Navegar e escrever
O poder de observar o mundo...
Partindo do princípio que a experiência do mundo - sensorial, perceptiva e reflexiva - influencia diretamente na escrita... Se quiser melhorar a sua, em particular, precisa ampliar o seu leque de experiências. E temos que considerar que ficar grudado no celular não ajuda nesse sentido.
O escritor se constrói pelo exercício constante. Pelo "olhar para o mundo".
Os melhores textos nascem do exercício de escrever sobre o que vê; ou de aprender a usar o que vê ao construir um texto.
O sucesso do livro "Torto Arado", de Itamar Vieira Júnior, parece ter acontecido devido à capacidade criativa do autor em desenvolver a linha narrativa por meio de vozes mergulhadas em suas vidas cotidianas, suas formas de pensar e agir frente ao mundo. Um livro verdadeiramente brilhante que engrandeceu o meio literário nacional, com um reconhecimento que começou além-mar, através do Prêmio Leya.
Vejamos outro exemplo, considerado por alguns, mais comercial.
Em Rose Madder, Stephen King descreve a experiência sensorial e psicológica de uma mulher que foge de uma vida de agressões e torturas.
King é um escritor homem. Olha o desafio de passar credibilidade emocional por meio de uma personagem mulher, torturada pelo próprio marido!
Quando Rose caminha pela primeira vez por uma rodoviária, King descreve o que ela vê, e ao mesmo tempo deixa deslizar na narrativa o que ele pensa sobre o que a personagem vê.
O ato de escrever envolve interpretar e transmitir sentimentos, dos outros e do próprio autor.
A escrita envolve uma necessidade essencial de conectar o que o escritor vê e pensa sobre o mundo, com o leitor (e suas próprias ideias e emoções). Para conseguir escrever e criar tais conexões, a motivação é um requisito básico. Tem que querer/necessitar dizer algo a alguém. E esta necessidade nasce das suas experiências - boas ou más.
A dor te motiva.
A felicidade te motiva.
A estranheza te motiva.
A familiaridade te motiva.
A perturbação te motiva.
A paz te motiva.
A incompletude te motiva.
A completude te motiva.
O asco te motiva.
A atração te motiva.
Em meio a tudo que pode ou não te motivar, é o seu leque de experiências - o seu movimento pela vida - que vai determinar o que ou como escrever.
Uma expressão muito antiga diz que "navegar é preciso". Tem tudo a ver com a escrita. Quando alguém diz tal frase, o mesmo pode ser dito para o escritor: "escrever é preciso".
Dizem que a origem da expressão data do século I antes de Cristo. Um general romano teria falado aos seus marujos: Navigare necesse, vivere non est necesse. Essa frase meio que significa: navegar é necessário, viver não é necessário.
Com o passar do tempo, como acontece com todo ditado que um dia foi dito num determinado contexto, a relação entre navegar e viver podem ter ganhado o mesmo peso. Assim, nos dias de hoje, significa que navegar é como uma necessidade básica para se viver... O ar que você respira, o alimento que te mantém funcionando.
Essencialmente, na vida de um marinheiro, navegar é preciso porque navegar é viver. E se navegar é uma necessidade, eu penso que escrever possui a mesma compulsão para o escritor.
O poeta português Fernando Pessoa iria capturar a essência desse antigo dito romano em seu famoso texto:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Agora... Converter experiências de vida em palavras que falem diretamente aos corações dos leitores, também é viver - especialmente para quem tem a escrita nas veias (como o marinheiro tem o mar).
Ernest Hemingway foi um navegador e tanto... E um escritor e tanto. Possuía dentro de si ambas as necessidades - mover-se e experimentar o mundo e compartilhar com o leitor essa experiência.
FitzGerald, com seu espírito inquieto, não terminou a faculdade. Ele se alistou como voluntário na Grande Guerra. Foi considerado um dos maiores escritores da literatura americana. Ficou conhecido por descrever tão bem uma elite juvenil emergente (a um só tempo decadente), que representou o pilar do sonho americano. Aliás, ele acabou colocando o sonho americano em perspectiva. Tudo muito conveniente ao espírito da época em que viveu e escreveu. Mostrou tão bem a elite, talvez, porque transitasse por ela. F. Scott FitzGerald a observava de perto. Ele a frequentava. Era a sua experiência.
Então, a experiência ou a relação honesta e profunda que o escritor estabelece com o seu alvo de escrita é responsável, em boa parte, pela qualidade da obra escrita.
Isso significa que se navegar e escrever é viver, o escritor precisa mergulhar emocionalmente na experiência. Ele não pode juntar pedaços de receitas prontas para tentar copiar um modelo de sucesso.
Experiência, compartilhamento, alimento da alma, são palavras de ordem aqui. Elas se concretizam para sempre por meio da sua obra.
Nesse sentido, o contexto pode ajudar a imortalizar uma obra, tanto quanto o trabalho árduo do autor. Isso se dá porque o "espírito da época" colabora para dar destaque a algumas obras e não a outras. Grosso modo, há corrente da Filosofia que chama esse contexto de Zeitgeist.
Hemingway, FitzGerald, Wolfe (Thomas) e Woolf (Virginia), são produtos de um mesmo Zeitgeist. Uma mesma época.
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Quanto ao meu Zeitgeist, ainda não sei se sou o resultado deste século ou do século passado, no qual nasci e cresci.
Não sou uma escritora excepcional nem para esta geração, nem para as gerações passadas. Na verdade, nunca me interessei em ser notável. Apenas quis compartilhar temas que curto pesquisar; temas que eu sonho em vivenciar... Sempre quis ser uma arqueóloga aventureira, uma diretora de filmes em Hollywood, uma desenhista de super heróis em quadrinhos, uma pirata medieval, uma protetora de animais, uma viajante do tempo, uma detetive, uma fugitiva da justiça bem sucedida, uma astronauta, uma patinadora ou ginasta olímpica, uma extraterrestre exploradora, uma sobrevivente apocalíptica bem sucedida... E realizei todos os meus sonhos por meio de meus livros.
Eu tenho bem claro o meu objetivo, como escritora e ajo de acordo: compartilhar o meu modo de pensar e os temas que aprecio pesquisar.
Posso dizer que, por tudo o que passei, sou o resultado de uma conquista árdua. Em termos de narrativa e enredo, acredito que eu me tornei a escritora que desejei ser, tratando dos assuntos que me interessam e divertem. Não existe liberdade maior neste mundo do que poder escrever a respeito do que se quer.
E a palavra certa é esta: poder.
Só que poder (em qualquer nível) também gera responsabilidade. Penso que se alguém decide reproduzir um estereótipo, deveria refletir se deseja contribuir para isso. Por exemplo, será que nós, mulheres, quando escrevemos estórias em que virgens são vendidas a sheiks, donos de morro, mafiosos, etc, (ao reproduzir a figura da mulher como mero objeto), não estamos contribuindo para que a violência e o feminicídio se perpetuem?
E se, por outro lado, tratamos em nossos livros sobre gravidez, o tempo todo, não estaremos repetindo a imagem de "fêmea reprodutora" que só serve para isso?
Não me entendam mal. Cada um escreve sobre o que quiser, mas julgo que essa reflexão seja válida: Que tipo de escritora você, mulher, quer ser? Que tipo de legado quer deixar? Que tipo de contribuição quer dar?
Mas se você está satisfeita com 200 milhões de leitores, vários livros sobre mulheres vendidas de todas as formas possíveis... Se está satisfeita com o seu "negócio" de vender mulheres, e com seus leitores fissurados na forma como você vende sexualmente essas mulheres, e se tem dinheiro entrando na sua conta... Não julgo nem crítico. Só digo: Parabéns pelo sucesso!
Mas repito: este meu pequeno livro sobre escrita não é pra você 🤫😂
Tendo em vista o contexto, eu lhes digo que tenho clara a minha visão de escrita e o que desejo alcançar com ela. Sugiro que também reflitam a respeito.
Bem...
As pessoas me procuram de vez e quando para pedir que leia as suas obras, que dê algumas ideias e "dicas"... E eu venho observando três coisas, em relação a isto:
1) O quanto uma orientação ajuda a expandir horizontes - e talvez por isso seja tão difícil de se obter (porque é um produto que gera muito lucro). Orientação e esclarecimento são ouro para os vendedores de sonhos engarrafados. Algo que no meu entender deveria ser natural, sem guerra de egos, comum entre "colegas escritores." Mas, sei também que a vida está difícil pra todo mundo. Por isso, não julgo quem torna a orientação e os esclarecimentos, o seu ganha pão.
2) Por outro lado, o próprio escritor que busca esses conselhos valoriza mais se pagar por eles do que se os receber de graça. Quando deixei este livro de graça na plataforma do Wattpad, apenas os fãs dos meus livros o leram. Queriam saber como criei meus personagens. Mas este livro era para os escritores iniciantes. Estes nem deram bola. Não leram uma página sequer... Porque, no fundo, a maioria quer receber informação mastigada. Quer que você desenhe. Quer que você entregue todas as chaves do reino.
3) É complexo ajudar outro escritor (para que realmente a ajuda seja assimilada de maneira positiva). Escritores deveriam aceitar as críticas para evoluir, mas a maioria só quer receber elogios. Evoluir está em segundo plano; a bajulação está em primeiro.
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Então, considerando esses três itens, decidi desenvolver este livro para deixar na Amazon por um preço módico. Quem quiser, que leia. Trata-se da minha trajetória como escritora. Como eu desenvolvi a forma como escrevo. Algumas coisas podem servir para você, colega escritor, outras não.
O conteúdo nada tem a ver com cursos aprimorados em escrita ou escrita criativa. Mesmo porque, não entendo nada disso. Não sou formada em Letras. Não sou formada em storytelling, roteiro, criação, copywriting, etc. Minha formação é Psicologia, e dentro desta, eu desenvolvi um pouco sobre análise de discurso. No entanto, não faço ideia de como impedir ou colocar "gatilhos". Não me interessei por este tema.
Portanto, se está procurando ferramentas aprimoradas para fazer lavagem cerebral, lobotomia, ou hipnotizar alguém para que lhe dê a senha da conta bancária, não irá encontrar nada disso aqui.
Espero sinceramente que este conteúdo ajude quem precisar dele!
Aqui separei meus posts mais interessantes, desde que ingressei no Wattpad. Eles já não existem mais, portanto, enquanto este livro estiver disponível, espero que aproveitem.
Exemplo de escrita colaborativa que deu certo (até agora): Vi Keelander e Penelope Ward. As autoras que se juntaram sob o pseudônimo Erin York também.
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