SIDNEY
2022
- Estou dizendo, isso aqui é caso de investigação. Eu averiguei.
Sidney coloca as fotos sobre a mesa.
Eles estão vendo basicamente mapas e fotos de satélite.
- Que merda é essa?
- Isso aqui são mapas e fotos de satélite do terreno. O terreno onde supostamente fica a casa. Vamos pegar esse mapa aqui, de 1898.
Ele aponta para uma área no mapa.
- Isso aqui é a rua da cacimba...
Helena solta uma gargalhada.
- Tá de brincadeira comigo. Rua da cacimba! E isso é um nome confiável?
Sidney ergue a mão em sinal que ainda não terminou.
- Você não sabe de nada. Nadinha. Essa rua tem esse nome por causa da cacimba que havia no final dela. Ela ficou conhecida assim após a década de quarenta. - Ele pega algumas anotações que fez. - Josimar de Castro, 32 anos. Morava no final da rua da cacimba quando aquilo lá não passava de uma estrada abandonada. Havia uma cacimba no barraco onde ele morava.
- Um típico caipira da roça.
- Mas essa não é a coisa que importa. O que realmente importa é que em 1945, mais especificamente em abril daquele ano, Josimar foi preso, acusado de matar mais de 50 crianças.
Os olhos de Helena se arregalam. Ela olha fixa para a foto de um recorte de jornal antiga que mostra um homem aparentemente comum sendo
algemado por policiais.
Sidney continua:
- A polícia descobriu uma das crianças presas em um dos quartos do barraco do homem, e fez outra descoberta, uma descoberta que passou a dar nome para aquela rua.
- E o que seria isso?
- Parece que Josimar sequestrava, estuprava, espancava, matava, esquartejava e depois jogava os restos mortais na cacimba.
Helena faz cara feia. Sidney não a deixa falar e prossegue:
- Mas isso não vem ao caso. O que nos interessa está aqui. - Ele aponta para o mapa. - Vê essa merda bem aqui? Pois bem, isso é o número 94 da rua da cacimba. Estava lá em 1898.
Ele pega outro mapa.
- Esse aqui é de 1910. - Ele aponta para o centro da folha. - Aqui está, a rua da cacimba. Vê aqui? Não há casa alguma.
Sidney pega outros mapas e algumas fotos. Em algumas dava para ver claramente onde ficava a casa, em outras não.
- Fiz uma pesquisa minuciosa. Isso vem acontecendo há anos. Aquela casa desaparece e volta a aparecer depois de algum tempo, e quando isso acontece, alguém desaparece.
Helena fica olhando para ele por alguns instantes.
- Certo. Me convenceu. A gente pega o equipamento e dá uma chegadinha lá. Mas... E se a casa não estiver lá?
🎃
Mas estava. O número 94 da rua da cacimba era um imponente sobrado com ares de casa abandonada. Pelo tamanho tinha porte de mansão.
- Aí está ela. Disse Helena.
Sidney se dirige ao portão.
- Você vai entrar aí?
- Viemos aqui pra que?
- Mas é invasão!
- Eu chequei os registros dessa casa na prefeitura. Não existe nada. Essa casa aqui não existe.
- Para uma casa que não existe até que é bem grande.
- Não estamos vendo uma casa.
Sidney pega uma maleta e de dentro tira um medidor de campo magnético.
- Vou fazer umas leituras no jardim.
- Sidney...
- Você fica na van e simplesmente analisa os dados.
Helena suspira e entra na van. Sidney se aproxima do portão e usa um alicate para cortar o imenso cadeado atado a correntes. O portão se escancara como se o cadeado estivesse fazendo pressão sobre ele.
Sidney fica algum tempo olhando para um jardim tomado pelo mato, depois pega o equipamento e entra. Enquanto mede ele observa a casa. Algumas janelas estão quebradas. A casa é o retrato do abandono.
As leituras do equipamento o agradam e ele abre um sorriso. Certamente existe algo naquele lugar. Algo que ele precisa descobrir.
Sidney caminha em direção à porta.
🎃
NHEEEEEEC
O som metálico produzido pelas dobradiças emperradas ecoa em meio ao silêncio sepulcral que desaba sobre a casa como uma mortalha.
Sidney fica algum tempo parado ao limiar da porta, observando o corredor vazio e mergulhado na penumbra que se abre diante dele.
Os ponteiros do EMF estão indicando algum tipo de atividade ali. Alguma coisa está acontecendo naquele lugar. É uma certeza.
Ele descobre que seu coração está palpitando. Há uma tensão inexplicável no ar. Sidney sente os pelos de seu corpo se arrepiarem.
De repente um som metálico ecoa no ar e Sidney quase grita.
- Olá. Tem alguém aí?
Silêncio.
Ele caminha lentamente na direção de onde supostamente veio o som. O piso de tábuas de madeira range ante seu peso.
Sidney chega a uma cozinha. Está vazia. Aparentemente não há nada ali. No entanto os ponteiros do EMF dizem outra coisa.
Um ruído soa atrás dele e Sidney quase dá um grito. Olha para trás e vê uma mulher sentada à mesa.
Primeiro ele pensa que é Helena tentando pregar uma peça nele, mas então vê que não pode ser Helena.
A mulher está de costas para ele, sentada à mesa, fazendo alguma coisa.
Sidney sente seu coração palpitar, há algo de errado com aquela mulher.
- Oi... Moça... Desculpe... Você mora aqui?
Silêncio.
Sidney se aproxima mais dela e consegue ver que ela está trabalhando com uma faca, cortando os próprios dedos como se fosse os preparar para o almoço.
Ele arregala os olhos.
- Meu Deus!
Sidney se afasta. A mulher se levanta e ele ouve o som de ossos se quebrando, quando a coisa vira a cabeça para trás. Aquilo vem caminhando na direção dele, segurando a faca.
Ele solta um grito de pânico e sai dali.
Agora ele está em um vasto e escuro corredor. Não se lembra de ter passado por ali.
Olha para trás e vê a sombra da coisa que o persegue.
Aturdido Sidney começa a andar, em pânico. Abre portas numa tentativa desesperada de escapar. Muitas delas estão trancadas, mas ele consegue encontrar uma destrancada e a abre.
Ele está diante de uma aparente sala de música. Há um piano no centro dela. Segundos antes dele entrar o piano estava tocando sozinho, mas agora a música parou.
Na frente do piano há uma vidraça.
Sidney se aproxima dela. Olhando lá fora ele só enxerga uma paisagem pálida, tomada pela neblina.
Ele abre a porta e de repente alguma coisa começa a pressionar a porta de entrada daquela sala.
Sidney não pensa duas vezes. Abre a porta envidraçada e sai.
Ali do lado de fora tudo está tapado pela neblina e o frio é intenso.
Sidney começa a caminhar e percebe que está descendo uma escada. Possivelmente a escada que ele viu ao entrar ali. No entanto não se lembrava de ter tanta neblina.
Ele se sente confuso. Seu coração está palpitando porque há sons estranhos e ameaçadores no meio da neblina.
Sidney termina de descer a escada e então vê alguma coisa que ele não acredita, alguma coisa totalmente fora da lógica: há um lago na sua frente e ele está pisando um pier de madeira.
Na margem do pier há um barco a remos.
- Mas que merda está acontecendo aqui?!
Ele não faz a menor ideia. A confusão toma conta de sua mente.
Olha de novo para o lago que não deveria estar ali e consegue enxergar um facho de luz no meio da neblina.
Os sons estranhos no ar voltam a se repetir. Sidney sente a iminência de que alguma coisa vai surgir do meio da neblina, alguma coisa tão terrível que a mente humana não pode imaginar.
Ele não pensa duas vezes, entra rapidamente no barco e começa a remar se afastando da margem.
Não tem a menor ideia de onde ir, mas aquela luz na outra margem parece ser o único lugar, e é para lá que ele começa a remar.
🎃
Há um pier à frente, exatamente igual àquele da outra margem.
Tudo está tomado pela neblina. É como se a neblina tivesse tomado conta do mundo.
Sidney não tem a menor ideia de quanto tempo levou para atravessar o lago. Ele sai do barco e caminha pelo pier, começa a subir a escada e de repente vê a casa surgir do meio da neblina como se fosse um enorme monstro devorador de gente. Ele não tem dúvidas que que é a mesma casa.
- Merda!
Sidney se aproxima. Procura alguma janela e olha para dentro.
Vê uma mulher sentada em uma mesa e de repente vê que é Helena. Ela está sentada lá cortando os próprios dedos com uma faca e sorrindo para ele.
Sidney leva um susto. Olha para a direita e vê um cachorro preto pequeno. Leva outro susto. O cachorro late e saí desaparecendo na neblina.
Sidney o segue e logo o perde.
O jardim, tudo ao redor está coberto por aquela densa e pálida camada de neblina.
Sidney para. Observa e escuta.
Uma sombra surge no meio da neblina e após ela outras.
Ele começa a recuar e então as sombras avançam na sua direção.
Aturdido e sem direção, ele começa a caminhar sem rumo. Chega até a casa e começa a procurar a porta. Sidney acha o que parece ser a porta da lavanderia e começa a forcá-la na intenção de abrí-la.
Alguma coisa está vindo. Ele sente aquilo no ar, ouve os sons terríveis que a coisa produz.
Há um momento em que ele olha para trás. O jardim está tomado por sombras que se destacam no meio da pálida neblina.
Desesperado ele investe contra a porta que se escancara com um baque.
Agora ele está em um corredor. Acabou de sair de um banheiro.
Gritando, em pânico, Sidney se levanta e sai correndo.
Vai até o final do corredor. Há uma bifurcação ali. À direita e à esquerda segue um vasto corredor mergulhado na penumbra, e ele parece não ter fim.
Sidney olha para cima e ele parece ser estranhamente preto, como se fosse feito de escuridão.
- Não! Não! Não pode ser!
Ele começa a caminhar rapidamente pelo corredor à esquerda. Há algumas portas ao longo dele. A maioria está fechada, mas de repente ele passa diante de uma aberta.
Sidney acha que acabou de ver um fantasma. Ele para, olha para trás e percebe que não saiu da bifurcação. O quarto está ali. Ele ouve gemidos. Se aproxima do quarto e vê uma cena bizarra: há uma coisa disforme que se assemelha um homem estuprando uma garotinha, em uma cama. Sidney vê que há mais uma coisa naquele quarto, algo maligno, algo que faz seu corpo estremecer.
Ele olha para a escuridão do quarto e vê olhos vermelhos, acesos como chamas de velas.
A porta se fecha com um baque.
Sidney leva um susto e olha para trás.
Agora ele está na cozinha. A mulher está sentada à mesa usando uma faca, mas agora ela não está cortando seus próprios dedos, e sim um pênis.
Sidney não consegue se mexer.
- Tudo o que eu fiz foi mostrar a ela uma saída, Sidney. Todos precisamos de uma saída. Mas a carne apodrece. Essa é a realidade.
A mulher olha para ele. Tem o rosto deformado e podre. A coisa se aproxima dele. Sidney tenta desesperadamente se mover mas não é capaz.
Aquilo, aquela mulher terrível se aproxima dele e começa a beijá-lo.
Sidney emite gemidos de desespero enquanto tenta se mexer.
Olha para a direita e vê uma garotinha que está comendo os colhões de um cadáver sentado em uma cadeira.
De repente ele percebe que quem está sentado na cadeira é ele.
Sidney arregala os olhos e vê a coisa. Parece uma garota, os olhos são negros como a escuridão, a boca é provida por centenas de dentes terríveis e afiados.
Sidney começa a gritar.
A coisa o ataca.
Luís Fernando Alves
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