NAZIRA
- Dizem que ela anda na floresta todas as noites gemendo e procurando pelo garoto.
Rogério tirou o isqueiro do bolso, um isqueiro que imitava uma pequena pistola dourada, e acendeu o baseado.
Ele tomou mais um gole de vodca e olhou para Marcelo que estava sentado no banco com uma latinha de cerveja na mão.
- Eu já ouvi essa porcaria de história, mas não é do jeito que você está contando.
- Sabe porra nenhuma.
- A lenda da Nazira. Ela assombra essa floresta. A lenda diz que Nazira estava grávida, e o pai era o padre da paróquia que não quis assumir a criança. Desolada, Nazira foi até o Rio que corta a floresta, afogou o bebê e o enterrou na margem, depois pegou uma corda e se enforcou.
- Que bosta! - Exclamou Pedro acendendo outro cigarro.
Rogério continuou impassível:
- Dizem que desde então, Nazira assombra a floresta e seus choros podem ser ouvidos perto do rio. E dizem mais: ela mata todos os que se aventuram pelas trilhas. Lógico que isso é um monte de merda.
- Tem certeza? - Perguntou Rafael, o quarto integrante do grupo.
- Vai dizer que você acredita em fantasmas.
- Pois eu acho que você se caga de medo.
Rogério riu.
- Faça-me o favor. Fuma logo essa erva aí e cala a boca.
- Tive uma ideia. - Disse Pedro.
Rogério revirou os olhos, ele estava acostumado com as ideias do amigo, então era certo que vinha merda pela frente.
- Me poupe, cara!
- Vamos entrar lá.
Eles ficaram se entreolhando. Já passava das cinco da tarde, logo logo ia escurecer, e eles não iriam querer estar na floresta durante a noite.
- Entra você. Eu tenho mais o que fazer.
- Eu topo. - Disse Marcelo. - Entramos lá e procuramos Nazira e se ele for real comemos ela.
Rogério começou a bater palmas.
- Boa. Meus parabéns. É uma excelente ideia. Trabalhar ninguém quer, caralho.
- Deixa de ser cusão cara. - Disse Pedro.
Ele começou a caminhar na direção da floresta.
- Ei. Aonde você vai? - Quis saber Marcelo.
- Vou procurar a cadela da Nazira.
Os outros três se entreolharam. Marcelo e Rafael começaram a seguir Pedro.
- Mas que caralho. - Disse Rogério e seguiu os amigos.
†
O lugar próximo à região do clube municipal de Santo Antônio do Pinhal era uma floresta parecida com um parque. A floresta era cheia de trilhas que geralmente eram usadas pelas maioria das pessoas para fazer caminhada, algumas também usavam as trilhas que mais pareciam um labirinto como lugar para trepar, fumar maconha, entre outras coisas mais.
Rogério não conhecia muito bem aquelas trilhas, apenas a principal, que começava atrás do prédio principal do clube e terminava na estrada lá em cima, percorrendo mais ou menos um quilômetro e meio.
Os quatro amigos entraram na trilha principal bebendo e fumando maconha e de repente começaram a chamar por Nazira.
- Nazira.
- Nazira, sua puta. Venha aqui chupar meu pau, sua cadela.
Rogério, no entanto, fumava um baseado e permanecia em silêncio, olhando ao seu redor.
Ele se lembrava de seu avô contando aquela história quando ele era criança. Havia diversas versões, uma delas dizia que após ser rejeitada pelo padre, pai de seu filho, Nazira entrara na floresta para conjurar o demônio, vendera sua alma ao diabo e oferecera o bebê recém nascido como sacrifício.
Daquele dia em diante ela havia se tornado uma espécie de vampira.
A história dizia que Nazira atraia rapazes para a floresta e os matava realizando rituais de magia negra.
Era uma história horrível, se fosse verdade, mas as pessoas diziam que centenas de homens entre 20 e 30 anos haviam desaparecido naquela floresta. Pessoas que entravam lá e nunca mais eram vistas.
Rogério achava aquilo só um monte de anedotas inventadas para assustar crianças.
- NAZIRA! - Ele se assustou com a voz de Pedro gritando. - CADÊ VOCÊ CADELA? VEM CHUPAR MEU PAU.
Rogério parou para urinar.
- Ei Rogério! - Gritou Rafael. - Anda logo cara. Tá com medo da Nazira?
- Vou mijar sua bicha. Vem segurar meu pau.
Rogério começou a mijar. Os outros seguiram pela trilha.
Ele ficou uns trinta segundos ali e depois voltou a caminhar.
A trilha fazia uma curva à direita.
Não havia qualquer sinal dos outros caras.
A floresta estava silenciosa àquela hora da tarde. Rogério percebeu que até mesmo os pássaros estavam em silêncio, como se a floresta fosse uma tumba.
Rogério franziu o cenho, o silêncio era uma coisa que o incomodava, no meio do silêncio a mente costumava trabalhar de uma forma estranha, às vezes criando coisas que não existiam, como sons esquisitos, coisas se movendo no meio da penumbra.
Ele ouviu sons pela floresta, parecia gravetos se quebrando em algum lugar, e havia o farfalhar do vento nas folhas das árvores.
Rogério ouviu vozes à frente e teve certeza que era seus amigos idiotas.
Sim. Eles eram idiotas e estavam ali fazendo uma coisa idiota.
De repente ele sentiu uma necessidade quase urgente de voltar atrás, deixar aqueles idiotas ali e cair fora daquele lugar, mas não o fez.
Avançou até onde estavam as vozes e quando lá chegou não havia ninguém.
- Gente, onde vocês estão?
Mas como resposta veio apenas o silêncio da floresta que parecia morta.
Rogério avançou e chegou ao ponto em que a trilha se bifurcava.
Não havia qualquer sinal de seus amigos.
- EI CARAS! ONDE VOCÊS ESTÃO?
Notou algo estranho: não havia eco. Ele tinha acabado de gritar, mas o som de sua voz não saia dali.
Ele virou à direita e seguiu em frente. Sentia-se inquieto. Caminhou uns trezentos metros pela trilha e viu o som de água corrente.
Desceu pela trilha que fazia uma curva em forma de U e viu o rio.
Segundo a lenda, havia sido naquele rio que uma mulher chamada Nazira havia oferecido o próprio filho em sacrifício ao demônio.
- Onde foram parar aqueles filhos da puta? Caralho!
Rogério começou a caminhar na margem do rio.
Andou uns quinhentos metros e de repente viu uma mulher.
Ela estava de costas, usava um vestido branco, os cabelos eram totalmente pretos, longos e lisos.
Rogério aproximou-se cautelosamente, sentia-se estranho, uma etérea sensação de irrealidade se apossava dele.
- Moça. Você está bem?
A mulher permaneceu imóvel.
Rogério se aproximou mais e percebeu que havia alguma coisa errada com a mulher.
Ele a contornou e então seus olhos arregalaram-se. Seu coração começou a palpitar.
A mulher tinha o rosto deformado, a parte da frente do vestido dela estava ensanguentada. A mulher segurava um bebê, com uma faca ela estava abrindo a barriga do bebê e comendo as vísceras. O bebê começou a chorar.
A mulher olhou para Rogério, seus olhos eram negros e malignos.
Ela começou a emitir um indescritível e terrível som com a boca, jogou o bebê no chão e partiu para cima de Rogério.
Ele gritou em pânico e começou a correr.
Rogério nunca se lembrou por quanto tempo correu, mas houve um momento em que ele parou, arqueou o corpo completamente exausto, tentando desesperadamente puxar o ar para si. Sua garganta queimava, o coração batia a mil.
Rogério escutou um ruído e olhou para o lado. Viu uma sombra sair por detrás de uma árvore.
Ele levou uma pancada e apagou.
††
Abriu os olhos.
Era uma clareira.
Havia uma coisa no meio, parecia um totem, uma figura bestial desconhecida.
Uma fogueira estava acesa na frente do totem.
Sua visão tremeluziu, ele sentiu uma dor lancinante na cabeça e percebeu que estava amarrado a um tronco, completamente nu.
Havia uma pedra enorme à sua frente, parecia um altar. Havia velas acesas e o que parecia ser um pentagrama. Ele viu uma mulher nua e enxergou seus amigos. Soube que era eles apesar de suas cabeças estarem cobertas por estranhas máscaras mortuárias.
Rogério tentou falar e então percebeu que estava sem a língua. O desespero se apossou dele e ele começou a chorar e a emitir sons esganiçados.
Percebeu que a mulher estava transando com Pedro. Viu quando Pedro começou a caminhar em direção à fogueira. Ele andava como se estivesse hipnotizado.
Rogério viu Pedro entrar na fogueira e queimar, mas não houve grito.
Ele tentou se soltar das amarras que o prendiam ao tronco e de repente viu pessoas ao redor, centenas delas, estavam dispostas formando um círculo na clareira, todas estavam nuas e tinham capuzes na cabeça.
Rogério viu Rafael caminhar para a fogueira. Tentou gritar mas não era possível, o medo desabava sobre ele em toda sua intensidade.
Marcelo também caminhou para a fogueira virando uma tocha humana.
- Leviathan accipere sacrificium. - As pessoas começaram a repetir em uníssono. - Leviathan accipere sacrificium!
Rogério viu a mulher nua caminhando na direção dele. Tinha o corpo escultural, a vagina era peluda, o rosto estava coberto por uma terrível máscara que se assemelha a ao totem.
Em total estado de terror, Rogério começou a gemer e a se debater.
A mulher se aproximou, ela segurava uma taça e uma faca.
Havia um pentagrama gravado abaixo dos seios dela. A coisa parecia ter sido aberta à faca e ainda sangrava.
Rogério teve a garganta cortada e começou a engasgar no próprio sangue.
A mulher colheu o sangue com a taça e começou a tomar.
As pessoas agora estavam gritando:
- LEVIATAN accipite sacrificium! LEVIATAN accipite sacrificium! LEVIATAN accipite sacrificium!
Rogério sentiu calor, muito calor. Então seu corpo entrou em combustão e ele começou a queimar.
†††
Bianca acendeu um cigarro e abriu a janela. Ligou o rádio para espantar um pouco o silêncio da noite.
Ela desviou os olhos apenas alguns segundos da estrada para olhar o rádio e quando voltou a olhar para a estrada o homem estava lá, parado a dois metros à sua frente, completamente nu.
Bianca arregalou os olhos e meteu o pé no freio, conseguindo parar a caminhonete a tempo.
- Mas que merda é essa?
Ela abriu o porta luvas e pegou seu revólver calibre 38 que mantinha ali.
Abriu a porta e saiu do carro.
Caminhou cautelosamente até a frente do carro, olhando à sua volta, o silêncio desabava sobre o lugar como uma mortalha.
- Ei, você. Tudo bem?
Então o homem olhou para ela.
- Jesus Cristo!
Bianca colocou a mão na boca e arregalou os olhos.
Havia um pentagrama gravado no peito do homem, ele estava sem os olhos e sem a língua.
O homem estendeu a mão pedindo ajuda e começou a gemer.
Bianca voltou para o carro rapidamente.
Foi quando olhou para o lado.
Lá na floresta, semi oculta pelas árvores havia uma mulher usando um vestido branco.
Luís Fernando Alves
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