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𝕷𝖆𝖇𝖎𝖗𝖎𝖓𝖙𝖔

Cresce como fogo,
Parece ser fácil quando eu falo,
Mas não funciona como eu quero. (...)
Estou presa em um ciclo sem fim (...)
Sopre a flauta.

PIRI

⠀⠀⠀⠀A noite havia se deitado sobre Salenza e trazido consigo ventos gélidos que sopravam a superfície do lago, estremecendo o reflexo da lua cheia.

Kim Bo-ra estaria tremendo até os ossos se estivesse sozinha, deitada sobre a toalha quadriculada na beira do lago. Mas não estava. Jung-ho tinha os braços fortes e quentes ao redor de seu corpo. Sua presença era tão calorosa quanto os raios solares no ápice do verão, os olhos que a contemplavam eram tão brilhantes e fervorosos quanto uma chama acesa no braseiro. Os lábios dele tinham a curva delicada e a suavidade de um lisiantos. Seu beijo era mais doce e viciante que um favo de mel.

Jung-ho era a personificação de tudo que qualquer jovem moça desejava ter, mas que poucas poderiam sequer cobiçar. Inclusive Bo-ra. E ali, sentado nos campos do interior de Salenza, cercado pelas flores flutuantes e pelos pássaros noturnos luminescentes, o rapaz parecia ter saído de um livro encantado por algum feiticeiro.

Um sorriso brando se espalhou pela face dele, quando Bo-ra contornou a pele em seus lábios com a ponta dos dedos.

— No que está pensando? — Ele sussurrou no ouvido dela, a voz aveludada levitando as mariposas nas entranhas da moça.

— Em como você é lindo e em como quero te beijar de novo. — Ela sorriu.

Jung-ho tocou os lábios de Bo-ra com a própria boca ao ouvir isso. Uma. Duas. Três. Seus lábios tocaram os dela várias vezes, até o sorriso se espalhar no rosto dos dois enquanto se beijavam.

— E você? — ela perguntou entre os selinhos compartilhados com sorrisos. — No que está pensando?

— No tanto que eu amo você. — Ele deslizou a mão por sua bochecha, numa carícia suave, então beijou-a novamente. Dessa vez foi um beijo profundo, entrelaçando suas línguas da mesma maneira doce que seus dedos apertavam os quadris de Bo-ra, apertando-a contra si como se seus corpos nus pudessem se fundir sob o lençol de seda que os cobria.

Bo-ra arfou, embrenhando os dedos nas madeixas sedosas e densas como a escuridão, até Jung-ho se afastar o suficiente para olhá-la nos olhos. O sorriso em seu rosto esmoreceu. Nuvens nubladas haviam tomado o olhar dele da mesma maneira que tomavam o céu sobre suas cabeças.

— Não quero voltar para o palácio, Bo-ra. Não quero me casar com alguém que não seja você. — Confidenciou o príncipe, num sussurro embargado.

O coração de Bo-ra deu um solavanco. Seus dedos pararam de se mover, mas suas bochechas tornaram-se tão rubras quanto os próprios lábios estavam devido aos beijos trocados com o príncipe herdeiro de Salenza.

Oh... Sim. Como pôde esquecer daquele detalhe tão crucial? Estava apaixonada pelo herdeiro do trono de Salenza. Por quem deveria servir e proteger, conforme a tradição de sua família. Estava nos braços de alguém com quem não deveria estar. Da última pessoa por quem deveria se apaixonar.

Os lábios dela tremeram ligeiramente e suas pálpebras encheram-se de lágrimas. Ela abriu a boca, mas nada saiu. O chamado de Kim Yoohyeon ecoou à distância. Os olhos de Jung-ho se arregalaram. Os dois se sentaram subitamente, resgatando todas as peças de roupas que haviam jogado pela grama na beira do lago.

Vestiram-se tão rápido quanto haviam se despido ao deitarem-se juntos. Bo-ra ainda calçava os sapatos quando Yoohyeon surgiu entre as bromélias luminescentes. Ela lançou um rápido olhar para o príncipe, seguido de uma mesura respeitosa — afinal, ele ainda era Vossa Alteza. Mas ao encarar a irmã mais velha, não hesitou em balançar a cabeça com os lábios enrugados e as pálpebras semicerradas.

Um sorriso amarelo ergueu a boca da moça. Ela tinha plena consciência de ter se entregado a um romance fadado ao fracasso desde o início, não precisava de olhares repreensivos vindos de uma de suas irmãs caçulas.

— Está quase na hora, Bo-ra. O que faremos se você estiver aqui quando o ritual começar?

— Não me esqueci disso. Já estava indo, de qualquer maneira.

Yoohyeon balançou a cabeça.

— Estou te esperando na entrada do bosque. — Dito isso, a jovem se afastou.

Bo-ra suspirou pesadamente. Havia se esquecido do porquê Jung-ho havia viajado até o sul de Salenza quando tinha um noivado a sua espera no palácio, no norte do reino, no dia seguinte.

O aniversário dela estava se aproximando. Seu vigésimo primeiro aniversário poderia mudar tudo, quando o relógio chegasse à meia-noite.

Antes que se embrenhasse nos detalhes do que aquela data significava para cada feiticeiro em Salenza, Jung-ho segurou seu rosto entre as mãos. Um sorriso ameno, como uma brisa de verão, se abriu nos lábios dele.

— Vai dar tudo certo, Bo-ra. Você vai conseguir superar seu desafio esta noite. Nós voltaremos para o palácio juntos. Darei um jeito de te esperar. — Depositou um beijo suave em sua testa.

— E se eu demorar para acordar? E se quando eu acordar, não for mais quem sou agora?

— Para mim, você sempre será a mulher que tem meu coração. Nunca se esqueça disso. E lembre-se de que estou à sua espera.

Bo-ra sorriu. Ou tentou. Suas bochechas não se moveram. Mas sua mente tratou de registrar cada traço delicado e marcante presente nas feições de Jung-ho, e o cheiro de artemísia e limão que a embalou, quando a abraçou.

...☯...

Yoohyeon a estava esperando na entrada do bosque, exatamente como havia dito que faria. As duas percorreram as margens do rio, ladeada de dentes de leão, com as mãos erguendo a barra dos vestidos para não tropeçarem enquanto corriam.

Talvez fosse impressão de Bo-ra, mas enquanto seu coração batia com a força e velocidade dos galopes de um cavalo assustado, a lua parecia correr para alcançar seu lugar na abobada celeste estrelada, apressando-a para cumprir a tarefa à qual estava destinada.

Em Salenza, terra em que a Bo-ra havia nascido e crescido com sua família, a magia habitava cada ser vivo que caminhava pela terra, voava pelos ares ou nadava nas águas. De maneiras diferentes e intensidades diversas, mas, ainda assim, cada ser vivo possuía uma habilidade especial. E cada ser existente naquele continente precisava enfrentar seu próprio desafio ao alcançar a maturidade de sua espécie. Até mesmo a família real, cuja linhagem denominavam-se elementares, e cada membro da realeza precisava enfrentar cada um dos quatro elementos em desafios perigosos na busca de descobrir qual deles controlaria pelo resto de suas vidas.

Mas a linhagem de Bora vinha de feiticeiros. A magia corria por suas veias desde o nascimento, e havia pouco que não se podia fazer com seus dons. Mesmo não sendo um elemental, um feiticeiro poderia controlar os quatro elementos com feitiços ao completar a maioridade.

Por isso, atingir a maturidade mágica poderia significar o fim da existência que conheciam desde seu nascimento. Era quando a magia das trevas, espreitando seus dons mágicos desde seu primeiro dia de vida, alcançava sua alma, podendo sobrepujar a magia da luz, que sempre controlaram. Era justamente esse lado da magia que conseguia quebrar o equilíbrio que separava os dons de um feiticeiro dos dons de um elementar.

Não era uma situação a qual se podia escolher cumprir ou não. Quando a primeira badalada do relógio marcasse o início do vigésimo primeiro aniversário de Bo-ra, sua transição teria início. Sua mente entraria numa espécie de coma mágico, do qual só poderia ser desperta quando a magia primária enfrentasse a magia antes adormecida dentro de si.

— Mais depressa, Bo-ra. A lua está quase no ápice. — Alertou Yoohyeon, assim que alcançaram a aldeia.

Apesar de estar perto da meia-noite, as ruelas estavam movimentadas. Jovens de diversas idades riam e corriam para todo o lado. Alguns cantavam com uma viola envolta de uma fogueira. A maioria era feiticeiros, alguns já haviam passado por seus testes. Bo-ra só queria ser um deles naquele momento.

Todos sabiam que a magia não era uma zona branca ou preta, embora isso só se tornasse evidente em cada feiticeiro após o vigésimo primeiro aniversário.

A magia era uma composição de matizes cinzas. Assim como as almas de seus praticantes. Escolhas boas poderiam trazer consequências ruins, escolhas ruins poderiam trazer resultados inesperadamente bons, porque era difícil prever o que fazia parte da luz ponderando apenas com as suas boas intenções.

Bo-ra sempre acreditou ser difícil discernir o caminho que deveria escolher. Um feiticeiro poderia conhecer e dominar seu lado sombrio, mas, ainda assim, se entregar as trevas por livre arbítrio, por diversas razões. Ela sabia ser imprescindível que luz e trevas, em toda a sua potência, se tornassem uma, unificada, dentro de cada feiticeiro, independentemente de sua índole, pois seria assim que sua capacidade mágica encontraria o equilíbrio e o rei escolheria que elemento a permitiria controlar, através de feitiços, mesmo não sendo uma elementar.

Mas, quanto mais se aproximava de alcançar todo o potencial de seu poder, encontrar o equilíbrio perfeito entre seus polos opostos de luz e trevas parecia um sonho distante. Vencer aquela batalha interna garantiria que ela poderia seguir seus caminhos com consciência, dominando a dualidade da própria magia e de seu ser para proteger o reino — para proteger Jung-ho.

Independente de qual caminho fosse percorrer ao acordar, precisava conseguir acordar inteira. Se falhasse ao conhecer seu lado sombrio, e não conseguisse dominá-lo, ela não poderia escolher seu caminho por livre e espontânea vontade. Ela nem sequer sabia o que aconteceria com quem era naquele instante, enquanto seguia Yoohyeon por entre as ruelas movimentadas do vilarejo, rumo a fazenda de seus pais.

Rumo ao maior teste que enfrentaria.

O maior e o mais difícil de toda a sua vida, segundo sua mãe dissera naquela manhã, antes de partir com Gahyeon e Della, as gêmeas da família Kim, em busca da flauta encantada que, segundo as lendas de Salenza diziam, os deuses haviam criado para guiar os feiticeiros em seu teste. O canto da flauta conseguiria domar a magia das trevas de cada feiticeiro em transe, durante e, até mesmo, após seu teste.

Era a única maneira de garantir que realmente teriam controle de si e suas ações ao acordarem, também era a única coisa que poderia resgatar um feiticeiro que falhasse no teste e se perdesse nas trevas, pois o poder das sombras equilibraria ambas as magias crescentes no cerne de cada feiticeiro.

A Sra. Kim havia dito ter certeza de que a filha mais velha passaria naquele teste, mas Bo-ra sabia que a mulher tinha medo de que ela falhasse como seu tio havia falhado no passado. Um membro de sua família quase destruiu o reino por não aceitar que servissem a família real quando detinham nas mãos mais poderes que o rei. Quando tinham o poder que os permitiria governar sem a necessidade dos elementares.

Ainda que a família Kim fosse natural do interior de Salenza, todos os seus antepassados — incluindo seus pais — serviam a família real. Havia sido difícil subjugar seu tio e prendê-lo num sonho mágico, induzido por todos os feiticeiros do reino, pois a família de Bo-ra descendia dos feiticeiros mais poderosos de Salenza, os primeiros criados pelos deuses, para proteger a família real, que eram, supostamente, descendentes dos filhos dos deuses com os primeiros seres humanos.

Se era verdade ou apenas a família real se pondo em um patamar ainda mais alto, ela não sabia. Mas sabia que aquele era o problema da magia das trevas dentro de feiticeiros como eles. A magia das trevas era sedutora, ardilosa, sem limites, para qualquer um, mas para os Kim era pior. Em suas mentes ficavam despidos com todos seus desejos obscuros expostos com mais intensidade.

Para ela era ainda mais desafiador estar prestes a assumir a maioridade. Bo-ra precisaria ser mais astuta para enganar a própria magia, para não se deixar sucumbir à tentação. Se falhasse, o lado sombrio de sua persona assumiria o controle de seu corpo e sua mente ficaria presa, a obscuridade de seu ser escaparia para assumir o controle de sua vida.

O ar abafado da casa de campo da família Kim beijou a face de Bo-ra quando Yoohyeon escancarou a porta.

Para a surpresa de Bo-ra, uma das poltronas da sala havia sido colocada em cima de um sigilo com tiras de ferro presas aos braços do móvel, com o mesmo sigilo de proteção e restrição entalhado nelas.

Ela encarou a irmã.

— Vocês não acreditam que eu vou conseguir controlar o lado sombrio dos meus desejos?

— Você nunca os viu, Bo-ra. Mas eles sempre estiveram crescendo dentro de você, esperando este momento chegar. Assim como acontecerá comigo um dia. Acreditamos em você, mas por mamãe já ter passado por isso, e não estar aqui, achou melhor garantir que nada sairá do controle até ela retornar. Agora sente-se aí. — Yoohyeon ordenou, abrindo as correntes nos braços da poltrona e puxando as dos pés. Indicou com o queixo o relógio de pêndulo acima da lareira. — Está quase na hora.

— Obrigada por isso. Eu estou mesmo, muito, muitíssimo, confiante. É ainda mais animador ser presa num círculo de feitiços depois do seu discurso.

Yoohyeon suspirou quando a mais velha se sentou.

— Isso não seria necessário se você não estivesse se aventurando por aí com o Príncipe de Salenza. — Yoohyeon disse baixo, mas alto o suficiente para Bo-ra ouvir enquanto prendia os braços e pernas da irmã na poltrona. — Você vive um romance proibido, Bo-ra. Mamãe disse que a tentação é muito pior para quem tem segredos ou nutre sentimentos que só se revelam como realmente são durante nossa transição mágica. Então, não se esqueça disso, mas também não alimente o que descobrir aí dentro!

Bo-ra pressionou os lábios quando Yoohyeon cutucou sua cabeça. A caçula estava certa. Ela vivia um romance secreto com o herdeiro do trono de Salenza e ele deveria casar-se com uma elemental, como mandava a lei real.

Bo-ra nunca seria mais que uma mera feiticeira servente da família real, como seus antepassados haviam sido. Como a história de Salenza mandava, segundo os deuses. Aquele era seu lugar. Protegendo o herdeiro do trono, enquanto ele protegeria o reino.

A primeira badalada do relógio soou no cômodo. Ela se empertigou, sentindo as correntes alfinetar seus pulsos e tornozelos.

— Isso é tão pesado.

— Vai dar tudo certo. — Yoohyeon segurou o rosto da irmã mais velha entre as mãos, olhou no fundo de seus olhos. — Por favor, acorde com os olhos que tem agora.

Mais uma badalada soou.

Bo-ra encarou o relógio e mais duas ressoaram.

— O pêndulo se move mais rápido quando olho pra ele. Está vendo, Yoo... hyeon?

Yoohyeon havia desaparecido. Junto a ela as correntes que prendiam os pulsos e tornozelos de Bo-ra.

A moça ergueu-se da poltrona. Não estava mais na sala de casa. Estava em um quarto empoeirado, coberto de teias de aranhas. Não havia janelas, apenas uma porta e estantes altas cheias de bonecas de porcelanas encarando o teto.

Hyeon? — Bo-ra sussurrou, caminhando até o relevo de madeira que havia na parede oposta a estante.

Um arrepio verteu sua coluna ao notar que a madeira, que antes parecia carcomida por cupins, estava, na verdade, empesteada de aranhas pequenas da bunda avermelhada. Havia toneladas de aranhas correndo pela porta. Não era possível enxergar o material da maçaneta.

— Oh, merda. Por que tantas aranhas?

Oh, merda. Por que tantas aranhas? — uma voz aveludada sussurrou de volta.

Bo-ra engoliu em seco, apertando os punhos diante do peito. Ao passo em que olhou para trás, todas as bonecas giraram as cabeças para encará-la.

Um grito escapou de sua garganta quando as bonecas se ergueram. Ignorando a agonia vertendo por sua pele, Bo-ra girou a maçaneta.

Seus dedos grudaram nas teias, seu estomago se contorceu ao sentir cada corpo peçonhento se mover por seus dedos, escalando seu cotovelo, ao abrir a porta.

Ela correu, sacudindo as mãos e batendo nos braços para se livrar das aranhas que subiam por seu antebraço.

Bo-ra não estava mais em casa. Não estava mais em Salenza.

Seu desafio havia começado.

Ela estava vivenciando seus maiores medos, dentro da própria cabeça.

A jovem correu por corredores sinuosos e estreitos, cobertos de bichos peçonhentos em todas as paredes de ardósia cinza. Suas pernas doíam e os pulmões ardiam, gritavam desesperados por um descanso. Aquele lugar era um labirinto. Um labirinto escuro e desolado. Não havia para onde ir e nem por onde sair, ou se esconder. O labirinto não desejava libertá-la, mas enlaçá-la com a frieza escorregadia que carregava o coração dela até a garganta e estropiava suas entranhas com o medo e a angústia de não ver nada além de vultos ao redor.

De não poder nunca mais voltar a ver a luz.

De não poder nunca mais abraçar sua família.

De nunca mais poder sentir o calor da presença de Jung-ho, e a doçura de seus lábios, envolvê-la.

Kim Bora estava presa. E só poderia voltar a enxergar a luz, e a sentir o calor dos olhos escuros e brilhantes de Jung-ho, em sua pele, úmida e fria naquele momento, quando enfrentasse seu maior inimigo. Quando encarasse o que a mantinha em cativeiro.

A si mesma.

No entanto, para Bora, enfrentar a versão de si que sentia se espreitar nas paredes escorregadias e nos murmúrios ecoando das sombras, poderia levá-la à morte. Ou quase isso. Ficar presa naquela escuridão, para sempre, não era o mesmo que deixar de existir?

O labirinto seria sua prisão. Intrincada com todos os seus maiores medos. Com seus desejos obscuros e vis, que não tinha coragem de verbalizar, dando forma as sombras distorcidas e aos galhos espinhentos que se prendiam em seus tornozelos, tentando pará-la com os sussurros que se esgueiravam sob sua pele.

Bo-ra sacudiu a cabeça e deu dois tapas nas bochechas, sem parar de correr. Não. Ela não ficaria presa naquele labirinto. Era ela. Cada canto. Cada gume arranhando seus braços e pernas como lâmina afiadas. Aquele cenário estava dentro de sua própria mente. Era fruto de sua magia. Ela poderia controlar a si mesma. Independente de que face seu pior lado tivesse, assegurou a si mesma.

O tique-taque dos relógios presos às paredes que a cercavam fluía com mais desespero conforme o tempo passava. Bo-ra observou-os por um instante. Antes, todos os corredores eram iguais, como se corresse em círculos, passando por lugares tão similares uns aos outros que seus dedos apertavam as madeixas para conter o grito frustrado escalando sua garganta. Mas aquele corredor era diferente e mais estreito devido ao amontoado de relógios ciciando.

Quantos dias haviam se passado desde que sua mente caíra naquele sono mágico, profundo? Bo-ra sentia que corria há tempo demais. Seu estômago roncava. Suas pálpebras pesavam. O cansaço esmigalhava seus braços e pernas. Ela queria se encolher no chão úmido e frio, e dormir. Mas não podia. Não podia se deixar ser encontrada fácil. Bo-ra nem ao menos sabia quando e como seria se deparar com as trevas habitando seu interior.

Você pode subjugar seu eu sombrio, Kim Bo-ra. Todos que você ama estão à sua espera. Todos são cinzas. Você também pode ser...

Mas Jung-ho é apenas luz... ele não merece alguém que seja iluminado, como ele?

Seu coração perdeu o compasso. A imagem de Jung-ho lampejou diante de si. Estava sorrindo. O sorriso meigo que enrugava o nariz dele e o cantinho das pálpebras.

Bo-ra parou. E piscou. Esfregou os olhos com força.

O corredor estava vazio novamente.

O rastejar de suas emoções, tragando seus pensamentos, tentando-a com seus desejos e anseios obscuros, foi substituído pelo som de passos.

Soavam atrás de si.

Bo-ra tornou a correr.

Seus pés escorregaram no piso íngreme. Ela caiu numa poça de lodo, sujando o vestido branco que trajava. Uma ardência percorreu sua palma. Havia se cortado nos cacos de vidro grudados no fundo da poça. A dor pungente que irradiou por seu braço direito seguiu o arrepio que percorreu suas entranhas quando uma risada baixa ecoou ao redor.

Uma risada baixa, aveludada. Familiar demais aos seus ouvidos.

Um aviso sobrepujante e aterrador de que seu tempo estava acabando enquanto evitava encontrar a versão de si que a caçava naquele labirinto.

Bo-ra se ergueu e rasgou uma tira do vestido, amarrou-o com força na palma ensanguentada. Yoohyeon deveria estar desesperada por ver mais um corte se abrir em seu corpo. Talvez pensasse que o pior estava acontecendo a ela. Talvez a tivesse abandonado e partido atrás da mãe e das gêmeas, em busca de uma flauta mitológica que ninguém sabia se realmente existia.

Abanou a cabeça, os fios de cabelo chicotearam a própria face. Precisava manter a esperança. Quando completasse a missão, e voltasse a si, poderia usar a própria magia para curar os ferimentos causados em sua alma.

— Kim Bora... — Uma voz familiar soou nas paredes. — Por que não vem comigo? Vamos ser a melhor versão de nós, juntas! Não é o que quer?

— Não! — Bo-ra tornou a correr pelos corredores estreitos, mas algo pegajoso agarrou seu braço direito e a puxou.

Ela apertou as pálpebras, sentindo o estômago rodopiar ao antecipar o impacto da cabeça com a parede. Mas nada aconteceu.

Mesmo de olhos fechados, sabia ainda estar no labirinto. Podia sentir as trevas se infiltrar em sua pele, convidando-a a realizar o desejo mais perigoso enraizado em seu coração.

Uma luz cegante perturbou suas córneas através das pálpebras fechadas. Ela ergueu a mão sobre o rosto e abriu os olhos devagar.

O labirinto havia desaparecido. Estava agora em um amplo salão de paredes e pisos alvos, com janelas do teto ao chão por onde a luz entrava e banhava uma única cadeira ornamentada.

Um suspiro escapou dos lábios de Bo-ra. Ela correu até o assento e se deixou cair com o braço esquerdo ao lado do corpo enquanto o direito cobria suas pálpebras. A luz que adentrava o cômodo era branca, mas quente como o sol. Um refúgio? Se perguntou. Talvez fosse um refúgio criado pela magia da luz, afinal, era o lado que predominava em si antes de seu vigésimo primeiro aniversário...

Ainda assim, por mais quente que fosse, sua pele continuava gelada. Arrepios sopravam sua nuca de maneira nenhum pouco agradável. Não era a mesma coisa que ter Jung-ho deslizando a ponta dos dedos em sua pele, para provocá-la, enquanto a contemplava com as pálpebras estreitadas com o desejo de tê-la em seus braços explícito no brilho das íris. O estômago agitado não continha o mesmo anseio que costumava ter quando a boca dele percorria sua barriga.

— Ter o coração e afeto de Jung-ho não significa que poderá ficar com ele. Essa pequena aventura terá fim no momento em que ele firmar o noivado com a duquesa do sudoeste.

Os músculos de Bo-ra congelaram. Ela abriu os olhos devagar.

Diante de si, parada e de pé, estava uma jovem de cabelos abaixo dos ombros, trajando um vestido elegante e vermelho. Os olhos cravados nos seus tinham uma tonalidade diferente do que estava acostumada a ver quando se olhava no espelho. Não eram tom de mel. Eram um cinza profundo e brilhante.

— Você sempre será a mulher que ele amará, mas nem todos os amores têm finais felizes. Você terá que observá-lo se casar e construir uma vida ao lado de outra.

Bo-ra apertou os punhos ao lado do corpo e empinou o queixo. Os lábios estavam enrugados, seus batimentos cardíacos vibravam nos tímpanos, mas sua voz saiu firme através dos dentes cerrados:

— Não cairei nos seus truques e tentações. Sei o que está tentando fazer. Mas Jung-ho sempre estará ao meu lado. Ele está a minha espera agora. Nosso amor não precisa ter fim.

Um meio sorriso elevou o canto direito da boca do seu eu vestido de vermelho.

— Concordo, pois, eu sou você, Bo-ra. Meu peito dói porque o amo e o quero ao meu lado para sempre. Mas você precisa acordar para a realidade — sua outra versão pressionou os lábios, contendo um suspiro ao abaixar-se para ficar da altura de Bo-ra, sentada na cadeira. — Jung-ho não é um mero habitante de Salenza. Ele é o príncipe herdeiro. As leis dizem que deve se casar com alguém da realeza, deste reino ou de um dos reinos vizinhos. Desde que seja uma moça elementar, claro. Se não for com a filha da duquesa do sudeste, será com um dos herdeiros do reino de Onima. Como uma feiticeira nascida para proteger o herdeiro de Salenza, e sua família real, poderá mudar isso sozinha?

— Como poderei mudar isso se sucumbir a magia das trevas tentando minha mente?

— Sabe por que todos dizem que sou as trevas que há em si? Porque poucos podem controlar a magnitude que a magia de um feiticeiro alcança em seu vigésimo primeiro aniversário. A maioria se perde na potência acrescida a magia possuída, acreditando que tudo, e qualquer desejo, independente do que seja, está ao alcance de suas mãos. Sem ninguém para pará-los. Esses pensamentos os tornam inconsequentes, tudo que antes apreciavam se perde em suas ambições. Mas há um desejo puro em seu coração. Está regado em amor. Amor da sua família. Amor por Jung-ho. Você só quer poder viver uma vida longa, prospera e feliz ao lado de todos eles. Juntas podemos realizar esse sonho, Bo-ra. Juntas poderemos estar com Jung-ho para sempre. Esse também é meu desejo.

Bo-ra penteou os fios com os dedos e mordiscou o lábio inferior. Seu coração batia na garganta.

— Poderei fazer tudo isso quando sair daqui. Após controlar você, serei mais útil a Salenza do que qualquer uma das herdeiras de Onima ou até mesmo que a filha da duquesa. Posso convencer o rei a me permitir controlar todos os elementos.

A outra arqueou uma sobrancelha.

— E como fará tal proeza, oh, feiticeira toda poderosa?

Bo-ra bufou diante do tom debochado da figura diante de si e enfiou a mão no bolso. Seus dedos congelaram. O papel com o feitiço que a mãe a havia dado para completar seu desafio, quando tivesse a certeza de que havia compreendido toda a tentação existente em sua mente, e a razão para não a deixar tomar conta de si, não estava mais ali.

Yoohyeon havia lhe entregado antes de ir encontrar Jung-ho, no fim da tarde...

Oh, merda. Os dois haviam se livrado das roupas com pressa, ao se encontrarem... O papel deveria ter ficado em algum lugar perdido na grama.

— Aí, Bo-ra. Você nem ao menos sabe como fará para "subjugar" as trevas em sua magia, acha a mesmo que poderá convencer o rei a permitir que se torne a feiticeira mais poderosa de Salenza? Para repetir o que houve com seu tio?

Ela encarou a si mesma e abriu a boca. Fechou. Abriu mais uma vez. Fechou novamente. Esse movimento se repetiu algumas vezes, provocando uma risada leve na outra, que abanou a cabeça e cobriu o rosto com as mãos.

— Deixe-me lhe contar mais uma coisa que, creio eu, você não sabe: me subjugar não fará sua realidade mudar. Jung-ho escolherá cumprir seu dever como futuro rei de Salenza porque o equilíbrio dessas terras depende disso. É no que todos acreditam. É o que a lei imposta pelo primeiro monarca manda.

— Não importa o que diga. Sei que ficarei presa se cair na sua conversa. Já vi isso acontecer antes. Meu tio não teve a autorização do rei, ele se perdeu em seu teste, acordou com os olhos como os seus.

— Você realmente acredita nessa conversinha fiada que lhe contaram? Se faço parte de você, você faz parte de mim. Eu sou a manifestação das emoções e sentimentos que você não quer sentir e ouvir, mas, Bo-ra, são essas emoções que aumentam seu poder e nosso encontro não precisa terminar da maneira como te fizeram acreditar que acabará. Seremos uma só. Suas emoções serão minhas. Minha magia será sua. Porque eu sou você. Sempre fui parte de você. Sou o lado que quer evitar encarar, mas fui a responsável por sobrepujar o medo que afligiu seu coração a cada vez que precisou se esgueirar pelas passagens secretas do castelo com o príncipe, para se encontrarem, para estarem juntos...

Sussurrou, acariciando os fios na cabeça de Bo-ra.

— Me prenda e nada mudará. Exceto, claro, a extensão de sua magia. Ao contrário do que pensa, me subjugar roubará sua chance de controlar todos os elementos. O feitiço que deve recitar para me controlar, aprisionará toda a magia que carrego, em uma pedra. Essa pedra será levada para longe de você e mantida no cofre do rei. Porque somos mais poderosas, Bo-ra, não podemos deter todo nosso poder. Mas acredito em você, suas convicções são fortes e me fazem crer que aceitar os lados de si que carrego, lhe trará apenas benefícios.

"Você continuará sendo quem é, só que com mais consciência de suas falhas e limites, além da capacidade de controlar os quatro elementos devido a mim. O rei não deixará de desejar ter em sua família a feiticeira mais poderosa e consciente do reino. Jung-ho não terá que arriscar a paz de seu povo por um amor proibido, por manter um caso secreto mesmo após se casar. Nós duas sabemos que isso acontecerá porque nenhum dos dois conseguirá parar de se amar ou de se desejar, sobretudo, passando tanto tempo junto devido a sua posição como protetora do herdeiro do trono."

A Bo-ra de vermelho estendeu a mão. Um sorriso curvou seus lábios para cima.

— E então, o que vai ser? Quer ver o que podemos ser?

Bo-ra apertou os dedos sobre o colo. Umedeceu os lábios e engoliu, em seco, o nó que apertava suas cordas vocais. A versão de si, que a encarava com olhos cinzentos e um sorriso convicto no rosto, havia verbalizado a verdade que havia tentado enterrar durante os dois últimos anos em que esteve namorando Jung-ho escondido. Os dois se conheciam desde sempre. Eram próximos desde sempre. E estariam juntos, para sempre.

Mas não como desejavam.

Não era possível. Kim Bo-ra não era nem mesmo uma condessa!

Para Salenza manter a paz entre todas as criaturas mágicas do reino, era preciso que os membros da família real controlassem, no mínimo, dois elementos. Jung-ho havia se descoberto como um elementar do fogo e precisava se casar com uma elementar do ar.

Se Bo-ra perdesse sua capacidade de controlar todos os elementos... então... como poderia permitir que Jung-ho se rebelasse contra seu destino?

Havia sido por saber disso, que sua mãe alertara sobre ser seu maior, e mais difícil, desafio?

Bo-ra teria que sacrificar seus sonhos e desejos pelo bem de todo o reino?

— É injusto. Eu sei. Mas é você quem decide, Bo-ra. Não estou aqui para te manipular ou forçar a seguir o que sugeri. Só estou te oferecendo a chance de ver com seus próprios olhos o que o seu destino, unido a mim, pode lhe trazer lá fora. Depois de ver, poderá tomar sua decisão.

Bo-ra encarou a mão estendida em sua direção. O sorriso no rosto da sua versão de vermelho havia sumido, o semblante refletia as batidas fracas do coração de ambas.

— Poderei escolher, mesmo depois de tocar em você?

— É claro. É você quem manda aqui, Bo-ra. Não eu. Tudo isso é você. Mas você já sabia disso, não?

Ainda sentada, ela fechou os olhos e inspirou o ar profundamente. Então os abriu e segurou a mão do seu eu destemido e imprudente. O sorriso voltou a se abrir no rosto diante de si. Era como se olhasse para um espelho. Um espelho de via única.

Enquanto os olhos acinzentados sorriam, os olhos cor de mel se arregalavam.

O salão iluminado escureceu. As sombras e os sussurros que se esgueiravam atrás de Bo-ra no labirinto escalaram por suas pernas, prendendo-a no lugar. As teias de aranhas eram vinhas visguentas, enlaçando seus braços com os insetos avermelhados percorrendo seus braços.

Havia caído numa armadilha tão bem armada e escorregadia quanto seu amor pelo herdeiro do trono de Salenza.

Bo-ra tinha esperança, uma singela e vã esperança, de conseguir driblar seus desejos que cresciam como fogo, queimando seu coração. Mas enquanto as trevas tomavam sua vista, e seu eu de vermelho sua consciência, percebeu que não poderia lutar contra si mesma no buraco obscuro do silêncio perpétuo em que havia caído.

Estava presa. Perdida e sozinha no labirinto de suas próprias emoções e desejos.

E continuaria ali, sem enxergar o estrago que causaria em Salenza. Até que alguém encontrasse a flauta e a salvasse.

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𝔢𝔰𝔠𝔯𝔦𝔱𝔬 𝔭𝔬𝔯: narrandoilusoes
𝔦𝔫𝔰𝔭𝔦𝔯𝔞𝔡𝔬 𝔢𝔪: PIRI

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