VOCÊ SABE O QUE EU QUERO
Era por volta das sete e meia quando o Del Rey prata parou em frente ao bosque da princesa em Pindamonhangaba. A mão de Ana aumentou o volume antes de desligar o som. A música estava no fim, e para ela seria uma sacanagem cortar o final de Eu era um lobisomem juvenil de Renato Russo. Ela simplesmente amava Legião urbana.
Ela desligou o som antes que a próxima musica começasse porque sabia que não iria conseguir parar de ouvir; ela sabia que a próxima música era Pais e filhos, uma de suas canções favoritas, e se parasse para ouvir iria se atrasar ainda mais do que já estava.
Desceu do carro sentindo as habituais dores dos estigmas. Castiel lhe dissera que ficariam piores quando Lúcifer fosse solto e ela acreditava. Ele já estava solto, e cabia a ela proteger o livro e todos os outros conhecimentos da biblioteca.
- Bom dia. - Cumprimentou um guarda, e ela respondeu:
- Bom dia!
Os anjos a ensinaram a suprimir em parte as dores, mas nesse último ano não adiantou em nada, era isso que ela ganhava por ser a profeta do Senhor, dor e muito sangue, ser ignorada quando chamava Deus ou os anjos, e ter a vida amorosa menos agitada do que uma cadeira, ao menos uma cadeira tem diversas bundas sobre ela várias vezes ao dia.
Mas isso não importava, ela era a profeta, mas não importava. Ana só queria três coisas: seu gato chamado Gato, seu carro, e que o mundo se explodisse.
*****
Ana apalpou os bolsos e encontrou duas Chaves. Pegou a maior deixando a menor ainda no bolso, e destrancou a porta, depois de ver uma pequena cachorrinha preta correndo bastante feliz, e atrás dela um cachorro preto que Ana podia jurar que tinha os olhos vermelhos.
No mesmo instante ela sentiu uma forte dor em seus pulsos, e ao olhar para eles constatou que estavam sangrando.
- Merda!
Foi o que ela disse antes de entrar na biblioteca e quase cair para trás ao ver que tinha alguém ali.
O homem estava sentado em uma das cadeiras lendo um livro, ele tinha os olhos vermelhos e usava uma cartola. O cara fechou o livro com um baque surdo e sorriu. Ana sabia que todas as suas marcas de estigmas estavam sangrando, inclusive uma que aparecera recentemente no alto de sua cabeça. Estava pingando sangue, ela secou uma gota antes de cair em seu olho.
- Você demorou.
****"
Lúcifer colocou o livro O iluminado que ele estava lendo em cima de uma pilha cheia de livros, alguns de Stephen King e outros de Agatha Christie.
- Sei quem é você. - Ana falou cuspindo sangue e tateando a porta que acabara de abrir, para sair antes que fosse tarde demais.
Mas Lúcifer, em um estalar de dedos, fez a porta se fechar e trancar, a chave apareceu em sua mão esquerda.
- Eu também sei quem é você Ana, profeta de Deus, guardiã da biblioteca, a única capaz de ler o Daemonium Vermis, etcetera, etcetera e tal.
Lutando contra a dor que estava preenchendo todo, seu corpo, Ana começou a correr que nem louca biblioteca adentro, deixando uma trilha de sangue atrás de si. Ela virou à direita em um corredor e gritou ao ver Lúcifer escolhendo um livro justamente lá, a prateleira estava nomeada com o dizeres literatura policial. Lúcifer pegou um livro chamado O jogo da detetive, e folheando ele rápido, disse:
- Sabe, adorei este livro aqui, os seres humanos só fizeram uma coisa que presta durante todo esse tempo que estão na terra, que é a literatura, porque o resto simplesmente é desnecessário. A literatura é única coisa que o ser humano já fez que agrega ao mundo, por isso eu elogio muito vocês. Pela literatura apenas.
Ana caiu para trás, sua roupa ensanguentada melava no seu corpo. Lúcifer se aproximou dela. Ana estava limpando suor e sangue de seu rosto. Ela levantou-se e logo em seguida deu uma joelhada entre as pernas de Lúcifer, que deu alguns passos para trás, e ela aproveitou para correr novamente.
- Eu ia fazer as coisas do jeito fácil, levando na conversa, mas você não me dá outra escolha. Se você quer do jeito difícil assim será.
Ana ouviu a voz de Lúcifer ecoar por todos os lados da biblioteca. Ela não sabia onde ir, não estava segura, mas com certeza, não poderia chegar perto da porta. Se ela deixasse ele o mais afastado possível seria bom, ou pelo menos lhe daria mais tempo.
Ela estava correndo que nem uma maluca por um corredor e de repente Lúcifer apareceu bem diante dela. Ana entrou em pânico e empurrou uma prateleira para cima dele, mas ele já tinha desaparecido. Ela respirou fundo mas foi agarrada por Lúcifer.
Ana começou a se debater e derrubou a cartola que ele usava.
- Fica longe de mim!
Ela deu uma cotovelada no estômago de Lúcifer que não sentiu nada e continuou segurando-a. Ana continuou se debatendo até pensar em algo para forçar ele a soltá-la. Ela se inclinou para frente com dificuldade, agarrou uma prateleira e a puxou para si, a prateleira caiu em cima dela e ela caiu no chão. Com dificuldade, ela se arrastou para fora da prateleira. Por um momento pensou que seria muito trabalhoso arrumar toda aquela biblioteca com prateleiras derrubadas e livros espalhados por todos os lados, sem contar em todo o sangue espalhado na biblioteca.
Quando finalmente se pôs em pé com bastante dificuldade, e empurrando para longe um livro de Monteiro Lobato, que, para sua satisfação, se rasgou, ela viu Lúcifer em pé fechando outro livro.
- O que você quer de mim demônio?- Perguntou Ana.
- Eu quero a biblioteca e o livro, e você vai me dar, querendo ou não.
Lúcifer estalou os dedos e de repente Ana não estava mais na biblioteca, agora ela estava em outro lugar. Era um caos, homens corriam para lá e para cá, tiros cruzavam o lugar. Ela olhou para o céu e viu mísseis. Ela sabia onde estava: era Israel.
Lúcifer estava lá, em pé sobre uma pilha de corpos, e ela viu sua família, sua mãe e seu pai
- Não!
Os pais de Ana estavam em Israel comemorando mais um ano de casamento, e agora estavam mortos graças a guerra. Lúcifer estalou novamente os dedos e ela não se via mais em Israel, agora estava em uma igreja, um homem todo de branco estava pregando. Ela olhou ao redor e viu que os fiéis sentados nos bancos eram cadáveres, pessoas mortas em estado de putrefação. Ana olhou para o homem de branco e viu quando suas roupas começaram a ficar manchadas de sangue. Logo o homem de branco estava coberto de sangue.
Lúcifer estalou os dedos de novo e ela estava em um lugar completamente seco. Havia árvores mortas, animais esturricados, o solo completamente seco.
No meio daquele deserto havia alguém, uma mulher, ela parecia estar de joelhos. Ana se aproximou dela e a tocou, a mulher olhou para ela e seu rosto era feito de pedra. Ana começou a secar, ela se tornou areia e se desfez, ao vento do deserto.
Lúcifer estalou os dedos novamente. Agora Ana percorria o sombrio corredor de um hospital. Havia sangue pelas paredes brancas, as lâmpadas piscavam no teto, havia mortos espalhados por toda parte, algumas pessoas agonizavam, ansiando uma morte que não vinha.
Ana caminhou em meio aquele cenário aterrador até encontrar alguém sentado em uma cadeira de rodas.
- Você sabe o que eu quero Ana. Você sabe.
Tremendo de medo, Ana se aproximou e viu que quem estava sentado na cadeira era ela mesma.
Agora ela estava sendo conduzida pelo corredor. Sentia a malignidade que exalava da pessoa que a conduzia.
- Você sabe o que eu quero Ana. Os cavaleiros precisam começar. Você sabe o que eu quero.
- NÃO! EU... NÃO POSSO!
Agora ela estava sendo conduzida mais rápido. À frente havia uma porta branca, gritos tenebrosos e agoniantes vinham de lá.
- Você sabe o que eu quero.
Ana foi conduzida a toda velocidade e passou pela porta.
Atrás da porta havia um lugar, era um lugar grande e ele estava queimando, milhares, milhões de pessoas estavam lá, e queimavam como lenha ao forno. Ana também começou a queimar, e as dores de seus estigmas eram cócegas comparadas a dor do fogo.
Ela abriu a boca e gritou, e...
Lúcifer estalou os dedos.
Ana estava no chão da biblioteca, chorando e se contorcendo em uma poça de seu próprio sangue.
- Você sabe o que eu quero.
Lúcifer se abaixou perto dela e a tocou. Foi um toque gelado, monstruoso. Ele era apenas um espírito maligno possuindo o corpo de um homem, mas ela conseguia sentir a malignidade que emanava dele.
- Posso tirar a sua dor Ana. Você sabe o que eu quero.
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LUÍS FERNANDO ALVES
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