VI -Riley
O dia seguinte foi normal. Escola normal, comida normal, casa normal. Ainda teria que esperar um ano para o dia de se mudar para a nova escola e nova casa. Mal podia esperar. Acabou que Ruby não precisou gritar com Alícia pela sua flor. A planta cresceu de novo, tão murcha e sem vida quanto antes. A rosa cor-de-rosa de Riley continuava a mesma coisa, embora parecesse sorri quando Riley regava-a.
-Normal é chato - Riley comentou com Alícia.
-Depende do ponto de vista -ela o rebateu.
Riley encarou os olhinhos castanhos e cansados da irmã e voltou a observar os turistas no Corcovado. Todos se admiravam com a vista dali de cima, mas era tão normal para ele que a razão de estar ali eram as pessoas, fossem elas Italianas, Peruanas ou Cambojanas. Ele gostava de explicar coisas e tirar fotos para os turistas. A irmã ria do seu inglês e do jeito de contar fatos, mas o objetivo era exatamente esse: faze-la divertir-se. A gêmea decidiu ir embora depois de uma sessão de fotos Indianas. Os dois almoçaram a comida requentada da mãe, que era deliciosa do mesmo jeito.
-Como vai ser? -Alícia perguntou- Ano que vem?
Riley sabia que ela se referia a estudar em Érestha, mas perguntou o que ela queria dizer do mesmo jeito.
-Você sabe... -ela cutucou o frango com o garfo- Érestha.
-Não sei. Ainda está considerando não é? A possibilidade de não ir?
Ela deu de ombros. Ele se arrependeu de novo de ter dado opções para ela. Eles precisavam um do outro. Ainda tinham um ano para pensar. Se a escolha foi ou não a melhor, só o tempo lhes diria. Alícia cutucou a comida mais um pouco, se levantou e se retirou. Ruby entrou na cozinha e sorriu para o filho enquanto retirava da mesa o prato meio comido da filha. Ela era uma mulher tão doce e tão justa. Riley e ela não conversavam bastante mas confiavam um no outro. Ela se sentou junto a ele e perguntou sobre seu dia, sobre o tempo, sobre sua saúde, fez comentários sobre os irmãos que estavam estudando no reino e disse algo que sempre dizia para o filho: que seu futuro era em Érestha.
-Eu simplesmente sei –ela falou. –Você tem talento, filho.
Ele adorava quando a mãe lhe dava atenção. Ele geralmente passava os dias sozinho pelo Rio e ela mal se importava. Não colocava a culpa na mãe. Perdera o marido para uma doença qualquer antes dos gêmeos nascerem. Depois separou-se do pai dos bebês e agora era apenas ela. Não conseguia aproximar-se de ninguém, nem mesmo os filhos. Mas ela era uma boa mãe e uma boa pessoa.
Riley estava extremamente ansioso. A animação dele às vezes arrancava sorrisos e perguntas entusiasmadas da irmã, e ele tinha a esperança de poder partilhar experiências novas com ela. Um dia em julho, nove meses depois de seu teste e a festa da princesa, férias no Brasil e no reino, Ruby chamou Riley até seu quarto. Normalmente isso significava encrenca, mas como faltava pouco tempo para Érestha ele pensou que podia ter algo a ver com a decisão de Alícia, que tanto o atormentara ao longo do ano.
O quarto da mãe era um lugar por ele pouco visitado. Uma parede ficava escondida atrás de uma enorme estante com incontáveis livros e fotos emolduradas delicada e carinhosamente arrumadas pela mulher. A luz vinha de uma janela cujo parapeito era todo ornado de pequenos buquês de flores. A cama era grande o suficiente para ela, porém pequena de mais para um casal. Havia também uma máquina de costura num canto.
-Eu quero uma resposta sincera - a mãe falou. Riley engoliu em seco e assentiu.- Como você se sente em relação a Érestha?
O menino respirou, aliviado. Começou a contar o quanto estava ansioso e terminou ouvindo várias experiências vividas pela mãe. Ele fez várias perguntas. Ela deu várias respostas encantadoras. Algumas ela não soube responder com certeza. Não estava indo para a mesma escola que a mãe estudara. Ruby e Rosa foram criada em Érestha por uma mãe brasileira e um pai nascido no reino. Viveu no interior da província da princesa Tâmara, senhora da terra, e estudou numa escola por lá, humilde como sua cidade. Riley estava indo para a principal escola do reino, a Escola Preparatória da Província de Tâmara. Estava muito animado.
-Ao que parece muito mudou desde quando estive estudando lá - ela explicou. -Pode perguntar para uma de suas irmãs talvez. Não! Tive uma ideia melhor - seus olhos se animaram. –Posso chamar uma pessoa que conheço. Você vai se surpreender.
Riley sorriu diante da animação da mãe. Ruby sorriu carinhosamente e abraçou o filho.
-Escute –ela falou por entre os cabelos bagunçados do filho. –Eu entendo e respeito qualquer que seja a decisão sua e de sua irmã, mas eu gostaria que você falasse com ela.
-Claro mãe.
Os momentos dos dois juntos eram muito raros, então Riley nunca se esquecia das palavras dela e sempre tentava ajudar. Alícia resolveu passar a noite na casa de uma colega. Ele não teve tempo de falar com ela sobre Érestha. A cada minuto que se passava, mais ansioso Riley ficava. Tanto para falar com a irmã, quanto para ir para o reino ou conversar com a pessoa de quem a mãe falava. Talvez fosse uma velha amiga, e contaria para Riley como tudo era maravilhoso. Talvez fosse o filho de uma amiga, e lhe contaria sobre tudo o que havia de novo. Ou um ex aluno, colega do irmão mais velho, que bagunçaria seus cabelos e lhe contaria sobre todas as coisas que já fizera na escola. Ele dormiu com um sorriso no rosto. No dia seguinte, próximo à hora do almoço, a campainha tocou. Romena, a irmã do meio se ofereceu para atendê-la.
-É aquela pessoa de quem eu te falei ontem. Ela trabalha como professora na escola onde vai estudar e achei que seria legal se ela viesse aqui conversar com você –Ruby explicou.
-Um professor durante as férias? –Ramona reclamou- Fala sério mãe.
Ruby apenas olhou para a filha mais velha. Não precisou dizer nada. A menina se calou. Riley não sabia o que esperar. Parecia uma péssima ideia conhecer uma professora antes de entrar na escola. Um colega ou amigo seria muito melhor. Talvez esse encontro fizesse com que ela esperasse mais de Riley do que dos outros alunos, talvez ela fosse tão velha quanto sua mãe e tivesse uma visão velha da escola, talvez ela fosse chata, talvez ela quisesse ser bem tratada pelo futuro aluno... Eram muitas possibilidades horríveis que se passaram muito rapidamente na mente do menino, mas nada podia ser comparado com o que estava por vir. Nem em seus mais loucos devaneios ele teria imaginado que o rosto que passou pela porta da cozinha não era de uma velha gorda nem de uma moça alta, magra e bem vestida. Era o rosto de Tia Rosa. Riley quase caiu da cadeira.
-Ah! –Ruby exclamou- Rosa, irmã! Pensei que fosse outra pessoa. Sente-se.
-Tia Rosa é professora? –Riley perguntou quase em pânico.
-Claro que não! –Rosa riu. –Estou de férias e pensei em visitar a família. Quem vocês estão esperando, Ruby?
-Euzinha! –Riley voltou a atenção para a porta novamente e respirou aliviado. Era apenas a cunhada entrando animada. -Ouvi dizer que tem alguém por aqui que quer saber mais sobre Érestha. Também ouvi que tem comida –ela falou.
Ruby sorriu. Riley também. A cunhada era uma pessoa muito animada e divertida. O irmão tinha sorte de estar com ela. A mulher adorava toda a família Weis e todos a adoravam de volta. Riley olhou para o sorriso dela, depois para o sorriso da mãe, então franziu as sobrancelhas.
-Espere um minuto... o quê? –Riley estava bastante confuso.
A moça parada à porta sorriu ainda mais. Estava com os cabelos castanhos presos para trás num rabo de cavalo, como sempre estava. Então imitou uma risada de bruxa em filmes de terror e disse:
-Se aprontar alguma coisa sua mãe fica sabendo –e piscou para o menino.
Ele piscou algumas vezes antes de digerir o fato de que sua futura professora era também sua cunhada. Ela era extremamente divertida e gentil, mas naquele momento tudo o que ele via era alguém que podia falar com sua mãe a qualquer hora. Riley não tinha problemas frequentes na escola ali no Rio de Janeiro, mas um professor da família não parecia nem de longe uma boa ideia. Nunca havia se passado pela sua cabeça qual era a profissão dela. As irmãs tinham conhecimento disso, com certeza. O que mais ele não sabia sobre a família?
-Ela está só brincando –a irmã do meio, Romena, disse a Riley.- Você será tão torturado quantos os outros alunos, não é mesmo professora?
-Professora só entre outubro e junho. Deixe-me ajudar-lhe Ruby.
Seu nome era Lorena. Lorena Fellows. Riley a adorava, mas de repente, ali, conversando com Tia Rosa e Ruby, ela parecia a ameaça. Rosa se virou ao ouvir o comentário de Romena.
-O que foi que a menina rebelde disse? Tortura?
Lorena caiu na risada. Riley não entendeu o porquê. Achou que fosse o fato de tia Rosa ter chamado a irmã de menina rebelde. Romena usava os cabelos tingidos de vermelho, peircings e tatuagens por todo o corpo robusto, coisa que a mente velha de Tia Rosa considerava rebeldia.
-Então seu apelido, Romena, é "menina rebelde?"- Lorena disse quando finalmente parou de rir. –Vou me lembrar disso. Obrigada Tia Rosa.
Romena sorriu. Ruby estava rindo também e Tia Rosa não fazia ideia do que estava acontecendo. O mais confuso dali ainda era Riley. Lorena explicou para Rosa e o menino confuso que ela não torturava os alunos.
-Minhas aulas podem vir a ser um tanto puxadas –ela encarou o cunhado. –Se prepare, menino Weis, por quê minha aula não é a pior. Tem uma matéria chamada "História".
Romena riu.
-É, você sabe do que eu estou falando –ela continuou. –Diga, menina rebelde, qual a melhor aula na sua sincera opinião?
-Sincera? –Romena perguntou. – CT.
Lorena suspirou.
-Eu não ensino essa matéria -ela explicou para Riley. –Vou tirar pontos de sua média, pode apostar. Mas tenho que admitir que é muito legal. E você, Ramoma, que matéria mais gosta?
-A sua, é claro! –a adolescente respondeu. Ela levantou e deu um abraço na cunhada.
Lorena era a única pessoa da família que não era mal tratada por Ramona. A mais velha filha de Ruby gostava da cunhada. Riley nunca soube o por quê. O irmão, Rômulo, namorado de Lorena e colecionador de objetos cortantes chegou em casa na metade do almoço. A essa altura Lorena já tinha contado para Riley boa parte de como seria sua rotina em Érestha. As aulas começavam dia dois de Outubro, um dia após a festa. Falou sobre cada um dos professores, sobre o diretor, atividades, provas, regras, sobre a infraestrutura da escola... Ele ficou encantado. Parecia maravilhoso. Queria que Alícia também estivesse ali para ouvir. Ele esava ainda mais ansioso.
Riley e a meia-irmã do meio, Romena, não eram muito próximos. Para dizer a verdade, ele só se sentia entre irmãos com Alícia e Rômulo, mas naquela tarde os dois conversaram bastante. O jeito da menina rebelde contar seu dia-a-dia animou o menino ainda mais. Até a mais velha, Ramona, e Tia Rosa davam opiniões e contavam sobre suas próprias experiências. O sorriso de Ruby não saiu de seu rosto por nem um minuto, assim como o de Riley.
-Ei! Quer algo para sobremesa? –Rômulo disse, tocando repetidamente a ponta do nariz da namorada.
-Eu gosto de sorvete –ela respondeu. –Não quer nos levar até a praia e comprar aqueles sorvetes de palito dos vendedores ambulantes?
-"Nos levar"? –Ele falou com certa duvida
-Não vai convidar sua família? Tudo bem, eu mesma convido. Riley, aceita me lavar até a praia e tomar um sorvete comigo? –ela fez a mesma pergunta para todos da mesa, e só recebeu um não de Rosa. Lorena era uma pessoa maravilhosa.
Eles encontraram Alícia quando estavam indo para o ponto de ônibus. Ela aceitou se juntar a eles. Riley contou animadamente tudo o que Lorena Fellows lhe dissera, e a menina mostrou-se interessada. Aquela tarde da família Weis foi perfeita.
De acordo com a LEI N 9.610 DE FEVEREIRO DE 1998, PLÁGIO É CRIME.
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