pelo alarme do celular apitando a cada quinze minutos, e quando se irritou o suficiente para desligar o alarme, despertou no susto ao perceber não estar sozinho no ambiente.

Não percebeu o momento exato em que Viktor adentrou, mas notou sua presença ao escutar uma tosse forçada vinda dele. Jonathan abriu os olhos subitamente, olhou para o lado, e precisou segurar a respiração por um segundo para o próprio cérebro processar aquela presença.

— Que susto da porra — Jonathan resmungou, fazendo uma careta enquanto esfregava a nuca.

— Alguma novidade? — Viktor perguntou, calmamente, e apenas quando ele apoiou uma mão na mesa, Jonathan pode ver a pulseira supressora.

De todos os anos em que Jonathan foi o responsável por colocar aquelas pulseiras nos prisioneiros, pela primeira vez se sentiu incomodado, como se aquilo não fosse certo, e ainda pior, como se fosse ofensivo.

— Sim. Que palhaçada é essa aí? — Jonathan perguntou, indicando as pulseiras com um movimento do queixo.

— Ah, isso? — Viktor olhou para baixo, segurou o pulso direito com a mão esquerda e passou os dedos por alguns segundos pelo objeto. — A Jorani quer ver se tem diferença de radiação entre pessoas com acesso aos poderes e pessoas sem acesso.

— E vai ficar com isso por quanto tempo?

— Não faço ideia. — Viktor moveu o rosto negativamente, suspirou devagar, por ele não seria problema algum passar mais tempo com aquilo contanto que esse mais tempo não se estendesse para o resto da vida. Dissera que colaboraria, então ali estava ele, colaborando. — Mas não vou falar disso. O que você conseguiu?

— Lado bom, achei o Om. Lado ruim, está em Mercúrio, então eu fico aqui de cara pra cima até decidir fazer algo útil com isso.

— Isso renderia um processo contra Mercúrio por cumplicidade com um foragido — Viktor disse, baixo, não realmente como quem gostava da ideia, mas como quem detestava a consequência. Porém não poderia odiar por completo, Om de fato era um fugitivo por crimes bastante reais e com uma ficha criminal extensa.

Jonathan só moveu os ombros, concordando. O grande problema pairando sob a cabeça dos dois era o fato de não poderem inquirir um reino que simplesmente os ignoraria. Qualquer outro reino poderia ser condenado ao fechamento de barreiras comerciais e corte de fornecimento de material, porém isso tudo já acontecia por escolha do próprio reino de Mercúrio. Conseguirem manter contato com o líder mercuriano já era considerado um privilégio, propor um afastamento e isolamento total era exatamente o que Veigor sempre quis, ou seja, chegariam a lugar nenhum e ainda perderiam o pouco contato com o reino mais ao sul do continente.

Embora Viktor mantivesse os olhos em Jonathan, ansioso para que aquela conversa continuasse, Jonathan não o olhou novamente. Encarava a tela de rastreamento como se a qualquer momento uma ideia genial pudesse surgir, e não ligava se Viktor queria continuar ali, de pé parado que nem uma estátua, contanto que pudesse ajudar de algum jeito.

A ideia genial vinda do além não deu o ar da graça, e Viktor bufou irritado por Jonathan não ter a decência de o olhar diretamente.

— Precisamos conversar — Viktor declarou, mantendo o olhar incisivo em Jonathan, e o Tenente virou o rosto com uma sobrancelha arqueada.

— É, acho que precisamos mesmo — Jonathan disse, ainda com a face irônica de quem estava prestes a julgar algo sério. Viktor, ergueu as sobrancelhas em surpresa pelo tom de Jonathan. Se antes queria muito falar sobre aquilo, agora já não tinha tanta certeza. — Brincadeira, só disse isso porque odeio quando falam que querem conversar comigo.

— Você é um otário.

— E você sempre cai nessa, quem é o otário aqui?

Viktor fechou a cara em uma incredulidade teatral. Jonathan riu pelo nariz, tranquilo, e Viktor finalmente sentiu a familiaridade de conversar com o homem à sua frente. Porém ele não sabia se era o Jonathan verdadeiro ou um tentando fingir que estava tudo bem enquanto se matava por dentro.

— Você realmente tá tranquilo com tudo isso? Digo, eu, a Cairbre, a Danika... — Viktor começou, ou acabariam discutindo tudo menos o mais importante. — Todo o resto.

— O que você quer que eu diga? — Jonathan questionou, fazendo uma careta e apoiando um cotovelo sobre a mesa. — Que "oh, que tragédia, todos ao meu redor são criaturas infernais" ou "Que felicidade! Eu sou abençoado por conhecer gente divina"? — Ele afinou a voz ao falar, teatralmente, dramaticamente, e então descartou o drama, dando espaço a seriedade e ao cansaço. — Isso tudo é uma merda, e só.

— Não sente raiva?

— Claro que sinto, Viktor, mas não de vocês. De todo mundo, porra, dessa situação, desse emprego, da posição que eu fiquei. Eu poderia facilitar minha vida e dizer que tudo é culpa dos deuses e cuspir ódio e burrice que nem o General ou o Jab tanto gostam de fazer, mas acho que não fui esperto o suficiente pra isso.

— Não fala isso nem brincando.

— Não vou, já gastei minha cota de merda colossal feita em vida quando deixei a Danika ir em cana. — Jonathan passou as mãos pelo rosto, respirou fundo, apoiou as mãos na testa de forma que puxava sua pele para cima. — Ela matou o Louis, mas a esse ponto eu tô feliz por ela ter conseguido sair.

Não para aliviar a culpa, isso jamais seria o suficiente, mas para ao menos saber que ela estava fora daquele lugar. Se Danika não estivesse presa, Jonathan não precisaria inventar desculpas para não fazer visitas. Livre ou em cárcere, ele conhecia ela o suficiente para saber que o odiava agora, então preferia um ódio livre onde pelo menos poderia descontar em outras coisas. Como pessoa prestes a pedir demissão, Jonathan estava a um passo de jogar tudo para cima, mas sabia que se fizesse isso, alguém pior poderia tomar seu lugar, e três pessoas que ele se importava mais do que a si mesmo estariam diretamente na fila para a forca.

Viktor puxou uma cadeira para sentar, pensativo, ou pelo menos tentando fazer sua cabeça começar a funcionar depois de terminar todo o relatório para o General praticamente à força. Os registros seriam importantes, mas agora temia para que finalidade seriam usados.

— Fico aliviado em ouvir isso — Viktor admitiu, soltando um longo suspiro em seguida.

— Realmente achou que eu pudesse ficar igual a eles?

— Imaginei que não, mas sinceramente não sei. — Ao falar, Viktor notou a pontada de ofensa na face de Jonathan. — Você mesmo dizia que ia ajudar a colocar uma coleira em cada deus pra vingar minha mãe e seu pai... tudo bem que isso foi há muito tempo, mas...

— Mas nada impede que tudo isso traga a raiva de volta — Jonathan o interrompeu, secamente. Apesar disso, não soava rude ou ignorante. — A última Lua estraçalhou meu pai, mas hoje eu sei que fez isso porque eles e os outros encheram tanto ela de bala que ficou mais parecida com uma peneira do que com uma pessoa. Cadê a justiça nisso? E a sua mãe... ela nem tinha dedo nisso, mas eu procurei o noticiário daquele dia e de uma coisa eu tenho certeza, a Valerian assistiu aquilo, e no lugar dela eu teria feito pior e depois me matado só pra não precisar lembrar daquela imagem.

Viktor abriu bem os olhos, assustado com aquelas palavras, assustado com a possibilidade. Jonathan manteve o olhar baixo e cansaço, mas não desviou do olhar de Viktor. Manter olho a olho sempre foi essencial entre os dois, e sabiam bem quando outro falava a verdade ou não a partir disso. Infelizmente, Viktor reconhecia verdade até demais no olhar de Jonathan, e isso o aterrorizava.

— Não fala uma coisa dessas...

Falo, porque é o que é. Isso tudo tá muito errado. E eu sinceramente não ligo se vocês três são uma dessas pragas purpurinadas, não importa, não vai diminuir o quanto eu amo você ou elas.

Jonathan sentiu os olhos úmidos, assim como o nó crescente em sua garganta. Tinha medo por si mesmo e por todos os outros, e essa era sua maior preocupação. De três pessoas que costumavam comer besteira e dormir um por cima dos outros na sala de sua casa, passaram a ser uma foragida, um acusado e uma extraditada. Uma maravilha de futuro, talvez ele devesse ter sido um contador ou algo menos burocrático. Sempre quis ser pipoqueiro, talvez não fosse tão tarde assim.

Viktor colocou uma mão no antebraço de Jonathan, apertando levemente o local. Estava agradecido por isso, não por toda a compreensão, mas por não se deixar enlouquecer quando Viktor se sentia prestes a ter um piripaque.

Uma mão no braço não seria o suficiente para consolar nem um gato carente, quem dirá alguém segurando o choro. Jonathan virou o corpo para o lado e se inclinou para abraçar Viktor. O mais baixo não esperava, e foi sua vez de sentir os olhos marejados ao sentir o aperto forte vindo de Jonathan.

O alívio tomava conta do coração de ambos ao saberem que tinham o outro tão perto, tão ilusoriamente a salvo, e mantiveram a força enquanto sequer tentavam conter qualquer demonstração de medo ou receio. Não importava se estava tudo indo do ruim para o péssimo, pelo menos não poderiam tornar uma tortura que seria caso realmente se afastassem.

Não que Viktor temesse ser condenado pelo melhor amigo, o que até poderia acontecer já que fizeram o mesmo com Danika, mas temia a aversão, e com isso ele não conseguiria lidar, não de novo. Sua perna já não doía, seu rosto tampouco, mas ele lembrava bem da dor emocional que foi levar aquele soco prisão. Um golpe desses vindo de outro amigo seria o mesmo que jogar Viktor em uma vala e o cobrir com areia até estar enterrado a sete palmos do chão.

[...]

Caelus, reino de Urano

Não devia, mas fez mesmo assim. Cairbre deveria estar no porto à espera de seus amados colegas do Controle, mas como sua curiosidade falou mais alto e para completar foi encarregada de carregar a prima como assistente como parte do castigo da pirralha, decidiu que iria até o local da mancha e levou Caitriona junto.

Se antes tinham dito que a mancha permanecia a pelo menos vinte metros da faixa de areia, agora estava a menos de dez, e Cairbre facilmente conseguiria caminhar até lá e a água estaria no máximo até a altura de seu busto. Isso era assustador, tanto para ela quanto para qualquer um que a viu colocar os pés dentro da água naquela região. Se por um lado se sentia extremamente bem em contato com a água salgada, por outro sentia sua alma gelar só de encarar a mancha se movimentando como em um ninho de minhocas.

— Tem certeza de que o oráculo não deu um piu sobre isso? — Cairbre perguntou, pela décima vez.

— Aham, certeza — Caitriona disse, enquanto se mantinha sentada em um banco alto na areia próxima da área onde Cairbre decidiu entrar na água.

— Nada? Nadinha? Nem um "sim, isso com certeza é uma mancha"? — Cairbre insistiu.

— Se tá tão desconfiada do que eu falo, por que não vai lá e pergunta de novo? Eu hein.

Cairbre revirou os olhos, preferia evitar, mas pelo visto acabaria indo uma hora ou outra. A falta de colaboração tampouco ajudava, parecia que ninguém queria realmente falar, nem mesmo sua família.

Ela se manteve de braços cruzados, encarando a mancha e as movimentações esquisitas dentro do buraco, talvez à espera de alguma mudança, seja de uma besta pulando lá de dentro ou a mancha simplesmente desaparecendo, qualquer coisa serviria.

— Vish — Caitriona disse, e Cairbre franziu o rosto ao ouvir, sendo obrigada a virar o rosto para olhar para a menina.

Vish — Cairbre repetiu, dessa vez com as sobrancelhas levantadas e os lábios tensos ao ver a irmã se aproximando daquele lugar.

Facilitaria o trabalho de Nialla, princesa herdeira de Urano, futura rainha e supostamente gêmea mais velha dentre as duas. Sair da água seria um começo, mas não um final, e já previa a bronca ao ver a face repreensiva da mulher.

— Se a mamãe te vê aqui, ela morre, volta só pra te matar, e morre de novo — Nialla disse, com uma mão na cintura enquanto alternativa o olhar entre Cairbre e Caitriona.

— Se ninguém me conta direito o que tá acontecendo, eu sou obrigada a vir aqui e ver pessoalmente. — Cairbre esboçou um sorriso azedo, cínico, desgostoso. Não queria, mas se precisasse, pularia de cabeça dentro do buraco se isso significasse alguma resposta.

— É um risco muito grande, ainda mais com a pentelha aqui.

— Eu escutei! — Caitriona contestou.

— Que bom que escutou — Nialla retrucou, incrivelmente calma, e cruzou os braços de um jeito bastante semelhante ao de Cairbre. — Avistaram o navio que seus coleguinhas estão vindo, chegam em uns vinte minutos.

Cairbre assentiu, claro, deveria estar antes deles chegarem e proporcionar a melhor experiência para uma recepção uraniana. Infelizmente, não eram os colegas que Cairbre mais queria, mas daria pro gasto.

— Como fizeram registro da garota que representa Umbriel, muita gente vai querer ver a chegada dela, mas vi que o papai registrou estadia pra dois pássaros, e não acho que seja uma boa tanta gente junta quando alguém de Netuno chegar — Nialla continuou, agora com um tom de voz receoso.

— É pra Eana e o Nikolai, e eu sei que é uma ideia de bosta os dois aqui enquanto o Controle também vai estar — Cairbre disse, já fora da água e se abaixando para segurar seus sapatos de borracha furada em vários círculos que tinham sido jogados na areia próxima do banco de Caitriona. Nialla indicou para as duas começarem a andar em direção do píer principal, e isso significava levar os sapatos e também o banco nem que fosse nas costas. — Mas sinceramente, quero que se foda, eles que aturem.

— Espera, o Sol?

— Ele mesmo.

Nialla suspirou, levando uma mão até o próprio queixo enquanto Cairbre tentava limpar a areia dos sapatos os sacudindo no ar. Com isso espalhou areia tanto em si mesma quanto em Caitriona, e a cara feia da mais nova foi assustadora.

— Mamãe proibiu que chamasse todos os deuses, mas ainda assim vamos ter uma quantidade considerável por aqui — Nialla concluiu, e olhou para a irmã de forma sugestiva. — Me dá um motivo bom pra isso e eu posso tentar convencer ela de novo.

— Esse o ponto, não tem motivo bom, é o mais puro suco do entretenimento ver essa gente junta. — Cairbre movimentou uma mão ao falar, juntando todos os dedos e inclinando a mão para frente e para trás. Aquilo não bastaria para convencer nem Nialla, quem dirá sua mãe. — Seria um tapa na cara do General.

— E a conversa de "ressocialização em nome de uma futura paz" já foi pro lixo? — Nialla perguntou, parafraseando a primeira tentativa de Cairbre ao falar com o rei e a rainha. Se ela sabia daquilo, com certeza tinha conversado com os pais antes de tocar no assunto com Cairbre.

— Fala sério, mais fácil rolar rinha do que qualquer outra coisa.

Não ia se iludir achando que seria uma praia bonita e comida de boa qualidade que ia fazer aquelas pessoas se acertarem, tampouco seria a pessoa a tentar firmar qualquer acordo, Cairbre já estava farta. Tentou firmar acordo antes e levou na cara uma extradição, tentou manter todo mundo vivo e foi retirada de toda a operação. Agora já não via a necessidade de realmente colaborar, não com o que seguiam atualmente e com quem estava no comando.

Só colocou os sapatos novamente ao chegar ao píer, e agora até mesmo ela conseguia ver o navio vindo do continente. Pelo lado bom, o Controle não chegaria junto de sua prima, ao menos esse confronto poderia evitar.

O navio aportou, Cairbre tentou colocar a melhor face social possível, e continuou acompanhada tanto da prima mais nova quanto da irmã, enquanto atrás dela, a multidão começava a se juntar na área externa pela curiosidade de ver a nova versão do deus fundador de seu reino. Diferente de todos os outros reinos, não foi a deusa Urano que fundou aquele lugar, mas sim seus filhos, e apesar de todas as mazelas trazidas pelos deuses cem anos antes, o povo uraniano tinha admiração por todos aqueles que descendiam de sua deusa.

Ao mesmo tempo tão familiar, ver alguns rostos novamente assustava Cairbre. Claro que ela preferia outros, mas sua preferência não influenciou no susto, mas sim o sentimento do quanto ela não sentiu falta de olhar na cara daquelas pessoas.

Primeiro avistou Jorani, de óculos escuros como uma típica turista, e ao lado dela o rapaz que ela adotou como assistente, Miguel, embora Cairbre tivesse sérias suspeitas sobre ele. Em seguida desceu Maya, explicitamente incomodada de estar ali por ser um reino definitivamente diferente de seu reino natal. Depois dela desceu Frida, alguém natural dali, mas igualmente se sentindo como um peixe fora d'água.

O brilho esverdeado emanando de Frida incrivelmente foi algo que Cairbre nem se importou, na verdade gostou de ver o brilho e foi o único alívio naquele momento. Ela sabia que Frida também veria seu próprio brilho pela distância entre as duas, e definitivamente precisava conversar com a mulher o quanto antes.

Por último, desceu Jab, com um ser vivo esverdeado repousando em seu ombro. Enquanto aquele pequeno espírito parecia muito calmo, Jab parecia doente, talvez enjoado da viagem, talvez enojado de pisar ali. Seria um longo primeiro dia.

A multidão fora do píer gritou em alvoroço ao ver a cidadão de cabelos verdes, e embora Frida tivesse se acostumado com o público, a razão daquele público chamar seu nome era completamente diferente. Ela sentiu a mão de Jorani em seu ombro, uma forma bizarra de tentar acalmá-la, e pela primeira vez Frida sentiu que estar perto de Jorani era mais seguro que perto da multidão que queria sua atenção somente por ela ser o deus fundador.

Grande coisa ser fundador de alguma coisa, até onde Frida lembrava, tudo que aquele deus fez em vida foi ver os pais se matando e depois casar com a própria irmã para dar início à família real uraniana. Ela diria que no mínimo um trauma rodava solto ali no meio.

Ao avistar a princesa, mesmo já sabendo muito bem sobre a extrema semelhança da família real, Frida precisou coçar os olhos ao encarar as três figuras ruivas. A com brilho azulado ela sabia ser Cairbre, impossível não reconhecer, mas não lembrava como a princesa herdeira e a de estatura menor eram tão semelhantes.

Aproximaram-se, só então puderam notar uma diferença maior entre as três. A princesa herdeira possuía um semblante tranquilo, simpático. A de estatura menor parecia entediada e prestes a empurrar alguém de cima do píer para passar o tédio. E Cairbre mantinha a mesma fuça de quem tinha esgotado a paciência com aquela gente.

— Ora ora, quanto tempo — Jorani comentou, ao se aproximar.

— E aí — Cairbre disse, levantando o polegar e abrindo um sorriso não tão sincero, sem separar os lábios.

— Sejam bem-vindos. — Nialla tomou a fala, e todos os olhares se voltaram para ela. — Normalmente o rei ou a rainha viriam, mas estou aqui em nome deles.

— O prazer é nosso, Vossa Alteza — Jorani disse, respeitosamente.

— Como sabem, temos algumas regras aqui para a proteção tanto da nossa população quanto a de vocês. Minha irmã vai poder explicar melhor os detalhes mais específicos, mas posso adiantar que todos possuem um aposento exclusivo na orla, assim como vão poder circular em liberdade somente dentro do resort onde vão ficar acomodados. Outras saídas serão sempre na companhia de alguém designado para isso, e por favor, em partes da cidade onde avistarem um aviso de área isolada, passem longe, é pra sua segurança. — Enquanto explicava, Nialla manteve a mesma voz tranquila, e gesticulou com as mãos no intuito de mostrar a direção de cada lugar citado. — Depois que se acomodarem, o rei, a rainha e a vice-rainha pediram que se apresentem na mansão real, então daqui uma hora vão ser escoltados até lá. Qualquer outra pergunta, a Cairbre resolve.

— Entendido — Jorani assentiu, com um movimento da cabeça. — A área que nos passaram a responsabilidade é perto?

— Sim, é bem próxima de onde vão ficar hospedados. Podem circular até lá à vontade.

— A água é ótima, recomendo o banho — Caitriona comentou, seriamente, e levou um tapa fraco na nuca vindo de Cairbre.

— Não entrem sem equipamento, em nome de Urano — Nialla disse, com os olhos bem abertos enquanto encarava Caitriona.

Ao lado delas, Cairbre abaixou o rosto e cobriu os olhos com a mão, podia muito bem desistir de todo mundo antes do pior acontecer.

— Agradecemos o aviso e a hospitalidade — Maya disse, com um sorriso simpático no rosto. O ato foi retribuído por Nialla.

Cairbre teria ficado feliz com a abordagem quase tranquila, teria se contentado em levar pessoalmente todos eles até o resort como se fosse a governanta da família enquanto a irmã fazia o papel de gente importante, mas como sempre, tudo acontecia ao contrário do que ela mais gostaria.

Estava prestes a pedir que a seguissem, mas seus olhos desviaram para o horizonte por uma fração de segundo e ali soube que paz de proletário acaba rápido demais.

Talvez tivesse encarado com tristeza ou com susto demais no olhar, praticamente todos olharam na mesma direção sem entender a razão e logo sentiram o sangue gelar. Em alguns casos, ferver, só com a possibilidade daquilo ser verdade.

— Não me diz que... — Jorani começou, mas não terminou. Encarou Cairbre em busca de uma resposta, e o olhar receoso da ruiva foi quase o suficiente para confirmar.

Se fosse mais perto, poderia ser uma gaivota. Mas quando de tão longe tinha o tamanho de uma gaivota, de perto certamente não seria uma. Pelo menos era só uma "gaivota", não duas como Cairbre tinha imaginado, e tudo começou a ficar estranho a partir disso.

— Queria só relembrar que quem pisa no solo de Urano é porque foi convidado — Nialla se adiantou, e não soube se todos realmente a escutaram.

Maya tinha a espada guardada nas costas, assim como Jab manteve a arma como uma mochila, e o segundo rapidamente a puxou para a frente do corpo.

— Caitriona, manda os guardas afastarem a multidão — Cairbre pediu, sem tirar os olhos no par de asas cada vez mais e mais perto.

— O que? Por que eu?

— Só obedece! — Cairbre tentou ser firme no tom de voz, e pela face surpresa da mais nova, teve sucesso. A urgência em seu olhar e em sua voz indiscutivelmente aceleraram o passo da garota, e Cairbre só torcia para dar tempo.

Mesmo de longe, a coloração era bem diferente do que ela conhecia de Ikram.

O pássaro acinzentado berrou ao chegar mais perto, e embora animais grandes não fossem problema para a população uraniana, animais alados o eram.

Miguel foi o primeiro a se abaixar para proteger a própria cabeça. Jorani, Maya e Jab inclinaram o corpo para frente em posição defensiva pelo susto do barulho tão estridente. Frida encolheu os ombros e encarou o pássaro firmemente, principalmente por agora conseguir reconhecer outro brilho acima dele, um prateado.

Felizmente Caitriona correu a tempo para avisar aos guardas, o pássaro pousou no espaço de chão entre o píer e a multidão, soltando outro berro no processo. Não saberiam classificar o barulho seguinte, a ave emitiu grunhidos quase orgulhosos ao colocar as patas no chão, como se quisesse rir e conversar com quem estivesse ao redor.

Guardas apontaram as armas, assim como Jab mirou a cabeça do animal e Maya sacou a espada. Jorani, ao contrário dos dois, estava maravilhada de finalmente ver uma ave netuniana de perto,apesar do perigo iminente.

Desceram duas pessoas do animal. O primeiro, já esperado por quem sabia da vinda dele, colocou os pés no chão e abriu um sorriso contente da cena chamativa. A segunda, definitivamente não esperada, precisou da ajuda do primeiro para descer da ave sem quebrar uma perna, e Nikolai fez questão de descer Psique como se fosse uma criança.

Mal se estabilizaram ao chão, perceberam as armas apontadas. Psique não iria se dar ao luxo de brincar de tiro ao alvo, embora Nikolai parecesse bem feliz em ser o alvo daquela gente. Antes que alguém armado se aproximasse, Cairbre correu até a dupla, ignorando completamente a parte onde Docinho poderia enxergar isso como um ataque. Se fosse para morrer, não seria por bicada de passarinho.

— Ah, opa, olá pra você — Nikolai comentou, ao perceber a aproximação da ruiva.

— Cadê a Eana? — Cairbre perguntou, urgentemente.

— Jogando a dignidade no lixo — Psique respondeu, desamassando a própria blusa e limpando os resquícios de penas da calça.

— Ficou ocupada e mandou o piolho de cobra aí no lugar — ele explicou, indicando Psique com um movimento da mão.

Puta que o pariu — Cairbre disse, levando uma mão até a testa e alternando o olhar entre Nikolai, Psique e os integrantes do Controle já prontos para fuzilar cada um dos dois. — Tá, beleza, vocês vão ficar lá na mansão comigo. Só, por favor, tentem não ficar muito perto dos...

— Não acredito que meus amados estão aqui também — Nikolai a interrompeu, com um sorriso de orelha a orelha enquanto encarava os integrantes do Controle.

Dizem que felicidade incomoda, mas um sorriso presunçoso consegue incomodar ainda mais. Bastou um sorriso de Nikolai para Jab carregar o tiro e mirar. Apesar disso, a primeira a se mover em direção do netuniano não foi do Controle, mas sim Frida.

Reconheceu a face dele do dia da transmissão, e embora sua vida já estivesse fodida o suficiente, toda aquela palhaçada conseguiu terminar de foder o resto de esperança de Frida. Poderia dar qualquer desculpa e dizer que foi um engano, sairia ilesa, não seria obrigada a ir até ali, mas não, tinham que chutar o balde e expor a todos.

Nikolai não teve tempo de dizer um oi, Frida levantou a mão e desferiu um tapa extremamente forte e estalado no rosto dele. Normalmente ela não faria isso, era o auge da falta de educação e boas maneiras, mas seu instinto falou mais alto e subitamente ela necessitava agir.

— Eu adorei ela — Psique comentou, com um sorriso divertido no rosto que deixava à mostra suas presas salientes.

Ao lado dela, Cairbre se mantinha com os olhos bem aberto em espanto, completamente sem reação. Algo no fundo de sua mente dizia que ele mereceu, mas sequer conhecia o indivíduo o suficiente para afirmar isso.

— Eu só vim parar nesse inferno por sua culpa — Frida disse, rispidamente.

— Realmente deve ser um pesadelo ter que conviver com uns ali, mas só vou perdoar o tapa se meu olho não ficar roxo, roxo não combina comigo — Nikolai disse, esfregando a lateral do rosto enquanto fazia uma careta.

— Se quer um conselho, não vale a pena, ele é um porre por natureza — Psique comentou, como se estivesse explicando uma questão crucial.

— Ela tem razão — ele concordou, balançando a cabeça positivamente e indicando Psique com um movimento do polegar.

Nikolai teria dito mais, Frida teria dado um segundo tapa para ficar com os dois lados marcados, Cairbre teria corrido para enfiar a cabeça em um buraco. Mas morrer cedo ainda não estava nos planos de Nikolai, não quando sentiu algo gelado e metálico no próprio pescoço.

O instinto de qualquer um teria berrado para se afastar, mas Nikolai permaneceu parado, com um sorriso irritante nos lábios ao ver quem empunhou a espada. Atrás dele, Docinho grasnou em defesa do dono, embora ele indicasse com uma mão para ela não avançar. Ao lado dele, Psique igualmente ameaçou avançar, não por querer realmente defender Nikolai, mas por achar um tremendo insulto alguém apontar uma esapda daquele jeito para alguém de seu reino.

Um movimento dos dois, e Cairbre precisou se colocar entre eles, assim como os outros integrantes do Controle foram obrigados a avançar. Jorani empunhou sua própria pistola, enquanto Jab passou a mirar a arma ainda mais de perto.

Frida preferiu se afastar, ela trocou um olhar com Miguel, igualmente assustado, e definitivamente os dois ficariam mais para trás. Se atiraram em Nikolai, nada impediria de atirar nela também caso estivessem muito irritados.

— Mil perdões, Vossa Alteza, mas isso é uma questão de segurança pública — Jorani disse, apontando a pistola em Nikolai.

— É muita petulância vir aqui e achar que vai sair solto — Maya cuspiu as palavras, pressionando a ponta da lâmina contra a pele dele. Se o intuito dela era fazer ele recuar, Nikolai se manteve no mesmo lugar, mesmo que isso significasse um corte em seu pescoço.

— Muita petulância sua apontar essa espadinha de brinquedo para quem foi convidado a estar aqui — Psique retrucou, e tanto Jab quanto Jorani passaram a apontar as armas para ela. Se os olhos fendados de Nikolai irritavam, os de Psique assustavam, e mesmo com a chance de sair mais quebrada, ela igualmente se manteve no mesmo lugar.

— Não nos faça atirar! — Jab inquiriu, segurando a arma com mais força e com o olhar queimando em ódio.

— Vai, atira de novo, filho da puta, estilhaça minha outra perna se tiver culhão pra isso! — Psique continuou, e apesar da estatura, mantinha a mesma face irada de qualquer outro mais alto que ela.

— O lugar de vocês é no inferno! — Jab disse, ríspido.

Chega! — Cairbre tentou intervir, sem sucesso.

— Eu sei que sou irresistível, mas me emociona que escolheu apontar isso logo no meu belo pescoço — Nikolai disse, e automaticamente Maya poderia entrar em combustão espontânea. Mais um pouco e ela soltaria fumaça pela boca, olhos e ouvidos, tudo isso com Nikolai ainda a encarando com uma face contente.

— É, seria uma honra enfiar isso em você — Maya retrucou, rispidamente.

— Isso de enfiar coisas em mim não é minha preferência, mas acho que por você posso ser flexível — Nikolai completou, e imediatamente Maya ponderou o quão ruim seria se fosse presa por desrespeitar o regulamento de não agressão do reino. Estaria disposta a cumprir pena se pudesse degolar o netuniano.

Nikolai! — Cairbre gritou, repreensiva, desesperada.

Principalmente por Maya perder a paciência, e ao invés de só encostar a ponta da lâmina, virou a mão para o lado, puxou a gola da camisa dele e pressionou a lateral da lâmina contra o ponto onde terminava o pescoço e começava o queixo. Pressionava com força, e Nikolai sabia que ali sangraria.

A comoção fez Jorani avançar dois passos, assim como Jab ameaçou apertar o gatilho, fosse contra Nikolai ou contra Psique, qualquer um dos dois serviria.

— Quando eu arrancar a sua cabeça, vou usar sua língua em um colar como prêmio — Maya disse, entredentes, a raiva exalando de suas palavra o suficiente para Nikolai entender que se ela fosse um bicho, teria rosnado.

Ela mantinha a lâmina pressionada contra o pescoço dele ainda com força, e mesmo que nenhum pudesse ver naquele momento, um pequeno filete de sangue escorreu a partir da lâmina.

— Minha língua prefere dançar com a sua, o que acha? — ele perguntou, piscando o olho esquerdo sugestivamente, e soube estar no caminho certo quando tudo que conseguiu ver nos olhos dela foi o mais puro desdém e nojo.

— Dobre a sua língua, seu imundo, vocês vão daqui direto para a vala — Jab cuspiu, e ele teria de fato apertado no gatilho se subitamente toda a sua arma não tivesse começado a esquentar a ponto de queimar seus dedos. — Que...

O mesmo aconteceu com Jorani, que precisou largar a pistola antes de seus dedos estarem em carne viva, e ambos sequer entenderam o ocorrido até encararem Nikolai novamente e os olhos dele estarem em um dourado vívido.

Ele mantinha os olhos brilhantes em Maya, mesmo com o pescoço agora manchado de vermelho e ela pronta para arrancar sua cabeça, literalmente. Foi a vez de Maya precisar soltar o cabo da espada. Não foi a última a sentir o calor queimar em sua palma, mas a que sustentou por mais tempo.

A raiva daquela gente a fez engolir o ardor na mão, permaneceria por mais tempo ali até conseguir não só tirar sangue de Nikolai, mas tirar a vida, porém não conseguiria fazer isso se precisasse enfaixar as mãos por queimaduras de segundo grau para cima.

Ela grunhiu de raiva, jogou a espada ao chão com força, e desferiu um soco forte no rosto dele como forma de extravasar o ódio alimentado pelo momento. Esse impacto Nikolai sentiu, e precisou dar um passo para trás para não cambalear e cair. Todos conseguiam ver o corte superficial e extenso no pescoço dele, e se em um momento viam a linha avermelhada, no segundo seguinte ela começou a desaparecer em um processo extremamente rápido de cicatrização.

— Não é à toa que o Zyr quis distância dessa gente, que gente escrota — Psique disse, e dessa vez o olhar raivoso de Maya foi para a netuniana de cabelos quase brancos. — Não me leve a mal, ele mereceu, mas você é horrível.

O desdém não existia somente no olhar de Psique ou nas palavras de Maya, mas na expressão de todos os envolvidos. Respiravam fundo e bufavam em ranço, rancor e preconceito.

Não passaria uma boa imagem de um jeito ou de outro. Atacar divindades teoricamente desarmadas passaria covardia, atacar convidados passaria desrespeito, e não fazer isso passaria fraqueza e inconstância. Mais uma desmoralização seria demais para o Controle suportar, ainda mais tão longe de casa.

Passaria uma péssima imagem até mesmo para Frida, por temporariamente precisar apoiar aquelas pessoas. Ela mesma tinha agredido alguém, mas por razões pessoais, e isso não seria levado em conta quando começassem a espalhar a notícia que se virou contra quem não tinha avançado ofensivamente.

— Mais uma palavra, de qualquer um, e eu vou dar todos vocês de petisco pro bichinho da Caitriona! — Cairbre gritou, extremamente irritada, e nesse momento podiam ver os olhos dela brilharem em um azul profundo e reluzente. Finalmente conseguiu chamar a atenção de todos, e pela forma que ela respirava, seu coração batia tão rápido a ponto de ficar tonta. — Jorani, eu vou levar você e os outros pro resort. Psique e Nikolai, a Caitriona vai levar vocês pra mansão real, e se eu sequer ouvir que voltaram a se ameaçar...

Cairbre ergueu um dedo trêmulo enquanto falava, irada, com os olhos bem abertos para estabelecer dominância, e encarou cada um ali como se fosse um caso de vida ou morte. E realmente o era. Atrás dela, Caitriona até tinha ficado quieta enquanto todos se matavam, e seus olhos brilharam em empolgação em saber que talvez seria tirada do castigo caso aquela gente se mostrasse um grande saco de vacilo. Ela torcia para vacilarem, profundamente.

— São fugitivos que confessaram o que fizeram, sabe que não podemos deixar que saiam — Jorani avisou, seriamente.

— Depois que saírem do reino, podem se caçar o quanto quiserem. Enquanto estiverem aqui, ninguém vai prender ninguém a menos que o rei ou as rainhas determinem. — Cairbre foi firme em sua fala, e agradeceu profundamente de nenhum dos dois recém-chegados terem revidado. Claro que não revidariam, não seriam estúpidos a esse ponto, sabiam exatamente o que estavam fazendo ali e pelo menos isso ela poderia reconhecer, seria burrice. — Todos entenderam?

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