XIII - Dave
-"Não é assim tão ruim"? –Dave arregalou os olhos diante da visão da casa de Tia Rosa. –Como você pode classificar esse lugar como "não tão ruim"? É como dizer que "o oceano não é assim tão fundo" ou "o universo não é assim tão grande." Esse lugar é o máximo!
-Me trás lembranças. E nem todas são boas.
-Só pode estar brincando!
Tia Rosa tinha uma mansão numa área residencial privada no centro da província de Tâmara. Tinha piscina e empregados e um jardim enorme. Para Dave, que estava acomstumado a apartamentos pequenos na cidade, a mansão era quase um castelo. Ele ficou encantado de estar entrando ali.
-Não tem chance nenhuma de um salário de editor de revista pagar esse lugar.
-E não paga, eu acho –Alícia disse. –Foi herança do marido dela. Eles não tinham filhos nem parentes muito próximos...
-Fora a gente. –Riley interrompeu.
-Tio Hector nos odiava! Não lembro bem o por quê, mas ele nem sabia meu nome.
-Quem se importa? Essa casa é maravilhosa - Dave sorriu.
-Essa casa é velha. Cheira a gente velha –Riley reclamou.
Dave quase se esqueceu de que estava preocupado com a mãe. O jeito como ela saiu de repente fora tão incomum. E ainda teve Lorena, que de repente estava cansada e simplesmente o deixou sob cuidados dos outros. Algo estava errado. Também não conseguia parar de pensar nos olhos da princesa. Ora violetas, ora azuis, sempre escondendo algo. Quando ela paralizou na varanda, parecia ter olhado diretamente para ele. Não só através do telão. Ele quase podia sentir o olhar dela sobre ele. Lembrou-se do sonho que teve com ela. Correndo, correndo, mas nunca alcançando-a. Queria ficar naquele sonho para sempre, aproveitar o silêncio e as risadas dela, olhar bem fundo em seus olhos e desvendar seus segredos.
-Essa é a última mala. –Rosa falou para um dos empregados e acordou Dave de seu transe. –Chame Charlie, por favor.
-Sim senhora. –O homem respondeu.
As outras pessoas foram andando para dentro do casarão sem a companhia de nenhum empregado. Alícia, Riley e Dave esperaram.
-Charlie faz biscoitos maravilhosos. –Alícia comentou. –Provavelmente Rosa vai querer que ela te leve até "seus aposentos".
Riley revirou os olhos.
-Odeio quando Rosa diz isso.
A menina olhou para Dave e deu de ombros, sorrindo. Por mais que Dave estivesse muito confuso, a família Weis era legal. Riley daria um bom amigo e Alícia, apesar de um pouco impaciente, era uma boa companhia. Ele não se importaria de passar a noite com eles de uma maneira ou de outra, mas a mãe poderia ter dito algo. Ou talvez tenha dito, e Dave simplesmente ignorou, como fez todas as vezes que elea mencionou Érestha. Queria poder desculpar-se, abraça-la e dizer que seria aquilo que o pai descrevia na carta, o que quer que tudo isso significasse. Faria a mãe orgulhosa e honraria a memória do pai. Mas era tarde demais para dizer isso pessoalmente. Agora teria que escrever para ela ou esperar pelas férias. Charlie não demorou a chegar. Ela se apresentou para Dave e pediu para que ele e Riley a seguissem. Ela trazia os cabelos loiros presos num rabo de cavalo e vestia um uniforme azul marinho. Sua voz era bastante alegre.
-Não vai querer se esquecer de como chegar até a cozinha, Dave. A comida nesta casa é sempre deliciosa. –Charlie disse.
Ela mostrou alguns pontos de referência entre o quarto e banheiro e a cozinha para que ele não se perdesse. Dave achou tudo magnífico. Sentiu-se num hotel cinco estrelas. Era a primeira vez que estava contente no dia antes do começo das aulas.
-Se precisar de alguma coisa pode falar comigo ou com qualquer um dos outros funcionários. –Ela continuou, antes de deixar Dave, Riley e as malas num quarto no meio do corredor. –Boa noite meninos.
E foi embora. O corredor começava numa enorme escada branca e terminava numa enorme janela que o deixava ver árvores envoltas pelas sombras da noite estrelada. Entre cada porta havia fotos ou pinturas penduradas e uma mesinha com um vaso cheio de flores. O carpete era cor de rosa e as paredes brancas. Riley deixou Dave parado à porta e atravessou o corredor. Bateu na porta oposta a dele.
-Você vai dormir agora? –Ele perguntou antes ue alguém a abrisse
-É claro que não –A voz de Alícia respondeu. A menina passou pela porta e fechou-a atrás de si -Em que quarto Charlie deixou vocês?
Ela atravessou o corredor e passou por Dave. Entrou no quarto dos meninos e se jogou numa das camas. Dave parou para olhar o lugar. Eram duas camas com um frigobar entre elas. Havia um alvo na parede a cima de cada cama e uma televisão na frente.
-Eu dividia esse quarto com meu irmão Rômulo uns anos atrás, quando passávamos várias noites seguidas aqui. Não é estranho que eu sou cunhado de sua prima e nós nunca nos conhecemos? –Riley contou. –Enfim, pode escolher a cama que quiser.
-Fico com a que Alícia não bagunçou.
-Certo. Cai fora Alicia, essa cama é minha. –Riley falou.
Dave andou até a cama escolhida e deixou as malas ao seu lado. Sentou-se.
-O que será que Charlie deixou no frigobar? –Alícia se perguntou.
-O que quer que seja não é seu. –Riley agarrou o pé da irmã antes que ela pudesse alcançar o objeto.
Ela usou o pé livre para chutar o irmão. Dave deu risada. Parecia uma boa relação entre irmãos, coisa que ele e Rick com certeza não tinham.
-M&Ms!- Ela exclamou, contente.
-Meus M&Ms. Meus e do Dave.
-Se você quer então vamos lutar por eles. Aquele que marcar mais pontos nos dardo fica com saquinho todo. Três dardos apenas. Está dentro Dave?
Ele deu de ombros. Por que não? Parecia divertido. Dave foi primeiro. As regras eram bem simples: Mínimo de cinco passos longe do alvo, sem atrapalhar a jogada do outro. Aquele que desobedecesse as regras perdia o direito aos M&Ms e seria atirado na piscina pela manhã. Parecia justo. O primeiro dardo dele marcou três pontos. O segundo foi fora e o terceiro caiu na área do dobro. Seis pontos ao todo. Ele fez uma careta; não imaginava que poderia ser tão ruim assim. Riley marcou o total de quarenta e oito pontos. Dave estava oficialmente fora do jogo. Humilhante. Alícia foi muito bem. Vinte, o dobro e depois acertou vinte e cinco pontos na área verde en volta do centro. Completou um total de oitenta e cinco pontos.
-É! –Ela comemorou. Comeu metade do saquinho de uma vez só. –Querem assistir a um filme? Adoro essa televisão.
-Acho que é hora de você dormir Alícia. Até amanhã. –Riley falou, empurrando ela para fora do quarto. Frustrado por não ter conseguido manter o saco de M&Ms.
-Isso é porque você perdeu. Boa noite perdedores –e foi embora.
-Ela sempre ganha nos dardos.
-É, parece boa.
Dave pensou que esse seria o momento em que um silêncio constrangedor se extenderia entre os dois, mas não foi assim que aconteceu. Riley era confiante em conversas.
-Acho que a ideia do filme é boa. De que filme você gosta?
Os meninos passaram o resto da noite comendo outras porcarias do frigobar e assistindo a comédias com Jim Carrey. Foi o dia pré primeiro dia de aula mais incomum da vida de Dave. Riley continuava rindo e falando, mas o sono castigava Dave. Poderia dormir a qualquer minuto. Precisava dormir.
-Ouviu isso? –Riley perguntou e acordou Dave.
Alguma coisa pareceu bater na janela do quarto, bem ao lado do menino. Os dois se encararam.
-Abra! –Riley falou, se ajeitando na cama para que pudesse ver por cima do ombro do amigo.
Dave se levantou e foi meio andando meio cambaleando de sono até a fechadura. Riley disse que era só virar e puxar. A brisa fria da madrugada atingiu o rosto do garoto e o fez acordar. Lá embaixo, no jardim próximo a piscina, Alícia estava parada com pedrinhas numa mão e acenando para que ele descesse com a outra.
-Acho que ela quer que a gente desça. –Dave disse.
Riley caminhou para junto dele e sussurrou para a irmã:
-Como foi que você chegou ai?
Ela pôs a mão ao redor da orelha para mostrar que não ouvira e disse algo.
-Definitivamente ela quer que a gente desça.
Riley sentou-se no parapeito da janela e agarrou um cano que passava ao lado.
-Isso não é tão fácil quanto parece. Desça devagar.
E escorregou pelo cano até o chão. Lá de baixo acenou para que ele fizesse o mesmo. De repente parecia impossível. O cano estava grudado na parede. Não dava para ele pôr os pés envolta e escorregar. Ele se agarrou do jeito mais rápido que conseguiu e começou a descer, devagar. Por que diabos estou fazendo isso? A mais ou menos um metro do chão ele não conseguiu mais se segurar e caiu de costas na grama.
-Você está bem? –Alícia perguntou.
-Estou sim. –Ele se levantou. Na verdade suas costas doíam. -Por que nos chamou?
-Porque estou surtando. Não consigo dormir! Sempre que fecho os olhos imagino o que vai acontecer amanhã. Não sou só eu que estou nervosa não é mesmo?
-Não. –Os dois responderam em uníssono.
Não era só um primeiro dia de aula. Era o primeiro dia de aula numa escola desconhecida num lugar desconhecido e com pessoas desconhecidas. Apavorante. Os três caminharam em silêncio, cada um pensando em um detalhe que os deixava receoso, até a piscina, onde eles se sentaram e colocaram os pés dentro da água fria. Isso terminou de tirar o sono de Dave Fellows.
-O que mais me assusta é o fato de termos que dormir lá. –Riley falou. –Imaginem: é sexta-feira, você está feliz por quê vai passar dois dias e meio longe da escola, em casa... Mas na verdade sua casa é a escola! Deve ser uma sensação estranha!
-Me preocupo com o que teremos que fazer lá. Como será exatamente a rotina, as regras... –Alícia encarou o próprio reflexo nas águas calmas da piscina gelada.
-Acho que concordo com vocês –Dave falou, arrumando os cabelos bagunçados.- Mas ao menos vocês tem alguma ideia do que pode acontecer. Eu nem sabia que esse lugar existia até umas horas atrás.
A menina sorriu.
-É, você tem razão. Será mais estranho para você do que para mim.
O silêncio caiu sobre eles. Eles logo começaram a bocejar, mas os pensamentos e dúvidas em suas mentes impediriam que o sono reinasse. A lua estava escondida atrás de algumas nuvens e tinha seu reflexo na água. Era uma noite linda, perfeita para o ano novo e o aniversário da princesa com rosto de garota.
-Sério Alícia. Como você chegou até aqui?- Riley perguntou.
E isso desencadeou a mais silenciosa guerra de água de todos os tempos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro