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XXXII -Riley

Duas pessoas em um cavalo sem sela. Duas meninas cantarolantes, cochichos irritados de Dave e Alícia e dois cavalos quietos. A cabeça de Riley estava doendo. Suas costas também. Bia estava dormindo, abraçando Dave para não cair. Alícia sentava-se na frente do menino e os dois conversavam por entre os dentes. Sentou-se de costas para a cabeça de Jonus junto de Missie. Entre eles, o "livro da rainha" aberto em uma página qualquer. Missie não sabia o que as palvras queriam dizer, mas, aparentemente, dava-lhe prazer cantá-las.

-Eu conheço essa língua –ela contara. –Há palavras como essas gravadas no castelo de Mármore, da minha senhora. O problema é que ninguém sabe o que quer dizer.

Riley estava desapontado, mas já era alguma coisa. Estava começando a nevar e ele não tinha luvas. Quase teve inveja de Dave, abraçado por Bia, parecendo aquecido, mas lembrou-se dos comentários dela que o deixaram irritado. Algo sobre o fato de Dave estar sentado atrás da irmã dele, partilhando segredos em seu ouvido e mais alguma coisa sobre Missie. Missie nunca escapava. Ele entendia o que Bia queria dizer, mas não era só isso que o deixara irritado. Nem o fato dela rir sozinha da própria piada e não deixar ser reprimida por olhares.

Alícia estava sempre contando coisas para Dave. E Dave para Alícia. Coisas que pareciam importantes, deixavam-nos tensos e assustados. Se algo deixava sua irmã assim, ele deveria saber. O pior é que ela não queria contar. Riley havia finalemtne decidido perguntar, na noite em que as meninas invadram sua barraca para histórias de terror. Ela o reprimira. O que era tão secreto que Alícia não podia contar para seu irmão gêmeo?

Sempre fora assim. Alícia tem um problema? Riley é o primeiro a saber e tomar uma atitude. Podia ser sobre qualquer coisa. Uma briga na escola, lição de casa, um sonho ruim. Ela sempre escolhia Riley. Não via por que não continuar a seguir essa linha de raciocínio. Ramona sempre gritava "Isso, bastardinha imunda, vá chorar no colo de seu papai de mentirinha" após brigar com a meia-irmã. Até Riley ficava chateado com esses comentários. Se Alícia era uma "bastarda imunda" então ele era também. Mas mantinha-se fote. Se ele entrasse em colapso, Alícia entraria também. Ele era o porto seguro de sua irmã. Seria mais fácil se com um pai em sua vida?

-Mas que droga –Riley resmungou, batendo no livro e acordando Bia de sua soneca confortável nas cosats de Dave.

Ele virou sua cabeça o máximo que pôde para falar com Jonus. Pediu para ele acelerar um pouco e passar o cavalo mais robusto que carregava três. Obedeceu as ordens silenciosamente. Além de tudo, ele estava com uma sensação ruim. Um pensamento irritante, atormentante.

-Você está bem? –Missie perguntou.

Era estranho que seu rosto fosse tão simpático com o olho tão sinistro. Talvez sem aquela camada de prata suas feições fossem ainda mais acolhedoras. Riley olhou para a irmã, cavlgando, cochichando. Se ela era uma bastarda, ele era também. Se ela partilhava segredos importantes com outras pessoas, ele o fazia também.

-Eu acho que estamos cavalgando em direção ao meu "pior dia" –ele admitiu.

-O que? Por que acha isso? –Ela abaixou o tom de voz. Riley agradeceu silenciosamente por te-lo feito.

-No dia em que recebi a marca de Tâmara, eu vi a mim mesmo rodeado de sombras. Alguém chorava, amarrado numa pedra, e duas outras sombras estavam de guarda. Uma das sombras que estava próximo a mim era a de um dragão.

A cabeça dele parecia querer pegar fogo. Falar sobre seu pior dia era mais doloroso do que pensar nele. Sua garganta perecia cheia de cactos ao tentar descrever a cena para Missie. As mãos congeladas suaram, o coração acelerou. Ele teve medo. A expressão no rosto de Missie não ajudava. Estava boquiaberta, assustada. Talvez contar-lhe não fosse a melhor ideia.

-Riley, o meu também –ela disse. Uma lágrima solitária escorreu por suas bochechas. –Também vi sombras, vi um dragão... vi morte. Riley, alguém vai morrer!

Ele não sentia morte. Sentia desespero e uma determinação insana. Ele ia lutar, mas não ia morrer. Não naquele dia. Não podiam voltar. Conhecia bem sua irmã, ela não iria parar. E Riley jamais a abandonaria.

-Quais são as chances de que a morte seja do dragão, e não nossa? –ele perguntou.

-Eu não sei –agora as lágrimas desciam como um rio. –Se o dragão morresse, então por que esse é o meu pior dia? O que tem de mais um dragão morrer?

E a conversa terminou. Ele fechou o livro e sentou-se corretamente nas costas de Jonus. Vinha pensando em seu pior dia desde a noite passada. Era irritante não ver mais do que sombras e não sentir mais do que medo. Esteve na esperança de que Missie pudesse ajudá-lo, confortá-lo. Tudo o que precisava era de uma mentira. Um "tudo vai ficar bem" e um sorriso. Era o que fazia sempre para Alícia, quando sabia que não tinha como mudar uma situação. É mais fácil encarar a verdade com palavras de mentira em seus ouvidos.

O homem que cedera dois de seus quartos para as crianças passarem a noite também providenciara uma barraca para eles. Apenas uma, para cinco pessoas. Riley não estava muito animado em relação a isso. Eles tinham mais comida e água também. Quando anoiteceu, eles não ficaram receosos em dormir na estrada. O terreno era irregular e Bia reclamou que acordaria com a maior dor nas costas. Também sugeriu que se dividissem em turnos para vigiar.

-Vigiar o que? –Riley questionou.

-Eu não sei, quem sabe? Mas se precisaem de mim, estarei fazendo o primeiro turno.

-Então eu vou logo depois –Riley entrou na barraca.

Alícia resmungou que queria ser a última pois estava muito cansada e Dave foi rápido em concordar. Foi difícil chegar a um acordo em como se dividir naquele espaço, mas logo estavam todos de olhos fechados. Tudo o que se ouvia era a respiração dos amigos e o crepitar da fogueira acesa por Bia. Riley não queria dormir pois não queria sonhar. Não pode evitar de fechar os olhos.

Para sua sorte, não houve sonho nenhum. Nem pesadelo e nem pensamentos demais sobre seu pior dia. Bia acordou-o puxando seu pé e ele se pôs de pé rapidamente. Ele estivera dormindo entre Dave e Alícia. Bia pareceu contente.

-É horrível ficar lá fora perdida em seus prósprios pensamentos –Bia comentou num sussurro. –Preciso desse sono.

Riley não deu nenhuma resposta e Bia não parecia precisar de uma. Ele pegou sua espada e sentou-se numa pedra próxima à fogueira. O céu estava mais escuro do que o normal e as estrelas brilhavam preguiçosamente. Nada acontecia, nada se movia nem se ouvia. O vento não soprava, as nuvens não se mexiam. Os cavalos descansavam e os amigos sonhavam. Riley olhou para o céu mais uma vez. Ligou as estrelas e descobriu formas nela; sombras. Um dragão. Uma pedra. Pssoas e ele mesmo. Sem som, sem movimento, apenas medo.

Mas de que devo ter medo? Pensou. Do dagrão, da pedra, das sombras ou do medo em si? O que faz deste o meu pior dia?

Trazia o livro da rainha em seu bolso. Puxou, dobrou e abriu-o em seu colo. Palavras invisíveis na capa, palavras desconhecidas no conteúdo. Talvez a sombra não fosse de um dragão, mas de uma Quatzelcóatl, como o desenho da capa. Uma cobra alada. Um agouro de morte? Não. Pensou logo. A criatura tinha patas. Patas de dragão.

Não deve ter se passado muito tempo, mas pareceu uma eternidade até Missie acordar. Ele ainda tinha alguns minutos, mas cedeu a pedra para ela e seu guarda-chuva elétrico. Odiava admitir, mas Bia tinha razão. Perder-se em seus pensamentos ali fora era horrível. Missie disse que ele podia voltar a dormir, mas algo o deteve na entrada da barraca. Ele voltou e sentou-se no chão de terra ao lado dela.

-Faz alguma diferença –ele começou a pergunta. Era difícil terminar, talvez pior do que falar sobre seu pior dia. As palavras o estavam sufocando. Uma hora ou outra, teria que ver-se livres dela e a dúvida que carregavam. –Ter um pai. F-faz alguma diferença?

-Não sei direito o que qeur dizer, mas sim –ela respondeu. –Faz toda a diferença no mundo. Para mim principalmente. Se tenho problemas, ele me ajuda. Enfrentaria Tabata sozinho se minha vida dependesse disso. É forte quando preciso que seja, é bobo quando quero que seja. Tem seus problemas mas me ama. E eu o amo também.

Riley encarou o fogo. Mas que droga Misiie. Um "não, não faz diferença". Talvez até um "É, talvez, quem sabe. Você vive bem sem um pai". Por que me contou a verdade?

-E como é ter uma mãe? -Ele levantou as sobrancelhas. Ela estava jogando bomba atrás de bomba nele. Qual é mesmo a razão de eu estar conversando com ela? -E nem me venha com "como assim, e quanto a Martina"? Martina não é minha mãe. É mãe de Maiara e de Izzie. Cozinha, lava, passa e ama suas filhas. Ama meu pai. Mas não precisa me amar, então não o faz. Ter uma mãe faz alguma diferença?

-Faz toda a diferença do mundo –ele falou baixinho. –Ela estará lá sempre que eu precisar. Me ensina, me apoia. Não sei se enfrentaria Tabata por mim. Mas enfrentaria seus maiores medos. E ela tem muitos.

-Então acho que esive enganada por todos esses anos –ela comentou, olhando para as estrelas. Talvez ligando e achando sombras nelas. –Há uma figura materna. Princesa Tamires sempre foi como uma mãe para mim.

Riley levantou-se. Abriu a barraca para finalmente deitar-se.

-E você, Riley? Também tem uma figura paterna?

-Não –ela entrou e deitou-se no lugar de Missie, ao lado de sua gêmea. Eu sou essa figura.

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