Vânia ouviu o grito da filha e tentou sorrir, sem sucesso. É sempre bom saber que a menina está brincando normalmente. Doutor Carlos disse que ela e o marido deveriam prestar muita atenção em suas atitudes durante algum tempo. Chegou a sugerir ao menos algumas consultas com um psicólogo. Felipe ouviu tudo com atenção para depois, no carro, dizer: "Era só o que me faltava! Um psicólogo bagunçando a cabeça de minha filha, como se ela fosse uma biruta". A frase era como um veredito que não dava direito a qualquer tipo de apelação. A aversão ao "médico de biruta" obviamente não parava na filha e se estendia à esposa. Parece que conseguia ouvir sua voz: "Imagine o que vão pensar no trabalho se souberem que a minha mulherzinha vai em um psicólogo". E daria para ela um sorriso paternal e consolador. Jamais passaria pela cabeça dele o quanto a esposa precisava conversar com alguém que não fosse um parente, um padre ou uma vizinha solícita. Alguém que visse as coisas de maneira objetiva e profissional.

Ouviu Luna descer a escada correndo e seu coração disparou. Sem pensar, gritou em direção a sala: "Não corra na escada", mas a filha não ouviu. Pensou em quanto é difícil se fazer ouvir enquanto está afundando, afundando e afundando.

Terminou de fazer o café, mas a vontade de bebê-lo já havia passado. Beber a deixaria mais alerta, o que seria bom, já que tinha uma pilha de roupas para lavar, além de ter que ajeitar a casa. Se não fizesse isso, acabaria recebendo a visita da mãe ou da sogra, que viriam para dar cabo daquilo que ela não conseguia fazer, sempre prontas para ajudá-la neste momento difícil. A possibilidade de ver a cara de qualquer uma das duas, suas expressões piedosas e condescendentes, chegava a embrulhar seu estômago.

Abandonou o café na cozinha, sem colocá-lo na xícara, e subiu para seu quarto, onde fechou a janela e se deitou na cama, único lugar que parecia bom o suficiente, ultimamente. Imediatamente começou a chorar e se esqueceu das roupas, da casa, da mãe e da sogra.

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