II -Dave
Madalena fez o sobrinho limpar os cacos, a terra e a água que ele tinha jogado no chão. A mãe replantou a flor no parapeito da janela que dava pro nada. Todo esse tempo Dave ficou esperando que alguém tivesse um ataque de risos e dissesse algo como "Te pegamos, seu bobo! Vamos! Vamos rir de você numa lanchonete!", mas isso não aconteceu.
-É! -Lorena falou ao telefone- Aqui em São Paulo há alguns minutos!... Certo... Tchau.
Estendeu o telefone para Maria. Dave tentava absorver toda aquela informação. Um começo de dia ruim, um meio de dia ruim. Precisava dormir. Ele não se lembrava do pai mas sentia que ele o ajudaria naquele momento. Diria o que ele deveria fazer, explicaria com clareza tudo o que estava acontecendo. Ano novo, tulipa roxa, rainhas... O que eles querem de mim?. Ele enterrou o rosto nas mãos para pensar melhor. Estavam molhadas por causa da água que usara para limpar o chão. Bufou. O gato careca chegou perto de seus pés e Dave o empurrou para longe. Ele ganiu e correu para as pernas de seu irmão mais novo, que desapareceu na cosinha com o bicho.
-Então sua flor é uma tulipa roxa?- A prima disse, com orgulho na voz.
-Como assim minha flor?- Agora ele estava só nervoso.
-Ela agora é seu símbolo.
-E simboliza o que? O dia em que constatei que minha família inteira é louca? –respirou antes de continuar. -Você ouviu o que me disse alguns minutos atrás? Que eu "entrei em Érestha"? Me desculpa, mas não tenho mais cinco anos.
Ela pareceu chocada, mas sorriu. Dane-se a carta de meu pai. Dane-se esse truque de mágia com a flor crescendo. Isso não tem graça, cansei de todas essas histórias bobas.
-Não, não tem cinco anos. Tem doze. A vida toda te contei histórias sobre lá. Histórias sobre seu pai, sobre mim...
-Exatamente! Histórias. História é tudo quilo que foi inventado.
-Ou que foi vivido, é contado e será lembrado. Dentro de um ano terá sua própria história. Irá para o reino de Érestha e estudará com os outros novos legados na província da princesa Tâmara. É o que seus pais querem para você.
Ele só ouvia a expressão "seus pais" quando as pessoas no metrô ou no ônibus perguntavam "onde estão seus pais, garoto?". A sensação de ouvi-la fora desse contexto era deliciosa e dolorida ao mesmo tempo. Tateou a carta que agora estava em seu bolso e se perguntou de onde tinha vindo essa coisa toda de reino. Onde isso tinha começado?
-Dentro de um ano, não é?- Por dentro ele pensava: Tempo suficiente para que todos esqueçam isso.
-É -a prima respondeu.- Exatamente um ano.
-Filho! -A mãe o chamou. Estava radiante. A flor crencendo a fascinara e havia um brilho em seus olhos que Dave nunca vira. Devia ser o jeito comoela olhava par ao Reginald. - Se lembra dos gêmeos, Riley e Alicia?
-Não!- Respondeu sinceramente.
-Eles são parte de Érestha também! não é ótimo?
Dave deu de ombros. Só queria ir pra casa e dormir. Briga com o professor, meninas estranhas na estação de trem, símbolos estrahos na parede e uma flor nascendo em tempo record. Precisava descançar.
-Temos que ir Lorena, ou Rick se atrasa para escola.
Ao som do nome, o mais novo da família Feloows voltou da cozinha carregando o gato careca. Rick era como chamavam o irmão mais novo de Dave. Seu nome mesmo era Henrique. Era muito parecido com Maria. Tinha o mesmo castanho dos olhos e o sorriso simpático. Só não eram parecidos no comportamento. Rick era uma peste.
-Certo tia -Lorena deu um beijo no primo.- Tchau Dave. Não fale nenhuma bobagem perto da sua mãe, ok? É importante para ela vê-lo seguindo os passos de seu pai.
Sussurrou na ultima parte. À essa altura Dave mal sabia o que era ou não bobagem, mas assentiu. Ele, sua mãe caminharam em dilêncio até o carro. Rick dançava e cantava músicas cuja letra ele modificava a cada cinco segundos e rodopiava e cumprimentava os mendigos... Só tiveram paz quando ele desceu do carro para sua aula.
Em casa faltou luz, e eles subiram até o terceiro andar de escadas. Ventava bastante também, além da enorme tempestade que estava se formando. Ao entrar no seu apartamento, a mãe abraçou e beijou e abraçou ainda mais forte o filho. Deitaram juntos na cama velha de madeira dela, e ela lhe contou mais algumas coisas sobre Érestha. Histórias sobre uma princesa de cabelos azuis, sobre espadas que venceram dragões e sobre elfos que se apaixonavam por pássaros. Logo, Dave estava dormindo.
Seu sonho não foi tão relaxante como precisava. Nele, um tigre branco o encarava, sem nem sequer piscar. Estava todo arranhado, com bigodes a menos, orelhas mordidas e o pêlo sujo de terra. A língua dançava pela boca, se perguntando que gosto teria carne fresca de humano. Ele rosnou para Dave e saiu rebolando do quarto onde estava. Dave não conseguia se mecher no sonho. Sentia que ainda estava deitado no colchão de Maria. Um tempo depois havia uma mulher de cabelos e olhos verdes com um adorno extremamente exagerado na cabeça sorrindo maliciosamente junto ao tigre. Então ele acordou, e eram cinco e quinze da tarde. Por quanto tempo o tigre esteve o encarando?
Maria provavelmente tinha saído para pegar Rick na saída do colégio. Dave foi até a cozinha tomar um copo de água. Ficou surpreso por ver os temperos plantados por sua mãe tão verdes e saudáveis. Eram geralmente secos e marrons. O telefone tocou na mesma hora em que aquela tempestade que horas antes se formava desabou. Ele esperou que outra pessoas atendesse, mas estava sozinho em casa. Que droga!
-Alô? –Falou sem se importar de ter a boca cheia de água.
-Oi...hã... Maria está? -uma voz jovem e feminina falou.
-Não.
Ambos ficaram quietos e perguntaram ao mesmo tempo quem estava falando. Uma voz ao fundo disse "não seja tonta! Deve ser o filho dela!". Dave desejou que a menina desligasse para ele poder se jogar no sofá e dormir de novo. Quam sabe não acordaria na sala do professor Pelanca e descobrisse que tudo não passava de um sonho esquisito?
-Ah sim! Hã... Pode avisar que liguei? –a menina continuou. -Sou Alícia.
-Certo. Eu falo sim.
-Obrigada, tchau.
E desligou. Dave colocou o telefone no gancho ao mesmo tempo que Maria abriu a porta de entrada. Ela e Rick estavam discutindo, coisa que acontecia quase diariamente quando eles voltavam da escola.
-...Questão de honestidade! -a mãe disse.
-Qual é mãe. Geografia é uma matéria tão inútil! -Rick replicou olhando para o chão.
Ela começou a dizer algo sobre faculdade e um bom futuro e o irmão revirou os olhos. Estava sempre arranjando confusão e essa mania dele irritava Dave. Foi então que eu resolveu tomar um banho, mesmo ciente do telefonema da garota. A água não estava boa o suficiente. Quente demais ou fria de mais. Pelo menos fria de mais não queimava sua pele bronzeada. Meteu a cabeça debaixo do jato forte e se desligou do mundo por alguns minutos. O melhor momento para literalmente não fazer nada.
Só voltou à realidade com batidas furiosas na porta e alguns gritos de sua mãe. Se lavou rapidamente e sem entusiasmo. Foi carregando as roupas usadas até o quarto e algo caiu no chão: a carta de seu pai. Por um instante ele só a encarou, mas depois pegou-a com cuidado e guardou no bolso interno do casaco que carregava. Suspirou.
No jantar, sua mãe e Rick mal cruzavam o olhar. Ela travava uma luta intensa contra o purê de batatas no prato, esmagando-o como se fosse a cabeça do filho mais novo, Dave imaginou, e resmungando baixinho.
-Mãe? –Chamou.
-O que é?- Ela respondeu com fúria estampada no rosto.
-Ligaram pra você. Alice, eu acho.
-Alícia? -ela levantou o olhar.
-É. Queria que você ligasse pra ela.
-Eu sei- ela se levantou.- Comam. Eu já volto.
Ela limpou das mãos os restos das pobres batatas esmagadas e foi até a sala. Dave se sentou com o irmão e se serviu. Comeu em silêncio, apesar dos suspiros constantes à procura de atenção do irmão. Ignorou-os até terminar o jantar.
-O que foi que você fez?- Perguntou ao mais novo.
-O professor me pegou colando na prova -ele respondeu apoiando o rosto na mão livre.
Dave revirou os olhos e levou os pratos até a pia. Rick tinha apenas onze anos e meio. Completaria doze em abril do próximo ano. Dave não podia acreditar que, com a poucoa diferença de idade, havia anta diferença de comportamento entre os meninos Fellows. Dave sentia-se tão maduro e responsável, não entendia como Rick não via que essa atitude era necessária. Maria precisava de um homem para tomar conta de si, e Dave era apenas um adolescente. Alguma ajuda seria muito bem-vinda.
-Me sinto mal -ele completou.
-Você? Se sentindo mal por algo que fez? Isso é novidade. Que tal parar de fazer o que não deve e ajudar a sua mãe?
Rick se levantou e lavou a louça pela primeira vez na vida. Devia estar mesmo arrependido. Com ele lá, Dave pode simplesmente se deitar e dormir. Não fazia isso constantemente pois sempre lavava os pratos. Eram só ele e sua mãe contra o mundo. Pelo menos era assim que ele encarava sua vida lá em São Paulo aos seus doze anos.
Prom0m
De acordo com a LEI N 9.610 DE FEVEREIRO DE 1998, PLÁGIO É CRIME.
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