Luna gritou para dentro do box e saiu correndo em direção ao próprio quarto. Imaginou Stella correndo atrás dela, tentando chegar primeiro ao local onde "bateram cara". Claro que a irmã nunca ganhava dela na corrida, suas perninhas eram muito curtas e ela ainda era meio desengonçada, afinal ela tinha só três anos. Não, quatro, precisava se lembrar que a irmã já tinha feito quatro anos.

Chegou no quarto e bateu na parede enquanto dizia: "Um-dois-três Luna! Um-dois-três Luna!" Virou para a porta e falou: "Está com você. Você conta até trinta enquanto eu me escondo. Não vale roubar". Foi quando ouviu o grito da mãe, vindo do cômodo mais à frente do corredor e, depois, seu choro que começou baixinho e foi aumentando de volume. Queria poder chegar para a mãe e falar: "Não fique assim, você não teve culpa". Mas provavelmente não adiantaria. Os adultos nunca dão importância para o que as crianças estão dizendo.

Esqueceu completamente da brincadeira. Se a irmã estivesse mesmo contando até trinta, ela não teria tempo para procurar um esconderijo. Brincar com a irmã era algo que ela gostava muito de fazer, agora. Parecia ser mais legal do que antes, quando Stella ainda dividia o quarto com ela. 

As lembranças que tinha de Stella estavam começando a ficar diferentes. Outro dia estava deitada, pronta para dormir, tinha acabado de rezar para pedir para o papai do céu cuidar direitinho da caçula, que tinha virado um anjinho, e percebeu que não conseguia mais lembrar direito de seu rosto. Lembrava dos olhos, da boca, dos cabelos, mas quando tentava juntar tudo isso em uma imagem só, parecia meio borrada. Será que um dia ela se esqueceria completamente que tinha tido uma pequena cópia, que a seguia para todos os cantos da casa?

Pensou alguns dias a respeito e chegou à conclusão que não, de algumas coisas ela jamais esqueceria. Ainda lembrava de cada detalhe da última vez que viu Stella. 

Estava no quarto, olhando aquela caixa idiota, cheia de maquiagens, enquanto Stella, sentada no chão, brincava com sua nova L.O.L.. Luna viu Vânia passando apressada pelo corredor, em direção à escada e percebeu que era o momento certo para tomar o brinquedo que deveria ser dela. Nem passou pela sua cabeça que com certeza isso acabaria gerando algum problema para ela, mais tarde. Ao se aproximar da irmã, esta levantou e saiu correndo em direção ao quarto dos pais, provavelmente imaginando que encontraria alguém para protegê-la. Chegando no quarto, Stella viu que o pai roncava na cama e a mãe não se encontrava, a luz do banheiro estava acesa e ela continuou a corrida até lá.

Luna entrou no banheiro e arrancou a boneca das mãos da irmã. Stella fez um biquinho que demonstrava que estava prestes a começar a chorar e, pela primeira vez, a irmã mais velha percebeu que aquilo iria acabar mal. Foi aí que ela viu que a banheira estava cheia de água e pensou que poderia ser sua salvação.

- Não quero mais essa boneca idiota. - disse Luna, jogando o brinquedo novo da irmã dentro da banheira - Tomara que desça pelo ralo e você nunca mais encontre ela. - completou, saindo em direção ao quarto dos pais.

Quando estava na porta, ainda olhou para trás e viu Stella se esticando em direção à banheira, que ficava muito alta para o tamanho dela. Pensou: "Ela jamais vai conseguir pegar a boneca", antes de sair e voltar para seu quarto. Quando chegou ao corredor, pensou ter ouvindo o som de algo pesado caindo na água, mas isso pode ser apenas uma impressão criada na sua cabeça depois, quando relembrou dessa cena pela milésima vez.

Desistiu de brincar de esconde-esconde e pegou da prateleira de brinquedos, sua coleção completa das bonecas L.O.L.

Ela amava essas bonequinhas coloridas.