VIII -Riley
Ele acordou com calma, espriguiçando-se ainda deitado. Acabou acertando a irmã, que deitava ao seu lado. Por sorte, a menina não acordara. Era uma das poucas vezes em que ela dormia a noite toda sem ter pesadelos horríveis. Havia um saco de pipocas vazio a seus pés. Seu conteúdo estava espalhado por sua cama e pela de Dave, que haviam sido postas juntas para poderem dividir com Alícia. O amigo dormia sem fazer nenhum barulho. Ele estranhou. Checou seu relógio despertador, e ainda eram seis e meia da manhã. A mãe havia combinado de acorda-los faltando quinze minutos para as oito. Ela e tia Rosa os levariam até o centro da província para fazer compras de última hora. Dave não tinha nada que a escola pedira, então provavelmente passariam um bom tempo por ali. Ele bocejou e virou-se na cama como pode para não acordar a irmã. Fechou os olhos, mas não conseguiu dormir. Após se revirar incansávelmente, olhou o relógio mais uma vez. Apenas três minutos haviam se passado. Ele grunhiu. E Alícia levantou a cabeça da cama.
-Que horas são? –ela perguntou com a voz embriagada pelo sono, esfregando os olhos.
-Seis e meia –ele respondeu.
Ela fez uma careta e enfiou o travesseiro por cima da cabeça. Dave se virou e tentou perguntar se já era hora deles levantarem. Alícia disse que não, e que Riley era um idiota. Era dia vinte e nove de Setembro. Vinte e dois dias depois da festa de Lilian e ele estava prestes a concluir que era impossível não pensar em Lilian. Tudo o que se passava por sua cabeça conectava-se à ela de alguma maneira. Ele deve ter se mexido bruscamente mais uma vez. Alícia sentou-se na cama e acertou o irmão com seu travesseiro. Ficou sentada por alguns segundos até apontar para a parede.
-A gente não jogou dardos ainda –ela falou.
-Você sempre ganha –a voz de Dave saiu abafada por causa do travesseiro.
Alícia acertou ele desta vez.
-É nossa tradição. E depois a gente desce e eu ganho na guerra d'água.
-Não tem vencedores –Riley sentou-se também. Pegou os dardos de dentro da gaveta e deu três para cada um. –Se usar seu legado, é desclassificação automática.
-Não é juso. Eu sempre perco e agora estou morrendo de sono –Dave reclamou, sentando-se.
Eles fizeram sua tradicional competição de mira entre bocejos e espreguiçadas. Alícia chegou em priemrio lugar e escolheu alguma coisa do frigobar para si. Depois eles escorregaram pelo cano do lado de fora da janela do quarto e puseram seus pés na piscina. Riley sentava-se no meio, com a irmã à esquerda. A água estava tão fria que Riley não sentia seus dedos. A manhã tinha um céu nublado e tudo era levemente rodeado por uma névoa gelada. Eles estavam em silêncio, esperando que algum comentário fosse feito para terem motivos suficientes para jogar água fria uns nos outros. Ainda se ficassem quietos, estariam satisfeitos. Tudo estava calmo.
-Somos um grupo muito esquisito –Alícia disse. –Uma telecnética, um retrocognitivo e um fitocinetico. Parece o começo de uma piada que meu pai contaria.
Riey sorriu ao ouvir o comentário dela, e sorriu até mostrar os dentes. "Meu pai", ela dissera. O pai deles, o verdadeiro genitor de Riley e Alícia Weis fazia parte da vida deles. Embora ele não gostasse de tratar Adnei como pai, e sempre guardaria certo rancor por tudo o que ele não fizera, era uma sensação incível poder dizer que sabia quem ele era. E ele era incrível, Riley tinha que admitir.
-É, o que pode ser pior do que fazer parte de um grupo de uma piada ruim? –Dave riu.
-Saber que um de nós namora uma piromaníaca.
Riley não poderia deixar de fazer a piada. Ninguém nunca falava sobre Bia e Dave, e Riley não entendia o porque. Não que ele gostaria de falar sobre coisas como aquela, mas achava que não deveria ser tratado de uma forma tão pejorativa. Afinal, o que havia de errado? Ele arrependeu-se assim que sorriu para Dave. O amigo o empurrou para dentro da piscina de tia Rosa e Riley achou que ia morrer. Ele nadava muito bem, mas a água era tão fria que ele queria usar os braços e as mãos para abraçar-se e não voltar à superfície. Parecia que todas as suas células haviam sido congeladas e quando ele chegou a superfície, foi difícil respirar. O gelado da água contra seu peito impedia que seus pulmões trabalhassem normalmente. Ele abriu os olhos. Alícia ria baixo para evitar acordar alguém de dentro da casa. Ele olhou para Dave, verdadeiramente incrédulo, mas não conseguiu falar nada por causa do choque.
-Não estamos juntos –ele falou, por entre os dentes. –E ela não é piromaníaca.
Riley puxou as pernas de Dave e logo o amigo estava na mesma situação que ele, congelando cada centímetro de seu corpo. Dave espirrou água no rosto de Riley, mas este não tinha coragem o suiciente para saír de posição em que se encontrava. Alícia agora ria descontroladamente, e os dois não precisaram trocar nenhuma palavra para decidir que agora era a vez dela cair na piscina gelada.
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Ele agora estava tossindo um pouco. Dave e Alícia também pareciam estar com as gargantas irritadas. A risada da gêmea acabara por ser alta de mais, e Ruby saiu do conforto de sua cama de pantufas, camisola de onçinha e máscara de dormir pendurada no pescoço. Ela deu uma bronca enorme nos três, irritada por terem-na acordado, e se recusou a pegar toalhas para eles como castigo. O resultado era uma coceira irritante na goela dos três. Estavam parados em frente à uma pequena livraria um pouco afastada da praça no centro da província. Alícia lia e relia sua carta. Com um enorme 'É' na cor verde carimbado na frente, continha uma lista com os materiais necessários para o ano letivo que se iniciaria. A de Dave tinha a cor roxa, e Thaila havia escrito uma mensagem personalizada ao fim. Ele parecia indeciso sobre em qual marca de qual pacto deveria estar se preocupando. Tinha os braços cruzados, as mangas estendidas e acariciava as duas ao mesmo tempo com os polegares. No papel de Alícia havia um pequeno coração desenhado em verde ao lado da assinatura da princesa. A menina olhava com certa repulsa para aquilo, mas ainda assim mantinha uma postura de orgulho. Alguma coisa incomodava Alícia naquela manhã, e o irmão não conseguia decifrar seus olhares. Ele abaixou os olhos para sua carta. Não era nem um pouco especial.
-De quem foi a brilhante ideia de introduzir literatura nas aulas de história? –Alícia resmungou.
Riley não achava nada daquilo ruim. Gostava de história e gostava de literatura. Os dois combinados não podia ser tão horrível. Entraram na loja em silêncio. Era um lugar pequeno e cheio de livros por toda a parte, até mesmo pendurados no teto e em pilhas no chão. Havia uma pessoa sentada lendo qualquer coisa e uma menina no balcão, fechando a compra com uma velha. Riley olhou em volta, fascinado. A primeira coisa em que pensou foi em achar mais livros sobre criaturas ou da autoria de Hynne Stewart, que era sua nova escritora favorita. Os três se separaram, embora buscassem pelo mesmo material. Riley seguiu para a esquerda, perdendo-se entre prateleiras e pilhas de livros. Queria ver se havia alguma organização específica na loja. Nome dos autores, título do livro, talvez data de publicação. Mas tudo era simplesmente uma baguça. "O pássaro e o elfo", de Ávila Markova, estava ao lado de "Um jantar com o rei Wallace." da autoria de Ré West. Não fazia o menor sentido. Ele queria poder arrumar tudo. Limpar o pó de cada um dos livros, organiza-los por nome em prateleiras novas e tirar os ganchos que furavam alguns dos mais grossos no teto. Ao invés disso, chacolhou a cabeça e se concentrou em procurar por Stewart.
-Riley?
Ele virou-se para trás e cruzou o olhar com uma Lilian sorridente. Ela estava abraçando dois livros e ainda usava o anel que Riley fizera para ela no mesmo dedo indicador. Era delicada até mesmo no simples ato de respirar. Lilian Alberton sorrindo para ele com os cabelos jogados para o lado segurando livros contra o peito era definitivamente a coisa mais bela que ele já havia visto. Ele não conseguiu articular os músculos de uma maneira que produzisse alguém som, e ela apenas riu, encolhendo os olmbros de uma maneira adorável. Não havia possibilidade alguma de suas bochechas não estarem vermelhas naquele momento, mas seria inútil tentar disfarçar. Ela se mxeu para pegar um dos livros e o estendeu na direção de Riley.
-Eu ia te dar isso no ôbinus, mas já que está aqui...
Ele pegou o objeto em mãos e virou-o para si. Devia ter, no mínimo, quinhentas páginas. A capa era grossa e o livro em si era bastante pesado. O título o fez sorrir. "Saiba mais sobre! A enciclopédia completa dos animais fantásticos" Mais abaixo, o nome que Riley vinha procurando estava gravado em grandes letras negras. Havia, porém, um furo no canto direito superior do livro que atravessava todas as páginas e as duas capas. Ele olhou pelo buraco para Lilian e ela riu mais uma vez.
-Ele estava pendurado –ela explicou, apontando para cima.
-É perfeito –ele deixou o pensamento escapar em um tom de voz baixo. Não estava se referindo ao livro, mas Lilian não pareceu notar. –Por que quer me dar isso?
-Porque sei que gosta do assunto e da autora. E também é uma forma de agradecer o presente de aniversário –ela mexeu o anel por seu dedo, contente.
-É só um anel –ele abraçou o livro. – E não tem o que agradecer, Lily, é um presente.
Riley precisava urgentemente colocar um filtro em seu cérebro que o impedia de dizer coisas idiotas. Ele não sabia quem tinha autorização de trata-la por Lily. Talvez fosse um apelido constrangedor de infância, como quando ele chamava Alícia de Lice. O pior é que ele não tinha uma explição boa o suficiente para te-la chamado assim. Mais uma vez, ele tentou mover a mandíbula e colocar suas cordas vocais para trabalharem, sem sucesso. Seus lábios abriram-se em um sorriso e ela encarou os próprios pés. Falou baixo, numa voz tímida.
-Eu não estava falando do anel.
Ele simplesmente não pensou. Se tivesse deixado que um mísero pensamento passasse por sua mente, seria inundado de ideias e estragaria tudo. Ele apenas segurou o rosto dela e beijou sua boca. Ela levou sua mão até o pescoço dele e o dente de dragão arranhou o menino. Ele não se importou. Também não se importava que a irmã estava em algum lugar daquela loja e poderia aparecer ali a qualquer momento. Ou pelo menos não se importava tanto assim. Ela franziu as sobrancelhas para o chão quando os dois afastaram-se. Riley olhou para baixo e sua reação foi a mesma. Um pouco de grama havia se formado aos pés dos dois. Pequeninas folhas verdes que venceram a madeira e o pavimento para brotar sob os dois. Riley estava pronto para começar uma rodada de perguntas e comentários quando ela deu um passo para trás.
-Bom, eu... preciso ir –ela disse, sorridente. –Vejo vocês na festa de aniversário de Thaila.
Ela acenou com os dedos e Riley suspirou, assistindo-a andar para fora da loja. Então ele parou para pensar, finalmente, e girou em seus calcanhares. Dave estava ali, segurando três exemplares do livro de literatura. O canto dieito de seus lábios curvou-se levemente para cima e ele olhou para as pequenas plantas ao pé de Riley. Lilian havia acenado para ele também. Como ela ignorara a presença de Dave era um mistério que ele gostaria de aprender.
-Lily? –o amigo falou, caçoando.
Riley desejou poder joga-lo dentro da piscina de Tia Rosa mais uma vez. O menino falou que ia pagar pelos livros e esperaria Riley do lado de fora. Nenhum sinal da irmã, e isso era ótimo. Ele abraçou seu prsente. Era perfeito. Tudo o que queria era abri-lo e lembrar de Lilian a cada página. Apreciar cada palavra como a menina permitira que ele apreciasse o gosto de sua boca. Abraça-lo ainda mais forte e sentir o calor de Lilian. É perfeito.
-Já tem palavras suficientes para se preocupar, meu filho –ele deu um pulo para trás, surpreso. A menina que ha pouco lia com as pernas cruzadas no chão, em silêncio, agora levantava-se para observa-lo de perto. Ela tomava, aos poucos, uma forma assustadora. Não havia vida em seus olhos. Eram brancos e horríveis de se encarar. Deixou seu livro cair no chão e começou a andar em direção a Riley. –Desculpe aparecer assim, rapaz, mas não podemos nos ver antes do tempo.
Conforme ela falava, seus cabelos castanhos esbranquiçavam a partir das raizaes. Suas feiçoes envelheciam e sua pele enrugava. Quanto mais palavras saiam de sua boca, mais rápido ela tornava-se uma velha. Riley não conseguia olhar em volta, estava com medo. Aquela voz era estranhamente familiar. A cegueira dos olhos, a maciez das palavras...
-D-dafne? –ele gagueijou.
-Mas é claro. Deve ler o livro que o Mago Roxo lhe deu, menino. Deve lê-lo junto do filho do soldado e encontrar as respostas. Tudo está lá. Leila escreveu tudo.
-L-leila? M-mas que respostas? –saber que aquela era Dafne, a bondosa dona misteriosa do Hotel da Dafne, deixava Riley mais calmo. Ainda assim, era assustador. Os cabelos da menina começavam a cair de sua cabeça e sua pele era tão velha que também perdia a cor. –O que é aquele livro, Dafne? Eu não consigo ler!
-Porque não está tentando! Mas você precisa dedicar-se a ele logo. Caso contrário, não consiguirá a tempo –as costas da menina começaram a curvar-se. A pele de sua boca caía aos pés de Riley e as plantas que surgiram do beijo de Lilian ficaram marrons e cinza e morreram. –Minhas irmãs e eu temos muito trabalho. Não posso ficar lembrando-te. Faça o que deve fazer, Riley Weis. E peça desculpas a essa moça por mim.
Com um suspiro desesperado por ar, os olhos da menina voltaram ao normal e Dafne foi-se. Sua pele foi sugada devolta para a flacidade natural e a cor dos cabelos voltou a ser castanho. Ela olhou para Riley, confusa. O menino respirou fundo algumas vezes.
-Dafne pediu desculpas –ele falou para a garota antes de sair da loja.
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