12. Inesperados dez anos
Assistir a qualquer noticiário nos últimos dias tinha sido uma onda de informações cada vez mais redundantes e extremamente tendenciosas, isso qualquer um perceberia. Porém, mesmo o tendencioso conseguia convencer uma massa maior pela quantidade de repetições, que pouco a pouco iam moldando o pensamento popular sobre qualquer assunto.
Mesmo os de mente mais forte se deixavam moldar depois de certo ponto, e isso fazia o sangue de Kallisto ferver enquanto assistia ao pronunciamento de última hora do General. Talvez fosse por saber de coisas que ele não sabia, por saber de algo estar em curso dentro do Complexo Prisional naquele mesmo instante e isso era o suficiente para a notícia sequer chegar aos ouvidos do General antes do fim da noite, e com isso, todo aquele pronunciamento poderia ser jogado no lixo ou impulsionado com ainda mais impacto.
Mais uma vez tudo aquilo se repetia, e mais uma vez pessoas inocentes seriam pegas no fogo cruzado por razões estúpidas. A começar pelo garoto supostamente sequestrado, ou por todos os soldados que alegaram não lembrar da noite em que o garoto foi levado mesmo sendo os encarregados de ficar de vigia. Gente demais era afetada, isso era certo, e gente de menos tentaria remediar qualquer um dos efeitos colaterais.
Kallisto levou dois comprimidos à boca e os engoliu juntamente com um longo gole de água, continuou assistindo ao discurso quase patético e encenado, com o celular sempre a menos de meio metro de distância. O apartamento era pequeno, a distância sempre seria curta, mas a estadia temporária a fazia nunca espalhar demais as próprias coisas. Um dos inúmeros imóveis possuídos não formalmente por ela, passagens rápidas para momentos ainda mais ligeiros. Em outras palavras, no tamanho e disposições ideais para pequenas estadias estratégicas, ela sempre teve o forte pensamento de nunca se apegar demais a um lugar.
Poucos minutos depois, seu celular tremeu. Um dos três, e Kallisto pousou os olhos na tela para reconhecer o número profissional de Miguel, um que ele usava apenas para negócios com ela. Até onde ela sabia, ele tinha mais dois: um pessoal, um a serviço do governo. E dada a atenção e destreza do rapaz, o maior espanto dela era dele não confundir os aparelhos e acabar metendo os pés pelas mãos.
— Fala — Kallisto atendeu, mantendo um tom firme e neutro.
— Eles entraram. — Ela ouviu a voz de Miguel, mais baixa que o normal.
— E acha que saem vivos?
— Sinceramente, eu não tenho ideia, mas pelo visto o número de gente poderosa que essa gente conhece é enorme, daria uma grana muito boa.
— E só inflaria o ego do Controle, péssima ideia. — Mesmo que ele não visse a reação dela, Kallisto negou com a cabeça, devagar. Nem tudo seria pela recompensa física, e ainda faltava bastante para Miguel entender isso. — Se saírem vivos, pode trazer. Só não morra junto.
[...]
Complexo Prisional
Entrar tinha sido bem mais fácil do que imaginaram, principalmente por Miguel ter sinalizado um caminho vindo de dentro, e por Zyr ser bastante convincente ao dizer para os soldados de vigia irem dormir. E logo após a entrada, separaram-se de acordo com o combinado.
Nikolai iria sozinho, mas só depois de chegar ao painel de controle central das câmeras e sistemas elétricos. Em outras palavras, ele escoltaria Psique e Lian até lá juntamente com Miguel, parte para aprender aquele caminho, parte para se assegurar que os dois não se machucassem. Do jeito que a sorte nunca favorecia tanto alguém duas vezes, não duvidava de Lian ter outra crise de choro ou do teto cair em cima de Psique.
Felizmente, não houve choro e tampouco teto caindo, e bastou Nikolai piscar os olhos na direção dos soldados dentro da cabine do painel que todos eles caíram ao chão como se estivessem no mais profundo sonho. Uma pena ele não ser tão convincente quanto Zyr, tudo que podia fazer era fazer alguém desmaiar momentaneamente. Se desse uma coronhada na cabeça, talvez o desmaio durasse mais.
Bastou ele falar no auto falante para todos os alarmes começarem a apitar, assim como luzes vermelhas piscavam descontroladamente, e agora sim Nikolai seguiria sozinho.
— Vai, anda — Psique insistiu, empurrando Nikolai para fora da cadeira principal daquele recinto. — O resto é com a gente.
— Deixa só eu ver uma coisa — Nikolai moveu o peso do corpo para o lado contrário, insistindo em ficar sentado. Ao lado dele, Psique cruzou os braços, impaciente, e do outro lado Lian já tinha pegado outra cadeira e mexia curiosamente no painel de controle das celas. Porém, a atenção de Nikolai estava nas várias imagens à sua frente, e só sossegou ao achar a imagem repleta de brilho ciano, juntamente com a presença de três dos soldados oficiais do controle.
"Olha só, sua prima gata tá no caminho de vocês" Nikolai comentou, mentalmente, e ao invés de somente Zyr escutar, todos escutaram. Um pequeno hack mental para todos conseguirem se comunicar melhor, só não podiam arriscar usarem qualquer equipamento feito por Lian, já que o bendito tinha conseguido um jeito de bloquear a comunicação mesmo sem querer.
"Foca na merda do plano, Nikolai" Zyr respondeu, igualmente com todos escutando.
"Ainda dá tempo de trocar de papel..."
"Não" Zyr e Psique responderam ao mesmo tempo, e Nikolai precisou levantar da cadeira antes que fosse agredido com uma caneca de cerâmica ruim.
A cerâmica ia quebrar, ia estilhaçar e ele não queria ter o rosto rasgado, não tão perto de seu momento de brilhar. Ele facilmente poderia curar a si mesmo, mas ainda assim, uma grande ofensa ser agredido com material tão barato e estampado com uma frase aleatória tirada diretamente de um livro de auto ajuda.
"E não xingue o plano, é perfeito, se der errado é porque alguém foi inútil e não cumpriu com a própria parte" Psique retrucou, dessa vez sentando na cadeira e enxotando Nikolai dali.
O netuniano olhou uma última vez para as câmeras para ter certeza do caminho destinado para ele estar limpo. "Limpo". Com um número de soldados que ele tinha certeza dar conta. Recebeu um olhar rígido vindo de Psique, e antes de sair, encarou Miguel por alguns segundos para ter certeza do rapaz estar fazendo um trabalho bem feito.
Miguel acenou brevemente, como se reafirmasse de estar tudo certo, enquanto amarrava firmemente pequenas tiras de lacre nos pulsos dos soldados desmaiados. Não poderiam haver mortes, essa foi a imposição principal de Psique, tudo precisaria ser muito limpo e rápido, assim ninguém seria incriminado.
A porta foi fechada após a saída de Nikolai e Miguel se apressou para trancar. Por um momento, ele até cogitou ligar o segundo alarme e avisar de dois deles estarem ali, mas embora ele soubesse que seria fácil lidar com Lian, tinha um leve medo do que os outros fariam se tocasse em um fio pálido sequer dos cabelos de Psique. Não era hora de ser vira casaca.
Ficaria de vigia na porta enquanto os outros dois trabalhavam, e a parte de não poder usar uma arma de verdade o incomodava bastante pela falta de opção de defesa. Miguel poderia remoer isso o quanto quisesse, não mudaria a parte de que não poderia haver derramamento de sangue.
— Tudo certo? — Psique perguntou, dessa vez encarando Lian. O rapaz não desviou os olhos dos vários botões, e encostou a ponta do polegar nos lábios, pensativo.
Lian assentiu, ainda com o polegar nos lábios, e cutucou um dos botões como se quisesse testar a funcionalidade.
— É uma versão anterior do que a gente projetou lá em Saturno... — Lian comentou, baixo. Só então virou o rosto em direção de Psique. — É mais manual, vou precisar prestar atenção só nisso. Baixei a frequência dos supressores, mas vai aumentar de novo assim que começarem a abrir as portas.
— Certo, então você foca só nisso pra evitar deles serem evaporados, eu cuido do caminho do Nikolai e o Miguel cuida do caminho do Zyr — ela concluiu, não abrindo tanta margem para questionamentos.
— Meu trabalho era a porta — Miguel comentou, fazendo uma careta.
— Acabou de ser promovido, vai vir ajudar aqui também. — Psique agradeceu ao universo pela cadeira de rodinhas ser giratória, assim pode simplesmente virar o corpo para encarar Miguel. Se a porta estava trancada, não precisaria de um vigia, não o tempo todo. — Tem câmera do lado de lá, a gente vigia daqui.
Não tinha outra opção senão ajudar, afinal, seu salário por aquela empreitada tinha sido bem generoso, e seria muito confortável poder sentar em uma das cadeiras giratórias. Um luxo, ele sempre quis entrar naquela sala e nunca deixaram, pelo menos um de seus desejos mais infantis estava sendo realizado.
Psique e Miguel organizaram as câmeras por setor nas várias telas, a maioria mostrava soldados quase em desespero após ouvir o emocionante pronunciamento de Nikolai, outras completamente vazias, e finalmente as que capturavam a imagem de quem interessava.
"Gente, lembrem disso, não podem haver mortes hoje" Psique os lembrou, mentalmente, e respirou fundo antes de focar sua atenção majoritariamente na câmera apontada para Nikolai.
[...]
O primeiro caminho, e mais curto, levaria diretamente até a cela de Om. Infelizmente, era no térreo, e o número de soldados era extremamente maior comparado com o subsolo. As chances de alguém sair ferido automaticamente também aumentavam, tanto para os três encarregados de achar Om, quanto para os soldados que sequer chegavam perto. Zyr entendia muito bem a razão de Psique tê-lo designado para ficar naquele andar, e isso botava em cheque sua paciência em níveis altíssimos.
Pelo histórico de Eike, facilmente o cara estouraria os miolos de alguém. E não conheciam Juno o suficiente para saber o que ela faria. Se fosse Nikolai ali, ele deixaria os dois soltos demais e provavelmente teriam um óbito.
"Quantos no segundo corredor?" Zyr perguntou, abaixado atrás de um balcão que parecia ter sido de um atendente. Eike e Juno ao seu lado igualmente escutavam. Eike assustado demais com todo o lance da comunicação mental, Juno empolgada demais por finalmente poder fazer isso com outra pessoa.
"Sete, e no outro tem mais seis, provavelmente receberam ordens pra vigiar esse lado caso alguém quisesse invadir a cela do Plutão" ouviram a voz de Miguel, e Juno logo ficou preocupada com as chances deles.
Para Eike, seria tranquilo se pudesse realmente atirar algo mais do que sonífero, mas parte da ideia também foi dele então tentou manter a calma. Já bastava o surto interno por ter tanta gente tumultuando sua cabeça.
"Dá certo, eu vou lá" Zyr concluiu, e levantou o corpo para ficar de pé.
— Ai meu santo Desmond, é muita gente — Juno comentou, baixo. Ela tinha poderes, Zyr tinha poderes, mas não podia dizer que em algum momento da vida os utilizou de forma ofensiva. E do nada já tinha que usar e contra militares.
Eike colocou o cano da arma em cima do balcão em uma posição confortável o suficiente para ficar de olho no outro lado do corredor. Normalmente, ele teria dado um tiro nas câmeras de segurança, mas dessa vez precisavam delas ligadas para Miguel, Psique e Lian conseguirem se guiar.
"Corredor 3 com os supressores desligados, pode ir" Lian avisou, e Zyr colocou um sorriso simpático no rosto.
Juno ficou de vigia para o lado contrário de Eike, e enquanto os dois se mantinham alerta, Zyr pulou o balcão para chamar atenção dos soldados. Nesse momento, quem fez uma barreira entre os soldados e Zyr foi Juno, assim o meio netuniano não precisaria se preocupar em usar duas habilidades ao mesmo tempo, embora fosse plenamente capaz. Porém, a contenção de gasto de energia era prioridade.
— Oi, moço?! Tudo bem? — Zyr os chamou, e imediatamente teve várias armas apontadas na direção de si. Manteve o sorriso simpático mesmo assim.
— Parado aí! — Um dos soldados avisou, e bom, ele já estava parado. Não podiam dizer que não obedeceu.
Viu alguns tirarem as algemas dos bolsos, outros ligaram alguns bastões aparentemente elétricos, e Zyr levantou as mãos tranquilamente enquanto os observava. Estavam a menos de dois metros dele, mais um pouco e conseguiria se fazer ouvir muito bem.
— Tá tarde, vocês estão cansados, vão dormir, por favor — Zyr comentou, e de primeira absolutamente ninguém entendeu.
Nem mesmo Eike ou Juno. Ambos fizeram uma careta e encararam Zyr, na espera de uma explicação plausível. A explicação veio dois segundos depois, os soldados abaixaram as armas e cambalearam.
Deitaram ali mesmo, no chão do corredor, e fizeram uns aos outros de travesseiro como em um acampamento ao ar livre. Certamente ficariam confusos ao acordarem, mas ao menos não acordariam de ressaca, o que acontecia se fossem simplesmente apagados.
Zyr virou o corpo e indicou para os outros dois se aproximarem, precisavam ir mais rápido, e tinham certeza daquelas pessoas terem acionado algum aviso de invasão. Na dúvida, diria que era primo da oficial Shanti e aquele era o dia especial de levar parentes para o trabalho. Desculpa esfarrapada, no mínimo, mas era engraçado o número de reais parente ali presentes. Dois casos, o que não era muito, mas se tornava curioso o fato de pessoas da mesma família em lados opostos daquele jeito.
— Cacete... — Eike comentou, enquanto passava por entre os guardas adormecidos e cutucava um deles para ter certeza do sono. — Vem cá, como é que essa porra funciona? Você sugere, pede por favor e eles só fazem?
— Eu peço por favor porque acho rude se não pedir — Zyr explicou, e tirou de um dos soldados três algemas e um dos controles digitais. — Mas se eu só disser no seco também funciona.
Ele entregou uma algema para Juno e outra para Eike, caso precisassem prender alguém para fugir. Eike aproveitou o momento para tirar a munição de alguma das armas mais tradicionais, seria burrice se não o fizesse.
— Testa nele, quero ver de novo — Juno disse, e puderem perceber a animação na voz da mercuriana.
— Não, nem fodendo, nem invente — Eike ergueu os olhos, alarmado, e ergueu um dedo como quem dizia para Zyr nem sequer ousar fazer isso. Podia estar curioso, mas não ia arriscar passar vergonha.
— Perdão, espirre — Zyr comentou, com a face quase neutra, tranquilo demais para o gosto de Eike.
De primeira, Eike não sentiu nada, e então seu nariz começou a coçar. Uma coceira normal, como quando estava em um ambiente empoeirado, e dois segundos depois fechou os olhos, abriu a boca, e espirrou tão fino quanto um felino. A partir dali, Eike realmente se questionou se espirrou por ele mesmo ou só por Zyr ter pedido, e isso o fez olhar para os dois à sua frente como se quisesse matar os dois pentelhos afogados em um copo de água.
Pior que isso, os dois lutavam para segurar o riso. Juno falhou feio, Zyr ainda conseguiu ser mais discreto.
— Você espirra como um gato — Juno comentou, precisando se controlar muito para parar de rir.
— É tão fofinho... — Zyr comentou, e Eike ameaçou dar um tapa na nuca do rapaz.
— Eu mato os dois se espalharem isso — Eike avisou, e embora os dois ainda rissem, concordaram com aqueles termos.
Precisaram realmente conter a risada ao virarem o próximo corredor, mais soldados, não queriam que fossem vistos primeiro. Um deles estava longe demais, Eike precisaria atirar um dardo sonífero, e fez isso antes de Zyr falar alguma coisa.
Foram ligeiramente menos corteses, não perguntaram se tava tudo bem, mas ainda pediram por favor, e logo mais um grupo dormia tranquilamente ao chão como crianças depois de um dia de brincadeiras.
Até ali, tudo ótimo, não poderiam reclamar. A falta de preparo daquelas pessoas para realmente lidar com reencarnações era explícita, e toda a pompa que tinham era meramente fachada quando não tinham realmente lidado com grupos maiores. Prender indivíduos isolados tinha suas vantagens, mas o despreparo para lidar com dois ou mais era simplesmente patético.
"Tem dois oficiais no próximo corredor" Miguel avisou.
"Quem?" Eike perguntou, ainda se acostumando a fazer aquilo pela cabeça.
Tinha perguntado a Zyr como conseguiam fazer aquilo, e pela explicação do garoto, reencarnações e abençoados conseguiam pela ligação mágica que tinham. Eike perguntou se ele e Miguel tinham sido abençoados, e pela resposta evasiva de Zyr, Eike não teve resposta alguma e isso começava a fermentar uma preocupação que ele definitivamente não queria.
"O Tenente saiu de perto deles há uns dois minutos, é uma moça de Plutão e um que eu acho que é de Vênus" Miguel comentou, meio indeciso de como descrever, mas foi o suficiente para Zyr e Eike saberem exatamente quem eram. Ainda estavam ali.
— Cacete do céu — Zyr resmungou, e recebeu dois olhares confusos, provavelmente surpresos por ele usar um palavrão logo depois que tinha feito questão de pedir por favor. Uma coisa não anulava a outra.
— Sua prima? — Eike perguntou, como conformação, e Zyr assentiu.
— Eu não quero dar de cara com ela agora, pode dar ruim, vamos pro plano dois.
Distração. Se Maya e Jab se afastassem o suficiente da porta da cela, ele conseguiria entrar.
— Eu vou, posso enrolar eles um tempinho — Juno comentou. Não iria lutar, definitivamente não, mas enrolar alguém à distância deveria ser o mínimo.
"O corredor da direita dá a volta na enfermaria, se for por ali dá certo e ainda consegue voltar até a cela pelo outro lado" Miguel avisou, e foi o suficiente para Juno se afastar. "Ainda vão vir gente do lado que vocês tão, mas o carinha aí deve dar conta"
"Fica difícil dar conta de alguma coisa quando eu tô usando a merda de uma arma de sonífero e eles munição pesada" Eike reclamou, e embora fosse uma reclamação válida, ainda tinha um ponto.
"Confia" Juno comentou, Eike sentiu zero confiança nas chances deles a partir daquele momento.
Claro, seria muito fácil para ela falar, ela conseguiria se defender, e ele apenas com o sonífero que dependia exclusivamente de sua mira e de sua sorte de não ser baleado primeiro.
Eike definitivamente cometeria um crime contra alguma daquelas pessoas até o final da semana, tinha plena certeza disso e nada tiraria de sua cabeça que Juno ou Zyr seriam os dois primeiros. Não tinha superado o espirro, com certeza não. Seria um inferno se Nikolai ou Eana soubessem, e ele não deveria estar pensando nisso naquele momento.
Ouviram uma pequena explosão vinda do lado de Juno, ela fez pequenos estalinhos no ar para chamar a atenção de Maya e Jab, e recebeu como resposta dois disparos que felizmente foram contidos pela barreira dela.
Eike e Zyr seguiram abaixados pelo outro lado, esperando o momento certo para continuar, e Juno esperou alguns segundos para os dois oficiais se aproximarem mais. Seria o suficiente para ela erguer uma barreira entre eles e a cela, e acenou brevemente, com um sorriso, ao ver a face mal humorada de ambos.
Depois de dar um tchauzinho, fez as partículas de ar próximas do rosto deles entrarem em combustão em pequenos fogos de artifício coloridos. Isso irritaria qualquer um, ela sabia, e o efeito não foi diferente. Talvez estar tão exposta fosse um risco, tinha passado todos aqueles anos em completa discrição, mas chegaram à conclusão de que se tivessem entrado mascarados ali, pareceriam muito com assaltantes de mercearia e isso mais atrapalharia do que ajudaria.
Até tentaram colocar uma meia no rosto, mas Nikolai reclamou que aquilo amassava o nariz, Eike disse que tinha vontade de espirrar — talvez por medo de espirrar adoravelmente com mais frequência —, e Psique disse que a ideia era uma palhaçada. No final, teria sido ruim mesmo, também atrapalharia muito a respiração. Iam torcer pra ninguém ser bom de descrições, assim não conseguiriam fazer um retrato falado.
"Supressor do corredor 5 e da cela desligados" Lian avisou, completamente de surpresa a ponto de dar um susto tanto em Zyr quanto em Eike.
Eike até mesmo levou uma mão até o próprio peito para ter certeza do coração continuar batendo corretamente, Lian também tinha entrado para a lista de pessoas nas quais ele realmente considerava afogar. A lista crescia rápido demais, e parte dele não se espantava, mas parte ficava indignado.
Mais cinco segundos e Zyr finalmente apressou o passo para colocar a chave digital no sensor da cela. Escutou outro pequeno papoco e um xingamento. Que Juno continuasse sem parecer uma peneira, era tudo que ele torcia.
Deixou a porta aberta, Eike ficaria de vigia, e adentrou a cela. O primeiro ambiente parecia limpo, uma bancada e algumas cadeiras, soava como sala de interrogatório, e logo ele percebeu o vidro separando o primeiro ambiente do segundo. E no segundo, um indivíduo o encarando com o rosto levemente inclinado para o lado e os olhos estreitos.
— Senhor Om? — Zyr arriscou, chegando mais perto do vidro. Definitivamente seria ele, Zyr conseguia ver a aura ciano muito bem ao redor do plutoniano, mas não custava chegar de uma forma menos ofensiva.
— Perdão, rapaz, levaram o Sucuri há quinze minutos pra execução e me jogaram aqui no lugar dele, mas eu sou inocente, sabe? Posso ajudar a achar ele se você me tirar daqui... tá com a chave, né? — Om falou, e Zyr estreitou os olhos e balançou a cabeça como quem queria muito entender aquela palhaçada.
Tudo que Om via era um garoto que não deveria ter nem quarenta anos direito e com a chave para abrir a porta do segundo ambiente, e pela falta de brilho ao redor, não deveria ser ninguém. E ainda assim, sentia o corpo arrepiar ao olhar para os olhos do menino. Não pelas linhas finas no lugar das pupilas, mas pelo verde prateado. Familiar demais, e ainda assim Om não conseguia lembrar exatamente onde tinha visto aquela mesma coloração antes.
— Pode me ajudar? — Om insistiu, usando da voz mais simpática que conseguia.
Zyr apenas suspirou, e riu baixo.
— Você é engraçado, e vale nada, talvez eu deixe a Eana te executar de novo pra talvez fazer jus à sua história — Zyr disse, e o sorriso de Om desapareceu, dando espaço para a confusão estampada em sua face. — Brincadeira, não vou deixar ela fazer isso, mas é feio mentir assim só pra conseguir sair.
Em um segundo, o vidro os separava, no outro, não havia vidro, apenas vários cacos estilhaçados ao chão enquanto Om dava um grito fino de susto pela queda da divisória envidraçada.
Om encarou os cacos, encarou Zyr, encarou os cacos de novo, e sua mente não conseguia processar como aquilo tinha acontecido quando ninguém aparentemente tinha movido um músculo e o garoto parecia calmo demais com a situação enquanto o encarava como se o vidro não tivesse nem mesmo se esfarelado todo ali na frente dele.
— Prazer, meu nome é Zyr e a gente tem que sair daqui. — O rapaz estendeu uma mão cordialmente, esperando que Om tomasse alguma atitude.
— Será que dá pra ir mais rápido, caralho?! A Juno já chegou! — Eike perguntou, quase gritando, enquanto tentava mirar através de uma parede luminosa entre eles e uma leva de soldados.
Nesse momento, sentiram um tremor atingir todo o prédio, e parecia seriamente como se a pancada tivesse sido ali dentro. Zyr franziu a testa, e Om finalmente se apressou para pular sobre o vidro quebrado mesmo com a perna manca. Felizmente não tropeçou, ou era capaz de perder a outra perna e quem sabe um olho.
Om abriu bem os olhos ao colocar um pé para fora da cela, praticamente levando outro susto ao ver o brilho amarelo ao redor de Juno. Não tivera a chance de conhecer outros como ele antes, não daquele jeito, e já estava assustado demais com o vidro quebrado. Ainda não fazia sentido em sua cabeça, o garoto não deveria ser ninguém, não brilhava.
— É, a parede não vai segurar essa gente por muito tempo — Juno comentou, e conjurou outra camada vinda do chão até o teto de pequenas partículas que de início pareciam inofensivas, mas bastava tocar em algo, explodia.
E os soldados não tinham noção do que fazer para suprimir as partículas.
— Pois bem, se eles tão aí, eu vou por ali — Om disse, apontando para o outro lado do corredor, e apressou o passo para correr.
— Não! — Eike, Juno e Zyr gritaram ao mesmo tempo, ao verem Om passar pela barreira que os separava dos dois oficiais.
Uma corrida meio capenga, sua perna não ajudava muito, e a próxima coisa que Om sentiu foi uma um tiro no pé. Literalmente. Ele grunhiu de dor, alarmado, e contraiu o corpo ao levantar o pé do chão e segurar o joelho como se isso fosse adiantar de alguma coisa. Em seguida, sentiu a coronhada no meio da testa e caiu para trás.
— Volta pra cela. — Ele escutou a voz de Maya, e ela empunhou a espada muito próxima da garganta dele enquanto Jab segurava a arma apontada diretamente para a cabeça de Om.
— Ah, oi Maya, amigo Jab! — Om sorriu, dolorosamente, tentando não pensar em como tinha sido um grande pateta ao ir por aquele lado.
Ela o chutou na perna, desestabilizando-o, impedindo-o de levantar e sair correndo novamente mesmo que o pé baleado já fosse impedir isso.
— Volta. Pra sua. Cela — ela repetiu, devagar, pausadamente, indicando com o rosto para ele começar a se mover nem que fosse rastejando.
— Você escutou ela, imundo, anda! — Jab esbravejou, e sim, ele queria muito apertar o gatilho.
— Não dá, vocês destroçaram o meu pé — Om disse, quase chorosamente, aquilo doía como um inferno e ele sabia muito bem que estava sangrando.
Infelizmente, a habilidade de cura estava em falta nos poderes de Plutão. O coração de Om gelou ao escutar o click do gatilho da arma de Jab.
Fechou os olhos, aceitou seu triste fim de uma alma condenada, ignorando completamente a parte em que agora podia usar os poderes livremente e não usou de tapado, e em seguida escutou outro click, e outro, e abriu os olhos bem a tempo de desviar da lâmina de Maya que seria muito bem alocada no meio de sua caixa torácica.
— Mas que porra! — Jab gritou, tentando mais duas vezes apertar o gatilho e a arma simplesmente se desfazendo em suas mãos.
— Executar alguém assim é baixo até para vocês. — Escutaram a voz de Eike, mesmo não sabendo quem o rapaz era, e os dois oficiais foram obrigados a olhar na direção da voz.
Jab passou uma mão para a outra arma presa em seu cinto, e Maya sentiu o coração parar de bombear por meio segundo ao encarar a pessoa ao lado de Eike.
Om levantou a cabeça para tentar entender, mais uma vez, o que estava acontecendo. Falhou, mas ao colocar os olhos novamente em Zyr, desviar o olhar para Maya, e encarar o meio netuniano de novo, entendeu perfeitamente de onde ele conhecia os olhos verde prateados do rapaz, e sinceramente, ele preferia ter levado um tiro de Jab.
[...]
"Vira à esquerda... para. Entra no armário de serviço"
"Você tá brincando com a minha cara"
"Tem gente vindo do outro corredor, vai logo, cacete!"
Nikolai revirou os olhos, e obedeceu. Bastou fechar a porta do armário consigo mesmo dentro para escutar os passos apressados de pelo menos cinco pessoas. Mesmo que fosse para se esconder, ele conseguia sentir o riso interno de Psique mesmo apenas por conexão mental. Justo, ele também riria da situação contrária, e ainda assim continuava tão ultrajante.
Sentiu-se o próprio rei das vassouras. Por que diabos teriam tantas vassouras e potes de água sanitária em um lugar como aquele? O Complexo era grande, claro, mas certamente deveriam existir mais armários espalhados de forma espacialmente simétrica para atender a demanda, e não enfiar trinta vassouras em um armário só. Nikolai fez uma nota mental para mandar um e-mail tal qual os de Eana reclamando da falta de organização e planejamento de áreas molhadas e de serviço daquele lugar. Aquilo tinha sido serviço porco de quem quer que tenha projetado o lugar.
"Pode sair" ele ouviu, e abriu apenas uma fresta da porta para espiar o lado de fora.
Olhou para um lado, colocou a cabeça para fora e olhou para o outro, parecia tranquilo. Por via das dúvidas, pegou uma das vassouras com uma mão, e projetou uma pistola de luz com a outra mão. Diferente de Eana que apontava dois dedos, Nikolai segurava aquela projeção como se de fato fosse uma arma de verdade, com a diferença de que brilhava, era transparente e o formato dos pequenos fragmentos de luz pareciam uma bela obra de arte esculpida.
Copiou a ideia de Eana? Óbvio. Prático demais e evitava dele ficar carregando uma arma e a munição, quando ele mesmo era a munição.
"Dois corredores, direita e escada" ouviu novamente, e continuou a andar.
O som de mais passos correndo por ali o fez parar, dessa vez não tinha armário para se esconder. Precisaria correr para a escada ou abrir uma porta qualquer daquele lugar. Abrir qualquer uma poderia resultar na copa ou na sala de arquivos onde provavelmente poderia ter um corpo morto ou alguém se comendo. Pelo menos não tinha ficado com o setor das celas principais, aí sim seria um problema com dezenas de olhos o vigiando diretamente. Porque claro, não somente deuses eram presos ali, mas também alguns tipos de pessoas mais pesados e que necessitavam de afastamento da sociedade.
No fim, abriu uma porta qualquer e entrou. Para sua felicidade, não tinha corpo morto ou alguém se comendo, para sua infelicidade, era o almoxarifado, e fedia a pano mofado. Coçou o nariz enquanto esperava, fazendo uma careta de desgosto feia o suficiente para Psique conseguir sentir a insatisfação.
Ela não tinha culpa se ele mesmo escolheu aquela sala e deu ruim, cada um com suas responsabilidades.
"Depois das escadas não têm câmeras, então você vai ter que ir na sorte" Psique avisou.
"E já não estou indo na sorte?"
"Seria mais fácil se falasse com ela, mas sabe-se lá a condição que deixaram. Vai na sorte e faz surpresa"
Se conseguiam suprimir a conexão, poderiam facilmente interferir, e por isso Nikolai não tentou contato direto com a garota. Um receio talvez inútil, mas não gostaria de surpresas desagradáveis, já tinha tido demais em um espaço tão curto de tempo.
Ao invés de câmeras, o subsolo tinha sensores de calor, e Nikolai teria que confiar em Psique para seguir as trilhas calorosas até a cela desejada. Soava estúpido, a execução parecia ainda mais estúpida, principalmente por esperar o momento certo de sair em uma sala mofada. Um esconderijo genial, quem procuraria alguém na sala mofada? Pior, quem seria tapado o suficiente pra entrar?
Se continuasse com isso, começaria a xingar a si mesmo, e disso já bastava os outros fazendo.
"Vai" Psique disse, e ele quase respirou fundo antes de abrir a porta. Quase.
Impediu-se de inspirar o ar, prendeu a respiração, e só então abriu a porta. Sabe-se lá quantos fungos fariam morada em seu pulmão se ele tivesse feito isso ali dentro.
Olhou para os dois lados do corredor por mero costume, e saiu ainda carregando a vassoura. Só conjurou novamente sua pistola luminosa segundos mais tarde, ao se aproximar do início das escadas. Uma grade separava o corredor da escadaria, e teria sido uma pena se o metal já não estivesse derretendo na altura da fechadura, ou melhor, simplesmente se desfazendo.
"Quantos supressores tem depois dessa grade?" Nikolai perguntou, para uma pessoa em específico.
"Muitos, muitos mesmo" Lian respondeu, ainda se acostumando com aquele tipo de conexão. "Pelo menos o triplo do que tem em todo o resto desse treco de lugar"
"E tem como desligar?"
"Só da área que você está, as celas parecem ter sistemas independentes e eu não faço ideia de como acessar isso"
Maravilha de notícia. Realmente dependeria da fé, mas fé em quem? Se ele mesmo era o próprio deus que todos recorriam para pedir ajuda. Poderia escolher uma das vozes na própria cabeça para ter fé, mas sinceramente, nenhuma tinha merecimento disso.
Terminou de derreter o metal da grade em menos de um minuto, como se cada átomo daquilo simplesmente se desfizesse em poeira gelatinosa, e ele conseguia ver os pedaços de obsidiana encrustados no metal. Outro deus com menos habilidades não conseguiria passar, certamente, mas Nikolai duvidava muito que aquelas pessoas tivessem sequer uma noção de como conter o Sol.
Mas cada um com seus problemas, e o dele naquele momento era achar Eana. Desceu dois lances de escadas com os olhos brilhando em dourado por usar os poderes e para iluminar os corredores. Não pareciam ser feitos para abrigar muitas pessoas, e sim para isolar. Ele conseguia sentir a força dos supressores pesando em seus ombros a cada passo mais a fundo, e um segundo alarme tinha sido acionado pela grade desfeita, daqui a pouco teria companhia.
"Sabe qual a dela?" ele perguntou, e não gostou da demora da resposta de Psique.
"Só tem duas pessoas aí, três contando com você, tenta qualquer uma, a primeira porta que aparecer" Psique disse, e Nikolai detestou. "Espera, tenta a primeira mesmo, a segunda é muito esquisita"
"Esquisita quanto?" Nikolai questionou.
"Na primeira o supressor interno foi ligado há pouco tempo, tipo hoje. A segunda só tem o externo, e eu acho que o interno quebrou, porque não aparece nada aqui" Lian explicou, deixando os três envolvidos na conversa extremamente confusos. "Segundo o sistema, não abrem a segunda cela há pelo menos um ano, não deve ser a Eana"
Nem um pouco esquisito, claro que não. Mas de esquisitos ali já bastavam eles, não estava interessado em se meter com outra pessoa absurda.
A primeira porta estava a meio corredor de distância, e depois dela uma bifurcação que embora Nikolai tivesse a curiosidade de verificar, não se deu ao luxo. Precisava achar um jeito de abrir a porta primeiro, e apesar de tentado dissolver o metal assim como fez na grade, falhou feio. Simplesmente não dissolvia.
"Me diz que você consegue me escutar" ele tentou, direcionado apenas a uma pessoa.
"Se for você do outro lado dessa porta então abre logo essa porra, aqui dentro dói muito" Eana disse, quase rispidamente. Nikolai soltou um suspiro de alívio.
"Como se abre isso?"
"Fechadura digital"
"Ah, claro, porque eu trouxe a mão de alguém do controle aqui... é, não é má ideia"
"Tem uma alavanca do lado de fora, quebra ela, frita ela, faz patê se quiser, o resto eu me viro daqui"
Igualmente ele não conseguia dissolver a alavanca, mas poderia simplesmente puxar para o lado contrário. O som de ar pressurizado foi agudo, e uma luz vermelha acendeu acima da porta da cela de Eana. Nikolai não duvidava de outro alarme começar a apitar por isso. O orçamento de alarmes daquele lugar deveria ser alto, enquanto o investimento em limpeza era extremamente baixo.
"Tem soldados indo na sua direção, vai rápido" Psique avisou.
Ele escutou o barulho como se uma bomba tivesse atingido a porta pelo lado de dentro, e outra, e outra, e embora aparentemente nada estivesse danificado, ele via o tremor percorrer as paredes como ondas, isso desestabilizaria o prédio inteiro.
Ignorando completamente o bom senso e dando ouvidos à voz em sua cabeça, Nikolai estourou o painel digital da cela. Não satisfeito, lançou uma carga de energia pela fiação danificada que provavelmente fritaria todo o sistema. Três das trancas da porta foram soltas, e um sorriso divertido se formou em seus lábios.
Foi a vez dele de usar o que tinha naquela porcaria, e seus dois olhos brilhavam intensamente em dourado enquanto suas mãos igualmente brilhantes amassavam o metal polido em sequências de círculos e retas. O acabamento era bonito, admitia, uma pena ter que estragar assim.
Um impacto vindo de dentro foi maior, e ele viu mais três trancas quebrarem pela força. Teria continuado a puxar, mas se demorasse um segundo a mais para se afastar, teria sido atingido pelo tombo da porta. Teria sobrevivido, mas não queria se machucar por burrice, a porta parecia extremamente pesada.
Ao olhar para dentro da cela, filetes arroxeados se espalhavam pelo ambiente, e ele deu de cara com uma Eana ofegante, projetando um canhão de mão em cada braço. Tudo bem do poder dela ter a tonalidade púrpura, mas suas olheiras tão roxas a ponto de dar um aspecto doente deixaram Nikolai extremamente preocupado.
— Você tá... — ele foi interrompido, primeiro por um tiro do canhão de braço diretamente em seu rosto. Definitivamente não na mesma intensidade que ela usou na porta, ou que usou contra o grupo de controle no restaurante jupiteriano. Ela não pretendia machucar Nikolai, isso ele sabia, ele sentia, mas também sentia o rosto arder como se tivesse esfregado urtica no rosto. — Porra, Eana!
— Isso é por sua ideia de bosta de me usar de isca — ela comentou, e sua voz cansada foi explícita. Precisava respirar fundo várias vezes enquanto se recuperava, sentia-se completamente sugada. — Por que tá segurando uma vassoura?
— Você tá horrível, anda aqui. — Ele estendeu um braço para ajudar ela a se apoiar, e ela não teve outra escolha a não ser aceitar, precisava parar por pelo menos dois segundos fora daquela cela. O rosto pálido em conjunto com as olheiras quase pretas denunciavam seu cansaço, a face de ressaca era como a cereja do bolo. Ele não comentaria sobre a vassoura, apenas considerava importante e ela não entenderia.
Ela respirou fundo, e virou o corpo para o abraçar. Teve o abraço retribuído imediatamente. Normalmente nenhum dos dois faria isso, mas o alívio dela estar viva até aquele momento e dele ter ido até aquele ponto significava bastante. Para ela, para ele, e para uma das vozes na cabeça de Nikolai. Ela só não sabia se era muito inteligente pedirem logo para ele sozinho ir atrás dela, mas não estava em condições para questionar.
— O supressor da cela é forte demais, e eu nunca tive essas porcarias em mim, foi angustiante — ela admitiu, esboçando uma careta incômoda.
— Então ainda bem que fritei essa fiação, vamos embora logo.
— Espera.
— O que? — Nikolai virou o rosto, confuso, impaciente, ainda segurando Eana pelos ombros enquanto ela forçava o corpo para trás. — A gente tem que ir.
— A Cairbre me pediu uma coisa. — Ela se desvencilhou dos braços do Nikolai, movendo os dois ombros para trás e os estalando no processo. Fez uma careta, suas costas doíam, seu corpo doía por completo.
— Isso não é hora! O que aquela otária te pediu?
Nikolai queria profundamente só colocar Eana no colo e correr, mas a encarar com incredulidade foi o máximo que conseguiu. Pelo olhar dela, nem ela conseguiria descrever ao certo, e Nikolai ergueu as sobrancelhas como quem insistia para ela dizer algo.
— Abrir a outra cela. Ela disse que era pra esquerda... — Eana virou o rosto, olhando nas duas direções e tentando decidir se lembrava certo ou não. — Não, pra direita. Não sei! Tinha um corredor e era pra virar e abrir a outra cela.
— Já foi difícil o suficiente abrir a sua, olha o seu estado — Nikolai comentou, rispidamente, tentando manter a paz e a calma interior.
Ela não discutiria, já tinha cansado até mesmo de falar. Lembrava o caminho de onde tinha vindo, então seguiria na direção oposta, com ou sem Nikolai para ajudar. Mas esperava muito que ele ajudasse, ou talvez ela desmaiasse por exaustão. Não voltaria para a cela, isso de forma alguma, sentia cada órgão do corpo berrar em desespero pelo peso sentido.
"Eu peguei isso aqui" ela comentou, mentalmente, para evitar o esforço físico de mexer a boca. Ergueu uma mão e mostrou um pequeno aparelhinho para Nikolai. Parecia demais com os que ele tinha visto em Marduk, e estreitou os olhos na espera dela explicar. "Peguei do namorado da Cairbre quando ele foi afrouxar minhas algemas, é com isso que abrem as celas"
Nesse momento, Nikolai riu. Um riso nervoso e ao mesmo tempo incrédulo, orgulhoso do feito. Isso realmente facilitaria muito, principalmente por agora os dois estarem do lado de fora.
— Ok, me convenceu, quem é que tá nessa cela?
"Não faço ideia"
— Nossa, incrível, vai abrir e não sabe nem o motivo?
"Se vai ficar reclamando então vá tomar no cu, faço sozinha"
— De jeito nenhum! — Ao falar, ele apressou o passo para a acompanhar.
Para ele, ela já tinha a perfeita face de uma defunta com as manchas escuras nos olhos e as íris brilhando em roxo, não tinha interesse em realmente conhecer a versão defunta da ruiva. Um corredor à direita, ele lembrava de ter visto isso brevemente nas plantas estudadas por Psique, e pela descrição super detalhada de Eana, precisou se guiar meramente pelo instinto e pela sensação de aperto no peito crescente.
E realmente a segunda cela ficava à direita, dessa vez a porta parecia triplamente reforçada.
"O que vocês dois ainda tão fazendo aí?!" escutaram a voz de Psique, dessa vez bem mais alarmada que antes. "Já tão descendo as escadas, a sua prima e um outro de cabelo preto"
"O Jonathan ou o Viktor?" Eana perguntou.
"Como se eu tivesse me dado o trabalho de aprender o nome deles" Psique retrucou.
"Dá tempo, fica sossegada aí, piolho de cobra" Nikolai comentou, e dessa vez fez questão de bloquear qualquer outra pessoa de falar mentalmente com eles enquanto estivessem no subsolo.
Ele só esperava que desse tudo certo, tentava se iludir ao menos. Ficava bem difícil quando a segunda cela tinha tanta parafernalha do lado de fora que não sabiam por onde começar a mexer.
E principalmente, um aviso ao lado da porta em letras vermelhas bem grossas: ligar o supressor antes de abrir a porta. Talvez fosse costume sempre ligar, mas na de Eana não tinha essa placa, talvez por ela ter chegado há tão pouco tempo.
Eana e Nikolai se entreolharam, talvez fosse isso mesmo, um aviso geral de protocolo. Nikolai decidiu desligar as outras três alavancas ligadas meramente para ver o que acontecia. Sentiram o peso diminuir até mesmo do lado de fora, e foi a vez dela colocar o aparelhinho furtado no leitor digital.
O som das trancas se desfazendo foi prazeroso e ao mesmo tempo angustiante, não tinham noção do que estava do outro lado, e o lado curioso dos dois queriam muito saber. Ouviam os passos pesados e apressados dos soldados no corredor atrás deles, e o olhar dourado de Nikolai encontrou o arroxeado de Eana enquanto os dois apostavam na sorte para dar tempo de saírem.
Não tiveram tempo de raciocinar um trajeto de fuga, a porta da cela foi aberta e um brilho alaranjado ofuscou a visão dos dois. Não somente um brilho, uma bola maciça de poder foi impulsionada para fora da cela e atingiu Eana diretamente com um fluxo extremamente forte.
Nikolai conseguiu jogar o corpo para o lado, Eana foi arremessada para trás, e imediatamente aquele brilho alaranjado trouxe de volta todas as memórias do dia em que perdeu sua tia, do dia em que vira aquele mesmo brilho alaranjado apagar do corpo de Annelise. Suas mãos tremeram violentamente, a energia arroxeada foi condensada em volta de suas mãos tão rápido que nem mesmo Eana percebeu quando começou a emanar tanto poder a ponto de seu corpo inteiro ser circundado pelos filetes púrpura.
O poder alaranjado ainda era impulsionado contra ela, como se fosse o primeiro alvo à vista, e ela usava sua força restante para projetar uma bolha ao redor de si como armadura tempo o suficiente para conseguir revidar.
O coração de Eana disparou violentamente, sentia os pulmões falhando em puxar o ar, e gritou em pânico ao sentir a fonte do poder alaranjado tão perto. A energia roxa ganhou impulso e empurrou a laranja para trás, e nesse momento a netuniana sentiu o impacto de um punho a atingindo na lateral do rosto.
Sua cabeça ficou tonta, mas imediatamente conjurou um canhão de braço na mão esquerda, enquanto com a direita conjurou uma manopla pesada tempo o suficiente para atirar no tronco daquele indivíduo e a empurrar com o impacto do disparo para longe. Ela usou a manopla pesada para se segurar no chão, mesmo que tenha arranhado o piso de concreto no processo.
Só então conseguiu ter uma visão melhor do indivíduo, ou melhor, da loira musculosa e igualmente ofegante que tinha a aura tão brilhante que doía nos olhos. Ela usava um dos macacões prisionais horríveis, mas rasgados nas mangas e na parte superior, assim como o cabelo raspado na lateral esquerda. Eana teria feito piada sobre entender a raiva de uma pessoa que foi obrigada a usar aquilo, mas no momento seu rosto doía demais e seu corpo ameaçava simplesmente desmaiar de cansaço.
A loira alaranjada parecia ainda querer agredir Eana, principalmente depois do tiro do canhão ter queimado a roupa e a pele dela na altura do tronco. A ruiva se apoiou na manopla para conseguir se levantar, e ergueu o olhar para encarar a outra mulher diretamente. Seus cabelos estavam completamente bagunçados, e pelo soco, sentia o sangue escorrer pelo nariz, alegrava seu coração saber que pelo menos a outra sairia com a barriga queimada.
Eana não esperou que a loira avançasse, atirou novamente com o canhão e dessa vez o tiro foi barrado pela energia alaranjada dos braços dela. Naquele momento, podiam competir quem tinha o cabelo mais horrível ou o rosto mais cansado, e nada disso impediu que a loira investisse novamente o poder contra a ruiva.
A intensidade do poder de Júpiter fez Eana tropeçar e cair, mas deu tempo o suficiente para que ela chutasse o tronco da loira antes de outro arremesso de poder. O corpo das duas estava envolto por suas respectivas cores, e o emaranhado de laranja e roxo impedia qualquer um de chegar perto, e cada golpe infligia cada vez mais ferimentos ardentes na pele das duas.
Nikolai precisou de um tempo para conseguir digerir o susto, primeiro por ser a primeira vez em que tinha posto os olhos em Júpiter, segundo pelo nível tão alto de poder que aquela pessoa emanava, terceiro por conseguir escutar o grito desesperado dos soldados no corredor ao lado enquanto as duas se matavam. E ele um mero receptáculo do Sol em posse de uma vassoura.
Precisou impulsionar o próprio poder para conseguir se mexer antes de ser atingido pelo emaranhado roxo e laranja, e o impacto afundou o concreto da parede de um jeito que fez Nikolai suar frio. A parede rachou do chão até o teto, e só o pensamento daquele lugar desabar o desesperava.
A loira desferia golpes de puro poder com os punhos enquanto Eana desviava e a atingia com tiros de canhão, utilizando da manopla para arremessar a mulher ao chão. O sangue já descia pelo canto da boca da loira, assim como de sua sobrancelha, enquanto Eana tinha o nariz ensanguentado, a lateral do rosto arranhada e arroxeada, e o corpo com dores até mesmo em partes que ela não sabia que existia. Perderia quem desmaiasse primeiro, não quem era mais forte. E em nível de exaustão, pareciam exatamente no mesmo patamar.
Então as duas foram arremessadas contra outra parede, dessa vez por um terceiro poder, o de Nikolai.
— Parou, porra! — ele gritou, e impulsionou uma parede de poder dourado na direção dos soldados para evitar deles se aproximarem. — Chega!
O corpo moído das duas mulheres dava a sensação de terem sido atropeladas por um caminhão, e ainda assim, Eana franziu o maxilar e ergueu o braço tempo o suficiente para dar um último disparo diretamente no rosto da loira recém solta, do mesmo tipo que utilizou em Nikolai mais cedo, e ouviu a mulher grunhir de ódio.
— Você estragou a roupa da Cairbre — Eana comentou, ofegante, e vendo o estrago queimado nos tecidos que usava.
— Vá se foder — a loira retrucou, e uma pequena poça de energia alaranjada se formou ao redor de Eana. E explodiu. Nada que fosse dar dano, a loira estava fraca e ferida, mas no mesmo intuito de não deixar aquele tiro sem resposta.
A loira inclinou o corpo para frente para levantar, e grunhiu de dor ao sentir a barriga queimada como se tivesse levado um choque elétrico. Sua perna também doía como um inferno, e só então teve tempo o suficiente para raciocinar quem eram aquelas pessoas. Não que ela soubesse, mas sentiu na pele o poder de uma, sentiu nas costas o poder do outro, não queria nem pensar se aparecesse um terceiro.
— Moça, a gente só quer sair daqui, aposto que você também — Nikolai comentou, erguendo as sobrancelhas e uma das mãos em sinal de paz.
— Bela retribuição pra quem te tirou daquele buraco, filha da puta — Eana resmungou, sentindo até a alma doer, e recebeu um belo dedo do meio vindo da loira.
— Prazer, Nikolai — Nikolai disse, apontando para o próprio peito como se estivesse em um filme onde a mocinha fica perdida na selva e entra em contato com um ser humano primitivo de habilidades de fala limitadas. Então ele apontou para a ruiva. — Eana.
A loira alternou o olhar entre os dois, e um deles ela já conhecia, pelo menos de vista. Antes dela responder, os passos de soldados ficaram mais altos, o número de pessoas naqueles corredores enterrados aumentou muito mais do que imaginavam, e o nome da mulher foi dito não por ela, mas por outra pessoa.
— Danika? — Ouviram a voz de Viktor, e imediatamente os três olharam diretamente para o Major.
Ao lado dele, Cairbre partilhava a mesma expressão facial de espanto, tristeza, preocupação e urgência. Os olhos de Viktor estavam marejados, conseguiam ver o reflexo da luz muito bem, apesar de ser mais urgente prestarem atenção nas inúmeras armas apontadas na direção do trio.
Não pretendiam virar uma peneira, não naquele dia. E Nikolai não arriscaria isso de jeito algum. Antes dele agir, Danika deu vários passos para a frente, e Nikolai precisou erguer uma mão, abaixar, e com isso levou todas as armas dos soldados ao chão antes que atirassem.
Danika ignorou completamente a situação ao próprio redor ao andar em linha reta até Viktor. Ele tinha as sobrancelhas franzidas em sinal de quase choro, como quem não acreditava em estar vendo a mulher novamente, e mesmo tendo aberto a boca para falar, as palavras simplesmente não saíam. Nem puderam sair, não quando Danika desferiu um soco extremamente forte contra o maxilar de Viktor.
— Dez anos. Foram dez caralhos de anos, Viktor — Danika disse, rispidamente. Não somente sua voz ou sua face, mas todo seu corpo tenso pela raiva e pelos ferimentos. — Não venha me olhar com essa cara de choro, você quem fez isso, traíra.
Ele levou uma mão até o local da pancada, ainda atônito. Não revidaria, não quando concordava plenamente com ela sobre quem foi o culpado. Danika desviou o olhar dele para encarar Cairbre, agora conseguia ver claramente a aura azul ao redor dela, e por isso riu. Riu pelo nariz e de forma seca, irônica, irritada. Cairbre sabia exatamente o motivo, e igualmente não discordaria. Só se preocupava com a parte dela talvez falar mais alto sobre isso, talvez estragasse tudo, e a uraniana já não tinha mais certeza se manter tudo nos conformes seria realmente benéfico, mas não poderia arriscar, não ainda.
Impaciente com todo aquele drama, Nikolai bufou, e fez todos os soldados simplesmente caírem desacordados ao chão.
— Eles vão viver, ressaca não mata ninguém — Nikolai comentou, já com um braço em volta de Eana para ajudá-la a caminhar, com a outra mão segurava o cabo da vassoura, e utilizou o objeto para apontar na direção de Cairbre e Viktor. Ele os mirou com um olho por dois segundos, como se fosse um aviso especial. — Cena interessante, muito interessante, mas a gente precisa ir.
Cairbre o encarou com os olhos estreitos. Percebeu a nacionalidade, as pupilas e os caninos deixavam explícito, mas não o conhecia realmente. Na realidade, temia perguntar o envolvimento dele e acabar descobrindo quem era ele. Suspeitava, mas ter a confirmação mudava tudo.
Nenhum dos dois teria coragem o suficiente para impedir a saída, não daquelas três pessoas, não das duas que mais pareciam um trapo do que gente.
— Não tem câmera aqui, vocês nos desacordaram e saíram — Cairbre concluiu, para o espanto de praticamente todos. Com um movimento da cabeça, indicou para irem.
E nenhum seria trouxa de esperar um segundo a mais para refletir sobre os bons atos dela, sobre toda aquela confusão ou sobre qualquer outra coisa certamente inútil. Nikolai e Eana foram na frente, Danika alguns passos atrás, e o rapaz tentava o máximo de si para curar as duas enquanto caminhavam, mas de forma lenta, assim ninguém teria um susto.
A única dificuldade era a gravidade dos ferimentos e a parte dele ser um lixo na arte da cura, então realmente ia aos poucos. Só de chegarem ao topo da escada seria lucro, mas ao menos estariam mais próximos da saída do que longe.
A esse ponto, sabiam de Psique ter surtado com a falta de comunicação, então permaneceriam assim enquanto não tivessem certeza de estarem bem. Felizmente, Nikolai lembrava o caminho, infelizmente, tinha gente no meio.
Bastou colocarem os pés no topo da escada para darem de cara com um Jonathan devidamente armado, e pelo formato do pequeno canhão de plasma dele, certamente era do tipo feito por Lian. Um tiro daquilo iria doer. Muito.
Eana ergueu o braço novamente, mesmo sentindo o corpo falhar, e conjurou o canhão de braço na direção de Jonathan como um aviso. O tiro dele poderia doer, mas o dela doeria mais. Porém, Jonathan parecia paralisado ao encarar Danika.
A face de raiva da loira permaneceu, principalmente ao encará-lo de volta, e suas mãos voltaram a brilhar forte o suficiente para deixar transparecer sua intenção de afundar a face dele naquele chão de concreto.
— Danika, cadê o Viktor e a Cairbre? — Jonathan perguntou, de forma cautelosa. O brilho alaranjado tomou conta dos olhos dela também, como se derramasse fartamente aquele poder.
— Melhor do que eu gostaria — ela respondeu, já inclinando o corpo na direção dele como se quisesse muito que ele atirasse.
— Não tivemos escolha, você precisa entender isso. E precisa voltar pra lá.
— Eu acho que não. — Ela estreitou os olhos, o brilho alaranjado teve um pico de luminescência extremo, e mesmo com Jonathan demonstrando da arma estar carregada, ela não recuou.
Não tinha medo dele, não tinha medo da arma, sequer ligava para o dano que causaria quando já sentia o corpo dormente por ter encostado no poder arroxeado. Jonathan segurava o tiro o máximo que podia, conseguiam ver isso.
Antes de Danika impulsionar o próprio poder contra Jonathan, Nikolai empurrou Eana contra a loira para impedir o ato. Ambas fracas, não tiveram escolha a não ser desfazer qualquer condensação de poder para se equilibrarem e não caírem.
— Saiam daqui, as duas, eu lido com esse aí — Nikolai ordenou, e pelo tom de sua voz, era capaz de jogá-las na parede de novo se teimassem, e nenhuma conseguiria revidar.
— Não posso deixar isso acontecer — Jonathan avisou, e atirou no chão muito próximo dos pés dos três.
— E eu não posso deixar que prenda essas porcarias aí, sabe como é, meu demônio pessoal não pararia de me encher o saco e ele tá aqui o dia inteiro todo dia. — Nikolai apontou para a própria cabeça ao falar, fazendo uma careta teatral como quem realmente não queria imaginar aquela possibilidade.
"Vão" Nikolai disse, na mente das duas, e no segundo seguinte Jonathan disparou.
Teria atingido os três se não fosse o escuro dourado projetado por Nikolai ao redor delas, e pouco ligava para o espanto de Danika ao ter mais uma voz na própria cabeça, podia ficar surpresa quando saíssem daquele fim de mundo.
Outro tiro, novamente bloqueado. Nikolai manteve o escuro enquanto não via com os próprios olhos das duas mulheres virarem o corredor da direita. Ele sentia que Danika tinha a necessidade de socar Jonathan também, e sua curiosidade com isso era tremenda, mas até mesmo ela sabia que não podia gastar todas as forças assim, ainda não tinham passe livre de saída.
Finalmente voltou sua atenção para Jonathan, e o encarou com os olhos semicerrados. Curioso, muito curioso, queria entender exatamente a razão de nuca arrepiar ao encarar o Tenente, e ter um pequeno vislumbre da razão fez o pique de Nikolai crescer absurdamente. O mundo era mesmo uma grande piada, mas parte de si ficou feliz pela piada em questão. Precisaria muito compartilhar isso com Zyr no final daquela noite.
Jonathan avançou, e Nikolai jogou o corpo para o lado para desviar, utilizando somente o cabo de vassoura para bater atrás dos joelhos de Jonathan com uma força bastante elevada. Humilhante, no mínimo, e uma sequência de tiros foi feita de forma tão rápida que Nikolai ficou verdadeiramente impressionado com a agilidade de Jonathan e do equipamento. Esfolaria Lian por isso mais tarde.
Nikolai resmungou alto ao ser atingido na perna, e dessa vez fez o cabo da vassoura brilhar com as mesmas linhas luminosas de sua usual pistola. Enfiou o cabo em uma das entradas da arma e a girou. Levou um chute, uma pseudo-coronhada, e virou o corpo para jogar Jonathan ao chão.
Os dois caíram, e Jonathan estava perto demais do equipamento. Nikolai poderia ter o ego bem grande, mas sabia reconhecer quando o adversário tinha capacidade o suficiente para dar uma surra, e seu senso de preservação falou mais alto. Segurou com força no cabo da vassoura e a arremessou na direção do rosto de Jonathan. Se o Tenente fosse burro, talvez quebrasse o nariz e perdesse um olho, se fosse esperto, desviaria a atenção por dois segundos, tempo suficiente para Nikolai dar um jeito de desaparecer e alcançar Danika e Eana. Felizmente, foi a segunda opção, Nikolai já tinha conseguido entender o que queria, isso seria o suficiente.
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