𝕹𝖎𝖌𝖍𝖙𝖒𝖆𝖗𝖊 𝕮𝖔𝖋𝖋𝖊
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⠀⠀⠀⠀Talvez fosse louco. E o seu superior estivesse certo. Mas Joan não iria admitir isso tão facilmente. Não sem antes ver com os próprios olhos se as lendas e rumores sobre o prédio à sua frente ser um local amaldiçoado eram verdadeiras. Um lado seu — provavelmente o lado louco — esperava que fossem. Pois significaria que a sua matéria especial estaria garantida e o seu trabalho cumprido no jornal em que trabalhava.
O táxi que o havia deixado ali já tinha partido, mas o jornalista continuava com os pés plantados em frente a estrutura de seis andares, tentando fazer um comparativo entre os rumores e a aparência do prédio. Bem, com certeza possuía uma arquitetura que se destacava, com suas paredes feitas de tijolos, janelas abobadadas e batentes de madeira escura.
A impressão que o local causava era que tudo em seu entorno havia sofrido a passagem do tempo, exceto aquele edifício que, segundo as pesquisas de Joan, havia sido erguido pelo menos 15 anos antes, mas que desde então estava abandonado, embora sua aparência não chegasse muito perto disso. Supostamente graças ao fantasma de Yoohyeon, a dona de um café muito famoso, que foi brutalmente assassinada no local dez anos antes.
Diziam as línguas, sites e fóruns da internet que o espírito da mulher ainda vagava pela terra em busca de algo que ninguém sabia o que era, mas que o prédio continuava relativamente conservado graças a energia dela que permanecia no local.
Joan balançou a cabeça, deixando para lá as especulações e indo atrás de fatos ao adentrar as portas do antigo prédio, que viviam entreabertas, sabia-se lá por quê. Era dia e o sol estava quente, mas o interior daquele hall de entrada estava escuro apesar das longas vitrines empoeiradas. Fazia frio em meio à sujeira e o bolor cobrindo cada centímetro do chão que dava para uma escada de madeira escura como os batentes das janelas dos andares superiores.
O primeiro degrau rangeu sob a sola do sapato de Joan. Seu pomo-de-adão subiu e desceu da mesma forma que seus pés seguiam; ranger atrás de ranger até estar no topo da escada. Diante de si se abriu um corredor com paredes cobertas por um papel de parede velho, com desenhos indecifráveis àquela altura. Era uma visão digna de suspense, graças a ausência de luz, e isso o fez se questionar pela milionésima vez o que fazia ali, mas, apesar da dúvida, subiu mais dois andares. Ranger atrás de ranger até notar que de uma das portas no centro do corredor, do 3° andar, uma luz escapava.
Uma luz que não vinha das frestas da parede ou das janelas. Uma luz oriunda da sala de um prédio que sequer tinha um sistema de energia elétrica funcionando. E foi nesse momento que Joan pensou ter visto a oportunidade perfeita para sair correndo. Poderia lidar com mais uma bronca do seu superior por não conseguir ser inovador, por ser algo muito próximo de um zero à esquerda. Mas, não sabia se tinha fé o bastante para ficar ali enquanto todos os seus neurônios gritavam para fazer justamente o contrário.
Teria ido embora se ao longe, naquela distinta sala com a luz acesa, não tivesse ouvido o soar de vozes cantando "Feliz aniversário" entre palmas e possíveis risos.
Joan piscou inúmeras vezes e aguçou os ouvidos.
É, talvez ele fosse louco mesmo. Como se não bastasse ver coisas, agora estava ouvindo. E um dos seus piores defeitos era ser do tipo de pessoa que precisava ver para crer. Afinal, foi assim que ele havia ido parar naquele lugar macabro em pleno aniversário de morte da proprietária do café, segundo o que as fontes diziam e o seu péssimo timing com datas apontava.
Quando o jornalista percebeu, já estava com os dedos contra a maçaneta gélida da porta. A mistura das vozes estava muito mais próxima, os detalhes da parede verde-escuro do corredor estavam mais vívidos e o coração de Joan estava a cada segundo desfalecendo por antecipação. Porém, nenhuma antecipação o teria preparado para o que encontrou quando abriu a porta da sala.
Era a primeira vez que estava tendo dificuldade para crer em algo, apesar de estar vendo. Bem diante dos seus olhos. Ao vivo e em cores vibrantes. Afinal, como explicar para si mesmo que a sala onde dez anos antes era o Nightmare Coffee, e que agora não passava — ou não deveria passar — de um lugar abandonado... estava em perfeitas condições? E uma festa parecia estar acontecendo ali?
Joan piscou tantas vezes que chegou a ficar tonto, mas nem a distorção da visão foi capaz de fazer sumir a realidade ilógica à sua frente. A Nightmare Coffee parecia nova. As paredes não estavam cobertas de bolor como imaginava que estaria, nem o chão imundo. Os móveis, o balcão de atendimento, a vitrine cheia de doces e pães ainda estavam ali. E, contrariando ainda mais a própria crença, os clientes também estavam presentes. Como se nunca tivessem ido embora. Como se a Nightmare Coffee nunca tivesse passado um dia, dos últimos anos, sem funcionar.
O torpor de incredulidade foi interrompido por um par de olhos castanhos que surgiu na sua frente. Teria levado um susto com a aparição quase repentina da jovem se o seu coração ainda possuísse alguma força para receber alguma descarga elétrica.
— No que posso ajudar? — A voz melódica soou, tão sorridente quanto a face da jovem.
Joan precisou de alguns segundos para se lembrar que tinha capacidade de falar.
— É-é... o-o-que tá acontecendo aqui? — Olhou ao redor, para os outros clientes espalhados pelo mediado espaço da cafeteria.
— Hoje é aniversário da loja. Cinco anos. Minhas amigas me trouxeram um bolo para comemorar.
— Mas... — Correu os olhos mais uma vez pelo lugar e pela expressão simpática da mulher. Quis perguntar "Mas esse lugar não está fechado? A dona não foi assassinada bem aqui?" todavia, aquele lugar parecia tão... vivo. Era mais fácil o morto ser ele. Morto de medo.
— Sim? — A mulher quis saber quando não ouviu uma continuação. — Você deseja tomar um café? Hoje temos uma receita especial. Os grãos são especiais. — Até a maneira pausada e educada que a moça falava parecia conferir vida a todo o resto, concluiu o jornalista.
— É..., sim, por favor. — O que mais ele poderia dizer? Algo talvez não fizesse sentido. Mas muitas coisas na vida eram assim.
— Qual o seu nome?
— Joan.
— Perfeito, Joan, me chamo Yoohyeon. Por que não se senta enquanto peço para prepararem o seu pedido?
Àquela altura, enquanto assistia Yoohyeon se afastar, por um momento ele quis perguntar se, por um acaso, existia algum risco de ele diminuir de tamanho caso comesse um dos donuts convidativos da vitrine.
Joan havia ido até ali para uma matéria horripilante, mas duas horas depois estava rindo. Rindo tão alto quanto as risadas que escutou do lado de fora. A cafeteria estava mais vazia, e agora as seis amigas de Yoohyeon, que haviam levado o bolo em comemoração ao aniversário do café, estavam sentadas à mesa com ele. Não se lembrava bem como haviam ido parar naquela situação e entre tantas conversas, mas o café era saboroso e os donuts, divinos. Fazia algum tempo desde a última vez que se lembrava de ter se divertido tanto.
— Obviamente eu a fiz limpar sozinha. — Yoohyeon contou a conclusão da história em que Siyeon havia deixado cair cappuccino no chão que havia acabado de limpar. — Depois de me enganar e colocar a culpa na Dami.
— Não sei como ela ousou! — Dami ralhou, fingindo chateação.
O jornalista deu uma risada nasalada. Aquelas garotas eram, de fato, uma figura.
Somente quando seus olhos caíram por acidente sobre o relógio pendurado na parede, Joan se deu conta do horário. Ele precisava ir. Mas não sem a garantia de que voltaria no dia seguinte. Daquela vez, ao sair do Nightmare Coffee, não temeu o caminho de volta.
Não temeu o caminho de ida também durante as próximas incontáveis e regulares vezes que voltou ao café. Em algumas, eram apenas ele e Yoohyeon, e em outras as amigas dela também estavam presentes. O que ele sabia era que aquele lugar tinha algo especial, único e acolhedor. Entre xícaras de todos os tipos de café, pães e doces; risadas, piadas, conversas agradáveis e até mesmo algumas fotos tiradas na polaroid de Yoohyeon, as horas naquele lugar pareciam nunca passar. Ou passavam rápido demais.
Era contraditório um lugar que era capaz de lhe fornecer conforto se chamasse Pesadelo. Se lembrava até de pedir para Yoohyeon lhe explicar a origem do nome, mas nem ela conseguiu lhe explicar direito, e depois disso o jornalista não insistiu mais.
Contudo, em um belo péssimo dia para novas descobertas, bem diante dos seus olhos, Joan entendeu o significado do nome.
E tudo começou com uma simples pergunta de seu colega de trabalho:
— Aonde você vai todos os dias com tanta pressa?
Se Joan não estivesse tão ocupado tentando encerrar suas atividades, guardar suas coisas e desligar o computador, teria respondido seu colega em menos de cinco segundos.
— Vou àquele café.
— Que café?
— O Nightmare Coffee. — Respondeu, atravessando a alça da sua bolsa lateral.
O rapaz na mesa ao lado, separado por uma mera divisória, contorceu o rosto com certa confusão.
— Você tem escrito a matéria sobre aquele lugar? Está ficando tão interessante assim a ponto de ir lá todos os dias? Não encontrou nenhum fantasma?
— Que fantasma? Aquele café funciona muito bem. Você deveria ir comigo um dia. Os donuts são deliciosos. E eu desisti da matéria.
— Espera. Estamos falando do mesmo café? O que ficava naquele prédio abandonado que dizem ser assombrado?
Joan suspirou.
— Sim e não, mas não importa.
— Como assim, não? — Seu colega coçou os braços, diante de uma possibilidade esquisita. — Tem certeza de que não viu nenhum fantasma?
— O quê?! — Joan repeliu o absurdo. — Que fantasma o quê! Olha, eu até tirei uma foto com a dona. — Enfiou a mão dentro da bolsa e só a retirou quando encontrou a polaroid que Yoohyeon havia lhe dado.
O outro rapaz analisou a foto por tempo o bastante para os seus olhos se arregalarem e jogar a foto ao longe, enquanto encolhia as pernas contra o peito, sobre a cadeira.
— Mas que diabos é isso!?
— O quê? — O jornalista rolou os olhos, estava ficando impaciente.
— Você, por acaso, chegou a ver alguma foto da dona desse café enquanto fazia sua pesquisa?
Joan coçou o topo da cabeça. Tinha certeza de que sim, mas não se lembrava.
Quando não obteve resposta, seu colega se aprumou e correu os dedos sobre o teclado com uma urgência desesperada, na aba de um navegador. Segundos depois, apontou para a tela:
— Olha isso!
O outro jornalista se aproximou, curvando a coluna para enxergar melhor. E preferiria nunca ter visto aquilo.
Arrepios subsequentes, cada vez mais intensos, correram como brasa pelo corpo de Joan, enquanto o frio gélido cravou na espinha mediante o que seus olhos captaram.
Uma notícia do caso Assassinato no Café correspondente de dez anos antes. E a parte mais assustadora era, sem dúvidas, a foto da vítima estampada bem ao centro da página.
Yoohyeon brilhava como nunca naquela foto. Os cabelos longos e escuros cortados numa franja lhe davam o mesmo ar vívido que a Nightmare Coffee transmitia. O mesmo brilho que a própria Yoohyeon que conheceu ao vivo e em cores no café. O mesmo ar que nada naquele mundo parecia capaz de replicar.
Quase o mesmo ar que evaporou dos pulmões de Joan diante da confusa percepção. Se aquela era Yoohyeon, então, quem era aquela moça do café?
Muita coisa não fazia sentido. Desde o começo. Desde o primeiro segundo que pisara os pés naquela cafeteria. Mas a névoa entorpecente e lúdica que acolhia os pensamentos e a compreensão de Joan o fez ignorar até o que deveria ser óbvio.
— Mas isso... isso... — Engoliu em seco, coçando o pescoço e passando a andar de um lado a outro. — Eu tirei foto com ela!
Correu os olhos pelo carpete cinzento da sala de redação em busca da polaroid que o outro rapaz havia jogado pelo chão. Ao pegá-la de volta, esperava encontrar algum alívio por perceber que nada daquilo era loucura da sua cabeça. Era real. Aquela foto deveria ser a prova disso.
Mas ela só comprovou que talvez Joan estivesse mesmo louco.
Ou que fantasmas realmente existiam.
Afinal, quais as chances de ter tirado foto com uma pessoa morta?
Quando deu por si, o jornalista já havia deixado o trabalho e os seus pés já haviam feito quase que em piloto-automático todo o processo de subir os três andares do prédio abandonado, em direção ao Nightmare Café. Não importava o que dissessem. Ele só acreditava no que via. Com os próprios olhos. Ao vivo e em cores vibrantes.
E por esse mesmo motivo, se viu incapaz de acreditar no que seus olhos viram ao irromper a porta do café.
A vida, as cores, o cheiro inconfundível de conforto e café, a música de fundo, os clientes, os móveis. A Yoohyeon.
A Nightmare Coffee havia desaparecido.
Havia desaparecido como o brilho de algo resplandecente e temporário.
E havia dado lugar ao vazio. À ausência de vida, de cor, do cheiro que não o de bolor e poeira. A única música que tocava em seus ouvidos era o silêncio de não haver mais clientes e nem os móveis. De não haver mais a Yoohyeon.
Joan puxou o ar com todas as forças. Várias e várias vezes. Provavelmente respirando metade de todo mofo, poeira e sujeira que um local abandonado há anos poderia conter.
Em meio a incapacidade de construir qualquer pensamento congruente que explicassem o que estava vendo — ou melhor, o que deixara de ver em menos de vinte e quatro horas, o jornalista escutou passos atrás de si.
No segundo que se virou, se arrependeu de um dia ter pisado os pés naquele prédio.
Olhos grandes e vidrados apareceram diante de si. Mais perto do que deveria. Mais mórbidos do que qualquer alma viva teria. O ar que Joan puxava travou na garganta e o coração pareceu ter parado de bater de tão rápido que galopava diante do pulo que deu para trás e por fim, viu o dono daqueles olhos.
Yoohyeon.
Mas não havia sorriso, não havia simpatia, não havia vida. A única cor encontrada em meio ao cinza pálido de sua pele, com aspecto necrosado e cabelo tão opaco quanto o branco do vestido, era o vermelho acumulado no abdômen. Bruto e escuro como sangue.
Joan engoliu em seco. O próprio sangue correndo pelas veias na direção contrária.
— Y-Yoohyeon... o quê...
De repente a sua visão se distorceu. Ou foi a cabeça dela que se moveu em movimentos distorcidos, deixando vestígios fantasmagóricos e um rastro de terror.
Joan piscou. Yoohyeon se moveu para frente em um piscar de olhos.
O jornalista piscou mais uma vez, ansiando desfazer o que via. A garota ficou mais perto sem mover um pé.
E a cada piscada amedrontada e incrédula, Joan se via mais próximo do pesadelo. Cada vez mais perto do grito que escapou da garganta e transformou tudo ao seu redor numa luz ininterrupta e ofuscante.
Algumas piscadas a mais e estava suando frio, o coração descompassado dentro do peito. Os dedos pressionavam com afinco o tecido dos lençóis. E estava em casa. Em seu quarto, sob a luz da janela que não fechara a cortina na noite anterior.
Alívio preencheu cada canto do seu ser, cada molécula de gás carbônico que escapou de seus pulmões ao expirar profundamente.
Foi tudo um sonho.
Ou melhor, um pesadelo.
Sentindo as pernas como gelatina, Joan se levantou da cama e caminhou para fora do quarto, encontrando na sala o seu notebook rodeado de papéis, pesquisas e matérias sobre um misterioso caso de assassinato brutal que acontecera dez anos antes contra uma jovem, chamada Yoohyeon, proprietária de um café chamado Nightmare.
Ah, ele tinha ficado mesmo louco.
Suspirou mais uma vez
Foi até a cozinha para beber um copo d'água e voltar a dormir em seguida.
Mas foi o que Joan encontrou, por acaso, sobre o balcão na cozinha que o fez ter certeza de que nunca mais pregaria os olhos.
Uma foto.
Mais especificamente, uma polaroid.
A mesma do seu sonho.
A mesma que tirou com Yoohyeon.
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