ESPELHOS
Minha mãe sempre dizia que havia sete anos de azar para quem quebrasse um espelho. Acho que ela tinha razão.
Eu e minha mulher viajamos para o interior, uma pacata cidadezinha chamada Santo Antônio do Pinhal, o lugar onde eu cresci.
No dia 5 de setembro de 2001 recebi um telefonema dizendo que minha vó havia falecido e eu era o único herdeiro. Você pode pensar que eu fiquei rico, mas está enganado. A velha estava atolada em dívidas e a única coisa que não estava empenhorada era aquela velha casa e o que estava dentro dela.
Foi no sótão da antiga casa que eu encontrei os espelhos. Eles estavam dentro de uma caixa cheia de quinquilharias inúteis. Eram espelhos bonitos e pequenos, do tamanho de uma escova de pentear, e eu soube na mesma hora que eram folheados à ouro.
Levei os espelhos para a sala e os deixei sobre a mesa onde minha mulher Karina os encontrou.
— E esses espelhos?
— Eu acho que eram da minha vó.
— Ela tinha bom gosto.
Eu não respondi, estava meditabundo desde que encontrara aqueles espelhos. Karina percebeu aquilo e me interpelou:
— Tudo bem Richard?
Olhei para ela como se tivesse despertado e respondi:
— Eram os espelhos dela. Tenho certeza. - Peguei um deles o analisando.
— E o que tem de especial nisso?
Olhei para Karina e suspirei.
— Minha... Minha vó era esquisita.
— Esquisita como?
— Ela... Ela era supersticiosa. E via... Ela via coisas... Tipo... Fantasmas. - Olhei ao meu redor. — Ela dizia que essa casa era assombrada. Dizia que havia coisas aqui, e usava esses espelhos para vê-las.
Karina ficou olhando para mim por alguns tempo e então disse:
— Certo, sua vó era pirada.
Ela sorriu, mas logo o sorriso morreu em seus lábios.
— Você acreditava nela amor?... Já viu alguma coisa quando morava aqui?
Fiquei em silêncio por alguns instantes e então respondi:
— Teve um dia que eu entrei no quarto dela. Os espelhos estavam sobre a penteadeira e eu os peguei. Segurei um com a mão esquerda e o apontei para as minhas costas esticando o braço para trás. Então peguei o outro com a mão direita. Era assim que ela fazia. Às vezes eu a via pelos cômodos da casa fazendo aquilo.
" Quando virei para o lado do guarda roupas, vi um vulto. Alguma coisa do tamanho de uma criança. Levei um susto e quase deixei os espelhos caírem."
Fiquei em silêncio por alguns instantes e então Karina perguntou, curiosa:
— E então? O que aconteceu?!
— Coisas estranhas começaram a acontecer. Coisas muito estranhas. Eu ouvia vozes, via vultos, sombras pareciam se esgueirar pelas paredes quando eu passava, portas se fechavam e se abriram sozinhas.
" Um dia acordei ofegante no meio da noite. Tinha tido um pesadelo horrível. Então me sentei na cama e vi minha vó. Era apenas uma sombra parada no limiar da porta mas eu sabia que era ela, e ela carregava os espelhos. "
"Ela ficou ali, parada por alguns instantes, e então saiu. "
— Mas e então? O que... O que você fez?
— Minha mãe veio me visitar numa sexta feira. Minha mãe era viciada em crack, por isso eu morava com minha vó. Eu contei a ela tudo o que estava acontecendo, as duas discutiram, me lembro dos olhares estranhos da minha vó. Depois minha mãe me levou para o jardim e falou comigo
" — Não quero que ligue para as histórias absurdas da minha mãe, ok? Ela é louca. Ela diz que aprisionou uma empregada dela em um espelho usando magia negra. Mas não passa de uma louca. "
"Depois disso eu nunca mais vi minha mãe."
— Que história é essa de aprisionar a empregada no espelho Richard?
Eu acendi um cigarro e levei alguns segundos para responder:
— Um dia ela chegou em casa e encontrou meu vô transando com a empregada.
— Mas que merda!
— Merda foi o que ela fez.
— E o que foi?
— Ela matou meu avô. - Karina arregalou os olhos. - A polícia nunca conseguiu provar que ela o matou, mas eu sei que sim.
" Mas para a empregada ela reservou algo: "
" Minha vó era praticante de bruxaria e tinha uma gigantesca biblioteca sobre ocultismo."
" Ela usou Margia negra e aprisionou a alma da jovem empregada no espelho. Uma maldição. Uma maldição que só se encerraria no dia em que o espelho fosse quebrado. "
Karina arregalou os olhos.
— Que bizarro! Sua vó era uma assassina!
— Quase.
Karina franziu o cenho.
— Como assim?!
— Ela matou meu avô mas antes ele (que também era bruxo) fez um feitiço.
— Que feitiço? Do que está falando?
— Um feitiço de troca de corpo.
Karina ficou abismada.
— O que?...
Eu continuei:
— Minha vó pensou que estava matando meu avô, mas matou outra pessoa, porque naquele momento ele já tinha trocado de corpo.
Karina abraçou o próprio corpo numa clara atitude de medo.
— Troca de corpo... Quem... Quem ela matou?
Eu sorri e respondi.
— Ela matou meu neto.
Karina arregalou seus imensos olhos azuis e levou as mãos à boca abafando um grito.
Eu me levantei, peguei um dos espelhos e o atirei ao chão, o quebrando.
Uma coisa aconteceu. Uma fumaça negra se ergueu do espelho quebrado e voou na direção de Karina que gritou.
Mas logo a coisa a atingiu entrando por suas narinas e sua boca.
Karina emitiu um som como se estivesse engasgando e então caiu no chão.
Ela ficou um tempo de quatro no chão e então se levantou.
Karina havia desaparecido. Seus olhos agora estavam negros.
Ela me olhou e sorriu.
— Olá meu amor. - Disse eu.
— Demorou muito amor.
— Sim. Mas agora vai ficar tudo bem.
Eu me aproximei dela e então nos beijamos.
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