I -Dave
Ele estava cada vez mais convencido de que era sim possível sentir a aura de alguém fora de Érestha, quando lembrou-se da pedra. Nicolle de Vie sempre fora a pessoa mais intrigante e mais interessante que Dave conhecera, mas com a pedra de Argia em volta do pescoço, era mais ainda. A pedra brilhava fracamente mas transmitia uma enegia gigante. Dave acreditava que toda a aura de Argia estava concentrada naquela pedrinha. O espírito da bebê morta na guerra pelo poder.
O legado da vida era um mistério para o representante da futura rainha. Durante as férias, entre seu segundo e terceiro ano na Escola Preparatória da Província de Tâmara, Dave encontrou-se com Lawrence diversas vezes. O velho, que não largava sua prancheta, lhe ajudava a treinar e expandir suas capacidades como identificador de auras. Dave era diferente de seu pai nisso. Reginald Fellows fora um clarividente, assim como a rainha Thaís. Dave era retrocognitivo e empatico. Podia ver o passado das pessoas, sentir suas emoções presentes e passadas.
-O próximo passo nesse treinamento seria controlar as habilidades agora despertas –Lawrence dissera. –Você escolhe quando e para onde vai quando quer acessar a memória de alguém. Com o tempo, fará isso sem que a pessoa perceba.
Além de todos os ensinamentos sobre o seu legado, Lawrence contava sobre outros legados interessantes. Um dos legados do príncipe Edgar, da lua e do sol e do calor e do frio, era um legado mental. "É perigoso e proibido", nas palavras de Lawrence. Esse legado permitia que a pessoa que o possui controle as outras usando apenas o pensamento. Controle mental, em resumo. Algumas pessoas eram imunes a esse controle, mas era uma parcela muito pequena de todos os habitantes de Érestha. Os legados de Tabata também eram um mistério. Legados sombrios, o velho chamava. Nunca falava no assunto, por mais que Dave insistisse.
Quando perguntou sobre os legados que a princesa bastarda Argia teria, Lawrence animou-se. Ficou interessado em conversar sobre o assunto. Disse que, além do identificador de auras, legados da vida tinham o poder da ressureição e do controle corporal. Dave não ficou surpreso com o primeiro, mas o segundo era curioso. O velho explicou que ele permitia a quem o tivesse de controlar as ações de outro indivíduo.
-É outro legado proibido, mas acredito que não teremos que nos preocupar com este tão cedo.
Dave encarava Nicolle, que tinha os olhos voltados para seu livro. Prendera os cachos cor de caramelo para trás e arrumava os óculos de armação branca no rosto a cada dez segundos. Não conseguia se concentrar no estudo. Estava muito feliz, como Nicolle sempre estava, porém nervosa pois sua prova de história era em dois dias. Dave conseguia sentir o cheiro de sua preocupação por uma nota boa, ver sua alegria incondicional e sentir algo escondido. Algo ainda não desperto vivendo dentro dela. Rick estava sentado de costas para os dois, olhando para a tela de seu celular com seus fones de ouvido no máximo. Sem Dave, o irmão tinha a tarefa de cuidar de sua mãe, de sua tia e de Nicolle. A menina sempre se sentia muito solitária e Rick talvez fosse o melhor substituto para o irmão. Nicolle percebeu que o amigo a encarava e virou o rosto para ele.
-O que está olhando? -O fato de ela não estar a par da verdadeira situação era no mínimo adorável.
Dave sentia-se mal de não poder dar detalhes para Nicolle, de não poder lhe contar todas as suas aventuras, de ter que manter tantos segredos. Ela o acharia louco se ele contasse tudo o que via nela, mas ficar quieto era pior ainda.
-Tem certeza de que quer estudar história e não jogar mais uma partida de Mortal Kombat?
-Tenho.
-Certo, mas é seu aniversário –Dave colocou o controle sob o livro dela e ela revirou os olhos. Ele esticou a manga do braço direito, deixando exposta a marca do pacto com Thaila. A partida que jogaram não durou nem um minuto. Nicolle ganhou com muita facilidade. –Viu? É divertido. Tem quase um mês que voltei de lá e a gente quase não se viu. Larga esse livro só por alguns minutos.
-Voltou de "lá" aonde, Dave Fellows? Onde exatamente meu melhor amigo esteve nesses últimos seis meses? –ele não disse nada, nem tirou os olhos azuis dos castanhos dela. Nicolle fechou o livro com força.
-Você não... Pode ir para lá –Dave tentou escolher as palavras certas, mas era uma tarefa difícil.
-E por que não? Tenho que tomar um avião? Se isso for por causa da crise financeira constante em que minha família vive, fique sabendo que de nada importa o quanto uma passagem...
-Ora, apenas diga! –Rick tirou os fones de ouvido e se voltou para os dois. Ajustou seus cabelos embaraçados dentro do boné e encarou o irmão mais velho. –Não tem motivo para não lhe contar. Eu confio nela, e ela sabe que nossa família é louca.
Dave olhou devolta para a amiga, que lhe encarava, ansiosa. Rick estava certo, não havia problema. Maria sabia sobre Érestha desde antes do casamento. Até entrava no reino com Reginald, por que Nicolle não poderia saber? Ele não disse nada de imediato. Não tinha como explicar. O que diria? Como poderia começar? Ele balbuciou algo sobre não saber como lhe contar e Nicolle disse:
-Por que é tão difícil? Vai me dizer que aquelas loucuras da sua tia não eram loucuras e agora você estuda em um reino mágico que está prestes a entrar em guerra?
Dave franziu as sobrancelhas e encarou o irmão. Rick mordia seu fone para conter a risada e logo Nicolle estendeu uma nota de dez reias na direção dele. O menino voltou-se para a amiga novamente, confuso.
-C-como você... Fizeram uma aposta? –Disse, incrédulo.
-Seu irmão me contou tudo há alguns meses –ela explicou. Rick começou a rir alto, apreciando seu dinheiro. –Eu achava, sinceramente, que você iria me contar, e ele achou que não; então apostamos –ela levantou-se e atirou seu livro pesado em Dave. –Você é um idiota, sabia disso?
-Você contou o que, exatamente? Do que você sabe?
-É tudo difícil de absorver, mas eu amo o impossível –Nicolle começou a narrar tudo o que Rick havia lhe contado. Falou sobre a princesa da terra, sobre a futura rainha, sobre como Dave seria o responsável por trazer paz para o reino, coisas que ele nunca havia contado para o irmão. Quando confrontado, Rick respondeu dizendo que perguntava coisas para as pessoas, e assim sabia de tudo o que podia saber. Dave não sabia o que dizer. A sensação de conversar sobre o reino com alguém de fora não era mais estranha do que ouvir coisas sobre Érestha saíndo da boca de Nicolle. Ficaram em silêncio por alguns segundos até ela apontar para a manga arregassada de Dave –O que isso faz?
Dave torceu o nariz. Sentia-se quase desconfrotável tendo essa conversa. À essa altura, não tinha porquê não explicar. Contou sobre o propósito daquela marca. Disse que era mais do que sua responsabilidade cuidar da futura rainha. Rick puxou sua outra manga para cima e apontou, curioso, para a fênix de fogo cravada em sua pele. Dave riu.
-Isso é outra coisa –falou. –Esqueçam.
-Isso veio de lá? -Nicolle tocou a pedra cor de rosa amarrada em seu pescoço.
-Minha princesa pediu que eu tirasse isso do reino, não me deu mais explicações. -Dave contou. –Pertencia à princesa Argia. Acho que tem muita história por trás dessa pedrinha.
Nicolle levantou as sobrancelhas e analisou a pedra. Fez uma careta e pôs a mão sobre a barriga.
-Acho que comer e estudar não é uma boa combinação –ela disse. –Ou o papo de vocês dois me deu enjôo. Não me sinto bem.
-Vá deitar-se –Rick sugeriu. –Dave e eu temos que bater o record de certo alguém em alguns desses jogos.
Nicolle não disse nada, apenas se retirou. Dave sentiu-se estranho também, mas não pensou demais. Cobriu a fênix com a manga e pegou o segundo controle.
OI! E ai, tudo bem?
Tai o primeiro capítulo, como prometido (: Devo postar uma vez ou duas por semana, veremos.
Por algum motivo esse é meu livro preferido da série. Acontece muita coisa legal, mal posso esperar para dividir isso tudo com vocês! Obrigada por ler e até a próxima. (:
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