14. O pior jeito de aproveitar o nascer do sol
58 anos antes, reino de Plutão
Om não sabia dizer a exata razão de estar tão nervoso, afinal, era só mais um serviço. Com quase nada de especificações, com gente importante envolvida, com um pagamento tão grande adiantado que qualquer um teria simplesmente fugido com o dinheiro. Mas ele sabia, caso fugisse, era capaz daquelas pessoas conseguirem um mandato de prisão para ele.
E bom, razões para a prisão existiam. Várias delas. Qualquer uma o renderia facilmente dez anos de prisão e Om definitivamente não queria isso. Respirou fundo mais uma vez, era final de tarde e por alguma razão sua visão ficava péssima nesse horário. Não precisava de óculos, mas naquele horário em específico assim como no amanhecer, tudo ficava como se ele tivesse um vidro fosco cobrindo os próprios olhos.
As árvores ao redor ajudavam com a iluminação, e de cima do barranco onde decidiu ficar, já podia ver o leve brilho azulado refletindo em sua pele. Encrustados nos troncos das árvores plutonianas, vários cristais azulados emitiam um baixo brilho que era intensificado à noite. Todas elas brilhavam levemente, contrastando com o breu do anoitecer, e com certeza ofuscados pela luz do por do sol.
Pelas informações repassadas, o alvo passaria ali pouco depois do pôr do sol, alguém certamente perigoso e vindo de Netuno. Om não sabia se o perigo era pela pessoa em si ou apenas por vir de Netuno, mas ele não questionaria, não estava em posição para questionar, não quando segurava o rifle em uma posição muito confortável por cima de uma das raízes maiores. Um ponto ótimo para qualquer emboscada, ele tinha uma visão perfeita da estrada de terra, mas qualquer um na estrada jamais o veria a menos que quisesse.
Meia hora mais tarde, o breu tinha tomado conta dos espaços por entre as árvores, e os cristais brilhavam incessantemente. O azulado tomava conta do ambiente, e ajudava Om a ficar alerta na estrada, afinal, ver um brilho alaranjado de uma lanterna movida a fogo com certeza contrastava com a noite plutoniana. Devia ser o alvo, e ele teve a confirmação ao ver a carruagem coberta e muito bem adornada, típica do reino de Netuno.
Eles não usavam carruagens, não havia necessidade, mas Om sabia de existirem aquelas poucas que eram utilizadas para o transporte de pessoas de outros reinos, e aquela definitivamente era uma dessas. Apenas uma pessoa com as mãos nas rédeas do cavalo, e aparentemente mais nenhuma, pelo menos não que ele conseguisse ver pelas janelas da carruagem.
Ótimo, uma única pessoa com roupas mescladas entre adornos plutonianos e roupas mais grossas netunianas, um único tiro serviria, ainda mais com o rifle silencioso que o casal contratante o ofereceu.
Colocou um olho na mira, preparou o dedo no gatilho, e esperou.
— Relaxa, relaxa — Om repetiu, para si mesmo. Respirou fundo, acomodou-se sobre a pedra.
Bastaram alguns segundos para a carruagem chegar ao ponto perfeito para o tiro, e por uma fração de segundo após ele apertar o gatilho, soava como se a pessoa guiando os cavalos já soubesse exatamente o que iria acontecer. Saber e conseguir evitar eram parâmetros muito diferentes, mas ele conseguia reconhecer um movimento da cabeça de quem percebeu algo errado no último segundo.
E ainda assim, o último segundo foi inútil. O corpo inerte tomou para o lado na carruagem, e Om se apressou para conseguir alcançar os cavalos. Poderia ter feito, mas não deixaria uma carruagem desgovernada em direção da capital plutoniana daquela forma tão baixa.
Pela falta de guia, os cavalos seguiram brevemente pelo lado mais esburacado da estrada, e Om correu para conseguir segurar as rédeas antes de colidirem diretamente com uma árvore.
— Calma aí, galera — Om disse, puxando as rédeas para o lado contrário na tentativa de fazê-los parar.
Afagou o topo da cabeça dos dois cavalos como forma de os acalmar, e em seguida direcionou o olhar para o corpo caído. Om juntou os polegares e abraçou as costas da própria mão, fazendo uma breve reverência, como se apesar de tudo houvesse um respeito ali envolvido, ou talvez ele desejando que nem ele mesmo nem aquela pessoa fossem para o inferno.
Pelas roupas, reconhecia a fisionomia feminina, e o susto veio ao virar o corpo de lado e reconhecer o rosto daquela pessoa. Om esqueceu como respirar por um segundo, atônito, era o rosto da ex-líder plutoniana que tinha renunciado o cargo há um ano. Uma das poucas que tinha realmente feito algo pelo reino mesmo com uma realidade tão capenga.
Ele passou as mãos pelo próprio cabelo, com os olhos alarmados e a respiração completamente descompassada. Passou uma mão pelo rosto como se não acreditasse no que acabara de fazer, e teve certeza, ele sim iria para o inferno.
— Me desculpa, me desc... — ele não sabia para quem realmente estava se desculpando, ou se isso adiantaria de algo.
Parte da população de Plutão detestou a saída de Saanvi do governo pois quem veio em seguida era tão astuto quanto uma pedra. Completamente despreparado, com ideais pouco convincentes, foi explícito em menos de um ano a incapacidade do novo líder de gerir aquele reino, e por isso, tinham esperança daquela mulher voltar.
Om teria continuado o pedido de desculpas se não tivesse ouvido um som baixo e infantil vindo de dentro da carruagem, e mesmo com o olhar completamente perdido, tentou prestar atenção no que quer que havia ali dentro.
Espiou pela janela, apenas para sentir o coração se partir em vários farelos ao mesmo tempo em que o aperto em seu peito dificultava sua respiração. A luz azulada vinda das árvores se misturava com a luz alaranjada vinda da lanterna, e essa combinação fraca permitiu que Om visse um pequeno embrulho de gente aparentemente recém acordado.
O projeto de cadeira acolchoada que mais parecia um berço era preso ao banco da carruagem com tiras firmes de tecido, e a criança igualmente acomodada com um cinto em formato de X segurando seu corpo para não cair. Om engoliu em seco, nem mesmo o inferno o aceitaria.
— O que foi que eu fiz...
Sabia exatamente o que tinha feito, e sentiu os olhos arderem e lacrimejarem. Abriu a porta da carruagem e relutou por alguns segundos se deveria ou não chegar perto da criança. Para alguém que cresceu sem os pais, Om tinha acabado de condenar aquele bebê para a mesma realidade, e ele sabia bem, nunca era algo totalmente feliz.
Percebeu o olhar curioso da criança sobre si, e engoliu em seco. Inocente, calmo, interessado, o olhar verde-prateado denunciava exatamente qual a outra metade daquela criança. Os cabelos bem escuros e a pele oliva indicavam de ser meio plutoniano, mas os olhos fendados eram claramente de Netuno.
— Eles vão matar você se eu te levar como prova do serviço — Om concluiu, e sentiu a primeira lágrima descer por sua bochecha.
Tomou coragem para tirar o cinto do bebê e o pegou no colo. Não seria insano de voltar à frente da carruagem, não queria que o pequeno visse aquilo, que visse sua mãe já sem vida.
E inusitadamente, o bebê riu baixo, levantando os dois bracinhos em direção do rosto de Om e colocando as mãozinhas uma em seu olho direito, a outra em sua bochecha esquerda, apertando o rosto de Om como se fosse um brinquedo.
— Blilinho — o bebê falou, tropeçando em várias letras, mas facilmente entendível. Om fungou uma vez, tentando limpar a lágrima com a mão livre.
— Não é brilho, pivete, é lágrima — ele disse, mesmo que quisesse repreender o menino, não conseguia. O garoto ainda o encarava como se fosse um brinquedo novo, maravilhado, e Om o apertou contra si. — Vou te levar de volta.
Olhou para os lados, a estrada à direita levaria de volta para Netuno, a estrada à esquerda levaria de volta para Plutão. Om seguiu para a direita.
Ele não conseguia segurar as várias desculpas direcionadas para o garoto, mesmo com a criança não entendendo nenhuma delas. O menino parecia mais entretido com os fios de cabelo de Om que batiam no ombro, segurando vários deles e os enrolando nas mãozinhas como se fosse um gato brincando com uma fita.
Caminhar em direção de Netuno parecia estranho, ainda mais com a criança no colo. Om não sabia como iria explicar aquela situação, não sabia sequer o que estava fazendo ali, e seus contratantes poderiam explodir, ele não voltaria com alguma prova, não entregaria o menino, sequer daria notícia de vida. Poucos quilômetros depois, um posto de controle netuniano foi a razão do coração de Om disparar.
Mesmo vazio, aquela seria a ponte para ele levar a criança para casa, e agradeceu por encontrar um telefone ativo em cima do balcão ao lado de uma lista telefônica extensa.
Prosseguiu segurando o garoto, balançando-o como se quisesse fazê-lo dormir, e procurou por qualquer nome minimamente importante. Saanvi era amiga do líder netuniano até onde sabia, na verdade qualquer um sabia disso, e por isso ele ao menos tentaria contactar qualquer pessoa próxima dessa hierarquia.
Discou o número ao lado do título "posto de controle de Ea", alguém na capital deveria ter mais contato, e seria um grande tiro no escuro. O telefone chamou duas vezes até ser atendido, e Om demorou mais dois segundos para conseguir pronunciar palavras minimamente entendíveis.
— Eu queria fazer uma denúncia... — Om olhou para o bebê por um segundo, o garoto ainda entretido com os fios bagunçados de sua cabeça, alheio a tudo aquilo. — Saanvi Nalini foi atacada na estrada... a carruagem foi vista depois da entrada da floresta dos cristais. O menino está vivo, vou deixar ele aqui no posto de controle cinco que o lugar dele é com vocês.
Antes do soldado que atendeu conseguir falar qualquer palavra, Om desligou o telefone.
[...]
Complexo Prisional
Sentir o calor do sol sob a própria pele novamente era uma sensação que Danika não esperava ter tão cedo, e em um primeiro momento sentiu o rosto arder e os olhos doerem pela luz repentina do início da manhã
Podia ainda estar carregando e sendo carregada por uma completa estranha que brilhava roxo, podia estar entre vários outros igualmente brilhantes, podia estar traindo completamente seus próprios princípios de anos atrás. Dez anos antes, se dissessem a ela que estaria lado a lado momentaneamente com Netuno, Mercúrio, Plutão e outros dois que ela sequer fazia ideia do significado da cor, ela diria que a pessoa era completamente insana.
Naquele segundo e nos dez segundos seguintes, Danika quis gritar. O pior jeito de aproveitar o nascer do sol com certeza seria estar com o corpo inteiramente dolorido, ao lado de estranhos, emoções de anos entaladas no fundo de sua garganta e implorando para sair.
Ela se afastou da ruiva, afastou-se das outras pessoas brilhantes, olhando ao redor para realmente se situar da própria vida, e então se permitiu gritar.
Raiva, rancor, desespero, todos embutidos na rajada de luz flamejante que se expandiu a partir do corpo de Danika e fizeram o chão estremecer. Poderiam até se perguntar como ela ainda tinha tanta energia, mas seria uma pergunta estúpida, a mulher deveria estar transbordando de poder há anos.
A expansão flamejante dela destruiu parte do muro daquele lado do Complexo Prisional, e isso seria muito bem vindo naquele momento.
Ver o laranja flamejante da loira fez Eana tropeçar nas próprias memórias, mal tendo noção de que o brilho arroxeado causava o mesmo impacto em Danika. Eana simplesmente não conseguia desviar o olhar, sentindo a própria garganta seca, torcendo internamente para em algum momento aquela luz voltar no tempo e trazer sua tia de volta.
Involuntariamente, levou uma mão até o pescoço, e deu falta do objeto mais importante de todos. A ruiva se desesperou, e a primeira pessoa ao seu lado foi Juno, esta ajudando a levar Psique ainda com a perna inclinada em um ângulo muito estranho.
— Cadê minhas coisas!? — Eana perguntou, mais alto do que pretendia, transbordando seu súbito desespero ao sentir o pescoço nu.
Ela primeiro segurou nos ombros de Juno, e em seguida encarou Psique com os olhos bem abertos e transbordando em roxo.
— Que coisas? — Juno perguntou, confusa, tentando não tropeçar para trás com o balanço súbito nos próprios ombros.
— Que tavam comigo!
— Tão na mochila — Psique falou, e em nada melhorou a respiração eufórica de Eana.
Eana não esperou Psique tirar a alça da mochila das costas, praticamente deu um pulo para ficar atrás da menor e abriu o zíper com tanta força que Juno achou que fosse quebrar. Felizmente não quebrou, e logo a ruiva começou a bagunçar tudo dentro da bolsa como se procurasse por uma coisa em específico.
Realmente procurava.
E a cada segundo que não achava, o desespero crescia em seu peito, assim como a tontura.
— Cadê meu colar? — Eana perguntou, atônita.
— Não tá aí?
— Não! Cadê meu colar, Psique? — Eana ergueu as sobrancelhas, encarando Psique com urgência. — Não, não, não, eu não posso ter perdido...
— Todas as suas coisas estão aí, era tudo que tinha! — Psique retrucou, já abrindo bem os olhos como se soubesse muito bem que decisão estúpida Eana tomaria.
A ruiva quase dava um passo para voltar, mas foi impedida por Juno, que fez uma das mãos brilhar em puro amarelo em direção de Eana, como um aviso. A ruiva tinha a própria face da morte, um suspiro e cairia dura no chão, e ainda assim achou uma ousadia Juno apontar aquela mão brilhosa para ela. Claro, levaria uma surra com um peteleco àquela altura, e ainda assim, ousadia.
— Nem ouse! Já basta a garota morta e a perna fodida da Psique! — Juno comentou, mais alto do que esperava, e apontou primeiro para Danika e em seguida para Psique.
— Eu não vou sem o meu colar! — Eana retrucou, dando um passo à frente, ficando a menos de cinco centímetros da mão brilhosa de Juno.
Para o desgosto de Juno, não bastava Eana a encarar como se fosse a atropelar ali mesmo, Danika também a encarou ao ser citada, duplamente irada. Uma ela até conseguiria dar conta, a outra, não tinha tanta certeza. Teve menos certeza ainda ao ver Danika ainda a encarando.
— O que disse? — Danika estreitou os olhos, e a luz em suas mãos crepitou.
— Olha, não me leva a mal, mas até ontem tinha uma senhorinha muito simpática com sua foto no balcão dizendo que tava morta — Juno falou, rapidamente, levantando as mãos como se estivesse se rendendo.
A mercuriana definitivamente não queria cair no soco com alguém ali, com nenhum, e em nenhum ela incluía a pessoa visivelmente mais morte. Ao levantar os braços, acabou por não segurar Psique direito, e a netuniana precisou se apoiar em Eana para não cair devido a não estar com os dois pés no chão.
Danika se aproximou em passos largos, e segurou nos ombros de Juno para fazê-la ter total atenção naquele assunto. Juno estava começando a odiar a mania daquela gente de segurar nos ombros, parecia muito que iria apanhar logo em seguida, mas dessa vez Danika a soltou logo depois, um alívio momentâneo.
— Qual o nome dessa senhora? Me diz! — Danika ordenou, e em sua face já não tinha a raiva de antes, ou a ira, mas sim o medo, a urgência. Juno não conseguia realmente acompanhar a variedade de expressões consecutivas e isso a deixava agoniada.
— Denise, Edelina... — Juno tentava repassar vários nomes na própria mente, tinha falado com a mulher no dia anterior, seria absurdo esquecer assim tão rápido. Antes dela falar um terceiro nome, foi interrompida.
— Eden? — Danika arriscou, e Juno ergueu as sobrancelhas ao assentir energicamente. Era exatamente aquele nome, e o suspiro aliviado de Danika foi em conjunto com sua face desacreditada. A loira não conseguia focar o olhar em um só lugar, e respirava fundo para evitar ao máximo simplesmente explodir aquele lugar até tudo virar pó — Os filhos da puta disseram que eu morri? Ótimo, só o que me faltava, eu vou matar aqueles três.
— A gente vai embora! — Quem comentou foi Lian, este vinha arrastando um Eike ainda tonto, e parecia apressado. Pela face de Danika, Lian soube que facilmente ela o faria de palito de dente, mas nesse momento tudo que o garoto queria era ficar longe dali e levar Eike junto. Um tonto, literalmente, serviria de nada.
— Vá embora você — Danika comentou, rigidamente.
— Nós vamos, se quiser ir se matar vá em frente — Psique comentou, igualmente rígida, encarando a loira mais alta como se quisesse muito da mulher ficar para trás. Recebeu como resposta apenas um revirar de olhos.
— O que é que vocês ainda estão fazendo aqui?! — Ouviram outro grito, mais agudo, mais indignado, e pela face de Nikolai, ele definitivamente não queria ter que dar atenção para aquelas pessoas quando um problema bem maior estava prestes a explodir bem no meio de sua cara.
Eana diria que queria o colar de volta, Danika queria três cabeças em cima de uma bandeja, Psique queria a cabeça de Danika e Juno queria correr para fora dali. Nenhuma conseguiu expressar as próprias vontades verbalmente, não quando ao olharem para trás de Nikolai, conseguiram ver um emaranhado prata extremamente brilhante ao redor da cabeça de Zyr.
— Esperando a porra de uma explicação do que aconteceu lá dentro — Eike se pronunciou, já conseguindo se recuperar do susto, se é que poderia ser humilde o suficiente para chamar aquela situação disso.
— Agora não! — Nikolai exclamou, e com um movimento da mão, fez praticamente todos serem levemente empurrados na direção da saída, ou o que quer que fosse o novo buraco nos muros de pedra daquele lugar.
A preocupação dele estava inteiramente em Zyr, e em Om, e nas palavras de Maya, principalmente nas palavras de Maya. Podia ser verdade ou mentira, e independente disso, o brilho prateado de Zyr conseguir ser visível até para ele com absoluta certeza seria preocupante. O Sol jamais conseguiria ver o brilho da Lua e vice versa, aquilo tinha saído completamente do controle.
Se pudesse, apagaria todos os outros e os carregaria manualmente para fora dali, mas era gente demais. Nikolai encarou Om e indicou para o cara seguir caminho com os outros, mas antes dele dar um passo, simplesmente congelou no lugar, imóvel.
— Deixa o cara ir — Nikolai pediu, tomando cuidado para não se aproximar demais do meio netuniano. Zyr tinha o olhar vago, e encarou Nikolai como se dessa vez ele quem perguntasse o que o rapaz estava fazendo ali. — Me escuta, ela pode ter inventado isso.
— Então por que a culpa ficou estampada na cara dele? — Zyr perguntou, baixo, e ergueu o olhar consternado para o netuniano.
— Porque ele tem culpa por coisa demais, não vale a pena pensar nisso agora, vamos.
— Não — Zyr concluiu, e Nikolai engoliu em seco ao perceber o tom seco vindo do amigo. Em uma escala de um a dez, estavam fodidos a nível onze.
— Zyr, olha...
— Nikolai, cala a boca — Zyr disse, e para o alívio de Nikolai, era um pedido genuíno e não uma ordem na qual ele perderia totalmente o livre arbítrio.
Mesmo com a preocupação de algum soldado aparecer, seria inútil pensar demais, todos estavam dormindo e os ainda acordados deveriam estar com três pesos na cabeça ao verem Cairbre usando os poderes. Não que a situação fosse favorável, mas não era tão desfavorável assim.
Zyr desviou o olhar de Nikolai para Om, e só então Nikolai entendeu que a estranha quietude de Om era por estar com a boca praticamente tampada até que Zyr se aproximasse. Aquilo tinha saído completamente do controle e isso deixava Nikolai ainda mais puto.
E em nada se comparava com o coração disparado e quase parando de Om, cada vez mais tendo certeza daquele ser seu último dia com vida. O garoto mal tinha movido um músculo e ali estava ele, paralisado feito uma trouxa de roupa pronto para ser executado.
— Eu quero ouvir dele — Zyr declarou, e se colocou à frente de Om com o olhar bastante sério. — É verdade o que a Maya disse? Você fez isso?
Poderia negar, e estaria condenado. Poderia afirmar, e igualmente condenado, Poderia fingir desmaio e talvez levasse algo pior do que um choque, Om nem ao menos tinha comido alguma coisa e seu estômago vazio o fazia duplamente mais fraco.
Ao olhar para o lado, ele viu Nikolai sinalizando para ele negar, não importando qual fosse a verdade. Mas Om sabia muito bem o que tinha feito, e sempre sentiu que um dia isso voltaria para ele. Pelo menos, se alguém fosse ter a honra de tirar sua vida, ele sabia que seria aquele garoto à sua frente.
Para o desespero de Nikolai, Om assentiu.
[...]
Marduk, reino de Júpiter
— Se aquela intrometida da Der Baum vier fazer mais perguntas, pode enviar para a casa dela um mandato de prisão por perturbação da ordem — o General disse, ríspido, e encarou Jorani como se aquilo fosse extremamente simples de resolver. — Conseguimos mais uma, vamos focar nisso, e se sair qualquer ocorrido no Complexo, você diz que fechamos para reforma.
Soava como as palavras de um homem desesperado, e Jorani conseguia compreender. E ainda assim, decisões precipitadas demais. Tinho sido feliz por algumas horas ao levarem Frida em custódia, mas receber a notícia de perderem três prisioneiros assim como uma denúncia de Jab por ter sido atacado por Cairbre com toda certeza desfez a alegria e o sentimento promissor. Aquilo era um desastre colossal principalmente para o ego do General.
— Outra reforma em tão pouco tempo seria absurda demais para explicar, é melhor falar a verdade na medida do possível, senhor — Jorani sugeriu, mesmo que o General não estivesse realmente escutando. — Não vamos dar respostas, não até ouvirmos todos eles. Até lá, "ocorreram dificuldades que estão encaminhadas para uma resolução".
Ela sabia do General não gostar daquilo, não da parte da omissão, mas de não poder gritar aos quatro ventos uma ordem de execução para alguém. Tinham um pote de ouro nas mãos, só precisavam aprender como abrir esse pote, e teriam que fazer isso rápido.
O silêncio do escritório do General soava tão barulhento quanto um dia na feira,a inquietude do homem somada ao peso da situação deixavam o clima tenso o suficiente para não conseguirem focar nem mesmo nos pontos mais importantes.
— Deixe-me ver os depoimentos — ele concluiu, e Jorani apenas puxou uma cadeira para pelo menos assistir aquilo de maneira minimamente confortável. — Vou afastar o Kenneth desse caso, se quiser o cargo é seu, já que é a única a fazer a merda desse trabalho como deveria ser.
— O que? Não pode simplesmente afastar ele assim! — Jorani tentou argumentar, erguendo as sobrancelhas ao falar. Ela virou o corpo e encarou o General. — O Jonathan é o mais qualificado.
— E está emocionalmente comprometido, assim como a equipe inteira.
Isso até poderia ser verdade, mas não mudava o fato de Jorani achar ótimo que ele fosse a cabeça daquele grupo, o único com sangue frio o suficiente para lidar com o que trabalhavam sem se abalar tanto. E além disso, o único a não se importar com o que os soldados faziam contanto que atingissem o objetivo. Jorani se importava até demais, e por experiência própria, se odiaria sendo chefe.
O primeiro vídeo foi colocado na tela transparente da mesa do General, este continha o nome de Jab.
"— Interrogamos o Prakash, oferecemos um cargo em troca da colaboração dele, e então ouvimos a voz no auto falante. Tentamos sair, e aí o show de horrores começou. — Jab se mantinha perfeitamente sentado na cadeira enquanto falava, a face séria, a testa franzida, a coluna ereta. — Luzes explosivas vieram de um lado, e então apagaram todos os soldados, devem ter posto alguma droga, enquanto eu e a oficial Shanti decidimos que ficaríamos vigiando a cela de Plutão. E ele saiu, e junto dele tinham três. Um rapaz plutoniano, mas com aqueles olhos asquerosos de Netuno, um tatuado que atirou no Prakash e uma garota de cabelos brancos. O tatuado chegou a atirar em Plutão, e depois os outros apareceram. Mais três com aqueles olhos demoníacos, e uma loira com macacão prisional que eu soube depois que se tratava de Júpiter. Eu tive a chance de contê-los, eu tinha Netuno e Júpiter na minha mira, mas a Branwen me atacou antes que eu pudesse atirar e tenho convicção dela ter sido atraída pela tentação de poder desenfreado que aquelas criaturas demonstraram.
— E depois dela atacar você? — a voz de Jorani ecoou, ela quem tinha feito cada um daqueles interrogatórios.
— Acertei a menor, parecia uma criança ou só era muito pequena, e todo o corredor foi assolado por vento. A Branwen tinha o maldito brilho azul nos cegando, deveríamos ter prendido todos e ela junto. Kenneth levou um tiro no peito, eu tinha acabado de ser atacado, e a Shanti parecia conversar com o inimigo como se fossem parentes."
Vídeo encerrado, o General clicou no botão para passar para o seguinte, este contendo o nome de Miguel Sanchez, um dos funcionários ainda acordados ao final daquele dia.
"— Olha, sinceramente, foi tudo muito rápido. Eu tava fazendo meu trabalho, saca? Vigiar os arredores e tal, entrei pra avisar o segurança que tinha alguma coisa estranha do lado norte, uma movimentação esquisita, quando cheguei lá todos eles pareciam ter uma ressaca pesada de tão sonolentos.
— E a movimentação estranha? — Jorani perguntou.
— Vocês viram depois, as marcas de pata no chão. Uma parecia de gato, um gato enorme, ouvir falar que o garoto sequestrado tinha um gato, não era?
— Um leopardo, sim.
— Pelo pouco que vi lá dentro, senhora, me permite dizer uma coisa?
— Claro.
— A garota de cabelo quase branco e um rapaz muito parecido com o sequestrado estavam lá, na cabine da segurança, e ele não parecia como alguém que foi contra a própria vontade."
Jorani suspirou, e se fosse sincera, o depoimento de Miguel dizia muito mais que o Jab, principalmente se Bailian realmente estivesse envolvido. Aquilo se tornaria uma questão política caso não dessem uma resposta para as líderes do reino de Saturno sobre o rapaz, e se a resposta fosse indigesta, poderiam perder o principal fornecedor de suprimentos tecnológicos.
Ela apoiou uma mão na testa enquanto via o General colocar o terceiro vídeo, este com o nome de Viktor. Jorani poderia ter sido a interrogadora, mas cada vez que reassistia, era como se ouvisse tudo aquilo pela primeira vez novamente.
"— Conseguimos conversar com a senhorita Valerian, e foi uma conversa promissora. Percebi que ela se torna muito mais fácil de falar quando não tem uma arma apontada na cara dela, e estávamos bem — Viktor começou, e pelo vídeo podiam ver a grande marca arroxeada na lateral da face dele. Menor do que antes, mas ainda muito arroxeada.
— E seu ferimento?
— Não foi ela. Isso foi depois. Realocamos ela de cela e decidimos esperar pelos outros para poder voltar. Eu e Cairbre começamos a arrumar nossas coisas na copa do soldados quando sentimos toda a construção tremer — ele continuou, calmo, e ainda assim a pontada de preocupação e incômodo estava explícita em sua face. — Veio do subsolo, então fomos atrás de soldados para nos dar cobertura. As grades foram derretidas, e quando chegamos lá embaixo metade dos soldados quiseram recuar ao verem as chamas violeta e laranja. Ali a gente soube que não tinha soltado só a Valerian, mas a Danika também.
— E então?
— Eu não culpo ela por ter raiva, nós eramos amigos e eu pus ela lá. Ela quem fez isso aqui. — Ele apontou para mancha roxa no próprio rosto, e nesse momento a expressão cansada foi explícita. — Os soldados caíram no chão, não lembro como, e ela me apagou. É tudo que sei."
As palavras do General sobre como todos estavam emocionalmente comprometidos não poderia ser mais verdadeira, e Jorani sabia muito bem os detalhes da prisão de Júpiter.
Foram para o quarto vídeo, com o nome de Maya no título.
"— Sim, admito que meu desempenho foi baixo, mas não esperava ver meu primo ali.
— No seu arquivo familiar não cita primos, apenas sua tia, e pelo que nos disseram você comentou sobre o senhor Prakash ter cometido um crime contra ela.
— Aquele verme matou minha tia, e isso não vai estar nos arquivos porque os mandantes foram meus pais, membros do Controle na época.
— Você sabe que são acusações bem sérias, não sabe?
— Sei, e por isso sei que nada disso importa, não vão querer expor essa informação ou vão envolver a imagem de vocês no pacote. Plutão matou minha tia, e ela tinha uma criança que nunca foi registrada como plutoniano porque cresceu em Netuno. E ele estava lá... e era um deles.
— Está dizendo que mais de uma reencarnação apareceu no Complexo?
— Precisamente. — Maya se ajeitou na cadeira, respirou fundo, inclinou corpo para a frente e apoiou o peso do corpo nos cotovelos. Parecia indignada de ter que pronunciar aquelas palavras, ou apenas indignada com a situação. — Li os relatórios do Bellerose e vi algumas descrições antigas, e uso chutar que Mercúrio estava lá. E não tenho tanta certeza quanto ao que meu primo e o outro netuniano são, mas eram extremamente mais fortes que os outros.
— Em quais você chutaria?
— Sol e Lua são perigosos demais, e soavam assustadoramente semelhantes. Posso descrever os outros se for preciso."
— Isso não pode vir a público — o General decretou.
— Qual das partes? — Jorani perguntou, e moveu apenas os olhos para o olhar. De todas as informações, todas soavam absurdamente ruins.
— Se vai a público que Plutão matou Saanvi Nalini, estariam do nosso lado. Mas se vai a público que ela teve uma criança, a criança está viva e que tudo isso foi a mando de um dos nossos, estamos falidos.
— Ninguém acreditaria mais na palavra dele do que na nossa, ele tentou matar o atual líder de lá e falhou, seria considerado criminoso por reincidência. A menos que...
— A menos que o que? — Se o General já não parecia simpático, seu humor tinha piorado duplamente.
— Se o garoto tirou o Prakash de lá, devem estar juntos agora. E se o garoto resolve abrir a boca, teria mais atenção do que temos, e aí sim Plutão estaria fodido e nós junto, todos perderiam.
— Eliminamos o garoto e Plutão, tudo está resolvido.
Jorani ergueu as sobrancelhas, dessa vez realmente movendo o rosto para o lado, como quem não queria ter ouvido aquelas palavras. Não perguntaria sobre Maya, ou era capaz da resposta ser a mesma, ou algo pior.
Ele colocou o próximo vídeo, este com o nome de Jonathan no título.
"— Quando a Cairbre comentou da barganha com a senhorita Valerian, decidi que poderia tentar o mesmo, mas diferente. Eu sei que o Om nunca aceitaria trabalhar para a gente, era tudo uma farsa, ele ia sair correndo na primeira oportunidade e fez isso até com quem realmente tentou ajudar, e era exatamente isso que eu queria. — Jonathan moveu os ombros, e na filmagem, ele ainda usava o uniforme com um buraco enorme e queimado no meio do peito. Diferente da maioria, ele não ligava realmente para aparentar bonito, ou melhor, não ligava de estar um trapo. — Deixei meu casaco em cima da mesa da cela dele antes de sair, e quando voltei pra ver, não estava mais lá. Ele levou, tenho certeza.
— E qual a relevância disso?
— Deve ter uns cinco rastreadores naquele casaco, além dos meus fones de ouvido sem fio que felizmente são rastreáveis porque paguei caro neles — Jonathan ergueu as sobrancelhas, comprimiu os lábios em um sorriso quase satisfeito.
Houve um silêncio entre ele e Jorani, e em seguida um riso incrédulo vindo dela. Jonathan comprimiu ainda mais os lábios, genuinamente satisfeito.
— Continuando. — Ele automaticamente tirou o sorriso do rosto, voltando à seriedade, sabia muito bem os protocolos de um interrogatório, geralmente ele quem os fazia. — Teve o auto falante que já devem ter comentado, encontrei com esse cara quando fui atrás do Viktor e da Cairbre, e admito, apanhei para um cara que usava luz e uma vassoura.
— Luz?
— Conseguia conjurar que nem a Valerian, mas as dela pareciam bem mais elaboradas, e bom, Júpiter ele não é, Mercúrio também não já que esse negócio de coisinhas explodirem aconteceu do outro lado do Complexo, então acho que o orçamento do Sol caiu muito pra ele ter que usar a porcaria de uma vassoura.
Jonathan passou as mãos pelos cabelos, e ele os sentia imundos. Precisava urgentemente de um banho e de um uniforme novo. Porém a demanda de uniformes demorava, principalmente se fossem com revestimentos específicos para conter os poderes, então talvez ele pudesse aparecer de roupa social ou de pijama e ninguém reclamaria pois o uniforme ainda não tinha chegado. Ele só queria ir pra casa e ver se a irmã estava bem, de resto poderia resolver depois.
— E quando a Branwen atacou o Jab?
— Não sou capaz de opinar, eu tinha acabado de levar um tiro que nem me machucou, mas derreteu minha roupa todinha.
— Não se preocupa com o fato dela ter abertamente demonstrado os poderes?
— O que eu sei é que isso ia acontecer uma hora ou outra, e sinceramente, foda-se. Não é como se ninguém aqui soubesse quem ela é, o que importa é o que ela vai fazer agora, ou querem que aconteça com ela a mesma coisa que fizeram com a Danika? — Jonathan bufou, balançou a cabeça como se não quisesse realmente pensar naquela possibilidade, ou talvez não quisesse realmente expor o que se debatia em sua cabeça. — Seria burrice deixar isso acontecer duas vezes, uma vez já foi incompetência demais."
O General pausou o vídeo, esperou dois segundos, e encarou Jorani. Ela o olhava como quem dizia "eu te avisei" ou "eu tinha razão e você não". E sim, ela gostava demais de ter a razão naqueles momentos principalmente por ser algo óbvio.
— Antes que pergunte, só consigo acessar qualquer rastreador com ele solto e com a patente dele no lugar — Jorani informou, apoiou um cotovelo em cima da mesa e esperou pela resposta do General.
Ele não respondeu, sequer precisava ver os trinta segundos restantes daquele vídeo, já estava de saco cheio de ver a face leviana de Jonathan e aquele humor ridículo que o fazia perder a paciência. Não poderia tirar a patente, nem afastar o homem do cargo, precisava do sinal daqueles rastreadores e não era burro de pensar que Jonathan tinha colocado tudo isso no servidor geral do Controle, ele nunca colocava nada no servidor.
Depois de duas respirações profundas, colocou o último vídeo, com o nome de Cairbre no título.
"— Sei dos meus direitos e se querem saber qualquer coisa sobre meus poderes vão ter que esperar que alguém da minha família chegue, enquanto isso, apenas respondo como Oficial.
— Pois bem, prossiga.
— Viktor apagou na hora, e eu tinha duas escolhas, ir atrás de três pessoas com poderes despertos e acabar que nem ele ou ficar lá com ele até ele recobrar a consciência e evitar que a única pessoa dessa espelunca que sabe como realmente estudar essas pessoas morresse por traumatismo craniano. Escolhi o Viktor como qualquer pessoa minimamente inteligente faria.
Cairbre movia as mãos enquanto falava, e à sua frente, ela tinha duas fatias de bolo que comia nos intervalos entre suas falas. Ela levou duas garfadas até a boca, torcendo para o açúcar a a ajudar a manter o controle sobre si e sobre sua língua.
— E quando atacou o oficial Amin?
— Não ataquei, tentei evitar um desastre diplomático. — Cairbre apontou um garfo na direção de Jorani quanto falava. — De nada, a propósito.
— E usou os poderes de propósito?
Não houve resposta, Cairbre levou outra garfada até a boca, e mastigou bem devagar. Perguntas erradas só receberiam o silêncio, e apenas o silêncio, a ruiva não tinha a intenção de se comprometer ainda mais.
— Como você evitou um desastre diplomático? — Jorani tentou, entendendo perfeitamente que Cairbre não responderia sobre aquilo.
— Não faço ideia de quem eram metade daquelas pessoas, mas reconheci algumas. A Danika, a Eana, a Psique e o Zyr. — Cairbre lambeu a parte anterior do garfo, suja de creme de leite condensado, e então continuou. — Uma é Júpiter, e estava em plenas condições de evaporar cada um ali caso fosse baleada, e eu sei que ela faria isso. Os outros três? Me diz, a coragem do General pra peitar o Nephele já cresceu? Porque se tiver crescido, perdão, mas se não, evitei que o Jab acertasse a cabeça de um dos três filhos dele. E adivinha, ele acertou a perna da caçula.
— O que?!
— É, é isso, eu tento fazer as coisas e o grupo sempre estraga. Se abrem a boca pro Nephele, não vai ter buraco que impeça o General de perder a cabeça, literalmente. Ou no melhor dos casos, perde o emprego, e o Jab também.
O silêncio veio, ou melhor, a pausa, pois Cairbre queria muito terminar o pedaço de bolo. Jorani respeitou a vontade, sabia da mania da ruiva de sempre comer em situações estressantes, e também queria muito a colaboração dela. Pessoas estressadas jamais colaborariam.
— A oficial Shanti comentou sobre o primo dela estar entre os indivíduos, sabe algo sobre isso?
— O Zyr? Ele é legal. — Cairbre deu de ombros, franzindo os lábios por um segundo. — E sim, eu sei sobre isso, sei quem ele é, isso acontece quando você socializa com as pessoas sem ficar julgando demais."
Se Jorani pudesse apostar, o General estava a ponto de ter um ataque cardíaco. A veia saltada na testa do homem denunciava a clara vontade dele quebrar a mesa ao meio, e em seguida quebrar aquela sala inteira. Ele suava frio, e com razão.
Não havia sequer o que dizer, tinha conseguido o feito de chegar ao fundo de um poço sem água. Precisariam ser extremamente cautelosos dali em diante.
— Se recebermos algo de Netuno, qualquer coisa, quero que envie pra mim primeiro — o General disse.
— Se recebermos alguma coisa, vai ser o Van Astrea pessoalmente, e a última coisa que você vai querer ver é ele na sua frente.
O grunhido de ódio do General foi agoniante, Jorani podia sentir a tensão emanando do homem, e ela já sabia muito bem que aquela seria a reação dele. Agradeceu por ter feito os interrogatórios sozinha, assim evitava dele surtar na frente dos outros, e do jeito que as coisas iam, era capaz dele esganar cada um daquele grupo.
— Quem vai vir pro interrogatório da Branwen? — ele por fim perguntou.
— A vice-rainha ainda está na cidade, vai vir mais tarde e só aí vai escolher o soldado a acompanhar. Vou me oferecer como uma opção neutra, mas sabemos bem quem ela vai escolher ou quem ela mais quer escolher.
[...]
Pra quem tinha colocado aquelas algemas em Eana no dia anterior, Cairbre se sentia em uma piada de muito mau gosto por agora ver as mesmas algemas nos próprios pulsos. E concordaria com Eana, eram extremamente contra conceitos estéticos, ficavam feias nos pulsos de quem tinha o mínimo de bom senso.
Pelo menos os imãs não estavam ligados, então ela usava literalmente como pulseiras supressoras apenas para outros soldados não ficarem com medo. Ela jamais usaria os poderes assim, mas eles não sabiam disso, e ela não queria que soubessem disso. Com as pulseiras e dentro daquela sala da interrogatório estava bem mais tranquila, sua única preocupação era o fato de que com aquelas pulseiras não conseguiria falar com os outros.
Levou uma mão ao pescoço, tendo certeza da joia estar bem escondida embaixo da roupa. Se qualquer um pusesse os olhos naquilo, conseguiriam arrumar uma acusação a mais contra sua prima, portanto estaria seguro com ela.
Só torcia para algum parente vir rápido, qualquer um serviria, até mesmo sua prima caçula que tinha um total de zero bom senso. Entre as várias opções que Cairbre considerou, ao ver a porta abrir, a figura ali parada seria a última. Ou melhor, nem entraria na lista de opções.
— Guillem?
— Se você queria matar sua mãe, seu pai e sua prima do coração, poderia ter apostado corrida de golfinho de novo, não isso — o rapaz comentou, levemente irritado, e fechou a porta atrás de si.
Estavam sozinhos ali, ela sabia disso, e se o controle fosse pego fiscalizando qualquer conversa dela com o representante da família a burocracia seria ainda maior e perderiam mais um patrocinador. Em resumo, estavam livres para conversar, e no caso dela, para ouvir esporro vindo dele.
— Cadê eles?
— Em casa, surtando com a notícia que você foi contida preventivamente. Sua sorte é que a Faye ainda está nesse reino e vai vir livrar sua cara disso tudo.
Cairbre estreitou os olhos, confusa, e inclinou o rosto levemente para o lado. Guillem estar ali era normal, ele vivia disso, de viajar e fazer acordos ou livrar pessoas uranianas de confusões maiores, mas a vice-rainha já deveria ter ido embora.
— O que ela tá fazendo aqui?
— Assuntos pessoais com a filha, você sabe como a pirralha é um porre — Guillem comentou, suspirou em seguida, puxou uma cadeira para sentar. — Enquanto isso fui designado para perder meu tempo aqui com você enquanto ela não chega.
— Como se você tivesse outro canto mais importante pra ir.
— Você sabe que prenderam uma, não sabe? — Guillem questionou, e ela percebeu que ele olhou para as "pulseiras" nos pulsos dela enquanto falavam.
Pelo tom dele, não parecia se referir a ela e sim a outra pessoa. E não, não tinham comentado com ela sobre isso, o que considerou uma grande traição já que até segunda ordem, ainda era funcionária daquele inferno de lugar e parte do grupo responsável por esse assunto.
— A garota da apresentação, chegamos até a convidar ela para se apresentar no aniversário da vice-rainha, e olha só, uma desagradável surpresa. — Era óbvio o desprezo na voz de Guillem, o rancor, completamente infundado e ainda assim extremamente presente. Que ele detestava aquelas pessoas, Cairbre sabia, e sabia também de Guillem somente a tolerar por ser filha de seu chefe. Ela até tentava não julgar a ignorância alheia, ou as motivações, mas a essa altura o pequeno incômodo já existia. — Ainda assim, temos que intervir quando se tratam de cidadãos naturalmente uranianos.
— Olha o lado bom, você não é uraniano.
— Legalmente, sou. E legalmente trato dos assuntos de seu pai.
— Acho que a vice-rainha te roubou do meu pai, então — Cairbre comentou, rindo de forma seca, irônica, não se daria ao trabalho de discutir com ele, não ali.
E pior que isso, ela sabia sobre Frida, e agora se perguntava como a mulher estaria. Não tinham provas dela ter poderes, mesmo se fossem baseados nos apitos dos aparelhos saturnianos, ainda não era prova concreta. Cairbre esperava profundamente de Frida ser tão esperta quanto aparentava para dificultar o máximo possível o trabalho de quem a tinha prendido.
— Engraçada.
— Eu sou hilária, obrigada. — Cairbre sorriu de forma azeda, falsamente simpática, e logo o sorriso sumiu de seus lábios, voltando à face de tédio e chateação. — Resolveram alguma coisa sobre a mancha?
Guillem apenas negou com a cabeça, abaixou os olhos por um momento, franziu os lábios em uma linha reta.
— Sua mãe não quer cancelar o centenário, mas seria um risco alto demais, e ainda assim, cancelar causaria um alarde desproporcional. Em resumo, não sabem o que fazer, e eu não faço ideia de como propor algo útil. Aumenta pelo menos vinte centímetros todo dia.
— E esses otários preocupados em prender quem não devia... — Cairbre passou as mãos pelo rosto, no fundo, tanto ela quanto Guillem estavam apenas perdendo tempo naquela sala.
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