XLII -Riley
O susto que o desmaio de Alícia havia lhe causado o deixou em um alerta quase paranóico pelas próximas semanas. Fez questão de acompanhar a irmã pela escola toda a todos os momentos, para o caso de ela ter uma recaída e passar mal novamente. Desde a volta às aulas, o desempenho de Riley havia melhorado bastante, principalmente nas aulas de LAD e Artes da Terra. Ele estava muito mais determinado após ter enfrentado sozinho um animal zumbi. Ele decidira ignorar a parte em que perdeu a luta e quase morreu. Porém, quando a irmã fora mordida, não se concentrou direito nas aulas e teve a atenção chamada por praticamente todos os professores.
O mês de maio se iniciou numa terça-feira. Alícia não havia apresentado nenhum outro sintoma estranho para sua mordida na perna, além de acordar sempre com olheiras e dizer que tinha pesadelos que a incomodavam. Riley não sabia o que havia sido feito daqueles monstrinhos felpudos, apenas que estava bem longe da escola. O ano escolar em Érestha estava quase acabando. O dia trinta de Junho era num sábado, portanto as aulas só iam até sexta-feira dia vinte e nove do próximo mês. As provas e trabalhos de fim de ano estava todos marcados e acumulados na semana anterior ao fim do ano letivo. Riley tinha tudo anotado na contracapa de um de seus cadernos, porém não havia nem pensado em começar a trabalhar neles. Não teve tempo. Esteve tão preocupado com a irmã que só se lembrou de que seu aniversário estava para chegar quando a gêmea acordou saltitando e rodopiando.
Riley não gostava nem um pouco de comemorar seu aniversário. Ele simplesmente não entendia o por que de ter que celebrar mais um ano de vida. Sempre passava as manhãs com Alícia e um bolo qualquer que a mãe tivesse preparado; as tardes surfando ou andando de skate ou bicicleta sozinho; e as noites o mais longe dos amigos de Alícia o possível. Uma das únicas amigas com quem Alícia andava constantemente, a Laura Souza, ou Loira Souza, como as pessoas a conheciam na favela, conhecia centenas de pessoas e frequentava festas a toda hora. No aniversário da amiga, ela sempre arranjava uma fesa diferente com um tema diferente para elas participarem. Alícia afirmava que não gostava muito de Loira Souza, mas sempre ficava ansiosa para saber o que a menina havia planejado para ela. Riley era sempre convidado a participar, mas aceitou apenas uma vez, a primeira vez, e nunca mais quis saber de Laura Souza e suas festas.
Naquele dia, eles estavam completando dez anos. Laura já tinha feito doze. Ela pulou alguns muros, esquivou-se de cães e escalou algumas casas até acabar na varanda do gêmeos à noite. Eles a estavam esperando. Alícia parecia tão ansiosa quanto Riley. Estavam quebrando regras. Laura os guiou por ruas estreias até uma casa com uma família bem grande que estava assistindo a uma partida de futebol juntos. Havia muitas crianças ali; eles se infiltraram facilmente. Comeram o churrasco e assistiram o jogo sem que ninguém percebesse. Ninguém a não ser um menino que deveria ter uns treze anos, mas que conhecia Laura e a havia ajudado a entrar sem ser percebida pela família. A Riley não agradou o sentimento de estar invadindo uma propriedade e comendo comida de desconhecidos. Esse tipo de adrenalina não lhe deixava tão contente quanto o surf ou sua bicicleta; e quando um dos cachorros percebeu que eles não eram dali e tiveram que correr, Riley gostou menos ainda. Alícia parecia ter adorado fazer parte daquilo, e fugiu mais vezes com Loira Souza. Às vezes voltava para casa cheia de arranhões; outras, com fantasias de carnaval; e outras, não voltava até o almoço do dia seguinte. Riley não. Nunca mais. Incobria o sumiço da irmã para a mãe e as outras meia-irmãs, principalmente Ramona, mas nunca mais quis andar com Laura Souza. Sussurrou um "graças a Deus não estou mais lá" antes de fazer a irmã se sentar e comer.
-Ainda falta uma semana –Riley disse.
Dave se sentou com eles e franziu a testa. Riley ia explicar delicadamente sobre o que estava falando, mas a irmã praticamente gritou que 'dia oito nós fazemos aniversário" e recebeu olhares de várias pessoas. Ele revirou os olhos e Dave tomou um gole de seu suco para engolir a comida mais rápido.
-Eu não sabia! –Ele disse. –O que fariam se estivessem no Rio?
-Andaria de bicicleta pela praia ou surfaria com alguns amigos. Alícia fugiria da escola e voltaria apenas no dia seguinte.
A irmã o encarou com o semblante fechado. Ele bagunçou os cabelos dela, indicando que estava apenas brincando mas ela se afastou. Seus olhos não perderam o brilho e a animação por nem um segundo.
-A culpa é sua se não gosta de vir comigo. É meu aniversário, o único dia no ano em que posso fazer o que bem entendo –ela disse.
-Gostaria que minha mãe pensasse como você –Dave riu. –Tenho sempre que ter um bolo na casa de minha tia. E só. Bem que eu queria poder fugir da escola ou ir à praia no meu aniversário. Eu nunca vi o mar...
-O que? –escapou da boca de Riley.
O mar era tudo para ele. Seu lugar favorito era a água salgada e cheia de areia. Ali ele encontrava respostas para seus problemas, calma e paz. Era parte dele, era sua vida! Dave deu de ombros.
-Minha mãe nunca me levou para a praia, só isso -disse.
-Tem que vir nos visitar –Riley sugeriu. –Nessas férias.
Dave pareceu animado. Alícia deu um pulo na cadeira e sorriu.
-É, acho que sim. Pode ser uma boa ideia –Dave sorriu com os olhos. –Mas, mudando drásticamente de assunto... Alguém já começou a fazer o trabalho de astronomia?
Riley resmungou e afundou na cadeira. Não queria ouvir sobre trabalhos, não queria mesmo. Lilian se juntou a eles mais tarde e também comentou sobre trabalhos. Riley resmungou mais uma vez com sua irmã e se retirou.
Os dias foram se passando sem que Riley percebesse. Lilian o convenceu a pelo menos começar a trabalhar em suas tarefas. No dia de seu aniversário, Dave, Lilian, Chris e um outro garoto que estava nas aulas de astronomia e de Educação Física com os gêmeos, Herton Heartwock, fizeram uma torre com pedaços de bolo no café da manhã e surpreenderam os aniversriantes. Lilian colocou duas cerejas no topo e fez os gêmeos assoprarem-as para simbolizar velas. Alícia ficou extremamente animada e Riley não conseguiu parar de rir. Lorena e Rômulo apareceram mais tarde com alguns presentes embrulhados e Romena deu um abraço apertado nos meio-irmãos. Ramona não disse nada, mas Riley nem sequer se lembrou dela até vê-la numa mesa com Noah e Natalie, que se levantaram para dar os parabéns aos gêmeos.
Às sete e meia sua primeira aula, História, estaria começando. Após o café da manhã cheio de atenção, as seis crianças do primeiro ano andaram juntas na direção do prédio de aulas, mas na metade do caminho a manga da blusa que Riley usava foi puxada para trás com violência. Aparentemente a de Dave também, e ele derrubou seu material na grama.
-É meu aniversário –Alícia quem havia puxado a manga. Ela falava com o olhar fixado em frente, não em uma pessoa específica. Lilian, Chris e Herton pararam também, confusos.
Riley foi o único que entendeu. Não era só o irmão dela. Era irmão gêmeo. Ele balançou a cabeça negativamente num ritmo frenético.
-Riley! Qual é? É nosso aniversário, o único dia no ano em que podemos fazer o que bem entendemos!
-O que está acontecendo? –Lilian perguntou do seu jeito delicado e elegante.
-Ela quer fugir –Riley respondeu. –Da escola, não quer ir às aulas.
-O que? –Chris olhou para os dois alternadamente. –Você enlouqueceu? Os professores nos viram hoje de manhã. Os alunos também. Não podemos saír da escola!
-Então não vamos saír –ela largou as mangas e Dave pode recolher suas coisas do chão. –Vamos ficar aqui, na floresta! Riley, por favor.
Ele ainda estava balançando a cabeça. Todos ficaram em silêncio por alguns segundos até Herton dar de ombros e topar. Os olhos de Alícia brilharam e a boca de Chris se abriu ainda mais, em descrença. Lilian olhou para a amiga com um sorriso e também disse que iria com ela. Chris repetiu seu 'o que?' inconformado e Alíia se virou para Dave. O menino parecia indeciso.
-Se minha prima disser alguma coisa para minha mãe, -ele disse -dessa vez ela me mata, tenho certeza.
-Sim, mas não há como elas tirarem essa experiência de nós –ela falou. –Já vai estar feito.
Riley não tentou dizer nada. Sabia que nada que dissesse tiraria a ideia da cabeça da irmã. Dave acabou cedendo e até Chris concordou. Riley não podia acreditar nos amigos. Alícia e Lilian tentaram convencê-lo e ele tentou fazer com que os outros entendessem que nem sempre era uma boa ideia dar ouvidos a Alícia. Disse à Lilian que sua mãe ficaria brava; disse à Chris que ela perderia a aula de Artes da Terra; e disse a Dave que ele já havia se metido em encrenca antes.
-Sim, mas confio bastante no poder persuasivo de Thaila –ele deu de ombros. –Não vai ser tão ruim. Podemos ficar lá só até a hora do intervalo, às dez. Depois voltamos.
Alícia torceu um pouco a boca, mas depois mordeu o lábio e lançou um olhar de cão pidão ao irmão. Riley acabou concordando.
Os outros comemoraram um tanto escandalosamente. Ao invés de seguir para o prédio de aulas, como todos estavam fazendo, cada um voltou para seu quarto e guardou o material que carregava. A adrenalina já começava a tomar conta de Riley e ele não gostava nem um pouco dela. Alguns minutos após a aula ter início e eles virem Lorena entrando na floresta com uma turma de quartos anos, todos se reuniram na casinha azul. Alícia e Lilian estavam exageradamente animadas. Herton e Dave não pareciam tão entusiasmados e Chris estava se desesperando, dizendo que tipos de coisas poderiam dar errado. Riley tentou uma última vez, mas Alícia apenas o ignorou e puxou Lilian para a porta.
Os seis saíram em fila indiana e seguiram em direção a floresta. Riley olhava para trás a todo momento, seguindo a fila atrás de Chris e na frente de Herton. A casinha azul era bem próxima à floresta e eles não tiveram problemas em serem vistos. O professor de Educação Física estava próximo à árvore alvo. Talvez não pudesse ver os alunos andando, mas o coração de Riley acelerou-se ainda mais. O rosto de Alícia tinha um brilho de felicidade quase doentio. Riley sentia como se estivesse presenciando a realização de um sonho. Se olhassem para ele, talvez pensassem que estava num pesadelo. E realmente estava.
Alícia os guiava. Assim que a ultima pessoa na fila, Herton, se enfiou por entre as árvores, Riley relaxou um pouco. A irmã e Lilian olhavam para os lados a procura de algum lugar para ficarem. Talvez subir em uma árvore ou sentar em suas raízes. Riley olhava para os lados para ter certza de que não estavam sendo seguidos. As crianças começaram a andar para a direita. Riley se lembrou de quando fora abandonado por Tamires no meio do nada e seu humor não melhorou nem um pouco. Ficou preocupado em saber como achariam o caminho de volta e não fez nenhum comentário sobre para onde deveriam seguir.
Em certo ponto, Dave parou e tocou uma árvore com um olhar intrigado. Os outros continuaram andando e nem notaram o menino parar, mas Riley andava por último e parou junto do amigo. Perguntou o que ele estava fazendo.
-É estranho... –foi a resposta. –Como se fosse uma passagem antiga, ou fechada, não sei.
Riley constantemente esquecia que Dave não era como ele e sentia e via coisas que não compreendia completamente. O representante da princesa logo chacoalhou a cabeça e seguiu os outros. Não precisaram andar muito mais. Lilian e Alícia haviam finalmente decidido parar.
Era como uma grande clareira. Grande e velha. O mato dali para a frente era seco e alto. Havia uma grande poça de água e lama e as árvores que ficavam ali na borda eram macieiras e um velho salgueiro-chorão. Tudo ali parecia bastante longevo. Riley não podia acreditar que fugira de sua aula para chegar num luga tão morto. Ele andou até a poça com um olhar incrédulo.
-Aqui? –ele peguntou, desejando que os outros resolvessem voltar. Ainda tinha tempo de inventar que se atrasaram. –E o que fazemos?
As outras crianças estavam espalhada pela área, explorando. Lilian apareceu ao seu lado com um enorme sorrso no rosto, mostrando os seus dentes. Estava quase exagerado, maníaco. Riley não sabia o por quê. A menina começou a dar risada e empurrou Riley. Fora tão inesperado que ele mal tivera tempo de reagir. Caiu na poça nojenta primeiro com a bunda e depois com as costas. Conseguiu para a queda antes de afundar a cabeça e sujar o rosto. Agora suas roupas estavam enlameadas e fedidas. Lilian tinha contaminado a todos com risadas e apontava para Riley com muito orgulho. O menino não sabia se ficava furioso ou se ria junto. Resolveu que o melhor seria fazer os dois. Puxou Lilian para junto de si.
Seus longos cabelos passaram de ruivo-quase-louro e cheirosos para marrons e sujos em uma fração de segundo. Todos prenderam a respiração. Ela estava tão indignada que parecia querer chorar de início, mas enfim a risada veio. Com ela, voltaram todas. Ela perseguiu cada um dos fugitivos e chicoteou-os com seus enormes cabelos enlameados. Esse pega-pega levou Dave à poça e manchou a delicada bulsa branca de Chris, mas todos se divertiram. As risadas só acabaram com o olhar descrente de Lorena para eles.
Ela tinha suor e folhas em seus cabelos presos. Carregava uma bolsa nas costas cheia de flechas com penas verdes e um arco recurvo. Dave, ainda na lama, parecia preferir submergir do que encarar a prima. Riley gritou com si mesmo em sua mente. Quis se bater e se por de castigo. Ele sabia que daria errado, sabia que acabaria em encrenca.
-Tomem um banho e vão para a próxima aula –ela disse. Quando ninguém se mexeu, ela reforçou com um grito. –AGORA.
Todos abaixaram as cabeças e seguiram o caminho devolta para os dormitórios. Dave andou do lado esquerdo de Riley para evitar contato visual com a prima. A raiva dela era sentida no ar. Por um momento, Riley pensou que a adrenalia tinha valido a pena, porém ele estava errado. Estava metido em encrenca em seu décimo quarto aniversário. Ouviu a irmã resmungando "é só por isso que ela nos achou" ao mesmo tempo em que viu Isabelle parada, se apoiando na árvore pela qual Dave havia se interessado mais cedo. A expressão dela era de culpa e pedia perdão com seu olhar tempestuoso. Alícia acelerou o passo para fora da floresta e Riley não parou de encara-la até perde-la de vista.
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:)
De acordo com a LEI N 9.610 DE FEVEREIRO DE 1998, PLÁGIO É CRIME
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