07. Vidas voláteis
Caloris, reino de Mercúrio
A música alta preenchia todo aquele ambiente e as paredes de pedra pareciam prestes a virar farelo a cada nota mais potente vinda da caixinha de som, ou a cada impacto do martelo contra um prego teimoso, o que viesse primeiro. Felizmente, a aparência não condizia com a realidade, e dificilmente as pedras daquelas paredes seriam partidas ao meio.
Talvez se fosse usado um maçarico, mas a garota de cabelos extremamente brancos jamais usaria um maçarico em uma pedra, seria idiotice. Ela utilizava óculos de proteção que cobriam mais da metade de seu rosto, e agora segurava uma caneta eletrizada com a ponta de diamante enquanto cutucava uma pedrinha brilhosa em cima de sua mesa de trabalho.
Ao lado da pedrinha brilhosa, um pote de areia com pelo menos três outras pedras menores e aparentemente radioativas. A de cabelos brancos continuou cutucando a pedra brilhosa com a ponta elétrica da caneta, e levantou a outra mão para emanar três pequenos bombardeios de energia nas pedras radioativas. O brilho da primeira pedra foi intensificado, e a radiatividade emanada pelas pedras na areia diminuíram. Medidores de ondas corrosivas rodeavam a mesa de trabalho dela, e cada vez que ela usava o poder, apitavam loucamente, cada vez que a pedra brilhava, diminuíam a frequência dos apitos.
Progresso, mas nem tanto, não adiantava ter certeza alguma de uma teoria se não poderia replicar em larga escala. E imersa nos próprios pensamentos, assim como na música altíssima, não escutou as batidas furiosas na porta daquela sala.
Sentiu algo macio cutucar sua perna, e olhou brevemente para o lado. Sua quimerinha alternava o olhar entre ela e a porta várias vezes, e ela demorou cinco segundos para entender o significado. Ergueu as sobrancelhas em um breve desespero, desligou a caixa de som, e ainda sem tirar os óculos de proteção do rosto, tropeçou nos próprios pés até chegar até a porta da sala.
— Você não vai me escutar, mas obrigada, Otávio — ela disse, fazendo uma breve reverência para a quimera. Mesmo sem conseguir ouvir a dona, entendeu o agradecimento, e balançou a cabeça de toupeira em sinal positivo.
Não podia ouvir, mas conseguia sentir as vibrações, e por algum motivo a vibração de uma caixa de som nas alturas acalmava o animal. E felizmente, ele conseguia ouvir as batidas na porta quando ela mesma não conseguia.
E conseguindo escutar sem o ruído do som, soavam ainda mais furiosas. Ela abriu a porta e colocou um sorriso amarelo no rosto, não bastou para vencer a face irada do líder mercuriano.
— Boa... tarde, Veigor, no que posso te ajudar? — Juno perguntou, de bom humor, ou pelo menos fingindo bom humor na tentativa de não levar um grito vindo dele.
— Você tem merda na cabeça só pode — o homem falou, já adentrando o ambiente.
Os cabelos dele eram tão brancos quanto os dela, mas com o dobro do comprimento. Ele encarou a pedra brilhante e as radioativas em cima da mesa dela, bufou duas vezes, e encarou Juno como quem estava prestes a cometer um crime.
— Em que mundo você pensou que aquilo não daria errado? — Veigor perguntou, apontou para a pedra brilhante e em seguida foi forçado a olhar para baixo ao sentir o toque da quimera pedindo um afago na cabeça. Veigor não iria recusar um pedido tão dócil, mas sua expressão continuou rígida enquanto afagava a cabeça do animal com uma mão e retirava uma tela transparente do bolso da roupa.
— Ficaram quietos esses mês inteiro...
— E agora olha isso. — Veigor entregou à Juno a tela transparente, e ao toque dela, imediatamente acendeu.
Inicialmente, ela franziu a testa sem entender, e não precisou de muito tempo para processar as informações daquela notícia. "Netuno finalmente apreendido em um restaurante local do reino de Júpiter" soava tão simples quanto pegar um ladrão de esquina, mas a realidade é que soava completamente absurdo para Juno.
— Tá zoando, né? — Juno perguntou, seriamente.
— Não.
— Mais de sessenta anos que tão atrás de Netuno, e simplesmente prendem ela num... — Juno fez uma careta, e olhou de novo para a notícia, rolando a rela para baixo para ter certeza. — Comprando lanche?! Se queria fazer uma pegadinha, essa foi de muito mal gosto.
— Juno, não é pegadinha — ele interviu, e ela custou a acreditar. Juno ergueu as sobrancelhas novamente, incrédula, irônica, e Veigor não poderia tirar a razão dela. — E eu concordo plenamente com você, todos esses anos com a garota na proteção do Nephele, e agora isso?
— Se concorda que é absurdo, então não tem como ter acontecido.
— Mas aconteceu, e foi fácil demais pelo visto.
Ela iria concordar novamente, dizer que era outra insanidade, até perceber aonde ele queria chegar. Fácil demais para quem só seria presa se quisesse ser presa. Juno levantou um dedo para falar, mas logo o abaixou e fechou a boca, coçou a lateral do rosto e fez outra careta.
— O que ela vai fazer? — Juno perguntou, por fim.
Veigor esboçou um sorriso amargo, desgostoso, definitivamente puto e inconformado com aquele desenrolar. Ele não teria como saber com certeza, mas poderia supor.
Sentou na cadeira antes utilizada por ela, e imediatamente a quimera deitou aos pés dele. Juno permaneceu de pé, ainda com a tela brilhante em mãos, e franziu novamente a testa como quem tentava muito entender a situação como um todo, e não como algo isolado.
— O que eu sei é que pessoas isoladas têm problemas isolados, pessoas juntas possuem problemas coletivos e é exatamente isso que vai acontecer se mais alguém decidir se intrometer.
— E...?
— E que eu duvido que ela esteja sozinha. Parece ser muito fácil que qualquer reencarnação seja problemática o suficiente para explodir alguma coisa e...
— Vou levar isso como uma ofensa — Juno o interrompeu.
— Você é Mercúrio, se não explodisse alguma coisa é que eu ficaria preocupado — ele continuou, igualmente franzindo o rosto. — O ponto é que todos parecem ter alguma peculiaridade ruim, e basta um começar a festinha, todos são atraídos diretamente até isso.
E no momento em que fossem atraídos o suficiente para entrarem em colisão, algo ruim aconteceria. Vidas isoladas voláteis demais para conviver próximas, isso Juno já sabia, e exatamente por isso não tinha tentado se aproximar de alguma outra reencarnação.
— Você começou isso quando roubou a porcaria da pedra, então...
— Cristal — ela o interrompeu, novamente.
— Mesma coisa, quer parar? — ele perguntou, teatralmente irritado, e isso tirou um risinho vindo da garota. — Você começou, então pode ir pensando em um jeito de arrumar a bagunça que vão fazer.
— Eles nem fizeram nada, quer dizer, a doida foi presa, mas fora isso o resto deve tá de boa, né?
Pela expressão de Veigor, a resposta seria negativa. Porém ele queria muito expressar o completo caos, desordem e desespero internalizados. Infelizmente, outros deuses eram necessários para atingir os objetivos do reino de Mercúrio, e não poderia fazer isso se aquelas pessoas estivessem mortas. Veigor já estava vivo quando o Sol, a Lua e a Mercúrio anteriores tentaram ajudar aquele reino, e assistiu os três falharem, não por falta de tentativa, mas por excesso de intromissão das pessoas que agora levaram Netuno em cárcere.
— Entendi, não tão de boa, será que não dá pra esse povo ser normal ao menos uma vez? — Juno perguntou, genuinamente indignada. Ela colocou as mãos na cintura, retorceu os lábios, e então encarou a pedra brilhante agora atrás de Veigor. — Se eu oferecer ajuda, posso pedir pra me ajudarem com isso.
— Teve progresso com isso?
— Sim e não. O tipo de poder do cristal absorve a maldição e essas coisas, mas é pequeno demais, ia precisar de um cristal muito maior ou de um poder muito maior pra conseguir tirar tudo, e teria que ir pra algum lugar depois.
— Explique. — Veigor estreitou os olhos ao falar, curioso e interessado nas teorias vindas de Juno.
Ela balançou a mão para o enxotar da cadeira, sentou, ligou os aparelhos novamente e começou a demonstrar o que veio tentando fazer o dia inteiro. Ela não tinha certeza certeza do que fazia, mas tinha convicção, e isso deveria bastar. Um mês em posse do cristal adormecido do que um dia foi a Terra de Ninguém foi muito empolgante, mas também bastante frustrante visto que o cristal parecia ter vida própria e funcionava quando queria. Os impulsos elétricos eram exatamente para fazer funcionar mais rápido, e ainda assim, nem sempre conseguia fazê-lo brilhar.
A mão de Juno brilhou em amarelo reluzente, as pedras radioativas tremeluziram, e o cristal brilhante foi ativado, atraindo toda a energia envolta das pedras, anulando completamente os poderes de Juno. Não pareceu ser tão inovador para Veigor, felizmente ela tinha ensaiado uma apresentação para poder explicar a ideia, pena que mal lembrava das palavras ensaiadas.
— Depois que essa porcaria absorve a radioatividade, dissipa tudo no ar. O que a gente precisa é de alguma coisa grande que sugue a maldição do nosso solo e leve pra outro canto. Será que tem algum deus que faz isso? Com a visão do Sol e da Lua dava pra achar alguém assim e fazer acordar na base porrada.
— Isso se eles quiserem participar disso de novo — Veigor a lembrou, e Juno fez uma careta.
— Eu sei, eu sei, morreram tentando ajudar a gente, ninguém vai julgar se quiserem mandar a gente ir tomar no cu, mas vai que na próxima vida um deles nasce aqui? Aí vão ter que ligar.
Ela comprimiu os lábios em uma linha reta, esperando pelo aval dele. Sabia plenamente de ser uma ideia suicida, ou pior, de ser sua passagem só de ida para a cadeia, que nem aconteceu com outros três até aquele momento. Juno seria uma péssima presidiária, sabia disso, como iria viver sem sua quimerinha e tomando um banho por semana? Definitivamente não tinha nem foto apropriada, e não queria acabar como Eana que teve uma foto péssima publicada.
— Talvez — Veigor começou, e ela não entendeu a que parte ele se referia. Juno precisou se segurar para não o apressar, tinha certeza do homem tirar a chinela e jogar nas pernas dela. — Talvez tenha um deus menor que faz o que você precisa. Se conseguir convencer eles a achar esse deus, acho que pode dar certo.
[...]
Marduk, reino de Júpiter
— Podemos nos sentar com você?
A pergunta vinda de Jorani trouxe um arrepio forte e interno em Eana, e ela sabia não se tratar exatamente da pergunta, só não sabia o real motivo dentre os vários possíveis. Voltar àquele reino depois de tanto tempo realmente não tinha sido uma boa ideia, e ela começava a repensar de teria sido melhor simplesmente papocar toda a fronteira entre os reinos de Marte e Júpiter ao invés de voltar até aquele lugar, até aquela rua. Mesmo com o coração batendo mais forte, a netuniana colocou um sorriso no rosto e assentiu, como se estivesse empolgada com a presença daqueles dois ali.
Eana ergueu as sobrancelhas por um momento ao notar o olhar espantado de Viktor em seu pescoço, provavelmente para o colar, e se perguntou por um minuto se deveria questionar ele sobre isso. Desistiu da ideia no segundo seguinte, gostaria de terminar seu lanche em paz, depois pensaria em assuntos mais complicados. Abriu a boca e deu uma grande mordida no sanduíche.
— Você entende o quão delicada é sua situação aqui, não entende? — Jorani perguntou, e recebeu um olhar curioso vindo da ruiva, esta ainda mastigando.
Talvez entendesse, quer dizer, era procurada por aquelas pessoas há anos e teve a coragem de aparecer publicamente no reino como quem não queria nada, deveria ser no mínimo surreal, principalmente se levasse em conta a parte de ser da família da atual rainha. Eana era metade jupiteriana, não devia ser tão surreal querer visitar seu meio reino de origem.
— Talvez a senhorita queira nos acompanhar... — Viktor falou, calmamente, e passou os olhos ao redor sem mover a cabeça, não para checar o entorno, mas para se impedir de encarar demais a mulher à sua frente.
E igualmente à netuniana, Viktor sentia o coração disparar. Sempre quis a oportunidade de conversar decentemente com alguma daquelas pessoas, infelizmente com os dois já presos nunca deu certo, e sentia a perna arder em resposta à conversa que teve com Saturno. Não soava coerente conseguir conversar com outra reencarnação no meio da praça de alimentação de um restaurante popular.
— Qual o nome de vocês? — Eana perguntou, ela lembrava de ter visto a face dos dois no celular de Nikolai, o rapaz mantinha uma lista de todos do grupo de controle e provavelmente ele sabia o nome de ambos, mas ela mesma nunca tinha se dado o trabalho de aprender.
Jorani bufou, cansada, e olhou para Viktor como quem não acreditava naquela pergunta, ou simplesmente não acreditava na aparente calma. A falta de noção das intenções vindas da ruiva fritava os neurônios de Jorani, que assim como Viktor, custou a acreditar em toda aquela situação.
— Sou o Major Bellerose, essa é a doutora Hong, seria de bom tom que viesse conosco antes que...
— Que eu decida que vocês são chatos e exploda esse lugar? — Eana o interrompeu, praticamente atropelando as próprias palavras à medida que sentia o coração quase saindo pela boca. Ergueu as sobrancelhas por um segundo, dando de ombros em seguida. — Ainda não terminei meu sanduíche.
— Não nos obrigue a tomar medidas mais radicais — Jorani avisou, seriamente, e embora Eana considerasse aquela mulher assustadora, engoliu o temor juntamente com o penúltimo pedaço do sanduíche.
Não foi difícil perceber que ambos carregavam um par de algemas, talvez estivessem competindo pra ver quem conseguiria colocar aquelas coisas em seus pulsos primeiro. Ou talvez não, esse tipo de competição com certeza seria mais fácil de acontecer entre ela e Nikolai.
Eana percebeu o olhar de Viktor novamente fixado em seu pescoço, e repassou o nome dele mentalmente, apenas para um clique de memória estalar em sua cabeça como se liberasse uma informação e a encaixasse com outra. Eana sentiu as mãos tremerem, e dessa vez o encarou de volta com um traço de preocupação no olhar.
— Major Bellerose... — ela disse, e chamou a atenção dele no mesmo instante ao citar o nome. Pronunciou o sobrenome dele de forma arrastada, e Viktor estreitou os olhos ao ouvir. — Suponho que tenha parentesco com Marie Bellerose, certo?
Ambas as mulheres podiam jurar do sangue ter abandonado completamente o rosto de Viktor, novamente Eana sentiu um arrepio violento passar pelo corpo enquanto aparentemente Viktor sentia o mesmo.
— Como sabe esse nome? — Viktor perguntou, baixo.
— Eu sei o nome de todos os que... que se foram naquele dia por minha culpa — Eana explicou, engolindo em seco em seguida. Sua voz agora séria contrastou violentamente com o tom animado anterior, e mesmo que ela quisesse, não conseguia desviar o olhar dos olhos de Viktor, como se o analisasse, como se tivesse receio de qualquer ato vindo dele. — Noah, Henrik, Carsten, Helena e Marie... Por que você está nesse trabalho, Major?
Ela inclinou o rosto levemente para o lado, comprimindo os lábios. Viktor tensionou o maxilar, e Jorani bufou novamente ao lado deles. Ele não era obrigado a responder, o olhar de Jorani o lembrava disso, mas ela não falaria em voz alta, não com tanta gente se juntando ao redor deles.
Aquela palhaçada tinha ido longe demais, em um piscar de olhos a ruiva sentiu o metal gelado ao redor do punho direito. O arrepio voltou com força, e a dor em seu braço direito se fez presente com intensidade o suficiente para Eana encarar Jorani de maneira hostil.
— Você vai com a gente, querendo ou não. — E não era um pedido, o tom autoritário de Jorani deixou isso bastante claro.
— Você não me deixou terminar de comer.
A dor no braço algemado aumentou, e Eana encarou aquela algema como se não acreditasse na parte onde poderia sentir um incômodo tão forte. O braço pesava, mas felizmente ela ainda sentia o poder arroxeado pulsar dentro de si, deveria ser um bom sinal.
Percebeu das pessoas ao redor começarem a levantar, incluindo as três figuras com quem tinha falado mais cedo, e seu olhar recaiu principalmente sobre a figura de cabelos verdes que aparentemente queria fingir que nada tinha a ver com aquela situação. Com a mão ainda livre, Eana segurou na lateral da jaqueta para ter certeza de seus brinquedinhos e dos posteres assinados ainda estarem ali e sem chance de cair.
"Essa merda nova dói", ela avisou, mentalmente, e sentiu a cabeça também pesar. "Psique, vai embora"
"Tem certeza?"
"Só fica longe, vão tirar muita foto por aqui e se o Nephele ver você em qualquer lugar, ele vai se meter e matar a gente antes desses cretinos"
A esse ponto, o coração de Eana batia tão forte a ponto de seus ouvidos zumbirem. Tinha que respirar, tinha que se acalmar antes de continuar aquela amigável conversa, mas seu braço dolorido em nada ajudava. As memórias de décadas antes voltavam com força à cabeça dela, como se tivessem acontecido há minutos, e um nó se formou em sua garganta. Ela estava determinada a ignorar tudo isso.
— Que porra você pensa que tá fazendo?! — Ouviram o quase grito se aproximar por entre as inúmeras pessoas, e olhar para a fonte daquela voz foi inevitável para os três.
Vendo tão de perto, Jorani e Viktor precisaram piscar algumas vezes ao encarar uma Cairbre quase furiosa se aproximar. Se não fosse os olhos e os dentes, e talvez o corte de cabelo, ela seria a imagem cuspida de Eana, ou Eana a imagem cuspida de Cairbre.
"Imagina se eles conseguissem ver o brilho de vocês, isso é tão lindo" Eana escutou a voz de Nikolai e quis muito revirar os olhos, claro que a prioridade dele seria observar as cores das duas, seria muita ilusão imaginar algo diferente.
— Opa, oi! — Eana colocou um sorriso animado nos lábios, deixando os caninos à mostra, e Cairbre fechou ainda mais a expressão no próprio rosto.
— Ficou maluca? O que você quer aqui? Eu não sei nem o que te perguntar, porque você não é burra o suficiente pra vir aqui só passear. — Cairbre tentava manter o tom de voz baixo, mesmo com vontade de gritar. A rispidez em suas palavras se fez ainda mais presente ao puxar o outro braço de Eana para aproximar da algema.
Antes de Cairbre conseguir colocar a segunda algema, Eana puxou o braço e soltou faíscas arroxeadas pela mão para testar se ainda conseguia utilizar o poder, mas para quem assistia, soou como uma clara ameaça a ponto de Jorani apontar outro dispositivo na direção dela.
"Foi mal, não tenho fetiche em algema", Eana falou, somente para Cairbre escutar.
"Você é ridícula", Cairbre respondeu.
— Não vamos fazer um espetáculo aqui, por favor — Viktor pediu, mantendo a voz baixa para apenas as três escutarem. — Senhorita Valerian, colabore.
— Ah, eu acho que quero sim. — Eana balançou a cabeça positivamente, e sentiu um aperto em seu braço vindo de Cairbre.
"Olha pro lado, a prima gata do Zyr chegou com mais dois" Nikolai informou, e Eana precisou mover apenas os olhos para reconhecer a movimentação mais agressiva de três figuras com roupas semelhantes e igualmente feias.
Incrível como aquele uniforme ficava ridículo em qualquer um, e com outro movimento Eana levantou a mão livre em direção dos três, apontou dois dedos, e em questão de segundos a energia arroxeada brilhante circulou sua mão e assumiu a forma de uma arma completamente desconhecida por eles em torno da pele da mulher.
Um segundo de tensão foi o suficiente para saberem o que aquela energia acumulada faria, e Cairbre movimentou o rosto levemente para o lado, pedindo silenciosamente para Eana não prosseguir. Ou melhor, para ela não ter a ousadia de tentar. Eana disparou.
O acúmulo de energia arroxeada atingiu Jonathan primeiro, que caiu para trás com o impacto repentino e inesperado. Jorani tentou avançar contra Eana, e mais um disparo foi feito em direção de Jab, este sendo atingido no pé direito e também caindo como se tivesse levado um chute no tornozelo.
A algema pareceu ainda mais pesada em seu braço direito, isso fez Eana querer rosnar de indignação. Ela chutou uma cadeira na direção de Viktor antes dele conseguir tirar a outra algema presa em seu cinto, e teve o braço puxado por Jorani na tentativa de fazerem-na se abaixar. Cerrou o punho livre, reuniu energia roxa o suficiente para parecer uma manopla pequena e impulsionou o poder contra Jorani. Mesmo com o impacto, Jorani virou o corpo com força o suficiente para jogar Eana contra a mesa, e acabou por receber um chute na lateral do corpo.
O som de tiros foi ouvido, praticamente todos precisaram se abaixar. Cairbre colocou força para segurar Eana contra a mesa e acabou recebendo outro chute, muito mais fraco em comparação com o recebido por Jorani, como se a netuniana a desafiasse a mostrar os poderes.
Eana grunhiu de dor, como se seu braço estivesse prestes a cair, e foi um curto período de atraso que contribuiu para Maya avançar. Soava irritante o fato de praticamente todos quererem segurar pela algema como se aquilo fosse adiantar de muita coisa. Doía, incomodava pra caralho, mas ainda permitia algum movimento enquanto o segundo braço estivesse livre.
Maya segurou pelo lado não usado da algema, puxou o braço de Eana e a girou, a netuniana aproveitou o giro do corpo e chutou a plutoniana nos joelhos. Os dois segundos em que se encararam foi o suficiente para Eana notar a espada ainda guardada no cinto de Maya, e inclinou o rosto para o lado de forma curiosa.
"Toma cuidado", ela ouviu a voz de Psique. "Essas coisas que eles tão usando brilham diferente"
Por um momento, Eana sentiu o poder falhar, e se perguntou que diabos de brilho era aquele. Ela não conseguia ver, não tão de perto, mas não tinha muito tempo para questionar Psique sobre isso. Sentiu um chute vindo pelas costas, sentiu-se ofendida ao ver Cairbre atrás de si.
"Para de palhaçada", Cairbre pediu.
E recebeu apenas um movimento dos ombros vindo da prima. Eana precisou desviar de uma investida vinda de Jab, e sentiu um dos pés paralisar.
— Merda — ela resmungou, e ao olhar para baixo, dois círculos energizados pareciam grudar no poder dela como um ímã potente.
Sentiu-se aleijada, e a dor em suas costas aumentou. Não soube se foi irradiação do braço ou por alguma pancada, talvez fosse da pancada vinda de Jorani, e só então apontou dois dedos novamente para afastar Jab antes de levar uma coronhada na cabeça. Dessa vez o tiro o atingiu mais forte e bem no centro do peito, impulsionando o venusiano para trás. Pelo menos dessa vez daria um bom motivo para quererem sua cabeça, um motivo justo.
Impulsionou a cabeça para trás, batendo o topo do crânio contra a testa de Jorani e precisou piscar algumas vezes para aliviar a tontura. Tinha o pé preso e o braço quase morto, não deveria ser difícil para eles conseguirem segurar alguém, mas sabia muito bem que não podiam fazer isso em público, não da forma como o olhar deles mostrava que gostariam.
Foi mais difícil de desviar do golpe dado por Maya, e embora Eana sentisse o sangue gelar com toda a situação, não podia dizer que não era divertida. Alternou entre disparar com os dedos e desviar da lâmina de Maya, até sentir o metal gelado encostar em sua garganta.
— Parece que as pessoas da sua família gostam muito de vir atrás de Netuno, não é, Maya? — Eana perguntou, quase de bom humor, mas tomando cuidado o suficiente para não mover demais o pescoço para a frente. Com um movimento dos olhos para o lado, conseguiu encarar Maya diretamente.
— Cale a boca, aberração — Maya disse, rígida e seca. Aquilo soava como uma grande ofensa, e como um belo cutucão diretamente na ferida.
A netuniana ergueu uma sobrancelha sugestivamente, e pode notar de mais duas armas estarem apontadas diretamente para sua cabeça, uma vinda do venusiano e outra de Jorani. Conseguia ver outro de uniforme feio tentando afastar as pessoas daquela área como se estabelecesse um perímetro seguro, Cairbre parecia fazer o mesmo com aqueles mais próximos, e ainda assim, faltava um.
— Ou o que? Vai me calar de vez com essa espadinha fofa?
— Chega.
Ao ouvir a voz de Viktor atrás de si, Eana sentiu o metal gelado das algemas em seu outro braço, e a dor se espalhou por todos os seus membros superiores a ponto de não conseguir sentir o pulso de poder. Jab e Jorani ainda apontavam as armas, Maya segurou a espada por mais alguns segundos, e foi Viktor quem se manteve firme ao segurar as algemas dela.
Ao olhar para baixo, ele sentia os dedos trêmulos ao ver aquele poder roxo novamente, ou pelo menos essa parecia ser a razão mais óbvia. Porém, as mãos dela também tremiam, mesmo que a mulher mantivesse a face plena, e no momento ele não pode pensar sobre isso por muito tempo.
Viktor ergueu o olhar para os outros como se dissesse para abaixarem as armas, e entenderia se não quisessem, a marca de fuligem na roupa de metade deles seria motivo o suficiente.
— Acabamos aqui — Viktor informou, e movimentou a cabeça como informativo de que ele quem levaria ela em custódia.
[...]
Precisar se esconder enquanto assistia a irmã levar uma surra de seis parecia covardia, mas era a escolha óbvia. Aquilo seria filmado, e logo todos os reinos receberiam a notícia, com sorte seu pai veria aquilo e tentaria não intervir. Mas ele interviria se visse qualquer resquício de Psique ali.
Ela manteve os óculos escuros no rosto, assim como a boca fechada para ninguém notar seus dentes, e seguiu por entre as pessoas até o ponto de encontro com Nikolai e Zyr tomando cuidado para não esbarrar em ninguém ou chamar atenção demais.
Vira aquelas armas brilharem, e soavam muito diferentes das mais antigas. Como alguém também capaz de enxergar aquele brilho maldito, as armas tinham coloração muito semelhante à coloração de um protegido do Sol ou da Lua, e isso tornava a situação muito pior. Protegidos eram invulneráveis.
Achou quem queria três ruas adiante, quase em frente à entrada do Museu dos Caídos.
— É pior do que acharam — Psique avisou, ao dobrarem a esquina.
— Pior quanto? — Zyr perguntou.
— Pior do tipo que tão usando alguma coisa muito igual pra conseguir conter o poder dela. Tinha o brilho de um protegido.
Nikolai esfregou o rosto com as duas mãos, nitidamente indignado, e Zyr coçou a cabeça como quem parecia ter cogitado a possibilidade e se odiava por ter cogitado certo. Zyr olhou para Nikolai com uma expressão de "eu te avisei" e o sorriso azedo vindo dele foi resposta o suficiente.
— Primeiro que é um absurdo alguém conseguir fazer isso e não trabalhar pra mim, segundo — Nikolai simbolizou os números com os dedos enquanto falava —, nosso trabalho aqui vai ser achar esse infeliz e destruir tudo antes de produzirem mais. A gente deixa a Psique no ponto de encontro com o Eike e voltamos antes de fecharem as saídas da cidade.
— Eu posso ir sozinha.
— A gente sabe — Zyr interviu, com um tom mais calmo que o de Nikolai. — Mas também é perigoso pra gente ficar por aqui, vão revistar tudo e todo mundo.
A movimentação na rua já indicava isso, as pessoas se moviam com mais pressa e alguns soldados já começavam a vistoria daqueles a circularem pelas vias principais. Pelo lado bom, era exatamente o resultado esperado por eles. Pelo lado ruim, uma reação já esperada que sempre seria péssima para conseguirem sair sem ser percebidos. Contavam com isso, mas não deixava de ser um grande enchimento de saco e estresse depender dos poderes do Sol e da Lua para manter longe a atenção de gente curiosa.
— Eu não consegui falar com ela desde que botaram a porcaria da algema — Psique comentou, e mesmo com os outros dois de óculos escuros, conseguiu ver o espanto e a indignação no olhar deles. Realmente uma notícia ótima, perfeita para o momento, nota zero.
[...]
"Tenho novidade"
"Foda-se?"
"Devia me tratar com mais carinho"
"Se vai falar de qualquer jeito, poupa meu tempo e desembucha"
"A galera tá agitada aqui em cima, acho que vai chegar gente nova"
"Grande coisa"
"Mais um coleguinha, quem será que é?"
"Não sendo um pé no meu saco que nem você, eu tô muito feliz"
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