XIII Bia
Aquilo era difícil, muito difícil. Geralmente, Bia saia-se muito bem em qualquer aula na Escola Preparatória da Província de Elói, mas aquilo ali era particularmente desafiador. O professor de fogo estava sendo cruel. Ela tinha certeza de que existia um termo técnico para o nome daquela aula, mas não haveria necessidade em se preocupar com aquilo. Principalemte não naquele momento. Sua tarefa era queimar um pedaço fino de metal até que ele pudesse ser manipulado. Aquele que conseguisse criar outras formas com o metal quente ganharia alguns pontos extras de participação. Mas o problema era que aquilo estava congelado. Derreter um cubo de gelo não era nunehum desafio, mas livrar-se da camada de gelo do metal, fazer as gotículas que sobrassem evaporarem e aquece-lo à temperatura certa sem queimar a mesa com um limite de tempo era muito complicado. Geralmente, Bia Vallarrica não pensava muito. Ela apenas queimava tudo. Afinal, essa era toda a essencia do fogo para ela: calor insuportável e indomável.
-Vamos, Bianca –o professor apressou-a. –Vai ficar para trás.
-Eu vou conseguir –ela falou, fazendo mais esforço.
O gelo e a água contribuiam para desconcentra-la. Ela precisava que suas mãos estivessem quentes para produzir uma chama, e precisava se concentrar para isso. O ar gelado que emanava da placa de metal resfriava a mão de Bia e ela se desconcentrava ainda mais. Quando ela estava brava era mais fácil usar seu legado, mas ela pensava menos, corria o risco de queimar a mesa do laboratório. Era a única aula que não tinha com Marcy, e a menina era expert em deixar Bia irritada. De acordo com o giz branco na lousa, se ficasse muito feliz também conseguiria. "Variações de humor. Tema de hoje: alegria". Ela não estava alegre. O Outono estava frio e ela tinha a agenda cheia para aquele dia. O pior é que ela tivera que recusar o convite de Dave para celebrar seu aniversário com Thaila para dedicar-se a Elói. Era tão fácil deixa-la irritada que apenas o fato de ter que pensar em alguma feliz a deixava brava. Sua mão resfriou-se mais uma vez e ela grunhiu. O prófessor espalmou sua mesa para chamar sua atenção.
-Se você não estiver sorrindo quando completar a tarefa, não levará pontos.
Ela respirou fundo para não colocar fogo na roupa do homem. De novo. Eles haviam sido instruídos de trazer alguma coisa de casa que os deixassem feliz. Fotos, brinquedos, animais de estimação, qualquer coisa. Bia vestia suas roupas favoritas e achava que isso seria o suficiente. Além do mais, ela não tinha brinquedos no quarto e lembrava-se muito bem das fotos em sua escrivaninha. Ela respirou fundo e passou os olhos pela mão que tentava, sem sucesso, cumprir a tarefa dada pelo professor. E então permitiu-se sorrir.
Havia uma pequena tatuagem em seu dedo polegar. Aquela fora a coisa mais estúpida do momento mais mágico de toda a sua vida. A tatuagem retratava quatro patas de um cavalo. Parecia uma mancha, uma cicatriz. Muitas pessoas já haviam perguntado se ela havia se cortado ou algo assim, e ela apenas dava risada. Aquilo era ridículo de mais até para ela. A outra parte da tatuagem, ou seja, o corpo e a cabeça do cavalo, estavam no polegar de uma pessoa que ela não via há oito anos. Mal sabia se ele estava ou não vivo. Provavelmente não.
Ela costumava ter um melhor amigo antes de perder tudo e ser adotada por Elói. Dois melhores amigos. Um cavao de pelos negros e um menino de cabelos louros. Em uma das muitas viagens que eles faziam com seus companheiros de trabalho, eles depararam-se com um tatuador amador. Eles não deviam ter mais do que sete anos de idade. Pediram para o homem retatar seu amado cavalo, e ele sugeriu que fosse uma tatuagem que se complementasse. Até hoje, Bia não entende como o homem não hesitou em tatuar duas crianças. O importante é que eles escolheram os polegares da mão direita. Assim, sempre que apertassem a mão um do outro, em um cumprimento, o cavalo estaria ali junto deles, cumprimentado-os também.
Ela riu. Uma risada verdadeira cheia de saudades e alegria. Ela havia sofrido muito para fazer aquela tatuagem e estava traumatizada até os dias de hoje. Como eles conseguiam ter uma ideia tão idiota? Quando o despertador que marcava o tempo para os alunos terminarem a tarefa apitou, o pedaço de metal de Bia estava retorcido sob si mesmo e um enorme sorriso estampava seu rosto.
-Teria sido mais fácil se eu estivesse lá, não teria? –Marcy perguntou.
-Eu teria levado um belo zero para o senhor príncipe assinar –Bia retrucou, ajeitando-se no banco do ônibus.
A ruiva baixinha estava contente pelo desempenho da amiga na aula. Porém, não parava de falar como sua tarefa havia sido complicada e como a de Bia teria sido menos difícil com ela presente. Ela estava certa, mas Bia queria um pouco de silêncio. Devia estar acariciando, inconscientemente, o braço das marcas. Ela mal conseguiria imaginar o que aconteceria se Dave e Elói estivessem em perigo ao mesmo tempo. Achava que teria que escolher um dos dois e acabaria enlouquecendo. Temia, porém respeitava muito aquele pacto.
-Você queria ter ido, não é? Para o Castelo de Vidro? –Bia não precisou responder. -Eu não te entendo, Vallarrica. Por que diabos você escolheu estudar numa escola e não ter um professor particular? Você ficaria em casa o dia inteiro, seria uma verdadeira princesa. Não ia ter deveres de casa e poderia sair quando quisesse. Podia pelo menos exigir um motorista, sei lá. Assim não teríamos que pegar um ônibus lotado todo o dia.
-Bom, eu não tenho que pagar a passagem, então... -Marcy revirou os olhos e Bia riu da ruiva. –Eu não sou uma princesa, Marcy.
-É filha adotiva de um príncipe. Para mim isso é bom o suficiente.
-Você é muito iludida, Klein.
-Você é muito burra, Vallarrica.
Ela não era burra. Bia simplesmente não era uma princesa. Ela não merecia um quarto no Castelo de Plasma e muito menos um tratamento VIP. Bia era apenas mais uma cidadã. Fortunata o suficiente para ter sido acolhida pelo príncipe, mas ainda assim era tão normal quanto qualquer outra pessoa. Alguns diziam que ela carregava muitas frustrações, e que, por debaixo da máscara durona que ela usava, existia uma Bianca cheia de mágoas, medos e arrependimentos. Era a justificativa deles para sua escolha de viver como uma pessoa normal diante da sociedade: achavam que ela era insegura. Ela ria na cara de todos que sugeriam isso. Bia não era a única. Elói tinha mais três filhos adotivos morando no Castelo de Plasma, e os três vivam a vida normalmente, exatamente como Bia fazia. Eles também deviam sofrer com esse tipo de comentário, mas deviam rir, assim como Bia fazia. Dandara Bianca Vallarrica podia ser qualquer coisa, menos insegura. Ela conhecia todos os seus defeitos e qualidades, e usava-os para tornar-se a pessoa que ela queria ser. Eles não estavam errados quando diziam que haviam tempos escuros em seu passado. Isso era verdade. Mas ela não arrependia-se de nada, não segurava mágoas de ninguém e não tinha medo. Eram coisas que ela simplesmente queria esquecer. Era trágico, triste e forte de mais para uma garotinha de oito anos de idade, mas ela sabia que não podia ficar se culpando. Então ela abandou Dandara e focou em Bianca. Ainda havia muito sobre Bia que ela mesma não conhecia, mas não havia parte nenhuma dentro da menina que desejava aproveitar-se de Elói e sua estadia no palácio. Ela queria ter uma vida normal, fazer amigos, ser uma adolescente problemática como era. Essa era a vida de princesa, na opnião dela. Um pena que Marcy não via o mesmo.
-Por que você sorriu? –a ruiva perguntou. –Na aula, como conseguiu?
-Lembrei-me de um amigo meu –ela respondeu simplesmente. –E de coisas idiotas que me fazem rir.
-Opa, essa é minha parada –Marcy e Bia fizeram seu aperto de mãos complicado e engraçado antes da minina esgueirar-se na multidão para sair correndo. –Te vejo amanhã.
-Até!
Bia voltou a encarar a tatuagem estranha em seu dedo. Sentia saudades de seu amigo. Depois do incêndio no circo, ela tinha certeza de apenas duas coisas: a mãe estava morta e ela havia conseguido escapar com seu fiel companheiro de quaro patas. Ela simplesmente assumia que os outros estavam mortos também. Afinal, todos sabiam quem era Bianca Vallarrica. Seus companheiros não iriam atrás dela? Não procurariam abrigo, ajuda, visitariam-na para dizer que estão bem? Ela torceu o lábio, frustrada. O cavalo já morrera ha muitos anos, de velhice. Mas talvez, apenas talvez, o menino louro com poderes da terra ainda estivesse vivo. Suspirou.
-Onde estará você, Tyler Duvin?
Oi gente, Feliz Natal
Feliz Ano Novo
e Feliz qualquer outra coisa também
Deixa eu falar aqui que, se alguém entender essa última linha ai do capítulo, saiba que eu estou impressionada por sua atenção em detalhes.
Lembrando que esse é o meu livro favorito da série Érestha e eu to me divertindo pacas (por que eu falei isso? Tmb não sei). Obrigada por acompanhar a história :)
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