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RAFAEL

1973

- Merda Gabriel! - Disse João sem paciência, quando o amigo parou a bicicleta pela terceira vez.

- É que eu acabei de ver que estamos perto da casa do Rafael

- E o que que tem?

- Podemos ir lá chamar ele e...

- Sério isso?!  Gabriel já perdemos tempo demais indo até a casa do Paulinho para ver se ele queria ir com a gente e no final das contas ele nem quis ir porque ficou com medinho.

- João. - Disse Júlio que estava com eles. 

João o encarou.

- Nós vamos lá e chamamos o cara. Se ele não quiser ir deixamos ele para trás. 

João concordou. Gabriel dobrou uma esquina e foi até a décima primeira casa.

- RAFAEL!

Demorou uns dois minutos para ele sair lá fora.

- Boa noite Gabriel. Aconteceu alguma coisa?

- Não. Queria saber se quer ir até a casa abandonada com a gente.

- A gente quem?

- Eu, Júlio e João.

- Não sei não.

- Vamos, eu te garanto que não é nenhuma brincadeira do João.

João já tinha armado várias pegadinhas com Rafael, na  última ele acabou pelado no meio do pátio da escola.

- Sério?

- Sim

- Então, por você eu vou. Espera um minutinho para eu ir pegar minha bicicleta.

Em menos de 40 segundos Rafael já tinha voltado com sua bicicleta. Gabriel e Rafael foram juntos até onde Júlio e João estavam.

- Que demora! Eu e Júlio estávamos quase indo sem vocês. - Disse João subindo em sua bicicleta.

Ele começou a andar e  logo os outros o seguiram. Após uns 20 minutos   chegaram na frente de uma casa abandonada. A casa tinha as paredes com a cor marrom desbotada e embolorada, sem falar nas pichações por todos os lados, inclusive na muretinha de tijolos  que cercava a casa. Seu   jardim não passava de um  matagal, suas janelas todas quebradas, e seu pequeno portão estava arrombado.

Os quatro garotos largaram as bicicletas na calçada, pularam a mureta que só tinha meio metro de altura, e atravessaram o jardim. Eles demoraram um pouco mas encontraram a porta no meio daquele mato e então abriram e entraram na casa.

A primeira coisa que viram foi apenas escuridão. Pegaram as lanternas e iluminaram o ambiente.

Tinha várias cadeiras de madeira antiga, quebradas por todos os lados, o carpete  não tinha  cor   definida. Naquele primeiro cômodo, que era o hall de entrada da casa, tinha vários móveis antigos que os garotos começaram a fuçar para ver se tinha algo interessante para furtar, mas, para a infelicidade deles, as gavetas estavam vazias. Sinal que outras pessoas já tinham entrado lá e furtado tudo que tinha valor.

Enraivecido João pegou as gavetas, tirou dos móveis e começou a jogar por todos os lados, as despedaçando.

- Provavelmente a gente não vai achar nada de valor aqui para roubar, então vamos zoar a casa que é mais interessante do que ficar procurando coisas para roubar e não achar nada.  

João começou a quebrar tudo que via pela frente. Logo os quatro garotos entraram em um corredor escuro que dava para uma cozinha. Eles quebraram a mesa, a pia, portas de armários. As coisas, em sua maioria, já estavam quebradas,  mas eles fizeram questão de quebrar mais ainda.

Em outro cômodo viram uns quadros de pessoas, pintados a óleo, de ponta cabeça. Eles picharam as paredes escrevendo letras de funk.

Não demorou nem 20 minutos para os garotos ficarem entediados e quererem ir embora. Mas eles não acharam aquele primeiro cômodo. Por mais que retornassem até a cozinha, não estavam achando o corredor.

- Que porra! - Embravejou João. - Eu jurava que o corredor estava bem aqui. Ele tava perto da geladeira! E por que não tá mais?!

- João, você tem certeza que  aquele corredor ficava na cozinha? - Perguntou Júlio.

- Tá me achando com cara de imbecil, Júlio?!

- Parem. Não vamos brigar! - Disse Gabriel. - A gente quebrou tudo aqui, talvez... a gente deva ter arrastado alguma coisa e está tampando a nossa visão para o corredor.

- Ei! - Exclamou Rafael e todos olharam para ele.

Ele estava em pé perto da geladeira. Do lado direito havia uma entrada para um corredor escuro.

- Ué! Como?... - Começou Júlio, mas logo entrou no corredor atrás de Rafael, Gabriel e João.

O corredor parecia estar mais escuro do que da primeira vez, e mais longo também, e parecia estar vindo um vento frio de algum lugar.

- Não estou enxergando nada. - Disse Gabriel, esbarrando em alguém.

- Aí! Alguém pisou em meu pé!

- Acho que fui eu Rafa, desculpe. - Disse Júlio.

- Alguém pode acender a porra da lanterna, caralho?

Os quatro começaram a tentar acender as lanternas que tinham levado, mas elas não estavam funcionando, e quando resolveram funcionar não iluminaram nem um palmo na frente de seus narizes.

- Que caralho! Isso não adiantou porra nenhuma! - Objetou João.

- Ali ó! - Disse Júlio.- Eu estou vendo a luz da lua vindo das janelas quebradas ali na frente, então esse corredor acaba logo mais.

Júlio estava certo, alguns passos adiante  acabava o corredor, mas ao sair dele, em vez de encontrar aquele cômodo todo destruído, eles estavam em uma sala de estar limpa e arrumada com uma bela mesinha de vidro e um lindo carpete vermelho, a luz dourada do sol preenchia o ambiente e a paisagem lá fora era de um glorioso jardim que terminava em uma cerca viva os impedindo de ver a rua.

- O quê?!... - João, Júlio e Gabriel disseram juntos.

- João, tu se mijou todo aí. - Júlio disse rindo.

- Cala boca! Vamos embora daqui!

- Tem razão. - Disse Gabriel abrindo a porta de madeira antiga e saindo.

João e Júlio estavam prestes a fazer o mesmo quando um ser humanoide agarrou Gabriel, o despedaçou em segundos e começou a comê-lo, rapidamente.

João e Júlio voltaram para a casa e fecharam a porta. A casa não era mais a mesma, não era mais aquela casa abandonada de antes. A criatura estava esmurrando a porta e pedindo socorro com a voz de Gabriel.

- Que  porra foi essa?! - Perguntou João.

- O Gabriel... E aquilo! 

- Temos  que nos esconder! - Exclamou Júlio. - Se aquela coisa entrar aqui vai fazer o mesmo com a gente!

- Cadê o Rafael?!

- Que se foda o  Rafael!

- Como assim?!

- Eu não me importo com o Rafael. Quer saber? Estou cagando pra você também! Se quiser ir atrás do Rafael vá. Se quiser chorar a morte do Gabriel que se foda, mas eu não vou ficar aqui pra morrer! Vou achar um jeito de sair daqui!

Dito isso João atravessou a sala e entrou em um outro corredor. Júlio  continuou ali parado, olhando para onde João tinha acabado de desaparecer. Então teve a impressão de algo subindo em seu corpo, ao olhar para suas pernas viu  centenas de mãos vindo de lugar nenhum escalarem seu corpo.  Desesperado, ele saiu correndo  e atravessou aquele primeiro corredor que dava para a cozinha.

A cozinha estava diferente, não estava quebrada, mas algo estava fedendo. Júlio não soube dizer o que era o cheiro. Na pia, perto das janelas cheias de tábuas, havia a sombra de alguém.

- Rafael, é você?

Nada aconteceu, a sombra continuava parada no mesmo lugar. Júlio, com muito medo, se aproximou e colocou a mão no ombro de quem ele achou ser Rafael. Imediatamente aquela sombra desapareceu.  Júlio ouviu um grito daqueles de garotinha e  ouviu alguém correndo ali na cozinha. Ele se virou e não viu nada.

- Olá.

A voz era de uma garotinha de uns 6 anos que estava parada ao lado de Júlio. Ela era bem menor que ele, por isso não a tinha visto. Ele se abaixou.

- Oi.

- Quero comer.

- Eu não sei se tem algo para você comer aqui. Como você veio parar aqui? Cadê seus pais?

- Quero comer.

- Vem comigo. Vamos sair daqui aí eu te dou algo para você comer. Pode ser?

- Quero comer.

- Vamos.

Júlio pegou na mão da garotinha e começou a ir em direção ao corredor, mas parou ao sentir uma dor indescritível em seu braço. Ao olhar, viu que aquela garota estava mastigando seu braço. Ele começou a correr mas aquela garotinha estava pendurada em seu braço. Em determinado momento, naquele corredor, ela o soltou. Ele continuou correndo, e ao chegar naquele primeiro cômodo onde tudo estava bonito de novo, ele olhou para seu braço e viu que agora não passava de um cotoco. A garota tinha comido até o cotovelo.

- O que aconteceu com você?

Ele ouviu a voz e virou-se para a direita

- Rafael! Graças a Deus você está bem! Vem, vamos. Precisamos sair daqui. Essa casa é assombrada! Gabriel morreu, não sei onde João está... temos que sair daqui agora!

- Não.

- Como não?! Precisamos sair daqui. Eu preciso de ajuda! Estou sangrando muito. Eu acabei de perder o braço...

Rafael pegou o cotoco que era o braço de Júlio e examinou aquele ponto que não parava de sangrar. Logo Júlio sentiu uma dor maior ainda quando de repente Rafael enfiou três facas bem ali onde estava  o toco de seu braço. Júlio caiu no chão gritando, Rafael começou a esfaquear seu corpo, por último cortou sua garganta e Júlio engasgou em seu próprio sangue.

🎃

João estava correndo em um corredor com inúmeras portas. Ele entrou em uma porta ao escutar passos. Era uma pequena sala que tinha uma cadeira e uma lâmpada. A porta se fechou ele tentou abrir mas estava trancada. Ao voltar seu olhar para a saleta, viu que a cadeira não estava mais vazia. Havia um homem sentado nela, e ele estava chorando. João ficou desesperado querendo sair de lá, mas aquele homem parecia tê-lo atraído para lá. João foi até onde aquele homem estava e ao se  aproximar o homem desapareceu.

Algo atingiu seu peito e ele caiu morto no chão.

🎃

Rafael estava em um belíssimo quarto onde tinha uma grande cama branca, as paredes também eram brancas assim como as cortinas. A paisagem lá fora era de um belo dia ensolarado. Então uma luz apareceu no quarto e aos poucos foi tomando a forma de uma bela mulher nua.

- Olá Rafael. Eu olhei sua alma e a quero.

- Quer me matar? Não tenho medo. Vai em frente. 

- Não vou te matar. Não quero sua vida, mas eu quero apenas que você se junte a mim... a nós. Nós queremos que você faça parte de mim.

- Claro...

Aquela mulher se deitou na cama. Rafael tirou suas roupas e fez amor com ela.

Ele olhou para a frente e franziu o cenho. Ele estava lá, em pé diante de um espelho de corpo inteiro que ficava na parede.

Rafael viu a coisa atrás de si.

Ele estava segurando uma arma e de repente a vontade de encostá-la na cabeça era quase que totalmente irresistível.

Rafael puxou o gatilho.

🎃🎃🎃
Debora Quesada

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