10 - O NOVO CARRO DE LÚCIFER
Lúcifer observava a figura imponente de Miguel, cuja aura resplandecia como uma chama incandescente. Os dois se encaravam dentro da pirâmide, o vento assobiando ao redor, enquanto os demônios recém-libertados se agitavam ao longe e continuavam saindo da pirâmide, pelo portal recém aberto.
Assim que o portal foi aberto, o pináculo da pirâmide gerou um intenso raio de assombrosa luz negra que atingiu o céu, que logo foi tomado por espessas nuvens negras, que agora se espalhavam pela totalidade do planeta. Era fantástico ver as trevas dominando o mundo.
Lúcifer, embora em um corpo mortal, exibia um sorriso provocador. Encontrar seu irmão ali era a última coisa que ele esperava. Era certo de que suas ações tinham chegado agora ao mais alto escalão dos céus, ou Miguel não teria sido enviado.
— Então, finalmente o campeão de Deus decidiu aparecer. Já estava na hora, meu irmão. — Disse Lúcifer, com uma voz suave, carregada de sarcasmo. — Mas me diga, Miguel, depois de tanto tempo... não se cansa de ser o peão favorito?
Ele sabia que por enquanto não estava em pé de enfrentar Miguel e sua espada, precisava apenas de uma estratégia para ganhar tempo, assim que pudesse estalaria os dedos e estaria bem longe daquele lugar. Precisava encontrar Lilith agora e focaria naquilo, se livraria das distrações e ficaria naquele objetivo.
Miguel não se abalava, como sempre. Seus olhos fixavam-se em Lúcifer, firmes, mas frios, carregados de total concentração naquilo que estava fazendo.
— Suas palavras são tão vazias, Lúcifer! Você sabe que isso acaba aqui, não sabe? Já é hora de parar e limpar toda a bagunça. — A voz de Miguel soava como trovões distantes, autoritária, mas serena, embora Lúcifer soubesse que de sereno o irmão não tinha nada. Na verdade nenhum deles tinha. Anjos, não importava a que casta pertenciam, eram criaturas arrogantes por natureza, sempre querendo ser seres poderosos, quando na verdade não passavam de capachos obedecendo ordens.
Lúcifer deu uma risada breve, inclinando levemente a cabeça, mas sem tirar os olhos de Miguel.
— Acabar? Nada acaba, Miguel. Tudo é um ciclo. Uma dança. Você e eu, eternamente destinados a isso. Mas e se... — Ele se aproximou alguns passos, gesticulando com as mãos enquanto falava, como se tecesse uma trama no ar. — E se você não fosse nada além de uma ferramenta cega? Será que já parou para pensar no que está por trás disso tudo? Nos segredos que nem mesmo você conhece?
Lúcifer olhou para a espada dele, Miguel estava com a mão no cabo. Nessas circunstâncias um rápido movimento poderia arrancar a cabeça daquele corpo onde ele estava preso. Não sofreria muitos danos, apenas um atraso para encontrar um outro corpo, ou quem sabe encontrar alguma coisa que lhe garantisse andar na Terra fisicamente sem desaparecer depois de algumas horas. Isso seria incrível.
Miguel franziu o cenho por um breve momento, sem permitir que as palavras o abalassem completamente. Mas o leve hesitar nos olhos do arcanjo não passou despercebido por Lúcifer.
No fundo ele via respeito; via ódio antes de tudo, mas ainda assim respeito. Miguel o respeitava por quem ele era e pela coragem que ele tinha e teve, porque era necessário uma coragem muito grande para fazer o que ele tinha feito, para se transformar em quem ele era.
Lúcifer continuou:
— Ah, então você também sente. Esse leve desconforto. Uma sombra que nem mesmo o Todo-Poderoso compartilha com você. — Lúcifer sorria, mais afiado agora. — Eu vi coisas, Miguel, coisas que nem você pode imaginar. Coisas que podem mudar o curso de tudo isso. Talvez o seu destino não seja tão fixo quanto pensa.
Mas o que ele pensava que estava fazendo? Acreditava mesmo que poderia persuadir seu irmão a passar para seu lado? Era uma coisa que ele mesmo achava impossível. Eles eram quem eram e nada mudaria aquilo. Levariam aquilo para sempre, e sempre, e sempre.
Por um instante, o silêncio pairou entre eles. O peso das palavras de Lúcifer ressoava, criando uma tensão quase palpável. Era como se Miguel estivesse pensando no que ele tinha acabado de dizer, e Lúcifer podia ver aquilo nos olhos do poderoso e o imponente arcanjo. Ele estava pensando, ponderando cada detalhe das palavras que Lúcifer dissera.
Miguel deu um passo à frente, os olhos reluzindo com determinação.
— Já ouvi o suficiente, Lúcifer.
A espada agora estava um terço fora da bainha.
— Eu também. — Lúcifer respondeu, a voz baixa, quase em um sussurro, enquanto estalava os dedos.
Num piscar de olhos, alguns dos demônios que haviam sido libertados (demônios que haviam passado muito tempo apodrecendo no abismo e que agora tinham fome, estavam completamente loucos, capazes de enfrentar qualquer coisa) avançaram, rugindo como feras selvagens, atacando Miguel com violência. O arcanjo brandiu sua espada celestial, cortando-os com facilidade, mas a distração era tudo o que Lúcifer precisava. Em meio ao caos, ele desapareceu nas sombras.
Quando Miguel enfim afastou os últimos demônios, percebeu que Lúcifer já havia sumido.
****
Lúcifer surgiu na igreja abandonada, o eco de seus passos reverberando pelo salão vazio. Ele tentava pensar em como encontrar algum tipo de refúgio, algum artefato que pudesse lhe fornecer vantagem, mas ao seu redor havia apenas escuridão e silêncio. O lugar estava completamente deserto. As janelas, quebradas e cobertas de poeira, deixavam entrar apenas faixas de luz pálida. O cheiro de mofo impregnava o ar.
Ele olhou ao redor, os olhos brilhando com frustração.
— Vazio... — Murmurou para si mesmo. — Claro, só restaram as cinzas de promessas quebradas.
Ana, Enovigenese e Jurismela não estavam mais lá.
Ele foi até às celas e não encontrou nenhuma das virgens. Rex, o cão maldito também não estava lá.
Ele procurou por Marcela e nada.
— Merda.
Pensou que talvez tivesse sido um erro deixar alguém tão instável quanto a tal Marcela sozinha. Sabe-se Deus o que ela poderia estar fazendo naquele momento.
Lúcifer respirou fundo, sabendo que Miguel logo estaria no seu encalço. A guerra estava longe de terminar, e ele precisava de uma nova estratégia, rapidamente.
— Vamos ver... Vamos ver...
Ele pensou em Lilith. Ela deveria ter sido libertada, devia estar em algum lugar naquele mundo agora. Precisava encontrá-la.
Mas havia algo errado. Onde estava Ana, a bibliotecária?
— Ela pegou os cachorros e se mandou, é isso?
Sua voz ecoou no silêncio da igreja.
Ele foi até onde estava a mesa. A comida ainda estava lá, intacta.
Lúcifer pegou uma maçã e saiu da igreja.
O opala não estava mais no lugar onde ele tinha deixado.
— Ana. Aquela vaca. Bem... Podemos dar um jeito nisso.
Lúcifer estalou os dedos.
*****
O Landau preto rugia pela rodovia, devorando o asfalto com uma velocidade insana. Dentro do carro, Daniel estava ao volante, seus olhos dilatados pela droga que corria em suas veias. Ao seu lado, Bianca, sua namorada, ria descontroladamente enquanto levava um cigarro aos lábios. A fumaça enchia o carro, misturando-se com o cheiro de álcool. Uma garrafa de uísque repousava entre os dois, já quase no fim.
— Isso é vida! — Gritou Daniel, acelerando ainda mais. O motor V8 do Landau rugiu em resposta.
Eles cruzaram a rodovia sem se importar com nada, apenas com o desejo de continuar naquela euforia. Quando avistaram um posto de gasolina com uma lanchonete ao lado, Daniel decidiu parar.
— Vamos pegar mais bebida, estou seco! — Disse ele, já estacionando o carro.
Bianca saiu do carro junto com ele, rindo e cambaleando. Os dois entraram na lanchonete, o cheiro de fritura e gordura impregnando o ar. Atrás do balcão, um homem de meia-idade, cansado de mais um dia sem surpresas, os observava. Daniel e Bianca entraram rindo, mas logo a atmosfera mudou. Ele puxou uma faca da jaqueta e a apontou para o balconista.
— Passa a grana e as bebidas. Agora! — Ordenou Daniel, a voz trêmula de adrenalina e raiva.
O balconista, em vez de obedecer, puxou uma espingarda calibre 12 debaixo do balcão. Mas Bianca foi mais rápida. Com um movimento ágil, ela disparou um tiro de pistola que atingiu o homem no peito. O sangue manchou a camisa do balconista antes de ele cair, morto, atrás do balcão. Daniel sorriu satisfeito. Algumas poucas pessoas que estavam no estabelecimento àquela hora da manhã saíram correndo apavoradas.
— Isso, garota! — Elogiou Daniel, enquanto enchia uma sacola com dinheiro e garrafas de bebida.
Eles correram para fora da lanchonete, mas ao se aproximarem do carro, algo inesperado aconteceu. Um homem estava encostado no Landau, trajando uma jaqueta jeans e uma cartola que contrastava com o cenário do posto. Ele parecia relaxado, observando o carro com um sorriso enigmático no rosto.
— Sai fora do meu carro! — Gritou Daniel, pegando a arma de Bianca e apontando para o estranho.
O homem apenas sorriu, um sorriso largo e perturbador. Seus olhos pareciam brilhar sob a luz fraca do posto.
— Você não quer fazer isso, garoto — Disse o homem, em um tom calmo e quase amistoso.
— Ah, é? Vamos ver então! — Respondeu Daniel, irritado, e apertou o gatilho.
O som do tiro ecoou, mas antes que a bala pudesse atingir o homem, ele estalou os dedos. Daniel explodiu em mil pedaços, espalhando sangue e fragmentos de carne para todo lado. Bianca, que assistia a tudo paralisada, começou a gritar, o choque a dominando por completo. Ela mal conseguia respirar, seus olhos arregalados fixos no lugar onde Daniel estivera um segundo antes, coberta de sangue e pedaços de miolos.
O homem, ainda sorrindo, aproximou-se de Bianca.
— Acho que vou ficar com o carro, querida. — Disse ele, abrindo o porta-malas do Landau com um gesto casual.
Sem dizer mais nada, ele a pegou pelos ombros, ainda em estado de choque, e a jogou no porta-malas. Ela não resistiu, como se seu corpo tivesse desistido de reagir. O homem entrou no carro, ligou o motor e o Landau rugiu de novo, tão feroz quanto antes.
— Vamos nos divertir — Murmurou Lúcifer para si mesmo, enquanto aumentava o volume do rádio.
O som de sepultura encheu o carro, e ele acelerou, saindo em disparada pela estrada.
Lúcifer sorriu, o vento batendo em seu rosto, enquanto dirigia o Landau como se o inferno o esperasse logo adiante.
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