O ÚLTIMO TURNO
O tenente deu o sinal e a equipe se postou preparada para o ataque. Débora apontou a pistola ponto 40 para a frente, o dedo no gatilho. Seu coração palpitava, gostas de suor escorriam pelas sua testa. Havia uma tensão fora do comum no ar.
Os policiais da frente arrombaram a porta com o arriete e eles invadiram gritando.
— POLÍCIA!
Débora respirando ofegantemente, o coração disparado. Ela sentiu um cheiro putrefato no ar.
Eles encontraram o homem na sala.
Ele estava sentado em uma cadeira que tinha sido colocada no centro de um pentagrama desenhado com sangue. Ao redor havia um círculo de velas pretas. O homem estava usando apenas uma camiseta regata branca, estava coberto de sangue e estuprava o cadáver da garota desaparecida.
— POLÍCIA! MÃOS PRA CIMA!
Débora começou a sentir-se mal.
O homem ergueu a cabeça e sua face era diabólica. Havia aquele sorriso, macabro em seus lábios.
Ficou olhando para os policiais ao redor dele e então seus olhos pousaram em Débora que estava tremendo.
— Está fazendo o último turno agora Débora. – A voz era macabra. Era como se quem estivesse falando fosse alguém ou alguma coisa dentro do homem, e não ele próprio. Aquilo assombraria os pesadelos de Débora por longos anos — O homem do escuro está lá fora, e ele vai te pegar.
Débora tremia tanto que a pistola disparou, e como se fosse uma ordem, todos os policiais dispararam ao mesmo tempo.
†
SANTO ANTÔNIO DO PINHAL. DEZ ANOS DEPOIS.
Débora deu um salto na cama e acordou.
Mais um maldito pesadelo. Dez anos depois eles ainda não tinham ido embora. A terapia não ajudou, os remédios não ajudavam, a única coisa que ajudava era a vontade que ela tinha de continuar vivendo.
Depois que a coisa aconteceu, as idas ao psicólogo da polícia passaram a ser frequentes. Débora experimentou um tempo de perda de controle, e quando isso aconteceu ela soube que seus dias de capital tinham acabado.
Ela pediu transferência para alguma cidade do interior e foi transferida para a pacata cidade de Santo Antônio do Pinhal, onde ela estava até agora, dez anos depois de vivenciar aquela coisa que tentava esquecer a cada dia mas sabia que não era capaz.
Por que havia maldade no mundo? Por que os inocentes tinham que pagar pelos atos dos maus? Ela nunca tinha sido capaz de entender.
O homem que morreu naquele dia se chamava Wiliam dos Santos, tinha 30 anos e trabalhava como servente de pedreiro. Descobriu-se que em um prazo de um ano e meio ele tinha assassinado 13 meninas de 7 anos de idade em uma espécie de culto satanista.
E por que?
Por um tempo ela foi em busca da resposta e quase enlouqueceu. Então resolveu fugir.
Ela alugou uma casa na pacata cidade de Santo Antônio do Pinhal, e resolveu que ia fazer ali a sua vida, tentar recomeçar, de alguma maneira.
O trabalho era maravilhoso. Existia apenas uma delegacia e três policiais além do delegado e do escrivão. Uma viatura fazia patrulhamento na cidade raramente acontecia alguma ocorrência.
Débora tinha 30 anos, e morava sozinha. Ao longo daqueles dez anos apareceram diversos pretendentes, e nada evoluiu além de uma simples transa. No momento o que queria era paz e tranquilidade, e ali, naquela cidade ela tinha tudo isso.
Ela acordou por volta das cinco da tarde depois daquele pesadelo, era uma segunda feira e ela nunca tinha visto tanta chuva na vida. A previsão do tempo disse que cairia 100 milímetros de chuva, mas ela achava que estava caindo o dobro.
Caminhou só de calcinha até a cozinha, abriu a geladeira e tomou água.
Depois foi ao banheiro e tomou banho.
Débora jogou videogame até às seis e meia da tarde, depois de trocou e foi trabalhar.
††
Ela entrou na delegacia por volta das sete e meia da noite e encontrou Neto, um dia três policiais que trabalhavam no turno da noite, o último turno como eles costumavam chamar.
Oficialmente, o último turno começava às oito da noite e terminava às 5 da manhã, e Débora fazia questão de trabalhar naquele turno, era , sem sombra de dúvidas o melhor período, e quando ela não era escalada para fazer as rondas, como naquela segunda feira, era melhor ainda.
Tudo o que ela precisava fazer era sentar-se perto do telefone e esperar o tempo passar. Geralmente ela se distraia com algum livro, revistas de palavras cruzadas, os vídeos do YouTube, jogos no celular e coisas do tipo.
Atualmente ela estava escrevendo um romance policial e pretendia adiantar uns três capítulos naquela noite chuvosa.
— Boa noite Deby. Você nem molhou o cabelo.
— Nem sei como. Está chovendo tanto que dá pra molhar até os cabelos da bunda.
Neto sorriu.
— Eu vou passar na casa do Chico pra pegar ele por causa da chuva. Vai ficar bem aí?
— Claro. Eu sempre fico.
— Bom trabalho Deby.
— Bom trabalho pra vocês também.
Neto saiu correndo na direção viatura. Débora aproveitou e trancou a porta de vidro da delegacia.
Apagou a luz do hall de entrada e caminhou até a sala de espera.
Bateu seu ponto e se preparou para mais suma noite de trabalho. Ela tinha tudo o que precisava, inclusive uma máquina de café que tinha sido uma aquisição deles. O governo não ia comprar uma máquina de café para menos de meia dúzia de policiais se sentirem à vontade, de modo que eles se mobilizaram, fizeram uma vaquinha e compraram. Ela achava que era uma coisa ilegal, mas ninguém precisava saber, e ela duvidava que alguém estivesse interessado na máquina de café da delegacia de polícia.
Débora ligou a TV e sentou-se por trás do balcão na confortável cadeira que ali havia.
Do lado de fora a chuva caia sem parar.
†††
O telefone voltou a tocar novamente por volta das duas da madrugada.
Débora atendeu meio sonolenta:
— Delegacia de polícia. Pois não.
— Oi Débora.
O fato de um desconhecido ligar para a polícia às duas da madrugada e chamá-la pelo nome fez todo o sono que ela sentia desaparecer.
— Quem é?
— Você está bonita hoje. Parece uma princesa saída de alguma história de fantasia.
— Quem está falando?
— Você não sabe?
— Óbvio que não.
— Eu sou o senhor das sombras.
— Escute aqui senhor das sombras, é crime passar trote na polícia. Eu não estou a fim de prender ninguém hoje. Então tenha uma boa noite.
Débora bateu o telefone e franziu o cenho.
Olhou para a porta de vidro e viu apenas a escuridão do lado de fora.
Pegou seu celular e viu que a bateria estava acabando. Conectou o carregador e levantou-se para pegar mais café.
Deu três passos na direção da máquina e o telefone tocou. Alto o suficiente para fazê-la dar um salto.
Débora ficou olhando para o telefone por alguns segundos e então o atendeu dispensando as amenidades:
— Alô.
— Débora. Você dormiu demais hoje.
Débora sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo.
— Que é você?
— Eu já disse.
— Não quero saber qual é seu apelido. Diga seu nome filho da puta.
O homem riu. Uma risada que a fez estremecer.
— Está fazendo o último turno agora Débora? O homem do escuro está lá fora, e ele vai te pegar.
Débora começou a tremer. Seus olhos se arregalaram e sua mente vislumbrou aquela cena terrível que presenciara em São Paulo há dez anos.
Ela olhou para a porta de vidro e viu uma sombra do lado de fora.
Débora deu um grito e soltou o telefone que caiu no chão.
Pegou sua arma sobre o balcão, apontou para a frente e foi caminhando lentamente até a porta. Ela tremia, um arrepio inexplicável percorria seu corpo.
Mas não havia sombra alguma lá. Apenas a chuva que continuava caindo.
Ela olhou para trás e viu o telefone no chão. Ficou olhando para ele por alguns instantes. Caminhou até ele e o pegou. Colocou no ouvido e viu que estava mudo.
Colocou o telefone no gancho e caminhou até o filtro que ficava perto da máquina de café. Tomou dois copo de água. Estava trêmula. Seu coração palpitava. Aproveitou para pegar mais café e voltou para o balcão.
O telefone tocou e ela ficou olhando para ele como se fosse uma serpente prestes a dar o bote.
Débora estendeu a mão e o atendeu.
— Alô.
— Débora. Sinto o cheiro do seu medo. É o mesmo cheiro da sua vagina.
Débora sentou-se e ligou o rastreador de chamadas.
— Qual é o seu nome?
— Tenho muitos nomes Débora.
— Como... Como assim?
— Não gosto de falar sobre mim. Vamos falar sobre você e sua calcinha vermelha.
Debora arregalou os olhos porque estava de fato usando uma calcinha vermelha.
O rastreador apitou indicando que a chamada fora rastreada. Débora arregalou os olhos ainda mais. Aquilo era impossível. O número na tela era 3666 -1711 e aquele era o número da delegacia.
— Qual... Qual é o seu nome?
A voz do outro lado se tornou medonha. Agora era uma emaranhado de vozes sobrepostas falando ao mesmo tempo.
— Me chamo legião, porque somos muitos.
Tremendo de medo ela bateu o telefone no gancho.
De repente as lâmpadas começaram a piscar. De uma hora para outra o lugar se tornou muito frio.
O medo consumia Débora em toda sua intensidade.
Ela pegou sua arma e deu três passos para o centro da recepção.
Havia uma coisa no corredor perto da porta.
Débora apontou a arma para a frente.
Então ela viu que tinha alguém sentado em uma cadeira perto da porta.
Débora ouviu um sussurro e olhou à sua volta. Os olhos arregalados, seu corpo arrepiado pelo medo.
— Quem... Quem está aí?!
Ela viu quando a coisa levantou-se da cadeira.
Débora viu que era um homem. Um homem usando uma camiseta regata branca manchada de sangue.
O homem olhou para ela e seus olhos malignos era vermelhos, acesos como as lanternas de um carro.
As lâmpadas piscaram novamente e o homem começou a caminhar na direção dela de uma forma bizarra e sinistra.
— QUEM É VOCÊ?! FIQUE PARADO!
A coisa não parou. Começou a andar mais rápido. Débora estava chorando, literalmente em pânico. As lâmpadas agora piscavam com mais intensidade.
A coisa grunhiu feito um porco. Débora gritou e abriu fogo.
††††
5:00 DA MANHÃ.
Neto parou a viatura na frente da delegacia e viu que havia algo errado.
A porta de vidro da entrada estava estourada.
Os dois policiais desceram da viatura com suas armas em punho. Pisaram os cacos de vidro da entrada e viram o telefone caído no chão.
Os dois se entreolharam e avançaram.
— Débora. – Chamou Chico. — Você está aí?
Silêncio.
Ele examinou o balcão. Viu o celular dela carregando na tomada.
Pegou o telefone e o testou. Estava mudo.
— Chico.
Neto estava parado perto da máquina de café. Chico se aproximou e arregalou os olhos.
Havia pegadas de sangue no corredor.
Os dois se entreolharam. Apontaram suas armas para a frente e foram avançando, seguindo as pegadas.
Chegaram ao banheiro feminino.
— Débora. Você está aí? Tudo bem?
Não obtiveram resposta.
Neto abriu a porta do banheiro e eles entraram.
As lâmpadas ali dentro estavam piscando. Havia sangue nas paredes.
Débora estava agachada no meio do banheiro pintando alguma coisa no chão.
— Débora. – Chamou Chico. — Tudo bem?
Débora não respondeu.
Chico deu a volta contornando a moça e viu que ela estava fazendo um pentagrama com o próprio sangue. Havia uma faca em sua mão. Ela estava constando o próprio pulso. Os olhos dela eram negros, o rosto deformado.
— Jesus do céu! – Exclamou Chico.
Débora olhou para ele e então o atacou.
Chico não teve tempo de atirar e levou diversas facadas no pescoço. Débora emitia gritos medonhos e bizarros enquanto golpeava o policial.
De onde estava Neto viu aquilo e travou.
Débora parou de golpear o pescoço de Chico e entrou em um dos mictórios.
Neto ficou ali, tremendo e chorando em estado de pânico. Havia uma esfera macabra na delegacia e ele podia sentir a coisa emanando.
— Dé... Débora...Meu... Meu Deus!
Então alguma coisa começou a sair do mictório. Ele olhou para cima e viu Débora grudada no teto olhando para ele com seus bizarros olhos negros.
Mãos terríveis seguraram os umbrais da porta. As unhas eram imensas e negras.
Ele ouviu um som bizarro saindo da boca daquela coisa.
Neto ergueu sua arma, mal conseguindo parar em pé de tanto medo.
A coisa grunhiu e ele começou a atirar.
Luis Fernando Alves
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro