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▪ 2 ▪

Não sabia que horas eram, mas observando através das enormes vidraçarias do corredor, pude perceber que era muito tarde. A lua brilhava em um tom de azul profundo, lançando sua luz sobre o pasilho, iluminando cada canto com uma aura etérea. Não me permiti olhar em volta enquanto corria por aquele corredor; não me permiti parar para qualquer sinal de hesitação. O vento gelado da caminhada rápida batia em meu rosto, demonstrando que aquela era uma noite gelada e caótica, como se estivesse refletindo o tumulto interno que eu enfrentava.

O norte da mansão era onde estavam o jardim, meu antigo quarto e o quarto dele. Diminuindo meus passos, parei diante da porta branca com detalhes em ouro. Prolonguei um suspiro alto, sentindo o peso da incerteza e da angústia, e girei a maçaneta com a maior força mental que definitivamente não possuía naquele momento. Por fim, invadi o quarto às pressas, como se estivesse buscando refúgio em meio à tempestade emocional que me assolava.

Olhei ao redor enquanto fechava a porta atrás de mim devagar, como se temesse que o mundo lá fora pudesse invadir aquele espaço sagrado de tranquilidade forçada. Tudo permaneceu da mesma forma, intocável, com um pouco de pó, como era comum, já que não era permitida a entrada de outras pessoas ali. Passei a mão pela pequena cômoda próxima à porta, sentindo um pequeno amontoado de sujeira se enredar nas pontas dos dedos, uma metáfora visual da bagunça interna que eu lutava para conter.

Direcionei-me até a cama, cujos lençóis brancos e um pouco amarelados pelo tempo eram testemunhas silenciosas de tantas memórias dolorosas. Sentei-me, observando cada detalhe do lugar, mergulhando em um silêncio carregado de emoções conflitantes. Deitei-me na cama, puxando algumas cobertas, e o cheiro de poeira que emanava delas invadiu minhas narinas, trazendo consigo uma sensação de nostalgia e tristeza.

Permiti-me chorar, permiti que todas as memórias e sentimentos dolorosos emergissem, envolvendo-me como uma sombra fria e implacável. Deixei que apenas o luto restasse, mas sem a raiva usual, apenas a dor da perda, um peso opressivo que me arrastava para o abismo do sofrimento. Senti as lágrimas geladas escorrendo pela minha bochecha enquanto afundava o rosto no travesseiro, soltando pequenos soluços quase inaudíveis, como murmúrios de uma alma dilacerada.

Senti o ressentimento contra mim mesma surgir, e o alimentei para que crescesse naquele momento, imaginei o quanto que Darian estaria decepcionado, o quanto mamãe me repreenderia por agir daquela forma.

A amargura daquela vida, o quão amarga havia me tornado em tão pouca idade. Sabia o quão cruel estava sendo ao tratar as pessoas daquela forma, mas substituir o sentimento de dor pela raiva era muito mais primoroso e confortável. Conversar trazia todos aqueles sentimentos de volta, mas a raiva não, a raiva extraviava eles, os cobria como um manto protetor o encobrindo.

Puxei mais os lençóis para que me cobrisse até o queixo relaxando, sentindo a sensação de paz a muito tempo não sentida fazendo-me dormir.

「 • • •❀• • • 」

Ao emergir do sono, senti-me renovada , como se uma tempestade interna tivesse finalmente se acalmado. O sol brilhava suavemente através das cortinas entreabertas, iluminando o quarto com uma luminosidade dourada. Ergui-me da cama com determinação, pronta para enfrentar o dia que estava por vir.

— Prepare meu cavalo! — Ordenei, adentrando os estábulos e avançando em direção a Aerion, que permaneceu parado enquanto me aproximava. Ao chegar perto o suficiente, pude perceber sua expressão confusa e meio zombeteira.

— A senhorita não costuma gostar de andar a cavalo, então sua vinda aqui é um pouco surpreendente. Deveria dizer que sua presença é uma... honraria? — Zombou, indo atrás de algo nos fundos enquanto me dava as costas.

Aerion era mais do que um simples conhecido; era uma ligação com o passado, uma testemunha silenciosa de nossas travessuras de infância. Recordações de tempos mais simples e inocentes inundaram minha mente enquanto eu seguia Aerion pelos corredores dos estábulos. Lembrei-me de Darian e eu, correndo entre os cavalos, rindo e brincando sem preocupações, até a voz autoritária de Leda, nossa babá nos chamar de volta à realidade.

Entretanto, os anos haviam separado nossos caminhos e, agora, nossa interação era pontuada por uma mistura de nostalgia e estranheza. Arqueei a sobrancelha ao ouvir sua voz ousada dirigida a mim, enquanto o seguia por trás para onde quer que estivesse indo.

— Eu ordenei que preparasse meu cavalo, não questionei seus pensamentos, Aerion. — Um sorriso frio se desenhou em meus lábios ao perceber seu leve tremor. — Talvez devesse lembrar nossas posições e quem sou eu. Não esqueça que poderia cortar sua língua, assim me obedeceria em vez de falar com tanta ousadia sobre coisas que não lhe dizem respeito. Assim entenderia que sou superior a alguém como você, e para falar tão abertamente em minha frente sobre assuntos que não são de sua incumbência, acredito que lhe dei muita abertura. — Aumentei o tamanho de meus passos o suficiente para ficar ao seu lado. — Você é o servo aqui, Aerion, e eu definitivamente não sou sua amiga. Ouse falar assim novamente comigo e a cada erro que cometer, será uma parte do seu corpo arrancada, até chegar no seu pescoço. Não esqueça que a forca ou guilhotina são boas amigas dos plebeus. — Lembrei-lhe, pegando sua mão de forma carinhosa. — Agora foi um aviso; da próxima vez, começarei com seus dedos quebrados, suas mãos, seu braço e assim por diante.

Senti seu corpo tremendo antes de virar completamente para mim, seus olhos brilhando com puro escárnio e zombaria.

— Suas ameaças já foram melhores, Daria. É isso que diz aos outros empregados?? Não vou negar que me deu um pouco de medo, mas alguém que te conhece tão bem quanto eu saberia que jamais cumpre suas ameaças. Você é o típico cão que ladra, mas não morde — Zombou, puxando suas mãos para pegar a cela, por fim.

— Me comparou com um cachorro? Você deveria levar em conta minhas ameaças. Meu status ainda é maior que o seu em qualquer lugar que você for! — Gritei estarrecida, correndo atrás dele. Percebendo que ele estáva a uma distância extremamente longa, nem percebera o quão rápido havia andado.

Cruzei os braços, uma mistura de indignação e raiva borbulhando dentro de mim. Aerion continuava sua tarefa, imperturbável, como se meus comentários ácidos fossem apenas brisas passageiras.

— Ah, Daria, sempre a dramática. Acredite, já ouvi ameaças mais convincentes saindo da boca de uma criança mimada. — Ele lançou um olhar de soslaio, com um sorriso irônico, enquanto ajustava a sela no cavalo.

Revirei os olhos, contendo a vontade de lançar um comentário ainda mais cortante. Aerion podia ser irritante com sua insolência, mas era o melhor cavalariço que tínhamos, e eu precisava dele.

— Espero que você esteja certo sobre isso. Caso contrário, não haverá ninguém para lamentar o que acontecer com você quando eu finalmente decidir morder. — Minha voz era um frio sussurro carregado de desdém, ecoando nos estábulos vazios.

Ele ergueu as sobrancelhas, fingindo surpresa, mas não disse mais nada, focado em seu trabalho. Talvez, por uma vez, minhas palavras tenham atingido seu nervo, mesmo que ele nunca admitisse

— Ah, claro, e me levarás à guilhotina. Não acredito que se emocionaria ao ver minha cabeça caindo em um balde pequeno, Daria. — Caçoou, colocando a cela em Ponny e, em seguida, fechando algumas abotoaduras. — Nós sabemos que você não lida muito bem com a morte alheia e... — Seu rosto fechou ao perceber o que dissera, virando lentamente em minha direção, com a tez levemente pálida. — Perdão, não foi minha intenção.

— Tanto faz, mas ainda acredito que dei liberdade demais a você. — Falei secamente após o leve estremecimento. Engoli em seco ao me aproximar da égua branca que ganhei quando tinha 14 anos. "Ponny já está pronta?" — Perguntei, acariciando-a e tirando alguns gominhos de açúcar de um pequeno bolso na cintura.

— Ter colocado o nome dela de Ponny é uma clara demonstração de que você não é tão ruim, Dariela. Ponny é um nome muito fofo para um cavalo... Não acha?

Revirei os olhos, controlando o ímpeto de rir diante da observação de Aerion. Ele tinha um jeito peculiar de transformar até mesmo a situação mais tensa em algo leve.

— Deixe de besteiras, Aerion. Ponny é um nome perfeitamente adequado para uma égua tão digna e majestosa quanto ela. Além disso, prefiro que ela tenha um nome que a faça parecer mais inofensiva do que realmente é. — Respondi com um sorriso sarcástico, enquanto Ponny relinchava suavemente, como se estivesse concordando comigo.

Aerion apenas riu, sacudindo a cabeça em descrença, antes de terminar os preparativos para nossa jornada. Era estranho como, apesar de todas as nossas diferenças, conseguíamos encontrar algum tipo de humor até mesmo nas situações mais sombrias.

— És falador, Aerion. Para sua própria segurança, deverias ter cuidado com essa língua tua. Posso não ter coragem de matar-te, mas tenho o suficiente para arrancá-la caso passe dos limites comigo.

Observei por mais alguns segundos enquanto ele fechava o último trinco, puxando a cela para baixo para ver se estava firme. Cada clique do trinco ressoava no estábulo, uma contagem regressiva para um possível confronto iminente.

— Planejando ir ao povoado hoje? Ouvi que estará tendo um festival de Apuya, alguns sacerdotes do templo estarão abençoando. Deveria ir, talvez essa carranca saia dessa sua linda cara bonita. — Riu ao se afastar o suficiente para que eu pudesse subir em Ponny.

— E como está Benjamin? — Perguntei sem prestar muita atenção em seu rosto, mas sabia que só de ouvir o nome de seu marido, seu rosto não deveria estar melhor que o vermelho do tomate. Nesse meio tempo, me arrumei em cima de Ponny. Relaxei ao sentir a altura, e a acariciei, apaziguando-a para que não se estressasse com meu peso abrupto.

— Oh... Benji... Ele tem, hum... estado bem — Com uma vista rápida, pude ver seu rosto corando.

Benjamin e Aerion estavam casados há um ano. Era uma coisa levemente cômica de se ver. Aerion, com seu jeito assanhado e falador, não combinava em nada com o doce e tímido Benjamin. Não haviam tido uma reunião de casamento formal, mas sim o juramento. Não lembrava ao certo, talvez safira? Não acho que Aerion seria burro o suficiente para fazer os outros dois; rubi e esmeralda eram os mais complicados e perigosos, diferente do safira, que era o juramento mais "pacífico" assim por dizer.

O juramento era feito a sós, ou com o auxílio de um cardeal do templo. Não sabia muito sobre como era feito o ritual, mas sabia o suficiente para entender o quão problemático era, só de olhar para os meus pais.

Era um juramento solene, um pacto entre duas almas destinadas a caminhar juntas, independentemente dos desafios que o destino lhes reservasse. A cerimônia podia variar de acordo com a preferência dos noivos, mas o cerne do juramento permanecia o mesmo: compromisso, fidelidade e amor incondicional.

Alguns diziam que o juramento de safira era o mais tranquilo dos três, mas isso não significava que fosse fácil. Pelo contrário, exigia uma devoção sincera e uma compreensão profunda do parceiro. Era um compromisso para toda a vida, uma promessa de estar presente nos momentos de alegria e nos de dor, de compartilhar sonhos e enfrentar desafios lado a lado.

No entanto, mesmo com toda a solenidade do juramento, havia uma sombra de incerteza pairando sobre ele. Alguns diziam que os casais que faziam o juramento de safira estavam fadados a enfrentar grandes provações em seu caminho, como se o universo estivesse testando a força de seu amor.

A luz do sol filtrava através das frestas das janelas, criando padrões de sombra no chão de terra batida. Os raios dourados dançavam suavemente, pintando o estábulo com tons quentes e acolhedores, contrastando com a tensão que pairava no ar.

Enquanto eu montava em Ponny, sentia o peso do silêncio entre nós, uma sensação pesada que se instalava em meus ombros como um manto. Era como se o próprio estábulo estivesse segurando a respiração, esperando para ver qual seria o próximo movimento em nosso pequeno jogo de palavras e gestos tensos.

—Aerion, me dê sua capa.

Aerion soltou uma risada breve e desafiadora antes de responder: 

—Que capa?

Minha paciência começava a esgotar-se. 

—A capa que está na sua bolsa dentro do estábulo. Sei que sempre anda com ela. Me dê, irei precisar.

Ele continuou sorrindo, mas havia uma nota de zombaria em sua expressão. 

—Essa é a única que tenho. Me darás outra se algo acontecer com ela? Sabes que não sou possuidor de grandes riquezas como você, minha nobre senhorita.

—Poderia dar-te vinte dessas tecidas com fios de ouro se quisesse, Aerion!— Gritei, vendo-o desaparecer mais a fundo no estábulo.

Dei mais algumas voltas com Ponny, absorvendo a tranquilidade do local. Os estábulos, sob a luz suave do entardecer, pareciam um refúgio seguro no meio da agitação da mansão.

De repente, algo caiu sobre minhas mãos. Olhei para baixo e me deparei com a capa de Aerion. Seus olhos brincalhões encontraram os meus enquanto ele falava: 

—Me deves uma capa nova se essa não voltar inteira, Daria.— Com um aceno, ele se afastou, deixando-me com a capa marrom em mãos.

A capa era quente e confortável, exalando o cheiro reconfortante dos estábulos. Coloquei-a e dei algumas batidinhas em Ponny para que nos movêssemos.

À medida que nos aproximávamos da estrada de terra, o cenário se transformava, as árvores se tornavam mais densas e a brisa do campo acariciava meu rosto. Acelerei o passo, sentindo a adrenalina correndo pelas minhas veias.

Finalmente, avistei o povoado no horizonte, sua silhueta se destacando contra o céu alaranjado. Desmontei de Ponny com um suspiro resignado, prometendo-lhe um retorno em breve.

—Sinto muito, menina, terei que te deixar em algum pequeno estábulo fora da cidade— murmurei, acariciando seu focinho e entregando-lhe uma maçã. Depois de assegurar-me de que ela estaria em boas mãos, ergui o capuz e me encaminhei para o tumulto do festival.

Adentrando mais fundo na agitação do festival, fui recebida por uma explosão de cores e aromas. O ambiente era uma verdadeira cacofonia sensorial, com uma miríade de barracas exibindo suas mercadorias e os comerciantes lançando mão de todos os artifícios para atrair clientes.

O aroma tentador de comida grelhada misturava-se com o perfume adocicado de frutas frescas e o odor amadeirado das especiarias. Os gritos dos vendedores competiam em uma batalha "silenciosa", cada um tentando chamar mais atenção do que o outro e garantir suas vendas.

Caminhei apressada, desviando-me das vendedoras extravagantes que ofereciam leituras de mãos e visões do futuro em troca de algumas moedas. Mantive meu foco em uma pequena taverna, situada no fim de uma rua esburacada, onde esperava encontrar o que buscava.

Ao adentrar o estabelecimento, o som das conversas abafadas e o tilintar das canecas de cerveja preencheram meus ouvidos. Os frequentadores do local lançaram breves olhares na minha direção quando a porta de madeira rangeu ao ser aberta, mas logo voltaram sua atenção para suas bebidas e conversas. Optando por ignorar a curiosidade momentânea que despertei, concentrei-me em meu propósito e avancei pelo ambiente, determinada.

— Olá, Maggie. — Cumprimentei com um sorriso caloroso a pequena senhora, cujos cabelos exibiam alguns fios brancos em meio ao castanho escuro. Apesar do tempo, Maggie ainda mantinha sua beleza inegável, realçada pelo batom vermelho vibrante e o coque meticulosamente adornado com tranças que emolduravam seu rosto.

— Criança, você por aqui novamente? O de sempre? Ou algo novo? — Maggie indagou com um sorriso acolhedor, enquanto despejava cuidadosamente vinho em uma pequena taça. Seus olhos, porém, revelavam uma curiosidade mal disfarçada, indicando uma expectativa por algo diferente. A simples menção do "de sempre" implicava na rotina reconfortante, mas a possibilidade de "algo novo" trazia consigo uma aura de antecipação.

— Queria dar uma olhada nas novas encomendas, Maggie. Poderia me mostrar? — Inclinei a cabeça na direção da escada, aguardando sua aprovação enquanto tomava a taça de vinho, captando o brilho crescente em seus olhos.

— Ah, claro, vamos, venha, venha. — Maggie respondeu com entusiasmo, apressando-se em direção à escada. Ela virou-se brevemente para Prya, transmitindo instruções com um gesto rápido. — Prya, fique de olho para mim, voltarei em alguns minutos.

No segundo andar, meu olhar percorreu as três portas, cada uma revelando um destino potencialmente distinto. No entanto, uma delas se destacava sutilmente daquelas ao seu redor. Não era particularmente chamativa à primeira vista, mas ao observá-la de perto, pude distinguir gravuras intricadas em baixo-relevo. Vi Maggie dar três batidinhas distintas antes de a porta ceder à sua pressão, revelando um espaço além.

Adentramos a sala, e meus olhos se perderam na vastidão dos livros que revestiam todas as paredes, exceto aquela que abrigava a janela. Um tapete vinho meticulosamente arranjado adornava o piso, proporcionando um contraste vívido com os tons neutros do ambiente. Uma pequena mesa de centro ocupava o espaço central, cercada por poltronas e um sofá convidativos. No epicentro desse arranjo, ele estava presente, imerso em sua própria esfera de trabalho. Seu sorriso, ao lançar um olhar em minha direção, carregava consigo uma energia caótica, reflexo de sua personalidade intrinsecamente corrompida.

— Daisy, pensei que virias mais rapidamente desta vez.

— Sinceramente, preferiria não colocar meus pés neste lugar, mas admito que és o único ponto de confiança.

— Oh, então achas que sou de confiança? Minha adorável Dayse está tão encantadora hoje.

— Não me chames assim, soa repugnante vindo de você. E não, não te considero digno de confiança. Podemos ir direto ao ponto? — Inquiri, com a paciência esgotada pela manhã turbulenta. — Irei me casar, e nem sequer passei pela prova do sucessor ainda!

— Dayse, Dayse, deixe-me dar uma olhada nesses papéis. — Murmurou com um sorriso malicioso ao pegar a ficha que meu pai havia entregado.

— Não vejo problema em casar, afinal, é algo inevitável. Mas não posso aceitar um casamento antes de passar pela prova!

— Ah, então leste este documento, querida? — Perguntou, mantendo seu sorriso, enquanto examinava o conteúdo.

— Não, não tive interesse. Estava mais preocupada com outras coisas, sabes, como a prova de sucessão — expliquei, mantendo meu olhar fixo nele.

— Daremos um jeito, mas tu não te importarias se eu resolvesse isso antes, certo? — perguntou, pegando um isqueiro com um ar de despreocupação.

— JENNA! Eu ainda preciso dessa ficha! — Exclamei, sentindo o pânico me dominar enquanto me aproximava dele em passos rápidos.

— Não mais... — Disse, finalmente, colocando fogo no pequeno amontoado de papel, enquanto um sorriso irônico se desenhava em seus lábios.

— NÃO, SEU IDIOTA! — Gritei, correndo na direção das chamas, conseguindo pegar apenas uma ponta do papel já quase consumido pelo fogo.

Herbrack...

Ao menos saberia de qual o nome. Só deveria saber agora qual família, mas poderia averiguar isso depois.

— Jenna... Você definitivamente... É terrível — suspirei, pressionando o nariz, toda a sensação de estresse e reticência voltava naquele segundo.

Olhei de volta para Jenna, cujo sorriso brincalhão dançava em seus lábios como se fosse uma travessura recém-cometida. Seus cabelos, num tom castanho escuro, fluíam em ondas até os ombros, e seus olhos âmbar eram como pérolas incandescentes, hipnotizantes em sua intensidade. Sua personalidade poderia atrair qualquer mulher que desejasse, apenas agindo daquela forma brincalhona. Mas ao contrário de suas expectativas, eu odiava sua personalidade de mulherengo, ela me causava nojo e repúdio.

— Já foi, pequena Dayse, mas referente à prova de sucessor... Qual sua preocupação? Não é só daqui a um mês? Não vejo o porquê de tanto alarde.

— Jenna... o noivado é na próxima semana, no banquete de Cristine.

— Banquete de Cristine? Seu pai vai ter ousadia o suficiente para usar a comemoração de outra pessoa para roubar os holofotes??— Questionou em dúvida — Ah, claro, seu pai é um verdadeiro especialista em atrair atenção para si mesmo, não é? Acho que veremos até fogos de artifício lançados em sua homenagem. Mas falando sério, ele não deixaria passar uma chance dessas sem um grande anúncio.

Encarando-o, pude ver seu sorriso subir de orelha a orelha em curiosidade, um tremendo fofoqueiro.

—Pobre baronesa, mal entrou na alta sociedade e já terá sua luz apagada — zombou, sua voz carregada de um sarcasmo venenoso.

—Jenna, isso é sério!

Jenna lançou um olhar de desdém sobre os papéis antes de desviar sua atenção para mim. Seus olhos âmbar brilhavam com um misto de curiosidade e sarcasmo, enquanto ele balançava a cabeça em desaprovação.

— Ah, claro que é. — sua voz carregava um tom de indiferença, como se estivesse acostumado com minhas crises.

— Irei embora! Se não vais me ser de ajuda, arrumarei uma forma sozinha! — minha voz soou mais exasperada do que pretendia, mas a frustração estava borbulhando dentro de mim.

— Tão explosiva...Volte dois dias antes do banquete, tentarei uma solução até lá...Enquanto isso não arrume mais confusão, pequena Dayse. — Jenna respondeu, com uma expressão que oscilava entre o desinteresse e a paciência forçada.

Caminhei em direção à porta, mas antes que pudesse sair, suas palavras cortantes me congelaram.

— Ouvi muitas reclamações sobre sua personalidade ultimamente, quando vai parar de agir como uma criança? É difícil enviar bonecas para sempre te proteger de maldições, sabia? — seu tom era uma mistura de brincadeira e advertência, mas havia um fundo de preocupação em seus olhos.

— Lembre-se que nada disso é de graça, Jenna. Não somos amigos, sou uma cliente que paga pelos seus serviços. — respondi, mantendo um tom firme apesar da inquietude que sentia.

— Claro, claro, mas me preocupa essa doce cliente que tem talento para fazer outros a odiarem com tanta facilidade. — ela continuou, sua voz ecoando na sala vazia enquanto eu me afastava em direção à porta. — Cuidado, Dariela, é mais fácil lidar com aqueles que te odeiam abertamente do que com os que fingem ser próximos.

Ao bater a porta com força, o eco ressoou pela sala vazia, misturando-se com o som abafado dos passos apressados que ecoavam pelas escadas. Não parei para ouvir as palavras de despedida de Maggie, minha mente estava tomada pela ira, envolta em uma névoa densa que obscurecia qualquer outro som ao meu redor. Cada degrau descido era um passo mais próximo da liberdade daquela conversa indesejada, mas meu coração ainda martelava furiosamente contra o peito, alimentando a tempestade de emoções que rugia dentro de mim.

Ao alcançar a porta da taverna, um obstáculo inesperado cruzou meu caminho. Senti algo esbarrando em mim, e antes que pudesse reagir, fui atingida por uma onda de lama que se espalhou por minhas roupas e cabelos, manchando minha dignidade em um instante. A pequena garota diante de mim, uma camponesa com roupas e tranças desalinhadas, murmurava desculpas enquanto abaixava a cabeça, seus olhos cheios de temor refletindo a consciência do que havia feito.

A raiva fervilhava dentro de mim, ansiosa por se manifestar em gestos impiedosos, mas um lampejo de consciência surgiu no meio da tormenta. As palavras de Jenna ecoaram em minha mente, uma advertência sombria que sussurrava sobre os perigos de minhas ações impulsivas. Por um instante, hesitei, meu punho cerrado em torno da adaga em meu bolso vacilou, enquanto os soluços da garota ecoavam em meus ouvidos, implorando por misericórdia.

— Isso é para que preste mais atenção no que faz e em quem cruza o caminho. — Minha voz escapou entre os dentes cerrados, carregada de uma frieza que mal conseguia disfarçar a hesitação que me assolava. Agarrando uma das tranças desalinhadas da garota, ergui-a com firmeza, preparada para punir sua imprudência com a mesma crueldade que me fora infligida.

Mas os soluços desesperados da garota ecoaram em meus ouvidos, arranhando as paredes de minha consciência, e um súbito lampejo de empatia atravessou meu coração endurecido. Lembrei-me das palavras de Jenna, do aviso sombrio sobre o perigo de afugentar até mesmo os mais frágeis aliados. Com um suspiro resignado, abaixei a adaga, deixando-a cair de volta ao meu bolso, enquanto me forçava a encontrar uma compaixão que parecia distante e estranha.

"Me preocupa que tenha talento o suficiente para fazer outras pessoas te odiarem com tanta facilidade."

Envolta em um emaranhado de pensamentos tumultuados, fui arrastada para um abismo de dúvidas e incertezas. Perguntei-me se ele, assim como tantos outros, nutria o mesmo sentimento de repulsa em relação a mim. Será que também me odiava, assim como tantos pareciam fazer? O turbilhão de questionamentos me aprisionou em sua teia insidiosa, obscurecendo minha visão e ensurdecendo meus sentidos.

Imersa nessa tempestade mental, fui pega de surpresa quando uma mão repousou suavemente sobre a minha, interrompendo o caos interno que me consumia. Aproximando-se silenciosamente por trás, a presença ainda desconhecida se manifestou, mas minha mente absorta nas profundezas de sua própria angústia não foi capaz de identificá-la de imediato.

Ergui os olhos a tempo de me deparar com uma imensidão azul que me fitava com intensidade, como se buscasse desvendar os segredos mais profundos de minha alma atormentada. Os cabelos curtos e louros, a testa franzida em desagrado... Havia algo familiar naqueles traços, algo que evocava memórias de um passado distante, mas eu não conseguia colocar um nome nessa sensação de déjà vu. Eram características tão simples, tão comuns, que poderiam pertencer a qualquer pessoa em qualquer lugar.

— O que você está fazendo? — Perguntou, sua voz saindo desgostosa e um pouco irritada, ecoando no ar impregnado de tensão.

— Educando. — Respondi no mesmo tom de voz, deixando claro que não estava disposta a recuar diante de sua desaprovação.

Seus olhos estreitaram-se em desconfiança, examinando-me com um misto de desagrado e curiosidade, como se tentasse decifrar o que se passava em minha mente.

— Isso é educar para você? — Questionou novamente, sua voz carregada de ceticismo.

— Sinto muito que para você não seja, honorável cavaleiro? — minha resposta foi pontuada por um sarcasmo sutil, esperando provocar uma reação.

Um sorriso sinistro curvou os lábios dele, uma expressão que enviou arrepios por toda a minha espinha, alertando-me de que algo audacioso estava prestes a acontecer.

— Não é de seu interesse, se isso para a pequena senhora é educar, não ligará para o que farei a seguir... certo? — Sua voz era calma, mas carregava um tom de ameaça iminente.

Antes que eu pudesse articular uma resposta, fui atirada com violência em direção a uma poça de lama, meu corpo colidindo com o solo encharcado. A raiva borbulhou em meu peito, uma fúria que ameaçava consumir tudo em seu caminho.

— COMO OUSA?! VOCÊ SABE DE QUAL CASA PERTENÇO!? — Minha voz ressoou pelo ar, carregada de indignação e desafio, enquanto tentava me recompor do impacto.

Ele se aproximou, seus olhos encontrando os meus em um confronto silencioso, uma troca de olhares que transbordava hostilidade e desdém.

— Estava apenas educando, e não, não sei, não tenho interesse em saber sobre pessoas como você. — Sua voz era gélida, suas palavras cortantes como lâminas afiadas.

Engoli em seco, sentindo a umidade gelada da lama se infiltrar em minhas roupas, mas não permiti que a sensação desconfortável abafasse minha determinação.

— Há — ri, uma risada que continha mais desafio do que humor — Acha que sou um desperdício? Deveria olhar sua cara agora. — Afastei os cabelos molhados do rosto com o dorso da mão, lançando-lhe um olhar carregado de desdém. Observando minha capa suja de lama, percebi que teria que providenciar uma nova para Aerion, uma perspectiva que só aumentou minha irritação. — Você! — Gritei, agarrando-o pela gola da camisa e o empurrando em direção à poça, determinada a retribuir o gesto violento.

Em algum momento, minha mão se encheu de lama, uma resposta instintiva ao turbilhão de emoções que inundava minha mente. Quando dei por mim, minha mão estava na cara dele, um gesto impetuoso que refletia a intensidade do meu ódio. Mas antes que pudesse refletir sobre minhas ações, fui atingida por uma bola de lama que se chocou contra meu rosto.

— Seu cachorro nojento! — Disse, minha voz carregada de desprezo e raiva, enquanto tentava recuperar o equilíbrio.

— Cachorro?! E você é o que, então?! Uma rata imunda! 

— NÃO OUSE FALAR ASSIM COMIGO! — Meu grito cortou o ar, carregado de uma raiva que pulsava em minhas veias, enquanto avançava, agarrando-o pela cabeça, determinada a afogá-lo na lama. Parei subitamente ao sentir um olhar pesado sobre mim, e segui o rastro da risada que já conhecia muito bem.

— Dayse! Eu disse que você tinha um talento, mas não esperava que fosse nesse nível e nunca esperei um dia vê-la em tamanha situação. — Falou, soltando outra risada escandalosa, observando meu estado com uma mistura de diversão e surpresa. Seus olhos brilhavam com uma curiosidade insaciável, como se estivesse assistindo a um espetáculo inesperado.

— Irmão!! Você conhece essa garota?!

— Oh... Dioe, conseguir o ódio de Dayse não é uma coisa difícil, mas fazê-la realmente tomar uma atitude... Deveria considerar você altamente capaz. — Continuei encarando-o, vendo seu sorriso sumir quando dirigiu sua voz ao seu suposto irmão, seu rosto agora estava frio, não havia uma molécula do Jenna brincalhão e zombador quando se dirigiu à pessoa ao meu lado. Seu semblante era sério, uma seriedade que não se encaixava com a imagem que eu tinha dele até então, como se uma camada de sua personalidade tivesse sido removida para revelar algo mais profundo e sombrio.

Analisei toda a situação com uma mistura de vergonha e raiva borbulhando dentro de mim. Os olhares curiosos das pessoas que nos observavam de longe apenas amplificavam a intensidade da minha irritação. Havia esquecido completamente a multidão ao nosso redor, envolta na agitação do momento. Bufei, levantando-me com um gesto brusco, sentindo o peso da lama em minhas roupas e botas, que agora estavam completamente sujas. A capa de Aerion, que antes era imaculada, agora parecia ter sido arrastada pela sujeira do caminho.

Peguei a capa do chão, observando-a brevemente antes de decidir que era irrecuperável. Caminhei em direção à barraca de tecidos mais próxima, sentindo a lama se agarrar a cada passo que dava. Cada pisada era acompanhada pelo som úmido e pegajoso da lama dentro das botas, como se estivesse esmagando algo macio a cada passo que dava. O barulho ecoava em meus ouvidos, servindo como uma constante lembrança da minha situação desastrosa.

— Três capas de linho! — Exclamei, lançando três reluzentes moedas de ouro sobre o balcão enquanto aguardava o vendedor realizar a transação. Meu gesto era brusco, impregnado pela frustração que ainda pulsava em minhas veias.

Com um olhar carregado de fúria, voltei-me na direção de Jenna, que observava a cena a uma distância segura. Minha voz ecoou pelo povoado enquanto eu gritava em direção a ele.

— Da próxima vez que ele ousar cruzar meu caminho, Jenna, juro que irei acabar com ele! E desta vez, não considere isso uma ameaça vazia.

Sem esperar por uma resposta, peguei as capas embaladas e enfiei-as sob o braço, sentindo o peso do ouro em minhas mãos. Cada passo em direção à saída do povoado era uma fuga da agitação e do caos que me cercavam. Questionava-me, enquanto seguia meu caminho, como um dia poderia ser tão desastroso.

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