Capítulo 6
"Não há quem não feche os olhos ao cantar a música favorita... Não há quem não feche os olhos ao beijar, não há quem não feche os olhos ao abraçar. Fechamos os olhos para garantir a memoria da memoria."
— Fabrício Capinejar
Retrocedi.
Eu não conseguiria encarar o pequeno alvoroço que se arrastava entre os comentários abaixo de nós. Sentamo-nos na primeira fileira de cima para que não fossemos vistas. Ao lado de Elliot, Heather sorria enquanto tocava em seu antebraço. Olhava a proximidade rígida, não gostava de vê-los juntos e nem tinha vontade de descobrir o porquê.
A gargalhada estridente da minha irmã prendeu minha a atenção, e dessa vez minha cópia acariciou o rosto do garoto, que não a afastou.
— Ele é o seu príncipe, precisamos fazer qualquer coisa.
Faith comentou indignada. Apenas dei de ombros e a minha irmã jogou a cabeça para trás olhando para nós, fui rápida, abaixei sem que percebesse que eu estava ali. Faith e Fayer a encarou e, sem dar importância minha irmã voltou a dar atenção a Elliot
— Não posso ficar com elas aqui — neguei olhando para baixo na direção deles. — Estou dando um tiro no pé se Heather descobrir. Dakota detesta que eu cante, na verdade, aquela golpista odeia tudo que eu faça ainda mais quando interligado a minha mãe.
Fayer pareceu pensar e quando olhou para a irmã sorriu, como se se entendessem ali, até que ambas me olharam ao mesmo tempo.
— Tivemos uma ideia, venha!
Faith Roosevelt tomou a frente me arrastando para fora dali, Fayer vinha logo atrás. Perguntei o que estavam aprontando, mas em troca recebia apenas algumas risadinhas sacanas que me fez revirar os olhos enquanto elas me arrastaram para uma porta amadeirada branca escrita figurinos, quando entramos me surpreendi ao ver quantidade coisas haviam ali. Fayer foi direto ao que queria, uma peruca preta de cabelos lisos pouco abaixo das orelhas.
— Coloque isto — pediu e eu gargalhei, será que ela achava mesmo que aquilo impediria minha irmã me reconhecesse?
Abri a boca para argumentar, mas ela falou antes de mim:
— Tire a roupa — arregalei os olhos. Ela piscou fazendo o mesmo do que acabará de pedir. — Use o meu vestido, isso é algo que Heather nunca esperaria que você usasse pelas condições que é obrigada a sobreviver.
Fiz o que pediu pegando o meu vestido verde musgo com estampas floridas na barra, algo tão simples que não combinava nada com o estilo elegante da minha melhor amiga, não me envergonhei de estar em peças íntimas em suas frentes, nem mesmo Fayer, rapidamente trocamos e tudo ficou diferente. O vestido salmom de manga longa com uma cordinha ajustável na cintura que deixava o ar de menininha assim como Fayer era. Sentia-me envergonhada por seu vestido ficar tão curto em mim, era ela mais baixa vários centímetros.
— Coloque isto também.
Faith me entregou os óculos que retirou bolsa e me entregou, não hesitei em colocar em meu rosto e ao me olhar no espelho e assustei ao parecer que havia possuído a imagem de alguém nada a ver comigo.
— Blessed Kelleher, agora você está irreconhecível — Faith comemorou batendo palminhas.
— Esse cabelo te deixou tão sombria, talvez devesse pintar e cortar o cabelo para enfrentar a megera golpista.
Fayer brincou me fazendo revirar os olhos, realmente havia me deixado bonita, mas olhar meu cabelo escuro era assustador.
— Aquelas idiotas nunca te reconheceriam, não mesmo!
Suspirei sorrindo, seguindo-as novamente para o auditório, que estava mais lotado do que quando saímos. Ia sentar quando a minha irmã olhou para trás, mal respirei, mas com Elliot ao seu lado ela mal me olhou, na realidade, estava atenta à amiga que caminhava para o centro do chão, quando a garota se posicionou para cantar e abriu a boca me segurei para não rir. Leslie Donovam era desafinada e assustadoramente péssima.
A única jurada mulher a fez parar.
— Ouvimos suficiente — reconheci a voz, era Sam, sentado no meio, ao seu lado direito a mulher e em seu lado esquerdo era outro homem.
Minha irmã se contorceu, não poderia ser hipócrita em não admitir o quanto sua amiga era ruim. Do palco, Leslie encarou Heather e a minha irmã pareceu suspirar, mas mesmo assim a garota não saiu do palco, pelo contrário, começou a caminhar até os jurados, diretamente na garota que a silenciou, as pessoas mal se moveram ao para vê-la, apenas ouvíamos seus passos de salto alto no chão quando parou na frente da garota.
— O QU ESTÃO FAZENDO É UM ABSURDO. ESTÃO SENDO INJUSTOS COMIGO — gritou enfurecida. A garota sentada não se moveu. — VOCÊ NEM DEVERIA ESTAR AQUI POR NÃO SABER RECONHECER UM TALENTO!
Leslie dava um show de arrogância e ignorância, minha irmã apenas observava constrangida, e Elliott fazia o mesmo, na verdade, todos faziam enquanto a garota não sentia vergonha que estava passando, que possivelmente estaria no Jornagram em algum momento.
— EU DÚVIDO QUE ENCONTREM ALGUÉM MELHOR QUE EU NESSA MERDA E QUANDO VIEREM ME PROCURAR MANDAREI TODOS VOCÊS PARA O INFERNO!
Leslie subiu as escadas pisando duro nos degraus. A sala continuava silenciosa vendo-a ir embora, quando chegou rente onde estava Heather, chamou-a para ir, que não hesitou em sair puxando Elliott pela mão, o jovem não protestou e saiu de mãos dadas com a minha irmã. Revirei os olhos girando o rosto para o lado quando se aproximaram e passaram por nós, quando saíram me senti leve e confortável. Alisei o colar da minha mãe em meu pescoço e caminhei até lá me alinhando na frente dos três jurados.
— O que preparou? — O jovem perguntou impaciente, claro que estaria Leslie havia deixado a todos irritados.
De lado observei o piano que estava no shopping naquele dia, sorri olhando para ele.
— Cantarei Never Enough em seu piano — Disse da mesma forma da outra vez e o homem de cabelo azul pareceu buscar algo em meu rosto que quando não encontrou suspirou frustrado. Caminhei até o instrumento enchendo meus pulmões de ar. Enchendo-me de forças que há anos desconhecia. Aquela música representava o meu coração, a minha saudade e mesmo que ausente Scarlette sempre estaria comigo.
Sam buscava algo em meu rosto todas as vezes que me olhava, olhei para a garota de olhos claros e cabelos curtos recebendo um sorriso gentil.
— Comece quando puder — disse em um sotaque carregado.
A sala ficou em silêncio e as pessoas pararam para me ouvir ou me ver conquistar ou fracassar, o que não faria.
Dei a última olhada no topo da escadaria me encontrando com os olhares Fayer e Faith, admiradas.
Voltei minha atenção totalmente ao piano e, quando toquei a primeira nota meu corpo flutuou para bem longe dali, que de modo automático meus lábios foram até o microfone. Estava segura do que estava fazendo, e por incrível que fosse já eu não sentia medo.
I'm trying to hold my breath
Estou tentando segurar a respiração
Let it stay this way
Deixe-a ficar desta forma
Can't let this moment end
Não posso deixar este momento acabar
You set off a dream in me
Você partiu em um sonho comigo
Getting louder now
Ficando mais alto agora
Can you hear it echoing?
Você consegue ouvir ecoando?
Take my hand
Pegue minha mão
Will you share this with me?
Você vai compartilhar isto comigo
Minhas mãos tremiam lembrando-me dos momentos que aprendi a tocar, minha mãe estava em meus pensamentos cantando para mim.
All the shine of a thousand spotlights
Todo o brilho de mil holofotes
All the stars we steal from the nightsky
Todas as estrelas que roubamos do céu noturno
Will never be enough
Nunca serão suficientes
Never be enough
Nunca serão suficientes
Cantei firme e com o coração, as pessoas ali silenciaram. Sentiam minha voz exalar como um trovão impetuoso por todo o ambiente. Eu mostrava o meu amor e as pessoas pareciam receber cada palavra como se entendessem a minha batalha. Minha voz ecoava entre os alto-falantes espalhados pelo teatro e as pessoas que me olhavam impressionados.
Meus olhos encheram-se de lágrimas, por dedicar esse momento a quem tanto amava. A quem tanto esperou por ele, antes de finalizar mal consegui respirar, as pessoas ao meu redor pareciam entender meus sentimentos, pareciam sentir exatamente o que eu quis passar. E, quando minha voz estendeu se em um agudo forte, aplausos ecoaram por todo ambiente. Eu chorava, havia conseguido.
E era por você, mãe!
Sam e a garota também aplaudiram, a garota estava com os olhos molhados. O outro não esboçou nada, ficou olhando a empolgação dos outros indiferente.
— Eu já ouvi sua a voz antes? Eu a conheço? — Sam perguntou e eu gesticulei um não com a cabeça, não precisava que Sam descobrisse quem eu era. Estava totalmente diferente do que ele conheceu e havia a promessa de não contar quem era. — Você foi muito bem.
Sam não disfarçou o entusiasmado. O garoto ao seu lado o encarou não gostando daquilo. A garota apenas revirou os olhos verdes, sorrindo.
— Você é sensacional, muito boa é pouco para você garota! — O sotaque diferenciado roubou minha atenção para si. Seus cabelos eram idênticos aos da peruca, porém com mais brilhoso e sedoso. — Me chamo Abigail Leblanc. — Apresentou-se se aproximando ao lado de Sam. Levantei-me encarando os traços finos da garota. Sam me encarou pela terceira vez, por trás de todo aquele disfarce corei.
— Sua voz me parece familiar, embora esteja mais encorpada e forte. — As pessoas ainda olhavam, mas o teatro era uma mistura de barulhos e pessoas subindo e descendo as escadas. — Tem certeza que nunca nos vimos antes? — Menti, ele suspirou — Qual é o seu nome?
O olhei por um segundo pensando na resposta.
— Perdoem-me, mas, não poderei dizer meu nome por quais meus motivos particulares não permitam. E, se me aceitarem peço para que me aceitem como Misteriosa Pianista.
Minhas mãos suavam ao terminar. Era uma resposta arriscada, mas necessária para preservar minha identidade. O homem que se juntou a Sam me olhava de modo esnobe, e ali, senti medo... Medo dê que um nome impedisse de passar para a próxima fase.
— Os formandos precisam de uma voz linda como a dela — Abigail olhou para Sam, gesticulando. — Nós precisamos dela!
— Achei outros candidatos melhores, francesinha — O homem de cabelos castanhos discordou de Abigail, que deu de ombros. — De qualquer modo aceitarei quem Sam escolher.
Sam me olhava desconfiado, mas suspirou antes de dizer:
— Eu ouvi uma voz parecida com a sua há alguns dias atrás e me senti um idiota por não feito uma proposta de trabalho a ela... — Sam levantou-se caminhando até mim. — E seria idiota se perdesse você também.
Abigail sorriu animada e o homem ao seu lado não disfarçou o incomodo.
— Bem-vinda a família, Chéri — Era francesa, certeza. Abigail se levantou me puxando para um abraço e eu devolvi sem reação. — Pode me chamar de Abi, me sinto uma velha quando me chamam pelo nome. — sorri concordando.
O moreno disse a todos que haviam encerrado a audição por terem encontrado a escolhida, muitas pessoas ficaram desapontadas porque não puderem cantar, mas os que me ouviram disseram que era uma escolha.
— Esses alunos já deviam estar formados, mas devido a um atraso no curso concluíram tarde, mas já estão esperando por essa festa e dentre um mês teremos um dia memorável — Disse a francesa. — Presumo que estude arte por ser uma artista — comentou, fiz careta negando.
Abi me olhou perplexa até que expliquei.
— Não tive autorização quando entrei na universidade. O meu pai é um homem rígido e não permitiu que seguisse com os meus sonhos, mas e você estuda aqui.
Ela sorriu, negando.
— Não! Estou a passeio em Pherce. Vim visitar uns amigos e conheci Sam e ele me convidou para a banda, mas, quando as apresentações terminarem voltarei para casa. — Explicou, prosseguindo. — Sou de Paris.
Arregalei os olhos impressionada e ela sorriu. Sam que conversava com o outro se aproximou de nós, olhei para cima e todos haviam partido, menos Fayer e Faith, que estavam sentadas olhando para nos enquanto conversavam.
— No fim de suas aulas volte aqui para o primeiro ensaio.
Sam comentou apenas concordei com a cabeça. Sorrindo, me despedi de Abi e ignorei o homem a qual não fazia questão em descobrir o seu nome, se ele não fazia questão em se apresentar também não faria questão em conhecê-lo. Subi as escadas, apresada e, quando me aproximei elas levantaram tentando controlar o sorrisinho histérico.
— Sabíamos que conseguiria. — Foi impossível não sorrir de volta. — Você foi agraciada com voz de anjo, misteriosa pianista. — Fayer piscou me fazendo revirar os olhos.
Voltamos para a sala após destrocarmos as roupas. Por sorte não estávamos tão atrasadas, por sorte Heather também não estava, mas chegaram minutos depois ao lado de Leslie que estava com o rosto avermelhado. Fayer sorria com deboche e eu a olhei de olhos cerrados, recebendo uma mexida de ombros.
As horas arrastaram-se, quando me despedi da minha melhor amiga segui o caminho até teatro amarrando meus cabelos e as escondendo atrás dos fios negros. Desci a escadaria com os olhares voltados para minha roupa que não era a mesma chiquérrima de antes, essa era apenas a Blessed com suas roupas velhas e surradas.
Abi sorriu me acolhendo de forma gentil mesmo mediante as outras, o moreno me analisou antes de falar: — Vamos ensaiar, Cinderela.
O olhei de olhos cerrados, ele não conhecia a minha vida, mas no fim estava certo, aquela era a minha vida, uma versão bagunçada de Cinderela a qual minha madrasta era pior que a madrasta malvada e a minha irmã sozinha fazia perfeitamente os papéis de Drizella e Anastácia.
Duas horas se passaram rapidamente. Muitos ensaios e varias sequências de notas que o arranjo ainda precisava ser ajustado. As últimas músicas eu cantaria sozinha para fechar o evento.
Olhei para o relógio enorme na parede na entrada e quase cai para trás. Eu deveria estar em casa há muito tempo, e se Dakota percebeu minha ausência provavelmente estaria furiosa comigo. Peguei minha mochila apressadamente. Abi me olhava confusa, percebendo que algo estava errado, mas eu ainda não confiava nela, na verdade, em nenhum deles para contar sobre a minha vida.
— Estaremos te esperando amanhã. — Abi comentou de forma gentil, apenas concordei ia subir a escada quando senti um toque leve em meu pulso.
— Me desculpe por não ter sido gentil, mas fico feliz que Sam a tenha escolhido. Sou o baterista, Sam e Abi os guitarristas e vocalistas. — explicou com um leve sorriso, suspirei. — Sou Lennie, namorado do Sam.
Então ali entendi seus motivos. Lennie estava com ciúmes porque desde o primeiro momento Sam me deu atenção.
— Podemos resolver esse impasse com o tempo, não se preocupe, mas agora preciso correr.
Ele soltou de meu punho fazendo sinal de rendição, sem olhar para trás corri pela escadaria, desesperada. Mas, antes que eu passasse pela porta larga de empurrar, Sam gritou:
— Porque tanto mistério, misteriosa pianista?
O olhei com um sorriso divertido. Nossos olhos se encontraram eu dei de ombros sem responder. E, ao sair, deixei-os pensando o que desejasse e quando vi que estava sozinha no corredor guardei a peruca na mochila, por Deus, que ninguém sentisse falta dela.
Apressei o passo até o metro, que por sorte passou o trem quase no mesmo instante. Durante o percurso fui me perguntando se Dakota havia ido me procurar. Tentei não pensar. Mas, um arrepio percorreu por meu corpo quando virei à esquina da mansão Kelleher algum tempo depois.
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