XVII -Dave
O primeiro dia livre que Missie, Bia e Dave tinham em comum era uma segunda-feira, dia trinta de dezembro. A representante de Tamires insistiu que Riley e Alícia acompanhassem os representantes na reunião. Os dois pareciam contentes. Thaila estava muito animada. Ver a família unida trazia sempre um sorriso para seu rosto, e ter o pai esquecendo os sonhos com Thaís e falando de outra coisa que não fosse morte era um alívio. Dave pediu que Missie escolhesse o local para ele se encontrarem. Ele não tinha preferências e Bia estava naquela reunião apenas para fazer companhia aos dois. Ela escolheu Paris.
A mãe da menina com o olho prateado era francesa, e Missie gostava muito de sua nação e suas tradições. Mesmo com as passagens para Érestha localizadas por todo o mundo, Dave nunca esteve na França. Paris era um desejo que Maria desde sempre, e o menino prometia que levaria ela até lá um dia. A mulher sempre ficava um tanto relutante em entrar no reino, mas Dave sabia que Thaila já não tinha mais mágoas pela mãe e deixaria a mulher passear com seu representante. Já tinha superado o casamendo dela com o homem que amava. Mas ele nunca a levou. Iam para o Rio, visitar os Weis, ou outras partes do Brasil, como Natal, Porto Seguro, Maringá e Manaus. Cidades que Maria e Madalena escolhiam para passar o fim de semana. Não havia uma razão específica para Dave nunca ter levado a mãe para fora do país, mas ela parecia preferir a terra conhecida e sol equatorial. Ele havia sugerido que Maria os acompanhasse, mas ela recusara. Estava ocupada com os preparativos do jantar de ano novo. Ficaria para uma próxima, nas palavras dela.
Os quatro encontraram-se em São Paulo para poderem ir de encontro a Missie, que já os esperava num restaurante. Rley não parava de falar o quanto ele sentia-se importante indo para uma reunião de verdade de três representantes de Érestha. Uma pena esses três serem os mais novos e mais chegados. Eles faziam tudo no meio de brincadeiras íntimas e em ambientes confortáveis. Riley não teria a experiência completa das salas de reuniões, roupas apropriadas, pastas, canetas de fonte, folhas, clips e formalidades. Bia havia passado as últimas três noites com a família Fellows. Na primeira, Dave teve que atender a um pedido de Thaila e do rei, e ela ficou em casa com Maria e Rick, assistindo filmes e aprendendo a cozinhar pratos brasileiros. Maria não cansava de elogia-la para Dave, e fazia-o ficar constrangido a cada três palavras. Na segunda noite os mais novos não dormiram. Ficaram jogando video-games na casa de Nicolle até o amanhecer. E na véspera da reunião ela obrigou Dave a chamar alguns amigos de sua antiga escola para irem a alguma festa no centro da cidade. Convidou Nicolle, mas ela estava muito indisposta. O irmão foi, junto de alguns amigos dele. Dave não gostava de baladas e muito menos de todos os amigos do irmão, mas estar com Bia fazia tudo ficar divertido. Eles tinham dormido pouco e bocejavam a toda hora. A única pessoa que não parecia muito bem era Alícia.
Lorena havia formado duplas em sua aula, e Dave estava com Alícia. A menina era muito boa em arremessos, e Dave conseguia se virar com a clava. Mas ela ficava cada dia mais distraída. Ele já havia lhe causado duas marcas roxas no braço e uma pancada forte na cabeça pois ela simplesmente não se defendia. Deixava a arma cair no chão ou errava a mira por metros. Ele insistia em perguntar se era Isabelle quem estava causando aquilo, e tinha até contado sobre o encontro que tiveram em seu sonho, mas ela negava. Dizia que, dessa vez, Isabelle era inocente. Mesmo assim, não queria contar. O pior era que Bia sabia, e nem dela ele conseguia arrancar informações. Ele havia falado com Thaila, contado algumas coisas do que Isabelle lhe havia dito, mas ela não podia ajudar Alícia e nem Bia. Podia apenas ficar preocupada e aumentar a segurança e o treinamento militar.
-Vamos logo! –Riley estava quase pulando de agitação. –Quero me sentir importante.
Alícia finalmente deu um sorriso e foi a primeira a andar. Ela tinha finalmente se livrado dos aparelhos nos dentes. Parecia não gostar nada daquilo. Ele lembrava-se dela ter comemorado mascando chiclete por uma semana inteira. Missie havia dado as indicações para como chegar à passagem da Torre Eiffel. Dali, chegariam facilmente no restaurante. Dave guiou o grupo, usando seu legado e seguindo pelos pontos que a menina indicara. Havia uma fonte com a escultura de um galo feita de quartzo numa praça de Tamires. Era por ali que eles deviam passar.
-É essa aqui –Dave falou. -Vai nos deixar na Torre.
-Isso é muito legal! –Riley comemorou, e foi o primeiro a passar.
Dave deixou que todos fossem antes dele. Respirou fundo para lembrar-se o que Thaila havia pedido que ele tratasse com Missie. Não era muito complicado, eram mais qestões pessoais do que profissionais. Ele deu de ombros, olhou uma última vez para o céu perfeito de Tamires e encostou no galo de pedra.
Quando Missie disse que estariam na Torre Eiffel, ela poderia ter especificado que seria vinte metros acima do monumento. Ah, mas é claro. Dave pensou. É uma passagem de Tamires, uma passagem no céu. Então permitiu-se entrar em desespero. A vista seria linda se não estivesse em queda livre em diração a sua morte. Ao sul, os Campos de Marte estavam cheios de turistas com câmeras fazendo poses engraçadas para fotos. O Arco do Triunfo também podia ser visto dali, ao norte, e o extenso Museu do Louvre também adornava a vista da bela cidade. As ruas eram muito diferentes do que Dave estava acostumado. Em São Paulo, eram prédios, prédios e mais prédios, cada vez mais altos e mais modrenos, além do trânsito insuprtável e a poluição. Mas Paris tinha ruas muito arborizadas, contruções antigas e era plana até onde os olhos alcançavam. A Leste, Dave saberia reconhecer Notre Dame. E o fator mais chamativo de todos eram as águas do Sena, que fluiam repletas de embarcações, e todas as pontes tinham alguém com os olhos vidrados na Torre. Além de toda a beleza e brilho da cidade do amor, Dave também não podia deixar de notar três adolescentes abaixo de si, gritando e caindo. Ele havia lido em algum lugar que, da ponta da antena até o chão, a Torre Eiffel tinha 324 metros. Aquela seria uma queda dolorosa. Ele pensou sériamente em gritar a palavra de proteção para Bia, mas não havia nada que ela pudesse fazer. Quando ele estava pronto para amaldiçoar Missie de todas as maneiras que conhecia, um vento forte e morno como uma brisa de verão amorteceu sua queda. Ele ficou parado, flutuando no ar à poucos metros da antena da Torre. O vento empurrou-o com força para dentro da construção e ele caiu de cara na estrutura fria.
-Se continuarmos a deixar que gritem, vamos atraír atenção de mais –uma nova voz falou.
-Mas eu adoro a cara de desespero deles –falou uma segunda voz, que procedeu em rir escandalosamente.
Dave pôs-se de pé para encarar dois homens de uniforme azul marinho sentados precariamente na borda mais alta de toda a Torre Eiffel. Um era gordo como um porco. Ria como um porco e tinha restos de comida na barba escura e nas bochechas. Usava um boné que combinava com o uniforme e segurava a barriga de tanto rir. O outro era tinha cachos loiros que atingiam seus ombros, era muito mais magro que o primeiro e estava se levantando para acolher os recém chegados. Ele tirou o boné e segurou-o em frente ao corpo enquanto vinha de encontro ao quatro. Riley arfava descontroladamente e Alícia estava encolhida, de olhos arregalados. Bia resmungava alguma coisa sobre seu calcanhar quando o loiro apresentou-se.
-Bem-vindos, Eresthianos! Sou Ivan, meu parceiro pançudo é Navi. Somos os guardiões da Passagem da Torre, muito prazer –fez uma reverência.
-De quem foi a maldita ideia de ter uma passagem no céu? –Bia grunhiu, ainda sentada, massageando o tornozelo.
-A princesa Tamires e o príncipe Elias, ora. Quem mais?
-Eu vou matar Missie –Bia falou por entre os dentes.
Navi levantou-se, enxugando as lágrimas dos olhos e respirando fundo para não rir. Ele aproximou-se também, deixando o espaço muito menor. Alícia e Riley levantaram-se, e Navi ofereceu sua mão para Bia apoiar-se. Ela apenas olhou para os dedos gordos e cor-de-rosa e grunhiu. Ficou sentada.
-Ora, sim! Missie Skyes esteve aqui mais cedo, nos avisou de sua chegada –Ivan falou.
-E também pediu que nós narrassemos suas expressões de desespero numa próxima vez que nos vermos. Ha Ha! –Navi começou a rir mais uma vez.
Ivan empurrou Navi com as duas mãos e o gordo desequilibrou-se. Ele caiu para fora da Torre e Dave desesperou-se. Em um segundo de loucura, quase pulou atrás do homem para tentar ajudar. Mas Navi manipulava os ventos abaixo de si com muita facilidade e apenas flutuou de volta para a antena. No ar, ele até parecia leve e gracioso.
-Ignorem meu parceiro. Missie está em um restaurante naquela direção –ele apontou para o leste. Dave ainda estava tentando manter o rítmo do coração estável. –Vou baixa-los para o plano inferior. De lá, ajam como turistas e peguem o elevador para o chão.
-Foi um prazer. Ha Ha –E Navi já estava rindo mais uma vez.
Ivan desceu primeiro para garantir que ninguém iria estranhar quatro adolescentes flutuando para dentro do monumento. Alguém lá de dentro afastou os turistas daquele canto para Ivan poder levar todos os quatro em segurança. Ele agradeceu mais uma vez com uma reverência para os representantes, desculpou-se por Navi e voltou para seu posto.
-Agora que eu não estou mais em perigo de morte tenho que admitir que foi muito legal –Riley falou.
Alícia acertou um tapa em seu braço e chacoalhou a cabeça, incrédula. Eles desceram e Bia insistiu em parar no primeiro plano. Havia gente de mais ali. Ainda sobre o efeito do alcaçuz, Dave ouvia a todos em português, e nunca tinha parado para apreciar o quanto isso era engraçado. Mesmo com todas as conversas, ele tinha certeza de que ainda conseguia ouvir as risadas de Navi. Riley abraçou a irmã e os dois esticaram-se para olhar o rio Sena. Ele caminhou até os dois.
-É uma bela cidade –Riley comentou.
Alícia apenas chacoalhou a cabeça afirmativamente e virou-se de costas para a vista, tomando o irmão num abraço apertado. Dave viu lágrimas formando-se em seus olhos, e surpreendeu-se quando ela deixou que escorressem. Abriu os olhos e pediu, sem precisar de nenhuma palavra, que Dave ficasse quieto e deixasse ela curtir o abraço. Ele afastou-se silenciosamente e foi dar uma volta. Colocou as mãos nos bolsos para protege-las do vento frio do inverno. Havia uma caneta e um bloco de nota roxo no bolso esquerdo. Thaila havia emprestado para ele fazer anotações. Ele dissera que podia pegar os materiais de casa, mas ela insistiu. Uma brisa gelada acertou seu rosto e ele arrependeu-se de não ter levado uma touca de lã, como a mãe sugerira. Abotoou um botão do casaco preto e ajeitou melhor o cachecol em seu pescoço. Era sorte não estar nevando. Bia vinha aproximando-se, abraçando o próprio corpo e tremendo de frio. Apesar do vestido cumprido de lã, a meia-calça grossa e o casaco de pele, ela parecia estar congelando. Checou um relógio em seu pulso quando estava perto o suficiente.
-Faltam cinco minutos para o horário marcado. Já vamos nos atrasar. Onde estão os Weis?
-Ali –ele apontou. –Você tem o endereço?
-Sim –ela pegou um papel precariamente dobrado em seu bolso e teve dificuldade para abri-lo por causa das luvas. –Rue de Monttesseuy, número 26.
Ela forçou um bico exageirado para pronunciar as palavras em francês que fez os dois cairem na risada. Os gêmeos aproximaram-se, ainda abraçados e os quatro desceram com o elevador até o térreo. Foi um sacrifício perguntar para as pessoas onde era a rua onde Missie os esperava, e quando ganharam a resposta, já estavam atrasados.
Oi
Eu absolutamente amei escrever esse capítulo. Sério, eu tinha um bloco de notas, um mapa e fotos, só esperando para serem usadas. Espero que também tenham gostado :)
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