𝓞𝖘 𝖘𝖊𝖙𝖊 𝖉𝖎𝖆𝖒𝖆𝖓𝖙𝖊𝖘 𝖉𝖊 𝕲𝖚́𝖙𝖚𝖆
⠀⠀⠀⠀Eu nunca tive problemas em seguir as regras do reino de Atla, até porque ser a princesa dele não era um privilégio — ou sacrifício —, que muitos poderiam ter.
Obedeci a meu pai quando ele disse que eu deveria ser uma princesa delicada e silenciosa. O obedeci atentamente quando me disse que ser uma princesa e futura rainha significaria ser toda ouvidos e obediência ao meu marido. O obedeci, sobretudo, quando me mandou conquistar o príncipe de Khasgar — o reino mais poderoso dos sete reinos, e embora não quisesse tê-lo feito, por conta da fama que o príncipe Henry tinha de ser um pouco grosseiro, eu o obedeci.
Estava noiva de Henry, e estava me surpreendendo, pois ele realmente gostava de mim.
Era cruel, machucava seus súditos e não dava ouvidos para coisas que não lhe agradavam, mas Henry fazia muitas coisas por mim das quais eu nem sonhava que ele seria capaz de fazer. Ele se lembrava de datas importantes (como meu aniversário), e era bom em se lembrar de coisas que eu gostava, como assistir às estrelas à meia-noite.
Porém, todo o amor que Henry nutria por mim, não era correspondido, e, na verdade, eu tinha um pouco de medo dele por fazer tantas coisas assustadoras com os demais. Não consigo tirar da mente que estava por um triz de sofrer todas aquelas coisas também. Se não tivesse uma coroa na cabeça e um passe de princesa boazinha.
Henry me destruiria se soubesse a real razão de eu não corresponder aos seus sentimentos; a culpa, afinal, era dele.
Eu o conheci no meu primeiro encontro com Henry. É natural que princesas precisem de companhia e que príncipes precisem de proteção.
Foi assim que fiquei genuinamente encantada por seu tamanho, seu rosto e olhos opacos. Fiquei curiosa para saber se ele era tão mal quanto aparentava quando fazia tudo o que o príncipe Henry ordenava ou se ele só era mais um soldado cumprindo obrigações. Eu amava seus olhos, e ficava curiosa para descobrir o que estava escondendo seu sorriso.
Cheguei à conclusão que era o próprio reino de Khasgar.
Também fiquei assustada quando cheguei aqui pela primeira vez e me deparei com tanta crueldade em um só castelo. Era tudo tão luxuoso e amedrontador, ao mesmo tempo, que preferi ficar trancada em meu quarto nos primeiros dias ao invés de sair.
O príncipe Henry me convidava apenas para os almoços e jantares nos primeiros dias, então não havia problema em me prender lá dentro.
Até que um dia decidi sair, finalmente. As portas escuras e pesadas do meu quarto foram abertas assim que batuquei meus dedos contra ela. Percebi que era quase uma prisioneira, já que d'outro lado, passos foram ligeiros para longe (descobri mais tarde que um soldado foi avisar ao príncipe que eu estava saindo dos meus aposentos). Meus pés descalços tocaram o chão gélido do lado de fora, e minhas vestes claras foram as únicas coisas em tom brilhante naquela escuridão que era o castelo onde viveria a partir de agora.
E ali estava ele. Lindo.
— Princesa Gahyeon — ele se curvou para mim, sua armadura preta rangeu e seus olhos encontraram os meus assim que se levantou outra vez.
O fato era que o soldado Nam YoHan era muito mais alto que eu, então precisava olhar para baixo sempre que falava comigo. Nunca ficava corcunda, é claro, mas seus olhos nunca seguiam uma linha reta. E eu precisava manter completa postura para não cair para trás ou ficar vermelha quando o via ou quando o escutava falar meu nome com sua voz grave.
— Soldado Nam - sussurrei.
Eu deveria temer por isso, mas quando afastei meu cabelo escuro para o lado e expus o ombro de pele clara para ele, percebi que já era um pouco tarde para recuar. Observei seu pomo subir e descer com lentidão, enquanto seus olhos desviaram para o corredor.
— Vossa Alteza Real precisa de alguma coisa?
— Eu gostaria de conhecer a biblioteca de Khasgar. Vocês têm uma, não tem?
Inclinei meu corpo em sua direção sugestivamente. Algo em minha mente gritava que eu estava sendo atrevida demais. "Ele é o soldado de maior confiança do seu noivo", meu inconsciente gritava, mas eu ignorava. Estava sedenta por tocar sua pele e descobrir como era seu sorriso. Seu beijo...
— É claro que temos. Se Vossa Alteza quiser, posso chamar sua dama de companhia e juntos podemos...
— Não é necessário. Você pode me levar até lá, não pode?
Nam YoHan engoliu seco outra vez e custei a me dar conta, mas o motivo de ele não me olhar nos olhos e me evitar assim era porque estava lutando contra sua própria vontade, tanto quanto eu.
— Sim, princesa. Mas temo que o príncipe Henry possa não ver com bons olhos - mas afinal, Nam YoHan tinha medo.
E isso me deixou com a consciência pesada por um bom tempo.
Naquela noite, disse a Nam YoHan que chamasse Henry e minha dama de companhia para irmos à biblioteca. Ele me obedeceu. Como sempre, evitou meus olhos.
Mas agora eu já tinha completa noção que o soldado Nam era o responsável por vigiar meu quarto enquanto dormia, e não só isso. Henry o designou para cuidar de mim e me proteger todos os dias de qualquer coisa. Comecei a pensar que a maldade era influência dos ares de Khasgar, porque não queria mais ser uma boa garota.
Eu queria Nam YoHan.
❄️💎❄️
Na manhã seguinte, Henry me convidou para um passeio no jardim de Khasgar, que era formado apenas de verde e flores escuras, como roxo e vermelho. Eu me perguntava se tê-lo atraído se devia ao fato de usar cores claras, completamente opostas ao que ele aparentava gostar. Acho que nunca saberei realmente.
— Ordenei aos cozinheiros que preparassem uma refeição. Podemos assistir um pouco da manhã enquanto fazemos nosso almoço aqui, o que acha?
O príncipe Henry abriu espaço para o pequeno degrau em meio ao labirinto em seu jardim e me deu a mão para subi-lo.
— Me parece ótimo. — Não me parecia nada, na verdade.
Todo aquele estilo pomposo para me conquistar não estava adiantando nada. Eu sabia que quando não estava por perto, suas ações se mostravam completamente contrárias à delicadeza.
Me sentia uma peça errada neste quebra cabeça que era o palácio de Khasgar. O reino todo era tão sombrio que me dava arrepios. Até as cadeiras onde estávamos sentados eram pretas.
Henry sentou-se logo depois de mim, o que me deu a possibilidade de ver atrás de si, onde Nam YoHan estava.
— Nam YoHan é o seu soldado de maior confiança, não é? — questionei.
A pergunta repentina fez o soldado espiar meu rosto, mas não durou muito tempo, afinal o príncipe o estava averiguando agora, tanto quanto eu.
Primeiro, seu rosto impassível, lindo e impecável, iluminado pelo Sol. Depois, seus ombros largos e peitoral grande cobertos por uma armadura preta. Por fim, suas pernas longas e pés cobertos por botinas pretas. YoHan se recusou a nos olhar nos olhos enquanto era analisado e, enquanto isso, o príncipe Henry permanecia com uma expressão ilegível.
— Admito que não simpatizo com a família Nam, mas este em específico... Eu gosto dele. — O príncipe levou uma uva até os lábios avermelhados.
— Tem conflitos com a família do soldado?
O príncipe me analisou seriamente. Estava tentando entender o que eu estava querendo saber e por qual motivo. Por isso, dei de ombros antes que ele indagasse e levei uma uva aos lábios também.
— O general Nam, pai deste soldado, já se mostrou interessado demais onde não devia. E o general antes dele também.
Precisei controlar as expressões para que não ficasse claro minha surpresa. YoHan parecia um soldado quieto demais para sequer seguir sua linhagem anterior. Aposto que Henry está sendo incompreensível com Nam YoHan.
Até porque, como eu poderia gostar tanto dele, se não fosse exatamente isso?
Ao cair da noite, batuquei os dedos outra vez contra a porta do meu quarto e YoHan abriu. Não olhou em meus olhos, nem sequer alterou sua expressão. Mas admito que sentia o corpo vibrar apenas em olhar para ele.
— Precisa de alguma coisa, princesa Gahyeon? — Ele perguntou.
Sua voz grave era a única coisa que fazia cócegas no silêncio do corredor.
— Por que o príncipe Henry tem conflitos com seus antepassados? — questionei.
YoHan não me respondeu de imediato. Na verdade, eu estava quase acreditando que sequer havia escutado quando seu rosto se inclinou na direção do meu; seu rosto rígido estava tão longe e tão perto, ao mesmo tempo, que senti cambalear as pernas. Seu olhar era o grande culpado por toda a sensação que eu tinha de estar no paraíso.
— Porque meus antepassados têm a fama de se apaixonar por quem não devem.
Depois da grande revelação, meu corpo pareceu formigar, e por fim paralisar. Passos rápidos se ouviam pelo corredor e era possível visualizar no andar de baixo o movimento de soldados correndo em direção à porta de entrada do palácio. YoHan espiou por cima o que estava acontecendo. Vi o exato momento em que sua expressão se fechou. Ele puxou sua espada da armadura e o ferro prateado brilhou na escuridão.
— Venha comigo — pediu, e com sua mão livre me segurou pelo pulso e se dirigiu até o fim do corredor escuro do castelo de Khasgar. — Pelo movimento repentino, tudo indica que é uma rebelião. — YoHan falava baixo o suficiente para que eu escutasse.
Seus passos eram rápidos e calculados, e ele nunca baixava a guarda. Seu olhar era atento a todas as direções, sabia onde estava me levando.
Embora o barulho e a gritaria do lado de fora fossem o bastante para me causar medo, continuei em silêncio e o segui. Eu sabia que ele tinha que me proteger antes de si mesmo. Quando chegamos ao fim do corredor, ao lado de uma estante de vasos caros, YoHan guardou sua espada outra vez, mas continuou retesado. Com uma das mãos, segurou uma das tochas na parede, para iluminar o caminho adiante, que não parecia ter saída, até encontrar uma brecha minúscula, quase como uma rachadura na parede.
YoHan a empurrou com as costas da mão, sem qualquer força, e uma porta se abriu.
Lá dentro estava completamente escuro e se não fossem as tochas presas às paredes, estaria perdida.
— Em Khasgar existem centenas de esconderijos como este, que servem para proteger os soberanos de ataques repentinos — explicou. — Ficam no subsolo, por isso, existem escadas tão longas como esta que estamos descendo agora. Ao chegar na superfície, vai notar que existem grandes repartições e caminhos que servem para despistar, caso alguém consiga encontrar algum dos esconderijos.
Eu estava atrás de YoHan. Seus passos eram quietos e precisos, me guiando pela escuridão enquanto ele era o único a iluminar o caminho desde que pisamos nos degraus.
— Então os ataques são algo natural por aqui? — Ele respondeu com um suspiro.
Suas costas largas estavam tensas.
— Minha única função é proteger você. — Sua voz veio após um longo silêncio. Já estávamos entre as repartições que ele havia comentado antes. — É apenas por isso que estou aqui. Foi pra isso que fui treinado.
A princípio pensei que ser protegida e perseguida por alguém como uma "sombra", para minha suposta proteção, seria um grande fardo. Mas logo percebi que o verdadeiro fardo era gostar genuinamente dessa sombra. Quando meu corpo bateu contra as costas de Nam YoHan foi quando percebi que já havíamos chegado ao limite do esconderijo. Sua mão se atreveu a finalmente soltar meu pulso e eu senti falta de seu toque delicado e firme, mas continuei próxima de seu corpo.
Me arrisquei em tocar suas costas. Suspirei na pele livre do seu pescoço e senti a tensão que era estar perto do seu corpo largo e grande.
— Sobre os seus ancestrais se apaixonarem pelas pessoas erradas... — sussurrei contra sua pele. Consegui ver seus pelos eriçarem. — Acha que me encaixo em pessoa errada?
Soube que sim quando seu corpo se virou contra o meu.
Quando Nam YoHan deixou sua respiração correr pelo meu rosto, meu corpo, minha pele.
Ficou claro quando suas digitais quentes contornaram meu corpo e quando seus beijos encheram meus lábios. Quando ele disse que eu, princesa Gahyeon, seria seu fim. Isso ficou completamente claro como Khasgar nunca jamais foi.
Não é como se eu não tivesse dormido bem durante a noite no esconderijo. Na verdade, creio que em toda a minha estadia em Khasgar, aquela noite tenha sido a mais bela de todas as noites. Embora num lugar apertado e com pouca ventilação, estar protegida e principalmente estar com Nam YoHan fez com que tudo valesse a pena.
Descobri que Nam YoHan nasceu e foi criado para ser um soldado assim como sua linhagem mandava. Ele foi criado para proteger aos seus soberanos e para obedecer a eles. Tinha apenas 22 anos e a vida toda para ser a sombra de quem quer que o príncipe Henry ordenasse que cuidasse, e, sinceramente, enquanto bebia o vinho da mesa de café da manhã que meu noivo ordenou que me preparassem, desejava que Nam YoHan fosse apenas meu.
Mas bastou que Henry entrasse pela enorme porta escura e dourada com seu ar superior para que eu me desse conta de que era ele quem eu devia querer, e não seu soldado.
— Minha princesa — ele disse, alto e claro — você está bem? Lamento pela invasão na noite anterior.
O príncipe Henry ajoelhou-se ao meu lado e beijou todos os meus dedos com delicadeza. Sua mão adornada de anéis era bonita, mas eu não conseguia deixar de querer que fossem de outro homem. Os cabelos escuros do meu noivo estavam bagunçados e seu rosto estava aflito. Acariciei sua bochecha com uma de minhas mãos e desenhei a maçã do seu rosto.
— Estou bem, príncipe Henry. —Sorri. Me peguei pensando no que dizer a seguir. A verdade, "Estou bem, Nam YoHan me fez adormecer em seus braços fortes", ou, o que eu realmente decidi dizer; a mentira. — Nam YoHan me mostrou o caminho de um dos esconderijos subterrâneos e me explicou como chegar lá outra vez, caso necessário.
Isso pareceu acalmar o príncipe. Seus olhos enormes brilharam e um suspiro de alívio escapou de seus lábios. Ele beijou mais uma vez as costas da minha mão antes de se sentar ao meu lado.
— Soube que seu quarto foi invadido. Creio que estão tentando lhe ferir. — Disse Henry. — Nam YoHan, temos alguma torre onde guardar a princesa?
Primeiro, meus olhos correram para Nam YoHan por instinto. Não achei que Henry estivesse tentando me aprisionar quando utilizou o termo "torre". Mas, quando o soldado, o meu soldado, arregalou seus olhos e engoliu em seco, percebi a gravidade do problema.
— Vossa Alteza acha mesmo necessário utilizarmos a torre?
A voz de Nam YoHan estava me assustando.
— P-por quê? Torre? Eu não estou entendendo, meu noivo. — Fui eu quem engoli em seco dessa vez.
O príncipe Henry esboçou um falso sorriso. Seus lábios se curvaram tanto em malícia que senti meu corpo se encolher instantaneamente. Eu sabia que Henry não era um homem bom, mas ele nunca havia sido mal comigo. Seu rosto parecia sombrio e eu sentia que era incapaz de aguentar a fúria que o tomou quando suas pupilas ficaram vermelhas.
Eu já havia assistido à cena antes, mas nunca direcionada a mim. Henry, quando tomado por uma fúria enorme, não era completamente capaz de controlar seus poderes, por isso suas pupilas ficavam vermelhas em resposta ao seu poder, e seu corpo fica quente como o fogo.
— "Meu noivo"? Como ousa me chamar assim APÓS DORMIR COM MEU SOLDADO?!
A taça em seus dedos voou para o outro lado do aposento e pude ver o fogo se alastrar por suas mãos. Meu olhar se voltou ao Nam YoHan e vi seus olhos brilhando em minha direção. Ele já havia sacado sua espada para me proteger.
— I-isso não aconteceu. P-Posso lhe g-garantir, príncipe Henry.
— NÃO MINTA, GAHYEON! — Henry se levantou e segurou os braços da cadeira onde eu estava sentada. Seus olhos nos meus e seu hálito quente em minha pele. — Acha mesmo que eu me casaria com uma princesinha como você, antes de testar sua lealdade?
Aposto que ele achou engraçado quando finalmente viu que me dei conta.
YoHan era um teste, e eu havia falhado miseravelmente.
Meus olhos foram para ele imediatamente. Eu não sabia identificar se ele se sentia culpado pelo que fez.
— Nam YoHan, leve-a para a torre das sombras — ordenou Henry.
Meu coração havia se partido em pedaços quando o meu noivo — ou ex — se afastou, as chamas sumiram de seus olhos, e ele deixou que meu amor, aquele a quem eu realmente queria, viesse até mim com sua espada, me agarrasse pelo pulso e me levasse pela porta dos fundos do reino de Khasgar.
Eu estava arruinada para sempre. Eu deveria saber, é claro, que Henry não era idiota e nem um pouco dócil. Eu deveria saber que qualquer vestígio de felicidade que ele encontrasse, daria um jeito de queimar. Cada passo até o fundo do reino era uma lágrima que escorria dos meus olhos. Nam YoHan sequer aplicava força para me levar à torre, pois já estava completamente entregue ao meu destino; eu estava pagando pelo meu maior erro.
Atingimos uma área coberta por floresta seca. Embora eu nunca tivesse encontrado um lugar sequer iluminado em Khasgar, aquele era capaz de superar a escuridão do palácio. Era uma torre enorme e escura, de pedras por toda a sua extensão. Senti vontade de rir quando me dei conta do quão estúpida eu havia sido.
— Você sabia desde o começo? — Perguntei a Nam YoHan, mas ele não me deu resposta. Continuou me direcionando para a entrada da torre.
Havia dois guardas na porta, cada um com espadas e armaduras tão escuras quanto a de YoHan. Porém, havia uma diferença nelas. Não eram tão grandiosas quanto a do General YoHan, que exibia um brasão no peito. Brasão este de uma armadura que ele estava usando diante de mim pela primeira vez.
— Você sequer falou a verdade naquela noite? Aquela invasão era de verdade, ao menos? Você dorme com todas as pretendentes do seu principezinho? FALE A VERDADE, NAM YOHAN, ESSE É SEU NOME DE VERDADE?
— Não me culpe pelo seu erro, Gahyeon. Eu apenas sigo ordens.
— Você é um lixo!
Ele não me respondeu. Outra vez.
E me contentei com o silêncio.
Me contentei com o último ar fresco que iria respirar e com a folha mais verde que conseguia ver naquela imensidão seca e queimada, porque quando entrei na torre senti que fosse morrer de tristeza. Era tão escura e sombria, que eu entendia seu nome. O caminho era formado por uma escada longa em caracol, onde Nam YoHan me ajudou a subir degrau por degrau com sua imensa paciência. Até mesmo me carregou em seus braços por uma rodada.
Seu corpo treinado não sentia qualquer dor no esforço, enquanto o meu, precisou parar diversas vezes para descansar.
— Continue — YoHan ordenou.
Eu estava sentindo raiva de sua presença. Da sua voz. E embora eu quisesse muito respondê-lo, quando eu abria minha boca, tudo o que saía era um gemido e depois uma lágrima escorria pela minha bochecha. Virei meu corpo fraco e pequeno em direção ao seu, e eu estava maior por conta de um degrau.
E se não fosse pela tocha bem ao nosso lado, eu não teria visto. Pensei que estava alucinando, mas YoHan estava com o olhar um pouco... triste. Quando toquei suas bochechas, ele não recusou.
— Seja honesto comigo, já que irei passar o resto da minha lamentável vida neste lugar pavoroso. — Pedi, com a voz baixa e mansa. Eu merecia a verdade, não merecia? — Sentiu algo por mim sequer um minuto?
YoHan piscou uma, duas, três vezes, e eu comecei a ver as lágrimas entornando seus olhos. Um sorriso tristonho em sua boca e, por fim, seus olhos se desviaram dos meus. Suas mãos entornaram minha cintura e senti que ele estava prestes a me beijar.
— Ora, Gahyeon. — Ele sussurrou. — Não seja estúpida.
E toda a farsa deu lugar a sua verdadeira face.
YoHan me segurou pelas pernas e subiu degrau por degrau comigo outra vez.
Subimos. Subimos e subimos mais um pouco, e YoHan me largou numa cela pútrida e nojenta, cheia de escuridão e solidão. Foi quando me dei conta de que havia sido enganada de verdade.
E não importava mais quantas vezes eu fechava meus olhos e voltava abri-los, eu tinha certeza de que jamais veria o reino de Alta e suas maravilhas. Todo o meu reino brilhante com cheiroso de rosas e atraente não só por ser lindo, mas por ser também justo. É claro que toda beleza por trás dele vinha por conta de um sofrimento de gerações. Meus pais lutaram por Atla para que meu irmão, GookJa, pudesse reinar como o rei que nasceu para ser, e não para ser um futuro rei maldoso como o meu noivo.
Me pergunto se eu deveria ter sido contra o meu pai quando me mandou conquistar Henry. Talvez eu não fosse acabar num lugar imundo.
E meu pai sequer tinha noção de que eu estava presa numa cela, numa torre alta e pútrida como aquela. Mas eu merecia isso.
Embora desprezasse aquele reino e seu príncipe, meu erro também era inegável. Sei que fui imprudente ao tomar a decisão que tomei. Sei que pus tudo a perder por conta de um belo par de olhos e um corpo grande. Qual era o meu problema, afinal? Me perguntei, durante todo o restante do dia, enquanto perambulava pela minha cela e nova morada.
Fui servida de apenas uma refeição no meio do dia por um soldado qualquer que, creio, estava na porta da torre quando cheguei. Sua armadura era tão escura que mal o vi se aproximar com uma bandeja de comida — ou algo parecido com isso. Tive direito a um copo d'água e a esta única refeição, depois perdi a noção do tempo.
A escuridão da cela era incapaz de me fazer imaginar o que acontecia no lado de fora, onde o Sol ilumina o reino mais sombrio de todos. Eu estava ficando genuinamente louca, e tenho quase certeza de que ainda não era dia novamente.
Mas continuei arrastando os dedos pelas grades da cela, chutando pedras minúsculas que encontrava nos cantos e lamentando toda a minha derrota.
— Eu sou a cor nas memórias que te restam, o nome que murchou e se apagou, oh, diga-me. Prometa-me de novo um milagre só pra mim, mesmo que eu vá ser esquecida com as pétalas que caem.
Quando era mais nova, me escorava no muro que separava o castelo de Atla dos súditos, e essa canção era quase mágica. Triste e melancólica, jamais achei que o meu nome pudesse murchar dessa forma e que eu fosse ser esquecida como as pétalas.
— A fragrância do nome ainda permanece e vai permanecer para sempre, Nam YoHan.
Aposto que agora ele está banqueteando com o meu ex noivo e se divertindo às minhas custas. Ele acha engraçado, não é? Enquanto estou presa nesta cela nojenta, ele está festejando.
Mas ele não sabe de nada. Nam YoHan, e nem Henry de Khasgar, sabem que Lee Gahyeon, princesa de Atla, nasceu para governar e não seria uma cela podre que a impediria disso. E a prova, era a sombra escura se aproximando da cela naquele instante.
Meu espião.
É claro que meu pai não seria tolo o bastante para enviar sua filha mais nova ao reino mais perigoso dos reinos sem qualquer proteção. Heiko era um dos soldados da torre sombria há pouco mais de um ano. Seu trabalho era ganhar a confiança do príncipe para que ninguém pudesse desconfiar do seu trabalho para o meu reino.
Suas feições eram inegavelmente dóceis. Era alto e muito sorridente. Seu rosto era bonito e seu corpo também era forte o suficiente para me tirar daqui.
— Princesa Gahyeon — ele se curvou a mim e sorriu. — Me desculpe por demorar tanto. Havia muitos soldados aqui pela manhã, Henry tinha medo de que você pudesse escapar de alguma forma.
Heiko abriu a cela para mim e a trancou outra vez, como se nunca tivesse tido alguém lá dentro.
— Não se preocupe com isso. Não temos tempo a perder. Onde está?
Onde está o poder de Khasgar? Onde está o diamante? O mesmo diamante que deveria ter sido repartido entre os sete reinos, mas que Khasgar roubou para si mesmo.
O diamante era a fonte de riqueza e poder dos sete reinos há séculos, mas os antepassados de Khasgar golpearam os sete reinos e tomaram suas pedras preciosas, juntando todas elas em uma só e roubando os poderes de reinos distintos. Era por isso que este reino era o mais poderoso, mas, ao mesmo tempo, o pior deles. Este reino precisava de alguém para governá-lo da maneira correta. Era por isso que eu estava ali.
Corri escada abaixo com Heiko atrás de mim. Esperando que me dissesse o caminho.
— Fica em um dos esconderijos onde só existe passagem pelos aposentos do rei Tuque ou do príncipe Henry. Os espiões de Atla já estão aguardando dentro do castelo para o ataque.
A adrenalina estava finalmente começando a tomar meu corpo. Eu finalmente estava sentindo o poder em minhas mãos outra vez, e sentia a vingança na ponta da língua.
Heiko me guia em meio a escuridão, ao mesmo tempo em que minha mente flutuava para o momento em que o poder estivesse em minhas mãos. Já experimentei um pouco do meu poder por ser de uma linhagem de reis poderosos, mas nunca senti de verdade o gelo correndo nas veias como meu pai me contou que aconteceria. Nunca quis tanto me apossar do diamante e, além disso, ver a reação de Henry e do rei Tuque. Depois de tanto tempo no poder injusto, vendo a justiça sendo feita bem debaixo do tapete.
Quando chegamos a porta no fim da torre das sombras, os soldados em frente a porta me estendem uma espada e um escudo, fazendo guarda em minha frente logo em seguida.
Passei outra vez pelo caminho que fiz pela manhã, desta vez tomado pela escuridão da noite e o brilho das estrelas. Atrás das árvores meus soldados começaram a surgir. Estavam acampados ali já faziam 7 noites.
Como Henry iria se sentir quando soubesse que os soldados que ficavam na minha janela toda noite não eram seus, e sim meus? Perplexo, eu diria.
Todas as cartas e informações que eu precisava receber, eram passadas a mim pelos meus soldados espiões de meu pai por pelo menos dois anos em Khasgar. O ataque à nobreza foi criado por servos meus com informações de que Henry e Tuque estavam prestes a dizimar a população pela metade.
Conquistar a prisão das sombras foi ato unicamente meu.
Meu pai havia dito que eu precisava encontrar um jeito de entrar na torre para que o ataque começasse, pois só assim Henry não esperaria pela traição. Ele iria crer que eu estava trancafiada e longe o suficiente para nunca mais lhe atrapalhar. Pois bem, eu consegui, logo após um dos meus espiões me contar que Henry ia me pôr numa armadilha com o general Nam YoHan.
E lá estava eu e minha legião de soldados, entrando pela porta dos fundos de Khasgar. Atla estava silenciosamente dizimando aquele reino podre. Heiko ia à frente, nos dizia quando ir e vir, e quando precisava de uma intervenção — como uma luta —, um dos soldados me protegia e os outros atacavam os inimigos.
Continuamos essas pequenas lutas até chegarmos na porta do aposento de Henry.
Esse era um dos maiores aposentos de Khasgar. As portas duplas eram ornamentadas com pedrarias douradas e vermelhas, mas a extensão da porta era preta como as maçanetas. Abri a porta com rapidez, Heiko fazia guarda atrás de mim.
— Quem se atreve a entrar em meus aposentos sem minha perm... — Eu daria tudo para ver outra vez o rosto de Henry virar pedra como virou daquela forma.
Ele estava sem as roupas de cima e vinha da parte interior, à esquerda do aposento. O príncipe Henry vinha em minha direção com seus olhos já vermelhos de fogo quando foi interrompido pela minha voz.
— Olá príncipe Henry — me curvei diante dele, com a ironia dançando o suficiente em meu tom. — Me desculpe por aparecer assim sem lhe avisar, mas meus soldados e eu tínhamos coisas a... acertar.
— Como saiu da torre das sombras? — Ele perguntou com sua voz exalando ódio. Quando deu um passo em minha direção, Heiko deu dois na sua.
— Cuidado príncipe. O rei Tuque me parece um pouco jovem para morrer. — Era um blefe? Sim.
Eu não tinha qualquer garantia de que meus soldados haviam conseguido impedir Tuque de usar seus poderes, já que ele era o mais forte naquele castelo medonho.
— O que você quer?
— Ora, não precisa ficar nervosinho — me referia tanto a seu estado mental quanto físico. — Tudo o que eu quero, é que me devolva o que é meu e dos outros reinos de Gútua. E... — Levanto meu indicador para silenciá-lo antes que me interrompa. — Lembre-se que todo o seu reino está cercado por soldados e espiões de Atla. Então é melhor seguir minhas ordens antes que você e seu pai precisem morrer.
Henry estava respirando tão fundo que achei que estivesse sem ar, mas acredito que era apenas raiva e toda a sua concentração possível para não cuspir fogo. Um dos meus guardas se aproximou com uma corda em mãos e Heiko estendeu a espada em ataque na direção de Henry. Demorou um, dois, três, quatro, cinco segundos, até que Henry estendesse suas mãos com pulsos para cima com um suspiro de derrota. Então meu soldado amarrou suas mãos e Heiko o rendeu.
— Agora, me leve até o diamante. — Permaneci atrás de Heiko quando o príncipe começou a mostrar o caminho.
Não é como se meus espiões já não soubessem onde estava o diamante, mas levá-lo até lá era importante para não o perdermos de vista. E uma vez que eu tivesse meus poderes outra vez, poderia congelá-lo facilmente e calar sua boca pra sempre. Poderia até colocar seu corpo como estátua na frente do palácio.
— Seria irônico, não seria? — murmurei em voz alta ao passarmos pela primeira porta do esconderijo do quarto de Henry. — O reino de Khasgar, o reino de fogo, sendo tomado por Atla, o reino de gelo. Sabe Henry, se seu general fosse um pouquinho mais esperto, saberia que me apaixonar por ele era quase uma opção nula. Eu o culparia por tudo, se fosse você.
Henry não me respondeu. Tudo o que fez foi caminhar descalço pelo esconderijo. O grande corredor era iluminado apenas por tochas, exatamente como o esconderijo onde passei um dia com Nam YoHan.
— Há quanto tempo o reino Atla tem planejado essa invasão? — Ele perguntou.
Acredito que Henry não estava acostumado a ser o prisioneiro, e deveria r se sentir humilhado principalmente por ser prisioneiro de uma mulher.
— Há mais tempo do que você pode imaginar. Gostaria de uma demonstração? — provoquei. Henry riu em resposta, eu mal consegui ouvir — Sei que aos 15 anos se apaixonou pela primeira vez por uma plebeia que seu pai não aprovava.
— Cale-se — o fogo nas tochas apagou. Ele estava ficando sem paciência, e nós, sem iluminação.
O que era um perigo, levando em conta que ele era muito poderoso e forte. E embora eu tivesse três soldados comigo, ele ainda assim poderia acabar com eles e, consequentemente, comigo.
— Acenda-as. Ou preciso falar qual foi o fim da sua amada mulher?
— CALE-SE! — Então, com sua raiva, acendeu todas as tochas novamente. O fogo iluminou o caminho e seu rosto outra vez.
Henry havia parado de se mover. Seu corpo subia e descia com sua respiração pesada e seu suor era notável de longe. Todo o seu rosto e peitoral estavam tomados pelo brilho no suor e ansiedade que estava correndo seu corpo. Eu gostava daquilo. Gostava de ver como a justiça estava sendo feita lentamente.
Me aproximei de seu corpo e toquei sua bochecha. Meus dedos contornaram sua mandíbula e sua pele bronzeada. Seus olhos estavam piscando em vermelho e seus lábios estavam fechados. Ele estava tão nervoso e irritado, que eu sentia vontade de rir aos quatro ventos.
— O fim foi trágico, não foi? — Murmurei em seu ouvido, e depois comecei a rir em alto e bom som. Eu gargalhava, honestamente. Me deleitava com a raiva de Henry — Vamos, Henry. Não temos tempo a perder.
E ele me obedeceu. Mostrou o caminho outra vez e sem tentar fugir, ou nos enganar. Sempre que havia bifurcações eu lançava um olhar a Heiko, que assentia e me indicava que era o caminho certo. Nossa caminhada durou mais alguns minutos antes de finalmente ver no fim do túnel a luz brilhante do diamante.
Era quente a cada passo, e era forte, brilhante, esplendoroso.
Eu corri em direção a ela na frente de Henry. Meu soldado me seguiu até a sala minúscula onde só era abrigado o diamante. Era enorme, quase do meu tamanho, e seu brilho era quase impossível de aguentar, precisei aplacá-lo com uma das mãos e me aproximar com a outra. Larguei a espada e o escudo no chão e me guiei até lá.
Escutei quando Henry e Heiko entraram na sala também, mas eu sentia que naquele momento éramos apenas nós dois, e nada seria capaz de acabar com esse momento. Eu pensava em todas as histórias do meu pai me dizendo como era usar seu poder e em como sentia falta dele.
Imaginava como seria agora, ter todo o poder em minhas mãos outra vez.
O diamante flutuava quando estiquei meus dedos em sua direção. O toquei, senti sua textura gelada e me senti em casa. Sua cor era azulada e todo o brilho se concentrava onde quer que eu tocasse.
— O brilho correspondente ao seu poder se choca em sua direção — Disse Heiko — por isso a cor azul persegue seus dedos. Você controla a água e todos os seus estados, especialmente o gelo.
Um sorriso involuntário me tomou naquele instante.
— E como faço para repartir o diamante outra vez?
Heiko pediu a outro soldado que continuasse prendendo Henry, então pegou a espada que larguei no chão e veio até mim com ela. Atrás de seus óculos redondos pude ver o brilho nos olhos de Heiko e a iluminação incessante do diamante em seu rosto.
— A princesa deve decretar, e então partir o diamante com sua espada — Heiko ajoelhou-se em minha frente e estendeu a espada com suas duas mãos.
Ele sorria tanto quanto eu. A justiça. Eu estava prestes a fazê-la de verdade.
Segurei a espada com as duas mãos e com um olhar miúdo, perguntei ao meu fiel soldado Heiko: — Qual é o decreto mesmo? — Falei baixo o suficiente para que só ele pudesse escutar. Heiko deu uma risada silenciosa e se levantou. Atrás de mim, ele se posiciona com as duas mãos para trás e assoprou em meu ouvido.
— Eu, Lee Gahyeon, princesa do reino de Atla, poderosa do gelo, decreto agora que os sete diamantes de Gútua se repartam outra vez a seus respectivos poderes!
A sala se iluminou completamente quando acertei o diamante com a espada, e logo depois disso, me lembro apenas de ter encontrado os braços de Heiko antes de chegar ao chão.
❄️💎❄️
A coroa prateada adorna minha cabeça e suas pedrarias balançam a cada passo que dou. Gosto do vestido volumoso e branco que uso, e gosto ainda mais de como agora sou a princesa de Atla, salvadora e rainha de Khasgar, e principalmente de como agora os corredores são bem mais cheios de beleza e clareza. Todas as cores do meu novo reino são feitas para lembrarem o gelo, mas eu ainda mantive a essência do fogo em alguns aspectos. Até porque herdei de meu pai o poder do gelo, natural das minhas veias. Mas o diamante foi repartido em sete, e alguém precisava manter o diamante do fogo; e acontece que esse alguém sou eu.
As portas, agora brancas e adornadas de cristais, se abrem para o salão do trono, onde existe uma multidão de nobres e plebeus. Os nobres, são os mesmos reis e rainhas que haviam perdido seus poderes para Khasgar e agora estão aqui para me felicitar pelo poder que lhes devolvi.
— Povo de Khasgar! — meu bobo da corte lhes chama a atenção. — A rainha Gahyeon!
E meu povo abre espaço para minha passagem enquanto se curvam para mim. Sigo em direção ao meu trono de gelo e fogo, onde, nas duas pilastras ao seu lado, mantenho duas estátuas congeladas: o rei Tuque e o príncipe Henry.
A melhor delas, está na praça da cidade.
Nam YoHan.
— Viva a rainha Gahyeon!
— Viva!
❄️💎❄️
𝔢𝔰𝔠𝔯𝔦𝔱𝔬 𝔭𝔬𝔯: Tamcauzi
𝔦𝔫𝔰𝔭𝔦𝔯𝔞𝔡𝔬 𝔢𝔪: R.o.S.E Blue
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