02. Sensor descalibrado
Marduk, reino de Júpiter
Geralmente quando o General falava "cedo", eles poderiam chutar pelo menos nove da manhã, porém as coisas deveriam estar pesando demais na cabeça do homem para ele estar presente na base do Controle às sete horas. Para os três que deveriam encontrá-lo, foi uma surpresa inusitada, mas bastante bem-vinda devido à gravidade da situação.
O edifício do Controle em nada se destacava de outras construções da cidade de Marduk, mas seu interior dava um ar militar e ao mesmo tempo tecnológico, alternando entre o rústico e o moderno dependendo do cômodo em que entrassem. A sala do General Axel puxava para o estilo rústico, talvez ele gostasse muito dos chalés de campo, ou só tivesse um gosto duvidoso para a decoração do próprio ambiente de trabalho.
O tenente Kenneth foi o último a chegar, com exatos cinco minutos de diferença em comparação com os oficiais Amin e Shanti. O General se fez presente cinco minutos depois do tenente, e parecia ocupado em uma ligação. Era da esposa, e só restou para os três presentes esperarem o homem desligar o telefone.
Maya se mantinha sentada no sofá do cômodo com os braços cruzados enquanto esperava, e Jab sentou do outro lado do sofá, com a postura impecável como sempre. Jonathan se manteve de pé, recostado em uma estante atrás do sofá e vez ou outra cutucava algum dos livros enquanto observava os títulos. Toda aquela sala era bastante espaçosa, principalmente para caber um ambiente de vivência com dois sofás e uma mesa de centro, quanto para caber uma mesa com três cadeiras onde o General empilhava pastas e mais pastas de arquivos. Além de claro, deixar sempre um retrato da família e um copo cheio de canetas a serem usadas, típico de um escritório comum.
— Vamos ao que interessa, Plutão — o General disse, enfim, guardando o celular no bolso e ignorando toda e qualquer cordialidade.
O olhar dos três à frente dele rapidamente assumiu um tom mais interessado, prontos para ouvir as próximas ordens, e o General procurou em cima da mesa uma pasta em específico. Claro que mantinham registros sobre todos aqueles encarcerados, mas alguns eram mais especiais, e ele fazia questão de ter uma cópia para si, como o de Plutão.
A primeira a suspirar foi Maya, mesmo que involuntariamente, e ela preferiu manter uma expressão neutra enquanto esperava o resto da informação.
— Vão só os três, preciso dos outros aqui para a reabertura. Tenente, queira, por favor, esclarecer ao oficial Amin os detalhes sobre a prisão.
— Você já tinha entrado? Ou não? Não lembro — Jonathan perguntou, estreitando os olhos brevemente enquanto desencostava o corpo do armário.
— Um ano e meio.
— Legal. Plutão foi quase tranquilo, mas se bem que em comparação com Júpiter, qualquer um seria tranquilo. — Jonathan deu de ombros ao falar, e caminhou até a mesa do General para pegar o registro daquele caso em específico. Bastou virar o corpo para jogar a pasta no colo de Jab. — Fala bem, puxa conversa com a gente na boa, mas nunca diz o que a gente quer saber então suponho que tem experiência com interrogatório. E como vai ver aí dentro, a criatura não tem nem família, fica meio difícil até de fazer chantagem.
— Li sobre o caso só por cima, nunca com tanto detalhe — Jab admitiu, passando as folhas vagarosamente para tentar decorar cada vírgula impressa. — Como acharam ele?
— Aparentemente é um deus com muita força de vontade pra fazer bosta. — Jonathan coçou um dos olhos ao falar, e seu tom de voz soava como se estivesse falando sobre uma criança mais atentada na creche.
— Por isso uma barganha seria o melhor, pelo menos de início, mesmo que não tenha aceitado alguma até agora. Me dói dizer isso, mas dependendo do preço, ele pode nos trazer o resto — Maya comentou, inclinando o corpo para a frente e apoiando os cotovelos nos joelhos. A plutoniana considerava toda a situação um insulto para ela e para o reino, mas tentava manter o lado pessoal bem longe daquele trabalho.
— Qual sua ideia? — Jonathan perguntou, balançando a cabeça para cima ao olhar para Maya.
— Outros vão procurar por ele, tenho certeza. Se não por amizade, por ódio, ou alguma aliança maluca pra tentar peitar a Lei de Controle, é o único ainda vivo que tem a identidade divulgada, além da Branwen, e bom, eu não gostaria de ter meu reino queimado novamente — ela explicou, movimentando apenas uma mão sutilmente. Maya franziu os lábios antes de continuar. — Querendo ou não, é forte, mas quando ele usa os poderes acaba ferrando com todos os reinos ao mesmo tempo, então se usasse isso pra entregar os outros, seria perfeito.
Ela passou o olhar por cada um dos três. Jonathan parecia interessado na proposta, Jab receoso, e o General simplesmente desconfiado. Não era novidade alguma proporem algum tipo de acordo, mas da última vez que ofereceram um acordo para Plutão, perderam dois soldados e tiveram que reforçar a cela de contenção.
Demoraram alguns segundos até alguém se pronunciar, como se ponderassem a ideia, ou talvez tivessem ideias alternativas para a ideia. Maya não conseguia definir bem alguma reação para nenhum deles.
— E se ele não aceitar a barganha por mais alta que seja? — Jonathan perguntou, curioso, e pelo seu tom de voz, Maya entendeu dele estar mais interessado nas alternativas vindas dela como vários planos secundários caso o principal falhasse.
— Teríamos que aumentar o preço e fingir estar à mercê da boa vontade de gente perigosa.
— Ou usar a força — Jab opinou, atraindo a atenção de todos para si. — Mostrar o vídeo a ele e pedir que ele resolva nosso dilema.
— Ou fingir que desistimos, colocar um rastreador em Plutão e facilitar sua saída caso algum colega decida buscar o maldito — Jonathan concluiu, sorrindo sem separar os lábios. — Ganhamos pelo menos mais uma prisão e isso vai ser ótimo pro meu currículo.
— Soa bom pra mim — Jab finalizou, e Maya concordou com um aceno positivo. Quem sabe até mesmo uma mistura das três ideias fosse melhor, mesmo com Jab desgostando da parte onde pegariam mais leve de propósito com aquela gente.
— Saímos hoje? — Maya perguntou, dessa vez alternando o olhar entre o Tenente e o General.
Os outros dois homens também tinham a mesma pergunta, e direcionaram o olhar para o General. Este não respondeu de imediato, e abriu outra pasta para procurar por três cartões magnéticos de coloração azul escuro.
Entregou um cartão para cada, e mesmo se olhassem dos dois lados da superfície fina e lisa, não existiam indicações ou até mesmo relevos.
— Suas entradas para o presídio e para a ala de contenção, cada um está registrado com a identificação de vocês para não correr risco de extravio, façam o favor de não perder. Vão sair na quinta, entrem lá na sexta na hora do evento de abertura, quero os olhos da mídia aqui, não em vocês — o General informou, apontando o dedo indicador para o chão para dar ênfase em sua fala. Pelo olhar estampado na face do homem, não admitiria quaisquer erros naquele plano. — Nosso olheiro já está de sobreaviso, procurem pelo senhor Sanchez.
Os três assentiram, Maya e Jab mais firmemente, Jonathan moveu a cabeça mais devagar. Ouvir e aceitar as ordens sempre soava muito fácil, realmente executar que fazia parte da metade mais complicada, e ainda assim, soava tranquilo para os três, nada que já não tivessem feito antes.
[...]
— Não se preocupem com o movimento, ninguém realmente vai prestar atenção nos dois enquanto não receberem ordens pra isso, quer dizer, a maioria — Jorani explicou, caminhando na frente enquanto guiava dois conterrâneos pelos corredores da base do Grupo de Controle. Ela não precisava indicar para os dois a seguirem, isso deveria ser óbvio, e felizmente o faziam de prontidão e com rapidez.
Um deles puxava um carrinho coberto e fechado, o outro andava com as mãos nos bolsos enquanto observava o lugar, e logo atrás de ambos, um imenso leopardo das neves os seguia. Ou melhor, seguia um deles, seu dono, e Jorani fazia questão de deixar o animal entrar por saber ser o animal de conforto de um de seus protegidos. Era fofo, isso também pesava bastante no senso de permissões dela.
Viraram dois corredores antes de chegarem à portas menos sóbrias que o resto do edifício, e ambos os visitantes entenderam dali ser o local propício para novidades e experimentação. O teto alto, as claraboias com vitrais desenhados, o amplo espaço já preparado para aguentar até mesmo pequenas explosões e vários suportes para equipamentos, talvez ali também fosse um dos locais de treinamento daquele grupo militar em específico.
Jorani indicou com o indicador o caminho a ser seguido dentro daquele cômodo imenso, então os dois rapazes seguiram pelo lado direito. Ambos precisaram apressar levemente o passo para acompanhar o ritmo de Jorani, e a mulher parou próxima de uma mesa já ocupada por duas figuras do mesmo grupo. Olhando de longe, os dois visitantes identificaram uma ruiva e um moreno tendo uma conversa provavelmente não profissional, onde ela apertava o rosto do homem com as duas mãos como se fosse uma criança.
Os dois indivíduos se afastaram com a aproximação de Jorani, e apesar dela pretender apresentar seus protegidos, a atenção de Cairbre e Viktor foi diretamente para o leopardo sentado educadamente logo ao lado do dono.
— Eu quero um... — Cairbre disse, quase dramaticamente, pousando uma mão no próprio peito como se estivesse emocionada.
— Poupe a espécie de receber um nome ridículo que nem os que deu para os seus golfinhos — Viktor comentou, com um sorriso sutil no rosto, acenando brevemente para os dois recém chegados.
— Ridículo é você.
— Ridículos são os dois — Jorani concluiu, sorrindo sem separar os lábios enquanto alternava o olhar entre os colegas de equipe. Ela esperava dos dois terem a boa vontade de prestar atenção no assunto mais importante, e para sua alegria, funcionou. — Esses são Jayden Chergoba e Bailian Azra, os pesquisadores de meu reino que se interessaram em ajudar nos nossos equipamentos.
— Prazer — Viktor e Cairbre disseram ao mesmo tempo, acenando educadamente com a cabeça.
— E vocês dois, esses são o major Viktor Bellerose e a oficial Cairbre Branwen. — Jorani virou o rosto para olhar diretamente para os dois rapazes, e foi a vez deles acenarem de volta também em nome da educação. — Bom, podemos começar, tragam o que fizeram.
O primeiro a tomar a frente foi Jayden, abrindo o carrinho e já espalhando vários objetos sobre a mesa, e instantaneamente Cairbre conseguiu sentir a energia mágica liberada por aqueles equipamentos. Não chegava a ser incômodo, e ela tampouco sabia se isso era bom ou ruim, mas reconhecia o avanço feito por aquela dupla.
Jayden também foi o primeiro a começar a explicar a funcionalidade de cada objeto. Em sua grande maioria, eram apenas melhorias. Algemas de contenção mais fortes, material para forramento de celas, equipamentos de disparos rápidos. Em sua grande maioria, feitas de obsidiana e moldados a partir da própria energia do núcleo de Saturno, como quase todo sistema vivo daquele reino.
O conceito era simples, usar da energia do núcleo vivo para criar armas vivas, contenções vivas, e assim semelhante atrairia semelhante apenas para posteriormente repelir, e dessa forma, ser mais seguro o aprisionamento de pessoas potencialmente perigosas. Não precisavam lembrar do que houve com a reencarnação de Saturno e o número de feridos, não precisavam lembrar dos óbitos causados por Júpiter, ou até mesmo a tentativa de homicídio de Plutão, queriam evitar exatamente esses perigos, e o rapaz saturniano relembrou até mesmo o ocorrido com Netuno na capital jupiteriana décadas antes como base para os estudos das potencialidades daquela tecnologia.
Sem sombra de dúvidas, quase cem por cento daquela tecnologia seria aceita e aqueles dois venceriam a licitação de fornecimento. Enquanto Jayden falava, Cairbre e Viktor de mantinham quietos, lado a lado, apenas escutando e compreendendo a dimensão alcançada.
— E por último, temos nossa principal invenção, me disseram que poderíamos testar aqui já que não temos uma reencarnação em nosso reino para saber se realmente funciona — Jayden disse, segurando um objeto pequeno, em formato oval achatado, com pelo menos cinco botões de luz na parte de cima. — Doutora Hong?
— Como sabem, Cairbre é um deles e trabalha conosco, podem tentar com ela — Jorani disse.
— Tentar o que? — Cairbre perguntou, franzindo a testa enquanto olhava para o objeto oval nas mãos de Jayden.
— É apenas um sensor, senhorita — o segundo rapaz disse, calmamente, como se tivesse receio de falar naquele recinto. Bailian, se bem lembravam. Ele levantou uma mão para ter a chance de falar, e Jorani assentiu com um movimento da cabeça para ele continuar. — Se tudo estiver certo, e conseguirmos produzir mais como esse, talvez vocês consigam rastrear outros serem que emanam a baixa radiação dos poderes divinos. No começo seria de uso especial para seu grupo, mas em um futuro talvez não tão distante, isso possa ser usado com a mesma frequência que usam detectores de metal na porta dos lugares importantes.
Cairbre e Viktor se entreolharam, aquilo poderia facilitar demais o reconhecimento, e não precisariam estar presencialmente para identificar qualquer um. Cairbre não precisaria ficar se repetindo várias e várias vezes ao dizer que não faria o trabalho, ou melhor, poderiam levar ela a sério quando dizia ver absolutamente nada.
— Como funciona? — Viktor perguntou, de braços cruzados, enquanto ergueu levemente o queixo.
— Simples — Bailian esboçou um sorriso quase animado, e pegou o sensor das mãos de Jayden. — Vou ligar e colocar em cima dessa mesa mais longe de vocês, vejam só — ele continuou, e colocou o objeto apontado para o lado contrário.
Com um toque, o rapaz ligou o equipamento, e todas as luzes brilharam ao mesmo tempo, apagando no segundo seguinte. O aparelho emitia um bip fraco, apenas para informar sobre estar funcionando, e Bailian manteve o sensor virado por mais alguns segundos.
— A luz verde indica ambiente limpo de radiação divina, verde amarelada indica resquícios, e olhem, já está entre o amarelo e o laranja — Bailian franziu o cenho ao encarar aparelhinho, não esperava um resultado tão rápido, então não negaria a própria surpresa, até lembrar que precisaria explicar cada detalhe. — Amarelo e laranja são a certeza de existirem pessoas como a senhorita em um recinto.
Para terminar a apresentação, e ainda maravilhado com a funcionalidade tão fluída do sensor, Bailian virou o objeto na direção de Cairbre, e o barulho emitido se tornou quase insuportável. A luz vermelha piscou freneticamente, e o som agudo e fino pareceu incomodar os ouvidos de todos os mais próximos, incluindo os da leopardo logo ao lado, que cobriu a cabeça com as duas patas.
— Porcaria, não era pra ser assim — Bailian disse, apressado, clicando bem rápido para desligar o sensor.
— O que é a luz vermelha? — Jorani perguntou, coçando o ouvido direito e fazendo uma careta sutil.
— Alta densidade de radiação — Jayden explicou, recebendo o objeto de volta para guardá-lo no suporte adequado. O rapaz virou o rosto para Cairbre, curioso. — A senhorita usa os poderes com frequência?
— Não despertei meus poderes — ela disse, cruzando os braços da mesma forma que Viktor. E não precisou de muito para entender a pergunta implícita no olhar de ambos: como ela sabia? — O oráculo do meu reino me disse quando atingi idade suficiente para entender, ele sempre sabe essas coisas.
Mentira. O oráculo nunca dizia informações diretamente, e daria um belo esporro em Cairbre se soubesse dela estar usando seu nome em vão. A resposta pareceu contentar a dupla saturniana, e tinham a prova ali mesmo naquele sensor. Sensor talvez um pouco descalibrado, mas funcionante e útil, não teriam como negar uma ajuda daquelas, e os três militares ali presentes assinariam o contrato com Jayden e Bailian para a fabricação de mais sensores.
O resto da equipe adoraria, tinham certeza.
— Jayden, venha comigo e com a oficial Branwen para assinar o contrato. Trago o documento para o Major e para o Bailian assinarem assim que oficializarmos tudo com nosso General — Jorani disse, quase satisfeita. Na prática, quem colocaria aquelas belezinhas em funcionamento seria ela, e esperava ansiosa por esse momento.
Jayden logo seguiu as duas mulheres em direção das salas administrativas, e Bailian se apressou para guardar todos os equipamentos devidamente embalados. Enquanto o saturniano guardava os objetos, Viktor se aproximou devagar da leopardo, curioso. Não ousaria tocá-la.
— Senhor — Bailian chamou, cauteloso, e Viktor ergueu as sobrancelhas. — Posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Vi que o Museu está fechado, então entrei no site para ver o motivo. Na sessão onde guardam os nomes e fotos de cada um, tem fotos faltando, por quê?
Viktor deu uma pausa, legitimamente curioso com a razão do rapaz fazer aquela pergunta em específico. O Major deu três passos para a frente, devagar para não machucar a perna, e encostou o corpo na borda da mesa ao lado de Bailian.
— Você fala sobre Júpiter.
— Sim, mas também os outros. É porque não acharam eles ou porque não podem mostrar?
— Júpiter é um assunto delicado, Bailian, e não divulgamos seu rosto em respeito à família que ainda tem, família que não tem nada a ver com os feitos da pessoa — Viktor explicou, tranquilamente, e mediu cada palavra dita para não ocorrer mal entendido ou dificuldades de entendimento. — Alguns outros ainda não achamos, mas talvez não demore muito.
— Só Lian, por favor, mas entendi.
Viktor assentiu para o pedido, assim como Lian assentiu para a explicação. Parecia esquisita, como se fossem palavras ensaiadas, mas faziam sentido. Percebendo do garoto não estar à vontade, Viktor decidiu continuar a falar enquanto esperava Lian guardar o resto dos aparelhos.
— Sabe, uma coisa interessante que faz metade dessa gente aqui surtar é que todo mês recebemos um e-mail da reencarnação de Netuno. — Ao ouvir aquelas palavras, Lian abriu bem os olhos puxados, e Viktor riu baixo com a reação. — E em todos os e-mails vem a mesma mensagem: "meu cabelo está horrível na foto que colocaram no site e no memorial". Mudaram a foto só uma vez, e ainda assim achou ruim.
Mesmo tentando muito segurar o riso, Lian não conseguiu. Não conseguia encaixar na própria cabeça como aquelas pessoas conseguiam ser tão "de boa" com uma reencarnação famosa pelo destroço causado, ainda mais sobre o cabelo. Talvez aquelas pessoas fossem bem mais pacientes do que aparentavam, ou pelo menos o Major parecia mais paciente.
[...]
Após as assinaturas devidamente escritas e os contratos firmados, metade do grupo tiraria o dia para testar os novos equipamentos, a outra metade deveria organizar os últimos detalhes para a reabertura do Museu dos Caídos. Mais especificamente, usariam os novos equipamentos os que sairiam para o interrogatório, e usariam essa chance para ver a real eficiência dos trabalhos de Jayden e Bailian.
Com isso estabelecido, sobrou para Cairbre confirmar as atrações da noite, e aproveitou a oportunidade para conversar com o enviado de seu pai. Foi tudo de última hora, e já estava dentro do escritório da dona da maior casa de shows de Júpiter ao receber uma mensagem informando do representante uraniano estar em solo jupiteriano.
Claro, já não bastava todas as novidades dentro da base, ainda teria que lidar com gente de casa. "De casa".
A mulher tentou não pensar nisso no momento, não quando observava a dona daquele lugar luxuoso fazer uma lista de exigências para as apresentações. Claro, era um lugar caro, e apresentações fora do ambiente controlado que era aquela casa de shows com certeza demandaria um capital igualmente elevado. Poderiam ter contratado pessoas mais baratas, mas o Lágrima de Arethusa era o mais conhecido em todos os reinos pela qualidade das apresentações, e além do General não poupar esforços para aquele dia, a dona ser nativa do mesmo reino que Cairbre talvez fosse um bom motivo para fazer um desconto.
O desconto não aconteceu, e Cairbre já imaginava a fortuna que gastaria naquele lugar com todas as demandas de Enyo, a dona da Lágrima.
— Entenda, meu melhor cantor decidiu casar com um venusiano e foi embora, trazer ele aqui especificamente para esse evento vai me custar quase o triplo, e olha que é o marido dele quem está financiando metade dessa presepada — Enyo disse, rodando a caneta dourada entre os dedos. A mulher de olhos estreitos e cabelos extremamente pretos tinha um olhar quase entediado. — Pediram um show do Hallik, nós proporcionamos. Pediram uma apresentação da Rainha das Facas, nós oferecemos. O mínimo que podem fazer é nos pagar bem.
— Você está superfaturando.
— Claro. Tenho funcionários para pagar, a Lágrima para manter, apresentações caras para oferecer, considero um preço justo e sei que seu General tem capital suficiente para bancar os luxos que exige.
Cairbre franziu os lábios, contrariada. Pelo lado bom, conseguira mais tempo de apresentação, mas em nada diminuiu o preço. Eis o lado de Júpiter que mais a deixava puta de raiva, a capacidade de serem mercenários legalizados, e diferente dela mesma, Enyo tinha se acostumado muito bem com aquele estilo de vida. Realmente nem todos nasceram para negociações monetárias, Cairbre sempre preferiu as diplomáticas, e sim, existiam diferenças gritantes, principalmente porque não extorquia alguém.
Precisou aceitar as exigências, e assinou todos os papéis necessários para dar início aos preparativos de três míseros dias. Cairbre até gostava dessas organizações festivas, mas tudo dependeria se sua bateria social duraria até lá, e parte dela queria muito ir para a prisão simplesmente para não ter que sorrir e ser educada para dezenas de pessoas enquanto tem certeza dos colegas de equipe correrem um risco enorme.
As duas mulheres apertaram as mãos em sinal cordial de acordo feito, e antes de Cairbre sair daquele cômodo, Enyo indicou para ela esperar mais um pouco.
Mesmo estranhando, a ruiva o fez.
— Ouvi dizer que os deuses estão curiosos com o que vai acontecer aqui — Enyo comentou, erguendo uma sobrancelha.
— Então ouviu bem mais que eu.
— Aumentaram o número de olheiros, tentaram revistar esse lugar pela quinta vez só esse mês, isso tá virando um caos muito rápido e tem muita gente interessada nisso tudo. — A voz de Enyo soava tão calma quanto sua face, e ainda assim, a urgência de suas palavras se fez presente e pesada.
Cairbre precisou respirar fundo, e assentiu em agradecimento. Enquanto pudesse manter tudo aquilo longe de seu reino, manteria, e isso tinha se tornado uma questão pessoal para ela há muito tempo. Não podia deixar transparecer qualquer ligação com o reino de Urano, não poderia deixar que chegassem tão perto de sua família novamente.
Se antes a dona da Lágrima tinha um tom bastante sério, mudou a expressão rapidamente ao saírem daquele cômodo, como se tivesse fechado um contrato perfeito. Do andar de cima, podiam ver os treinos dos artistas da noite no palco central, e dentre eles apenas uma prestava atenção no caminho feito por Enyo e Cairbre. A mulher de cabelos verdes tinha os olhos estreitos enquanto observava as duas, e as três partilhavam apenas uma característica em comum, o reino de nascença.
Porém a ruiva apenas a cumprimentou de longe, fazendo questão de sair dali o quanto antes para resolver todo o resto da burocracia tanto do evento quanto da própria vida. Deveria encontrar com o representante de Urano em quinze minutos, e nesse momento não sabia ao menos a quem orar para pedir ajuda.
[...]
"Não inventa de aprontar logo agora, não se mete em nada disso"
"Eu nunca faria isso"
"Faria sim, só não faz, por favor"
"Vou pensar com carinho, não se preocupa"
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