Capítulo 15 - Deslumbrados
A partir do momento em que entraram no carro da produção, nada do que diziam ou faziam escapava do escrutínio da equipe de produção e da câmera ligada de Sugar Boy. Astrid teve que ignorá–los, a fim de preservar a saúde mental.
Quando o carro avançou para dentro de um resort chiquérrimo, o queixo dela caiu. Era um lugar para celebridades. Ela não conseguiu tirar os olhos das piscinas, da arquitetura e do paisagismo dignos de Oscar Nyemeyer e Antoni Gaudí – Mistura de minimalista, exótico e integrado à paisagem... Com cascatas para todo lado.
Os carros contornaram o edifício principal do hotel e seguiram pela colina em direção às cabanas muito chiques próximas ao curso de um rio artificial. Era o que chamavam de villas.
Astrid olhou de soslaio para Lucas, para ver se ele sentia o mesmo que ela. O ex–militar observava o ambiente com atenção. Não parecia atordoado, como ela. Quando seus olhos se cruzaram, ele interpretou corretamente a sua expressão.
Os cantos dos lábios masculinos se ergueram e os olhos dele meio que sorriram para ela. Pareciam lhe dizer: "É isso aí, baby! Prepare–se!"
Ela respirou fundo e se concentrou. Nasceu preparada.
De repente, a comitiva estacionou na frente de uma segunda recepção e todos foram saltando do veículo. Nicholas apareceu ao lado dos dois, falando feito uma metralhadora. – Bem vindos ao Resort Mundial.
Não escapou a Lucas a coincidência do nome. Devia ser de propriedade da Rede de TV ou do grupo que controlava a rede. Mais precisamente, de seu presidente: Oscar Roberto Cruz de Almada.
–Os outros competidores chegarão ao resort ao longo do dia. Vocês irão fazer o checkin diante da câmera, depois irão ser entrevistados por Ramona Davis, para o Celebridades depois da Meia–Noite...
Uau! Pensou! Ramona era uma jornalista durona e altamente conceituada.
–Depois, terão um tempinho para descansar e curtir o resort. Eu sugiro a massagem e a sauna – informou Nicholas, sempre olhando para o relógio. –Encontrarão em seus quartos os trajes de gala para o jantar desta noite. Deverão escolher entre as opções apresentadas pela nossa chefe de figurino. Podem pedir assistência para maquiagem, se preferirem. Deverão se juntar ao grupo dos competidores para o jantar de boas-vindas e abertura oficial da corrida. Estejam no saguão do hotel, pontualmente às dezenove horas.
Com isso, Nicholas se afastou com um aceno, enquanto o cinegrafista seguia Astrid e Lucas até o balcão da recepção.
–Bom dia – disse Lucas, diante da recepcionista. – Lucas Muniz e Astrid Rodrigues. Nós somos competidores do Escape Game.
A moça sorriu. – Naturalmente. – entregou a ficha para preenchimento dos dois e as chaves dos quartos. – A propósito, vocês são o número 13.
– Quarto 13 – Astrid estranhou, porque normalmente os estabelecimentos evitavam esse número.
–Não, os quartos são respectivamente o 402 e 406 – a recepcionista corrigiu.– Vocês são o time número 13, na competição.
Astrid balançou a cabeça. Lucas já estava terminando a ficha e passou a caneta para ela.
–––
As cabanas de ambos ficavam de frente uma para a outra, o que Lucas achou ótimo. Quando disse isso em voz alta, Astrid cruzou os braços e fechou a cara. Ao vê–la assim, ele mal acreditou na sua suspeita.
–Para o caso de precisarmos conversar sobre as nossas estratégias –explicou, num tom azedo. – Por Deus, garota! Você é um pé no saco.
–Ah, sou mesmo! – rebateu ela, balançando a cabeça. – Terei problemas com você, senhor sabichão?
Lucas mal podia acreditar. Eles tinham combinado deixar as hostilidades de lado; e o que aconteceu foi que Astrid estava mais espinhosa ainda. César estava adorando filmar aqueles dois. Renderiam material explosivo para o programa.
Então, Lucas pareceu entender o que estava acontecendo com Astrid e se controlou. Fez uma autocrítica silenciosa. Ele precisava tentar se colocar no lugar de sua parceira de competição, se quisessem vencer aquele jogo.
–Eu entendo que você esteja muito nervosa.
–Ah, entende? – Ela foi pega de surpresa e pigarreou, querendo manter a pose defensiva.
–Sim, entendo mais do que imagina. Lá no santuário, todos dependem de você. E está acostumada a controlar as variáveis. Aqui, fora do seu ambiente, está se sentindo à mercê das vontades dos outros. – Pela cara dela, ele viu que acertou em cheio. – Mas tente entender: temos que nos unir. Temos que nos entender. Do contrário, vamos perder esse dinheiro.
Ele sorriu e completou: – Segura a tua onda, Xena – e se afastou em direção a própria cabana, deixando Astrid boquiaberta.
Xena? É sério?
Dando–se conta da presença incômoda da câmera, ela girou nos calcanhares e praticamente marchou para a cabana dela. César notou que ela estava fumegando e deu um zoom para o closet, antes que ela desaparecesse pela porta. César sorriu, consigo mesmo, assim que a porta se fechou. Desligou o aparelho e pensou que teria um intervalo de uns dez minutos para tomar alguma coisa no bar do hotel. Depois ligaria para eles a fim de marcar algumas filmagens dentro das cabanas.
–––
Assim que fechou a porta atrás de si, Astrid começou a refletir sobre o que Lucas havia lhe dito e teve que reconhecer que estava com a razão.
Para começo de conversa, sua antipatia pelo veterinário resultava de sua atração por ele. Uma atração indesejável. No entanto, estava lá. E os dois amarrados um ao outro naquele jogo... Lucas parecia lidar com tudo muito bem; o que a deixava ainda mais irritada.
Astrid respirou fundo. Ele estava certo. Ela tinha que se controlar. Tudo o que importava era vencer o jogo. Conseguiu ser selecionada, então, Deus está lhe dando uma oportunidade de ajudar muitos animais.
E ao pensar nos animais, Astrid reencontrou o seu centro de gravidade.
–––
Eles conseguiram relaxar durante o resto da tarde, aproveitando os mimos que o resort oferecia. Contudo, aproveitaram separados. Lucas não quis saber de se incomodar antes do jantar e foi para a sauna. Astrid também não quis se incomodar e foi para a piscina. Mas quando os dois se encontraram diante da porta da massoterapeuta, Lucas desistiu e foi para o bar. Astrid fez uma sessão maravilhosa.
Lucas voltou depois.
No final do dia, Roy, o estagiário da equipe, telefonou para cada cabana a fim de avisar aos concorrentes que deveriam descer para o prédio principal. Quartos foram reservados para eles provarem os figurinos e se prepararem para o jantar de boas vindas.
Astrid bem que imaginou a dificuldade de descer aquele caminho todo de pedras até lá. Ficou aliviada por não ter que fazê–lo. "Equilibrar–se nos saltos poderia ser uma prova tão difícil quanto qualquer outra, no Escape Game", ela refletiu. Antes de sair, foi tentada a fazer uma ligação para casa, ou acessar os seus e–mails no computador, mas lembrou–se do contrato e resistiu. A partir de agora, estava isolada do mundo, sem saber de nada do que acontecia na fazenda. Teria que confiar nos seus amigos para dar conta de qualquer problema que surgisse.
–––
Astrid observou–se com curiosidade no espelho. Escolhera um dos vestidos de gala que achou ter mais a ver com a sua personalidade e estilo. Sorriu ao concluir que acertou em cheio.
O vestido cor de ameixa valorizava as suas formas. Um decote profundo às costas e um corte reto e sóbrio à frente, davam a ideia de seriedade e sensualidade a um só tempo. Combinava com seu corpo bem torneado – os músculos desenvolvidos numa vida ao ar livre, cuidando dos animais e da fazenda, lado a lado com os peões.
Penteou os cabelos clareados pelo sol, com os dedos. Mas usou um creme de pentear ondulado, da Pantene. Única marca que assentava o seu cabelo rebelde.
De repente encarou suas mãos cheias de calos e as escondeu atrás das costas.
–Se está preocupada com sua aparência – disse a assistente de produção, Lilibeth, que passava pelos quartos para supervisionar os candidatos – pode ficar tranquila. Você está fabulosa! É natural se sentir um pouco nervosa. Tente segurar a onda por agora, e depois você pode marcar um spa de beleza só para relaxar...
–Pra quê? – Astrid lhe lançou um olhar contundente. – Vou correr como louca, me pendurar em cordas e carregar peso. De que adianta pintar as unhas ou colocar unhas postiças.
A outra ficou meio sem graça. –Tem razão, mas... Que tal uma massagem?
–Já fiz...
–Com lama medicinal?
–Até que seria interessante! – Astrid concordou pela primeira vez, com um raro sorriso. Afinal, massagem era o seu ponto fraco. – Adoro massagens.
Lilibeth ficou aliviada pela mudança de humor de Astrid. Era seu dever deixar todos os candidatos tranquilos e apresentáveis, para que entendessem tudo o que seria explicado nessa noite.
–Vamos? – disse, animada, olhando para o celular.
Astrid deu uma última olhada no espelho, respirou fundo e caminhou em direção à porta.
–Lembre–se – mencionou Lilibeth. – A câmera de Sugar Boy está esperando por você do outro lado da porta e vai acompanhar os dois até o salão.
– Certo – Astrid respondeu lentamente. Quando Lilibeth tocou suas mãos, ela se deu conta que estava com os punhos fechados. Forçou–se a relaxar e forçou um sorriso. – É hora do show.
–Esse é o espírito! Ela está saindo – disse Lilibeth para alguém, segurando o fone do celular pendurado em seu ouvido. Fez sinal positivo para Astrid, que abriu a porta com delicadeza.
Com um sorriso pregado no rosto, ela recebeu o facho de luz da câmera de César Medina e caminhou para fora do quarto.
–Diga o que vai fazer agora e o que está sentindo, para a câmera – sussurrou Lilibeth.
–Bem, estou prestes a me juntar aos outros competidores, na festa de boas vindas – Astrid uniu as mãos à frente do corpo, olhando diretamente para a câmera. César sorriu, orgulhoso de seu esforço. – Eu estou emocionada e excitada por conhecer o pessoal.
Quase disse que estava morta de fome e esperava que o jantar fosse bom, mas se controlou.
César abriu o ângulo para mostrar Astrid dos pés à cabeça, então desligou a luz da câmera e piscou para ela. – Você está linda, querida!
Astrid respirou fundo e relaxou os músculos doloridos da face. Enquanto isso, Sugar Boy ia para a porta de Lucas.
Astrid avistou o veterinário sair pela porta de um outro quarto, enfrentando a câmera do cinegrafista. Ela ficou paralisada diante da visão de Lucas vestido de black–tie. Ele parecia... James Bond. Só que moreno. Não, ele parecia o Henry Cavill em U.N.C.L.E.
E o pior é que o tratante sorriu com todo o seu charme, para a câmera, e disse: – Espero que o jantar seja bom, estou morrendo de fome!
O quê? Ele roubou a minha fala!
De repente, os olhares dos dois se encontraram. Ele pareceu se surpreender com a aparência de Astrid. Olhou–a como um homem olha para uma mulher, pela primeira vez, desde que se conheceram – ou seja, com desejo.
–Uau! – disse ele, recuperando o traquejo. Caminhou na direção dela e falou alto o suficiente para que a câmera pegasse. – Você está linda!
"Sei, está falando isso para a câmera". Astrid começou a se sentir como Katniss Everdeen, em "Jogos Vorazes", ao lado de um malicioso Peeta.
–Você também não está nada mal – sussurrou, porque era mesmo o que ela achava.
Ele lhe ofereceu o braço para que se apoiasse e os dois seguiram rumo ao elevador – sempre seguidos pelo cinegrafista.
Lilibeth ficou para trás, recolhendo as roupas que não foram escolhidas, para devolver à chefe de figurinos da emissora.
A porta do elevador se fechou e César desligou a câmera para mudar a posição, em seu ombro. Lucas aproveitou o momento.
–Está nervosa? – Sussurrou.
–Por que acha isso? – Ela zombou.
–Por que sua mão no meu braço está tremendo.
–Adivinhão! Estou muito nervosa – ela forçou um sorriso amistoso; o que Lucas achou um pequeno grande avanço.
–Eu também...
–Sério? Nem parece.
–Conhece aquele seriado de televisão Seal Team?
–Não.
–Bem, é uma série militar sobre os SEALs da Marinha Americana. O líder de grupo tem uma frase que resume muito bem o que nós soldados pensamos.
–Que é?
–Adapte–se ou morra.
Ela balançou a cabeça. – Dramático, mas eficiente.
–Eficiente não... A única saída.
A sobrancelha de Astrid levantou, mas ela guardou sua opinião para si.
As portas do elevador abriram e o saguão surgiu diante deles, em todo o seu esplendor... A visão durou apenas um momento, pois logo Sugar Boy estava diante deles com a câmera filmando.
O apresentador Ricardo Casavola surgiu em seu perpétuo traje branco, segurando o microfone de estimação.
–E aqui estão nossos últimos competidores.
Astrid percebeu que tudo era feito (inclusive a chegada ao saguão, para a festa), conforme a ordem em que foram selecionados. Portanto, os dois eram os últimos a chegar ao evento.
Todos os outros já estavam lá e pararam de conversar para avaliá–los. Que ótimo! Alunos transferidos de escola no meio do ano, adentram a classe.
–Como estão se sentindo? – indagou Ricardo, enfiando o microfone na frente deles.
E lá vinha aquela pergunta idiota novamente. Lucas dissimulou a irritação que mantinha sob controle férreo. Astrid se espantava com o seu traquejo, mas a verdade é que ele aprendeu disciplina e autocontrole no exército. E essa era a sua vantagem sobre os outros competidores.
Mas, agora, foi Astrid quem tomou a dianteira, ao perceber o olhar taciturno do seu companheiro.
–Estamos felizes e orgulhosos – recitou a fala de cor, lembrando–se do filme "Apollo 13", em que as esposas dos astronautas interagiram coma enxurrada de repórteres.
Pareceu funcionar, porque o sorriso do apresentador aumentou.
Lucas ficou aliviado e apenas concordou com a cabeça, quando Ricardo virou o microfone em sua direção. Tocou de leve o pulso de Astrid, para o espanto dela.
– Eu não poderia estar mais contente de estar aqui, nesse evento, com a minha parceira de competição. A propósito, você está lindíssima.
Quando Ricardo partiu satisfeito para conversar com outras pessoas. Astrid se aproximou do ouvido dele e disse: – Não ouse fazer parecer que estamos namorando para angariar simpatizantes. Eu posso tolerar tudo, menos isso.
Ele ficou chocado com a suposição. Mas logo a raiva foi substituída pela diversão.
–Por quê? – Quis saber, entretido.
–Por quê? – Ela quase se engasgou. – Ora, por quê! Porque não vai dar certo!
–Deixe que o tempo decida e pare de fazer suposições – ele respondeu, puxando–a para um grupo onde Nicholas lhes acenava. Não era bom, os dois ficarem parados como "dois de paus" diante dos elevadores.
–––
–Ah, eu fazia um pouco disso e um pouco daquilo – estava dizendo Madalena, com um sorriso radiante.
Lucas observou a idosa. Era esperta. Dava pra ver pelo jeito como ocultava informações sobre si mesma. E não parava de falar, querendo assumir a liderança dos mais jovens; impressioná–los com sua experiência de vida. Ela parecia ter conselho para tudo. No entanto, na maior parte do tempo, nem sabia do que estava falando. Não entendia nada de esportes radicais. O homem idoso ao lado dela parecia alerta. Seu Scliar deixava a mulher assumir o palco, enquanto ele observava tudo ao redor.
Como ele próprio.
Mas Lucas percebia uma leve irritação passar pelos olhos do homem, de vez em quando. Seu palpite era de que aquela dupla estaria se matando muito em breve.
– E quanto ao casalzinho Barbie e Ken? O que fazem da vida? – indagou o argentino, com a esposa pendurada em seu pescoço. Estava achando que podia comandar uma apresentação em grupo, bancando o Ricardo Casavola. Como era mesmo o nome dele? Alejandro? E Lucas se lembrou que não foi com a cara do sujeito (do casal, aliás) desde que bateu os olhos neles. Muito arrogantes.
A musiquinha da Lady Gaga invadiu o seu panorama mental e Lucas precisou segurar uma risadinha.
Levou alguns segundos para que percebesse o tom e o propósito do argentino ao mencionar Barbie e Ken.
Lucas não estava a fim de que um apelido tão fútil como Barbie e Ken pegasse nas mídias sociais, porque não traria a simpatia do público. Ciente da presença das câmeras ao redor, ele se fez de desentendido.
–Quem? – Lucas encarou o grupo, fingindo um espanto desmedido. Então, apontou para o próprio peito e depois para Astrid, antes de perguntar: – Nós? Acho que estamos mais para Hércules e Xena, a princesa guerreira. Mas falem mais de vocês, cucarachos, queremos conhecê–los melhor.
Astrid, pouco interessada na conversa, quase se engasgou com o canapé.
–Cucarachos? – A esposa do cara se inflamou toda.
–É, cucarachos, chiquitos, hermanos, tanto faz. – Lucas gesticulou, pedindo licença para pegar outra bebida. Astrid dissimulou um sorriso e seguiu o parceiro até a mesa onde seria servida a comida. Por enquanto, a única coisa disponível era a champanha.
Ele pegou duas taças e entregou uma delas para Astrid. – O que eu não daria por uma boa e velha cerveja? – disse ele, com um suspiro irritado.
"Ora, o nosso ex–militar metido a seal não é tão de ferro assim", ela pensou.
–Eu também – concordou. – Mas não velha nem choca – ela acrescentou, espirituosa.
Os dois beberam num silêncio camarada, enquanto o produtor e o dono da emissora subiam no palco. O show estava prestes a começar.
–––
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro