XV -Alícia
Alícia estava realmente passando mal. Não sabia se era ansiedade ou medo ou as duas coisas. Riley, Dave e Lilian não paravam de conversar. Fellows continuava com as perguntas. Já fazia bastante tempo que estavam naquele ônibus. Quanto ainda faltava?
-E se você desobedecer a uma das regras? –Dave perguntou.
-Terá uma punição. Depende de qual regra quebrar –Riley respondeu. –Ramona teve que cozinhar ou limpar a cozinha várias vezes!
A conversa não estava ajudando o estômago de Alícia a se manter calmo. Eram tantas dúvidas e incertezas... Ela mal sabia como era a escola em si.
-Galera! –Lorena gritou. Ela tinha entrado junto com o último dos alunos e dito apenas bem vindos e bem vindos de volta. As instruções seriam dadas na escola. –Fiquem preparados para descer do ônibus! Estamos quase lá.
Automaticamente o primeiro ano inteiro grudou os rostos nas janelas com a intenção de ver a nova escola.
-Não consigo ver nada além de mato aqui. –Riley comentou. –Esse suspense está me matando!
-Também estou bastante curioso –Dave admitiu.
-Da pra ver desse lado. –Isabelle falou. Estava claramente se dirigindo a Dave. Ela se levantou para deixar espaço para que ele passasse. –Se quiser pode ver.
-Não, tudo bem. Obrigado mesmo assim. –Dave respondeu. Lilian sorriu.
-Sente-se Isabelle. –Lorena ordenou
-Você quem sabe –ela deu de ombros e obedeceu a ordem de Lorena e silêncio.
A velocidade foi diminuindo. Era tanto mato e tantas árvores. Pareciam estar no meio de uma floresta, não numa área escolar. O veículo parou por completo e foi uma bagunça. Os alunos novos todos se levantaram e se espremeram para chegar até a saída. Alicia foi esmagada contra uma das mesas. O corredor era muito apertado.
-Ei acalmem-se! –Lorena ordenou. –Nunca vi um primeiro ano tão agitado! Seguinte: Vocês vão deixar o ônibus e vão me seguir, organizadamente! Segundo ano, vocês vão com o professor Cardel, certo? Se não se esqueceram do ano passado, terão uma reunião importante hoje.
As pessoas estavam empurrando e fazendo Alícia se desequilibrar. Era sufocante, ela só queria sair logo dali. O motorista abriu a porta e Lorena deixou o veículo bem a tempo de não ser esmagada por uma onda de estudantes. Alícia foi praticamente cuspida para fora, mas enfim pode ver a tão esperada escola. Não eram vários prédios iguais nem um só prédio de cimento assustador. Era um enorme campo aberto no meio da floresta, colina abaixo. Enorme mesmo, talvez uns vinte hectares, ela não tinha muita noção de espaço. A grama onde estava pisando era velha e suja: estacionamento. A grama da escola parecia novíssima. Havia um enorme portal de madeira que parecia inútil, visto que você poderia simplesmente contorná-lo para entrar na escola. Nele, liam-se as palavras "Escola Preparatória da Província de Tâmara." Alícia não sabia o que eram, mas via dali de cima da colina prédios coloridos com formatos diferentes, um círculo de mesas e cadeiras, um outro prédio mais para a direita que parecia ser o prédio de aulas, uma piscina a céu aberto, quadras, pista de corrida e finalmente um prédio com a estrutura similar a de uma casa com o telhado azul claro.
-Não nem um pouco como eu imaginava que seria –ela falou para si mesma
-Bem vindos a Escola Preparatória da Província de Tâmara novos alunos! –Lorena gritou para que todos a ouvissem. –e bem vindos de volta velhos alunos!
Todos a aplaudiram. Ela fez uma reverencia e subiu num tronco velho para que todos pudessem vê-la melhor.
-Primeiro ano, vocês vão me seguir até a diretoria, onde receberão suas marcas. –Alícia estremeceu diante da ideia de ter a pele queimada com o desenho de uma árvore. Ela sabia como aconteceria. Sabia que seria extremamente dolorido. Não estava pronta ainda assim. –Segundo ano, vocês vão com o professor Cardel até o teatro para um anúncio importante. –O segundo ano caiu em cochichos animados. –Silêncio! Terceiro, quarto e quinto, estão livres para fazer o que quiserem até as seis, que será a assembléia geral. Não se preocupem com as malas, os funcionários levarão para seus quartos. E não se preocupem com os funcionários. São só mão de obra barata. Vamos lá alunos! Tenham um bom ano! E não se matem antes da primeira aula de amanhã, por favor!
Aquela multidão de alunos foi descendo a colina em direções variadas. Lorena acenava para o primeiro ano se reunir em frente a ela enquanto o segundo ano ia seguindo um homem que com certeza era o professor Cardel.
-Olá galera. –Lorena pulou do tronco velho para a grama velha. –Meu nome é Lorena Melo Fellows, professora Lorena ou Srta. Fellows para vocês. Sou sua professora de Luta e Autodefesa. LAD para os veteranos. Surpreso Dave?
Todas as cabeças se viraram para o menino, que estava com uma expressão de pura indignação estampada no rosto. Alícia também não sabia que era isso que ela ensinava, mas parecia apropriado. Lorena tinha uma energia incontrolável e lutas de espada e escudo pareciam um óimo jeito de extravasa-la.
-Em alguns minutos vamos descer até a diretoria, –ela continuou- o prédio de telhado azul, e vocês receberão suas marcas. Então mais tarde, às cinco e meia, separaremos vocês em quartos. Duvidas até agora? Não? Ótimo. As regras aqui são simples. Deve-se permanecer no SEU quarto entre as dez da noite e as cinco da manhã, a não ser que esteja doente ou algo assim. Os professores e funcionários devem ser respeitados, o horário deve ser devidamente seguido, nenhum tipo de alimento é permitido em sala de aula, a não ser água. Entenderam?
Algumas cabeças concordaram. Uma mão se levantou no meio das crianças.
-E quanto às atividades extracurriculares?
-Boa pergunta. Sempre me esqueço desse tópico. Você pode se inscrever a partir de amanhã e os professores de cada aula te darão as informações necessárias. O que eu tenho certeza é que serão de segundas, quartas ou sextas. O que mais eu deveria dizer? Regras, aulas extras, horário de hoje... Ah! Lembrei. Não cheguem muito perto da enorme casinha de cachorro próxima a diretoria. Tem um cachorro lá.
-E daí? –Alguém perguntou.
-Só fique longe, está bem. E ele late. Toda manhã.
Alícia procurou o irmão no meio dos novos rostos com os quais se familiarizaria em breve. Ele estava bem ao seu lado o tempo todo. Os gêmeos trocaram um sorriso na mesma hora em que alguém gritou. Alícia olhou em volta, procurando quem fora, mas o que viu a fez querer gritar também. Eram esqueletos. Esqueletos humanos andando em fila até os ônibus e retirando a bagagem deles. Alguns eram puro osso, outros tinham pedaços de carne agarrando-se a eles, e outros ainda veztiam trapos ou correntes nos pescoços. Alícia ficou horrorizada.
-Acalme-se Ajala. –Lorena disse para a menina que gritou. Era uma das que esteve com Isabelle no ônibus. –Esses são os faz-tudo da escola. Não se preocupem. Como eu disse são só mão de obra barata, e eles não cozinham para vocês. Agora vamos andando. A blusa de vocês deve ter espaço suficiente para que a marca seja carimbada na região da escápula. Caso não seja vocês podem querer trocá-la ou tira-la agora nos ônibus. Alguém precisa fazer isso, eu espero.
Alícia precisava sim. Ela e outras garotas entraram de volta no ônibus com suas malas e rapidamente se trocaram. Todas com uma camiseta regata. Alícia passou a mão na área onde seria marcada. Sentiu pela última vez sua pele virgem, lisa e jovem. Em alguns momentos estaria marcada para sempre com um símbolo de incerteza. Ela não sabia se era mesmo de Tâmara. Realmente acreditava que o teste estava errado.
-Todos aqui? Prontos? Vamos lá!
Lorena foi liderando o grupo. Alícia foi em silêncio do topo da colina até a diretoria, que não era um espaço curto de caminhada. Eles se separaram em duas filas: a feminina e a masculina. Sem chance de escolha ela foi colocada na primeira posição.
A diretoria lembrava uma casa de praia, com uma varanda que rodava todo o térreo e janelas de madeira pintadas de verde com tinta desbotando. Havia dois homens, um em frente a cada fila, com um objeto em mãos que lembrava uma biqueira de tatuagem. Estava conectado por um tubo transparente a enormes potes de cerâmica cheios de um líquido esverdeado que exalava fumaça. Era o líquido que em alguns segundos marcaria a pele dela. Ela estremeceu. Alunos de outros anos juntaram-se para ver os mais novos tendo a identidade de Érestha recebida. Das portas da diretoria surgiu um homem bem vestido que parou entre as duas filas.
-Boa tarde, alunos. –Alícia olhou em volta para procurar o irmão novamente. Só achou Dave, que parecia igualmente assustado. –Meu nome é Gary DiPrata, diretor da sua nova escola. Acredito que a Srta. Fellows tenha lhes passado informações básicas. Qualquer dúvida ou situação especial eu estarei aqui no meu escritório. É só bater. Se não estiver um das secretárias estará. O propósito, porém, de vocês estarem aqui agora não é me conhecer, e sim adquirir parte de sua identidade de Érestha. Se passarem mal a enfermeira está pronta para atendê-los. É normal não se sentir bem. Todos já passamos por isso um dia. Também não há mal algum em gritar ou chorar. Na verdade é até recomendado que se faça –ele pegou uma pasta, e olhou os rostos de Alícia e do menino ao seu lado. Estava consultando o nome dos dois em uma lista, ela deduziu -Um passo a frente primeiros da fila. A menina Alícia Weis, e o menino Tyler Duvin.
A menina respirou fundo e caminhou até o homem vestido de branco que segurava a biquira.
-Não tem com o que se preocupar –ele disse. -O objeto é novo e foi esterilizado. Não coloque gelo nem pomada ou outra substância na área para que não demore mais para curar. Temos um gel especial que aplicaremos para aliviar a dor. Evite coçar muito e deixar muito exposto a coisas as quais você é alérgica. Está pronta?
Ela estava à beira de um colapso nervoso. Achou que ia vomitar de novo. Ela olhou para o lado. Um menino de cabelos curtíssimos segurou com as duas mãos as grades da varanda e respirou cada vez mais rápida e desesperadamente enquanto o homem de roupa branca fazia uma contagem regressiva, antes de tatuar as costas dele. O menino gritou e assustou Alícia. O homem fez o desenho de uma árvore na pele dele em menos de dez segundos, mas o garoto continuou gritando e gritando, até mesmo após a aplicação do gel. A menina encarou o homem.
-Pronta?
-Eu não posso fazer isso.
-Sinto muito menina. Sei que parece horrível, mas é um procedimento necessário. Não pense muito, só faça.
Ela respirou fundo mais uma vez e segurou as barras da varanda, como fizera o garoto. A voz do diretor chamou pelo próximo menino da fia, Herton Heartwock, e Alícia achou que estava atrasando a todos. Automaticamente lágrimas começaram a brotar de seus olhos.
-Vou contar do três para o um e então marcarei suas costas. Três, -ela apertou as barras com muita força e tentou respirar normalmente –dois, -ela fechou os olhos –Um.
Gritou e apertou as grades e cerrou os olhos com maior intensidade. O líquido, o que quer que fosse, parecia estar desintegrando sua pele, consumindo-a rápidamente, porém de uma maneira extremamente dolorosa. E então ela viu alguma coisa. Como se tivesse sido transportada ou estivesse tendo algum tipo de visão, ela ficou cara a cara com si mesma. Uma versão mais velha de Alícia Weis. Não havia som nenhum, a não ser as respirações pesadas dessa Alícia. Essa versão tinha o semblante cansado e o rosto sujo de sangue. Suas mãos estavam acorrentadas a uma pedra enorme e seus pulsos arranhados pela luta contra a prisão. O chão era repleto de ossos e lama. Algo acertou a coxa da Alícia mais velha e a dor foi sentida pela Alícia que estava tendo a pele marcada. Ouviu uma risada doentia que congelou seu sangue. Sentiu medo. Muito medo. Então voltou para a realidade onde sua pele estava sendo marcada. O tal gel foi aplicado e aliviou a dor, mas ela não parou de gritar nem de apertar as barras e nem abriu os olhos. Não tinha coragem de saber se ainda estava olhanado para si mesmo presa a uma pedra.
-Acabou menina. Pode falar com a enfermeira se precisar.
Sem abrir os olhos, sem mover os braços e sem deixar de cerrar os dentes e morder a língua ela caminhou vagarosamente até a enfermeira.
De acordo com a LEI N 9.610 DE FEVEREIRO DE 1998, PLÁGIO É CRIME
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro