XXXVIII -Dave
O único som era a risada da princesa. O dia estava lindo. Céu limpo, sol quente, grama verde. Thaila corria pelo campo animadamente. Sorria para ele com seu rosto de adolescente e convidava-o para correr atrás dela. Ele corria, feliz. Ria junto da risada dela, sentia a grama em seus pés descalços. Queria muito tocá-la. Agarrar seu braço e fazer com que ele fosse o perseguido desta vez. Foi chegando perto, ela foi rindo mais alto. Esticou o braço e sentiu-se sendo chacoalhado. Riley tinha um olhar preocupado em seu rosto, chamando seu nome e chacoalhando a cama.
-O que está aconecendo? –ele falou, endireitando-se.
-Bom, temos... Um probleminha –Riley falou. –Alícia diz que poderia ajudá-la com Mata-Touro. Espero que possa, pois isso também envolve recuperar minha espada.
Bia era a única ainda dormindo, aquecida ao lado de Dave. Riley foi cuidadoso para não acorda-la. A lamparina estava apagada, a luz e o frio da manhã entrando pela porta aberta e nenhum movimento do barco. Ele levantou-se e sentiu a cabeça pesada. O casaco molhado da noite anterior estava pendurado ao pé de sua cama. A espada estava no bolso. Ele bocejou e cambaleou para fora, demorando para se acostumar com a luz. Não estava tão frio quanto a noite e ele ficou feliz por isso. Estava prestes a perguntar para Riley por que haviam parado quando entendeu a siuação. As raizes bizarras de uma árvore atrapalhavam o caminho do barco. O esqueleto estava parado, esperando o caminho ser desobstruído. Paciente e silencioso.
Alícia tinha dado um jeito de pular para as raízes. Eram grossas, verdes e cumpridas. Tinha o cinto na cintura e algumas facas a menos. Missie estava na ponta do barco, sentada com as pernas para fora e o guarda-chuva apontado para as margens. Atirou um raio que partiu uma das raízes.
-Olá Bela Adormecida –Alícia gritou. –Será que pode me ajudar?
-Por que não me acordou antes? –ele olhou no relógio. Já passavam das onze da manhã.
-Achei que devia dormir mais, só isso –sorriu. Quase o sorriso de Tâmara, o sarcasmo que ele tanto odiava. –Vem aqui, preciso de ajuda.
Dave sentou-se ao lado de Missie e pulou para as raízes. Eram muitas, densas, não foi difícil pular ali. A água passava por cima das raízes com dificuldade, mas eram geladas e molharam a barra de sua calça. Caminhou meio cambaleante até Alícia e abriu sua espada.
-Certo, o plano é o seguinte: Missie vai estourar quantas raízes conseguir daquele lado. Nós vamos fincar minhas facas desse lado e amarrar essas cordas em cada uma delas. Riley encontrou no barco. Depois amarramos todas as cordas em uma pedra, voltamos par ao barco e eu puxo as raízes a partir da pedra.
-Como?
-Com meu legado. O problema é que derrubei a espada de Riley aqui –ela apontou. –Não consigo cortar com minhas facas. Pode fazer as honras?
Ela se afastou um pouco e Dave colocou Mata-Touro atrás de suas costas. Bateu na raíz algumas vezes até ela se romper e ele poder ver o brilho da espada. Alícia fechou os olhos e agradeceu a Deus pela espada não ter caído no rio. Ela não fez muito esforço e usou seu legado de polarista com confiança. Levantou o objeto para Riley e ele ficou aliviado. Missie deu mais um choque nas raízes e gritou para Alícia se apressar. Ela estendeu duas facas para Dave e dois pedaços de corda.
-Amarre e finque nas raízes –ela ordenou. –Vou terminar daquele lado.
Foi complicado ter certeza de que estava bem amarrado. Quando terminou, Alícia trouxe outras três cordas e os dois amarraram as outras pontas numa pedra grande.
-Alícia, vai logo! –Missie gritou.
-Estou aqui também –Dave comentou.
-Não interessa –ela riu. –Agora você tem uma segunda chance. Ninguém mais se importa.
Riley ajudou Alícia a subir devolta e depois os dois o puxaram para cima. Ele checou para ter certeza que o frasco de lágrimas não era um sonho. Estava ali, gelado e com seu brilho azul.
-Ok Missie, estou pronta –Alícia falou. Posicionou-se perto dela e concentrou-se na pedra.
Missie pediu para Dave e Riley ficarem atrás dela, pois ia caír. Ela respirou fundo, abriu o guarda-chuva e disparou outro raio contra as raízes. O barulho foi bem alto e ela realmente caiu para trás. Riley segurou-a e Dave ajudou a colocá-la de pé. Olharam todos para Alícia. Ela parecia estar fazendo muita força. Tinha uma mão esticada e a pedra estava no ar, puxando as raízes e perdendo contra elas. Se deixasse aquilo caír, perderia cinco de suas facas e teriam que criar outro plano.
-Faça-me ficar brava –Alícia falou por entre os dentes.
Os três ficaram meio perdidos, não sabendo o que fazer.
-Como assim? –Riley perguntou.
-Ela quer que vocês gritem com ela –Bia acordou e andou até ela –Quer que lhe digam como ela é enxerida, como acha que sabe de tudo o que acontece ao redor dela, esse tipo de verdades.
A pedra voou. As raízes viraram-se no ar e desobstruiram boa parte do caminho. O suficiente para o barco passar, um tanto apertado. Bia sorriu e Alícia pediu para o esqueleto esperar. Dave arregalou os olhos. Tinha dúvidas sobre o poder desse legado, mas surepreendia-se cada vez mais. Ela atirou sua última faca para cortar as cordas, liberar suas facas e pega-las devolta. Errou o primeiro arremesso, e o segundo também. Bia revirou os olhos e entrou de volta na cabine, saíndo de lá com cinco flechas e seu arco. Empurrou Alícia para o lado e atirou flecha por flecha com precisão, cortando todas as cordas.
-Traga-as de volta, por favor e de nada –ela afastou-se.
Alícia não demorou nada para trazer todas as facas e flechas de volta. As pessoas se afastaram para garantir não serem machucadas. Deram permissão para o esqueleto acelerar e o barco zarpou mais uma vez. Missie se oferecera para ficar de olho do lado de fora enquanto os outros omavam café da manhã. Os gêmeos e Dave sentaram-se em uma das camas, Bia esparramou-se na outra, comendo uma maçã.
-Certo, eu tenho um plano –ela falou. –Missie pode irritar o dragão com seus raios. Você também Alícia, atirando essas facas nele. Eu atiro flechas em seus olhos e Riley e Dave atacam seu ponto fraco, o que quer que isso seja.
Ninguém falou nada por um tempo. Riley pareceu concordar com a ideia. Alícia deu de ombros.
-E quando voar? –ela falou. –como vamos atrás dele?
-Hm, tem razão –Bia sentou-se. –Então eu atiro sem suas asas primeiro. Acho que isso pode dar certo.
-Viu só? –Riey sorriu. –Não precisam tentar se matar. Trabalham bem juntas.
-Riley, eu vou te bater –Alícia comentou.
-Gente! –Missie gritou lá de fora. –Estamos chegando. Eu vejo o píer.
Os gêmeos levantaram-se rapidamente para ver do que ela falava. Bia esticou o pé para impedir a passagem de Dave. Levantou-se e mordeu sua maçã de novo. Apontou para o frasco de lágrimas.
-Tome muito cuidado com isso –ela falou, encarando-o com muito fascínio. –É mesmo precioso de mais. Não deixe que as pessoas vejam.
Ela fechou o casaco dele até o pescoço.
-Acha que iriam me roubar? –ele falou.
Pegou-o na mão. Devia ser muito valioso. Ao invés de morrer na boca de sereias assassinas, ganhara uma "segunda chance". Tinha certeza de que muitos morreram tentando obter aquilo. Pensando coisas boas, tentando esconder suas verdadeiras intenções, mas seus corações pensavam no ouro e na glória. Era esse o órgão que as sereias liam, não o cérebro, não os pensamentos.
-Isso tem um preço muito alto –ela respondeu. -Cortariam sua cabeça por isso. E se você entrar em perigo e eu tiver que passar por tudo aquilo de novo e acabar com minha cara grudada na sua, eu corto sua cabeça.
-Então vou esconder –ele falou. –Quando chegar na escola eu...
-Não, não me conte Dave –ela interrompeu. Olhava para o brilho do frasco com muito desejo. Pareceu difícil continuar a falar. –Eu tenho muitos motivos para querer também, e sinceramente, em algumas ocasiões, poderia julgá-los mais importantes do que a confiança entre nós. Então antes que eu perca o juízo, esconda isso.
-Algumas ocasiões? O que seria mais importante do que a confiança que tenho em você, sinceramente? –ele estava ofendido.
Ele poderia usar aquilo para trazer a rainha de volta. Sua filha bastarda, princesa Argia. Ou até mesmo seu pai. Se Bia julgava-se mais importante, Alícia estava certa sobre sua arrogância. Não podia acreditar que ela estava lhe dizendo que roubaria dele para seus caprichos. A marca em seu braço sentiu tristeza. A do braço de Bia sentia a raiva dele.
-Não ficque bravo comigo –ela falou. Lágrimas formaram-se em seus olhos e Dave ficou surpreso. –Eu só estou avisando. Sabe muito bem que não sou a pessoa mais equilibrada que você conhece. Falo o que penso e faço o que quero. Penso nas consequencias depois. Esconda isso de mim, para o seu e o meu bem.
-Por que? Não vou esconder coisas de minha protetora –ele passou por ela, mas parou à porta. –Duvido muito dessa marca às vezes, sabia?
-Ah, e sua princesa lhe conta tudo, não é? Se tivessemos que revelar todos os nossos segredos, não duvidaríamos dessa marca, teríamos certeza de foi uma péssima ideia. E nem se atreva a dizer que não esconde nada de mim, pois você e a senhorita Weis sussurram um para o outro mais do que eu e Missie brigamos -as lágrimas escorreram por suas bochechas. –Por favor, esconda isso de mim.
-Eu quero confiar em você. E não fale assim de Thaila. Eu confio nela.
Sabia que ela tinha razão. Ele não sabia nada sobre ela. Bia jogou a cabeça para trás e chacoalhou os ombros. Mais lágrimas rolaram por seu rosto. Apontou para seu braço e falou para Dave concentrar-se nela. Queria mostrar-lhe algo. Ele entendeu rapidamente. Fechou os olhos, segurou sua mão e se concentrou. Como fizera com a cozinheira na escola, olhou no passado de Bia. Ela o levara para seu pior dia. Havia fogo. Muito fogo. Era como uma das pinturas dela. Uma lona de circo no chão, em chamas. Homens, crianças e mulheres caídos, gritando, sofrendo. Bia estava correndo para longe, montando num cavalo, fugindo. Ele sentiu toda a dor que Bia sentia, todo pesar, toda a culpa.
-É minha culpa –ela falou. As lágrimas desciam por suas bochechas como uma cachoeira. –Deixe isso longe de mim ou eu vou me matar.
Ele a puxou para um abraço e não fez perguntas. Dave sentiu-se mal em te-la julgado. Thaila tinha muitos segredos, ams ele sempre a perdoaria. E sabia também que Thaila estaria sempre pronta para aceitar as desculpas de Dave, se fosse preciso. Não deveria ser diferente com Bia. Ela tivera confiaça suficiente para mostrar-lhe seu pior dia. Dave não sabia se teria toda essa coragem. Ele não entendera nada de seu "pior dia", só que morria de medo de tudo aquilo. Não estava pronto para mostrar para ninguém, principalemente a parte onde Thaila tinha sangue em seu rosto e suas mãos. As pessoas achariam que ele iria falhar, que a guerra estaria perdida. Pelo menos era isso que ele pensava.
-Desculpe –ele falou.
Bia afastou o rosto o suficiente para beija-lo novamente. Algumas lágrimas ainda escorriam por seu rosto e passavam para as bochechas de Dave.
-Se contar para alguém que eu estava chorando –ela soluçou –terei que cortar sua cabeça de verdade.
Deu-lhe um beijo na testa e sorriu.
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