XIX -Dave
O Pizza de Pepperoni não era uma navio. Não tinha um lugar para armazenar provisões, cabines, figura de proa, timão e nem velas. Quando Riley comentou algo sobre esse fato, as senhoras ameaçaram joga-lo no rio e ele calou-se. Havia um único mastro no meio da estrutura, mas sem cordas, pano ou estrutura suficinte para abrigar um homem que vigiasse os perigos à frente. A amurada era de balaústres e o navio não elevava-se muito acima das águas. Devia ter o dobro da altura de uma gôndola italiana, pouco mais. A proa e a popa eram elevadas por três degraus de madeira, e as velhas estavam ali em cima, Kesley na proa e Kemely na popa. Tinham longos remos de madeira e guiavam o barco contra a correntesa enquanto cantarolavam. Dave e Bia estavam apoiados na amurada, olhando a paisagem que passava por eles. Missie estava segurando-se no mastro como conseguia, parecia um pouco enjoada. Riley estava em pé no primeiro degrau da proa, observando os movimentos de remar de Kesley. Maria iria adorar fazer algum passeio de barco por ali. Passar pelo Louvre, ver os grafitis nas paredes, saudar as pessoas animadas em cima das pontes e em outros barcos.
A cantoria das velhas poderia ser bonita, se suas vozes fossem boas e se elas soubessem o significado da palavra sincronia. Dave teve certeza de que elas estavam cantando duas coisas completamente diferentes em certo ponto. Em compensação, os movimentos de remar eram perfeitamente executados. Parecia ser muito fácil levar toda aquela estrutura contra as águas do rio.
-São legados de Teresa –Dave concluiu em voz alta. Olhou par abaixo e pode ver que a água em volta do barco não sofria com a ação do rio. As águas acalmavam-se, e remar quase não era necessário. –Sabem um caminho rápido de Teresa para Éres?
-Preguiçoso –Bia resmungou. –Por que não usa seu legado?
-Perguntar ainda é mais fácil –sorriu.
Elas remaram para a direita de uma ramificação que o rio fazia ao atingir a Ilha da Cidade. Passaram contentes pela Ponte Nova e diminuiram até pararem próximas a próxima ponte. Os adolescentes se entreolharam e observaram as senhoras. Estavam no auge de alguma canção.
-A gente vai ou não para Érestha? –Riley perguntou. Ignoraram.
Sua cantoria estava agitada, ficando cada vez mais intensa.
"A nossa princesa! Oh, mas que bela!
Senhora das águas. Sim, sim! É ela!
Navegamos, senhora, para te agradar;
Que suas águas nos engulam
Que seu reino nos possua
Entrego-me a ti, senhora
Permita-nos afundar."
Ela seguraram a última nota por tempo o suficiente para Dave entender o que aconteceria a seguir.
-Espere, não! –foi o que ele conseguiu falar. Segurou a cintura de Bia e agarrou-se com mais força à amurada.
O barco afundou muito rapidamente. Virou de cabeça para baixo e continuou a descer e descer, cada vez mais rápido. Missie não foi inteligente em gritar; deve ter engolido muita água. Era escuro e frio dentro do Sena, não conseguia ver nada. Dave não tinha muita ideia do quão fundo era o rio, mas na velocidade que as águas engoliam-nos, não podiam ter demorado tanto para atingir o fundo. Dave conseguiu sentir que havia uma passagem bem ali, e sentia apenas ainda mais água do outro lado dela. Ao invés de bater com força na lama, eles passaram a passagem para Érestha começaram a subir. As águas ficaram claras e mais mornas. Peixes coloridos nadavam apressados para longe deles. Ele olhou para cima e viu a superfície aproximando-se. Bia soltou algumas bolhas desesperadas e o barco finalmente voltou a posição normal. Missie tossiu um pouco d'água, Riley escorregou e Bia respirava com muita dificuldade. Era inverno em Érestha também. Dave estava tremendo. Kesley desceu seus três degraus e começou a afastar toda a água do barco com movimentos bruscos da mão. Ao aproximar-se das crianças ofegantes, tocou-lhes os ombros e cada gota d'água que lhes molhava pulou para o mar cristalino de Teresa. Dave estava seco, mas ainda com frio.
-Qual o problema das pessoas que fazem essas passagens? –Bia encarou uma das velhas, andando para perto de Missie para garantir que ela não estava engasgando. –A gente podia ter morrido!
-Não, não morreriam –Kemely garantiu. –Ninguém nunca morreu. Vou leva-los à praia de Teresa, ok? Fica a alguns minutos de viagem. Pronta irmã?
-Sim, irmã –Kesley respondeu, posicionando-se de volta na proa. –Segurem-se, crianças.
Elas não precisaram pedir duas vezes. Dave agarrou a amurada, Bia e Missie seguraram-se no mastro e Riley restejou até o pé da escada e agarrou-o como conseguiu. Kesley estava afastando a água da frente, e Kemely empurrava o barco com ondas poderosas que fazia atrás. Elas riram como loucas com as caras das crianças. A velocidade era muito alta. Esses guardiões das fronteiras deviam ser repensados, com urgência. Sorte de Alícia que não tinha quaso sido afogada por duas velhas vestidas de gondoleiras.
-Vocês tem autorização para fazer isso? –Dave perguntou. Teve que gritar para que sua voz fosse ouvida sob o barulho da água e das risadas.
-Claro! –Kemely respondeu. –Somos as melhores guardiãs das passagens principais de Teresa! Fazemos isso ha cinquenta e três anos!
-Oh, sim! –acrescentou Kesley. -Conhecemos o mar como a palma da mão.
-Cada cardume de atum.
-Cada navio pirata.
-E cada capitão amaldiçoado –completaram em uma só voz.
-Capitão pirata amaldiçoado? –Missie gritou. Ela estava quase verde de enjoo. –Dave, elas são loucas, isso foi uma má ideia.
-Não, são lendas –Riley disse. –Lendas do mar, histórias sobre piratas.
-Lendas? –As mulheres falaram. Kesley ajustou seu chapéu listrado de roxo e continuou –Todas as lendas do mar são verdades, meninos.
-Os piratas e suas maldições, as ondas vivas, o Cemitério do Rei... Nós sabemos, conhecemos o mar melhor do que nossos próprios dedos do pé!
-Eu li sobre isso tudo –Riley comentou. –Os três piratas e as três maldições... Isso... Não pode ser verdade.
-Mas é! –Kemely disse, sorrindo. –A maldição da vida! Krev Krols é capitão do magnífico Fênix Dourada. Um navio feito de ouro que flutua graciosamente pelas águas mais afastadas do reino. Foi amaldiçoado há muitos anos, talvez séculos, a viver para sempre. Sua tripulação também submete-se a isso, e ele tem os mesmos companheiros há anos! Pisa na areia apenas uma vez a cada cinco anos para lembrar-se de que nem tudo é o mar, embora o mar esteja em tudo. Foi numa dessas vizitas, há... vinte e três anos, penso eu, que deitou-se com Teresa e amou-a.
-Está sugerindo que a filha de Teresa é também filha de um pirata? –Missie perguntou. Dave sabia que o tom de descrença em sua voz não era pela história, mas pelo jeito como ela deshonrava o nome de sua própria senhora com ela.
-He, he, é sim! Metade princesa, metade pirata –Kesley falou. Missie fez uma careta. –Há ainda a maldição da morte, oh sim! Mourie Nortwen e a tripulação do Rubi da Sereia. Morrem afogados todos os anos, e voltam no mesmo dia, para continuar a assombrar os mares de sua senhora. Saqueiam embarcações mercadoras e turísticas, preparam armadilhas, dominam as águas turvas de Teresa.
-E há também a vida após a morte –Riley falou. –Uma capitã, mulher. Morreu e voltou sem a ajuda de Tabata e agora vagará para sempre no Espírito, o navio fantasma mais assustador de todos. A figura de proa é uma besta. Metade bode, metade crocodilo, que ondula com um brilho fantasmagórico e assusta a todos. Ninguém sabe qual é a cor da madeira podre que forma sua estrutura por causa da fumaça que o rodeia. Nem mesmo a água é corajosa o suficiente e afasta-se do navio fantasma. Dizem que se sabe quando ela está próxima pelo cheiro de morte e a névoa gelada que cerca os navios que ela assombrará.
O Pizza de Pepperoni parou de repente, num movimento brusco que jogou a todos para frente. Dave bateu a cabeça com muita força no chão. As velhas encararm-se por longos segundos até falarem ao mesmo tempo:
-Louise Ousaine... Mamãe.
Os adolescentes encararam-se com as sobrancelhas franzidas. Dave não queria fazer perguntas. Elas riram descontroladamente e voltaram a controlar as águas para o barco deslizar por elas. Elas precisavam aprender a serem mais cuidadosas. O movimento foi brusco de mais, e Dave estava levantando-se para voltar a agarrar-se na amurada. Ele tropeçou com a inércia e caiu por cima dos balaústres, mergulhando nas águas claras e afundando. A correnteza era muito forte e levou-o a bater a cabeça mais uma vez, numa pedra. Continuou a afundar e ser puxado para longe do barco. Peixes começaram a aglomerar-se a seu redor e o mundo ficou preto antes dele engolir uma grande quantidade de água cristalina.
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