XXIII -Alícia
Laura Souza tinha uma garrafa de alguma coisa proibida em sua bolsa. Alícia se recusou a provar e a menina apenas deu de ombros. "Se você diz não, então é não. Nada de forçar alguém". Era o lema dela. Alícia contou tudo sobre seu encontro para Laura. Exagerou em alguns aspectos e emitiu alguns detalhes, mas foi o suficiente para Laura apertá-la num abraço e querer levá-la para um lugar especial. As duas escalaram muros e pularam de casa em casa até chegarem no topo do morro. Era a casa mais alta da favela, com uma vista magnífica para as outras casas. Quem morava ali era um homem velho que trabalhava em construções. Nunca estava em casa à tarde. As meninas sentaram-se na varanda dele e ficaram conversando, comendo balas e apreciando a vista.
Alícia mexia em seu novo colar com cuidado. Não tinha certeza se queria ficar com aquilo ou quebrar e jogar no mar. Estava esperando Riley chegar do mercado com sua mãe para decidir com ele o que fazer, como reagir. Não havia contado nada quando o vira depois da festa do rei pois ele estava muito feliz, bastante animado. Ela não queria que ele ficasse assustado por causa do sonho e triste por causa da foto.
-...Fingir que nem o viu. Está me escutando, Alícia Weis? –Laura empurrou o ombro da amiga para chamar atenção dela.
-Sim. Quer dizer, não –ela repondeu. –Do que estamos falando mesmo?
Laura revirou os olhos.
-Nada, Alícia. Você é um caso perdido –ela abriu a bolsa e tomou mais um gole de o que quer que aquilo fosse. –Vai ter uma festa de Natal lá em casa. Vai querer aparecer por lá esse ano? Soube que sua irmã volta pra casa no Natal.
Alícia fez uma careta. A última coisa que queria era passar o Natal com Ramona. Estava prestes a concordar em ir à festa quando ouviu a voz de Riley gritando por ela. Ele estava no fim da rua, subindo a inclinação com seu skate e muita dificuldade, arfando. Laura segurou na parede da casa, deslisou, usou o portão do andar de baixo como apoio e caiu no chão com graça, andando até Riley. Alícia imitou a amiga, mas caiu em cima do próprio pé, machucando-o. Ela mancou um pouco até alcançar os dois.
-Como sabia que estávamos aqui? –ela perguntou para o irmão. Apertou o pingente com a foto.
-Não é muito difícil adivinhar onde vocês duas vão juntas.
-Sou tão previsível assim? –Laura sorriu e apoiou o braço no ombro dele.
Riley fez uma careta. Ela sabia que o irmão não gostava de suas amizades, mas ela não dava ouvidos a ele. Alícia raramente tinha com quem conversar e não podia deixar Riley estragar isso. Algumas coisas não podia conversar com ele. Atrás de Riley, Dave veio subindo a rua íngrime numa bicicleta. Ele parou junto aos outros suado e respirando pesadamente. Estava muito estranho vestindo uma blusa regata e um dos shorts de praia de Riley. Alícia franziu o cenho.
-Da próxima vez –ele falou –vocês poderiam se encontrar em algum lugar que não esteja no topo de uma subida de 90 graus. Agradeço.
Laura deu risada. Uma risada muito escandalosa.
-Eu lembro de você –ela falou. –É o amigo Paulistano dos Weis. Tatuagens maneiras as suas. O que está fazendo aqui?
-Suando –ele respondeu. –Muito. Como é quente aqui!
Laura riu mais uma vez. Deu um abraço e um beijo de olá no rosto suado de Dave. Riley continuou com uma careta no rosto. Alícia olhou para o braço esquerdo de Dave e franziu a testa para o desenho de fênix gravado na pele. Dave torceu o lábio e colocou aquele braço para trás.
-Minha mãe fez um lanche, ou sei lá –Riley falou. –E a gente achou uma coisa. Queríamos te perguntar sobre isso.
Alícia sabia do que o irmão estava falando. Ela não tinha dito nada sobre o presente e o encontro bizarro com a princesa Tâmara. Tinha deixado o cinto e as facas em cima da cama.
-Entraram no meu quarto? –ela perguntou. Não queria o irmão lá dentro, que dirá Dave. –E por que está aqui?
-Fiquei entediado -Dave deu de ombros. Olhou para Riley e ele levantou as sobrancelhas, dizendo que era uma boa resposta. Alícia entendeu na hora que era mentira. –Estão todos estudando ou trabalhando. Não tem nada para fazer lá em casa.
-E então você decidiu viajar até o Rio? –Laura perguntou.
Todos ficaram em silêncio, encarando o menino. Ele deu de ombros e disse que sim. Laura apenas deu mais risada. Pediu uma carona na bicicleta de Dave até sua casa. Alícia fez Riley guiar o amigo pelo caminho sem reclamar. Ela sentou na ponta do skate dele e Laura conseguiu equilibrar-se na bicicleta que Dave guiava. Pessoas cumprimentavam Alícia por todo o caminho. Já esteve em festas com eles ou algo assim. Sempre que saía com Laura era por que estava com algum problema e nem prestava atenção no que estava acontecendo. Não se lembrava de metade dos rostos que disseram oi.
-Eu moro aqui –Laura gritou.
Dave parou a bicicleta com facilidade, mas Riley se assustou com o grito e freou de qualquer jeito, fazendo o skate virar de lado e derrubar Alícia, ralando o joelho dela.
-Droga, Riley! –ela chutou a perna do irmão e ele caiu também.
Laura e Dave começaram a rir dos amigos. O colar de Alícia enroscou em seus cabelos e o band-aid de sua testa caiu. Riley teve que correr para pegar o skate que descia a rua sozinho e Dave e Laura estavam sentados no chão de tanto dar risada. Na varanda da casa de Laura tinha um vaso de plantas. Era bem pequeno, com violetas dentro dele. Alícia o encarou e o trouxe para baixo com seu legado, quebrando-o entre os amigos. Laura deu um grito. Dave encarou Alícia. Ela mexeu os lábios, falando para ele parar de rir.
-Acho que vou ter que limpar isso –Laura falou.
Jogou seus cabelos loiros para trás e ajudou Dave a se levantar. Disse algo sobre as roupas que ele usava e Dave reclamou do calor mais uma vez. Riley chegou até eles e se preparou para voltar para casa. Dave e Laura se despediram e ele levantou a bicicleta, andando até Alícia e estendendo a mão para ela.
-Desculpa por rir, mas não precisava tentar me matar –ele falou.
Alícia sentou-se na bicicleta com Dave.
-Não vou mais andar com você –ela falou para o irmão. –E eu não ia te matar. Calculei bem o que fazer com o vaso.
-É, por que nunca colococu ninguém em perigo com esse seu legado, não é? –Riley falou.
-Estou muito melhor, para sua informação. Princesa Tâmara disse isso pessoalmente. Foi ela quem me deu aquele cinto e as facas de arremesso.
-O que? –Dave estava muito surpreso. –Por que? E quando?
-Encontrei ela quando estava voltando do dentista –a menina contou. –Foi muito estranho.
Ela contou tudo o que aconteceu, com o máximo de detalhes possível. Perguntou se alguém entendia o que ela quisera dizer por gurreiro, mas os dois deram de ombros. Dave disse que talvez Lorena soubesse responder.
-Pode perguntar para ela na semana que vem –ele falou. –Acho que ela vai passar o Natal aqui com vocês esse ano. O que significa que meu Natal terá apenas quatro pessoas. Oba.
Alícia ficou feliz em não ter respondido que sim para o convite da festa de Natal dos Sousa. Seria legal ter Lorena com ela. Talvez até compensasse aturar Ramona por alguns dias. Riley acelerou e desviou de um carro. Dave não estava nem pedalando. Deixava a descida fazer todo o trabalho por ele. O vento era uma delícia, fazendo os cabelos de Alícia estapearem o rosto de Dave. O menino reclamava, mas Alícia fazia questão de que ele não ficasse confortável. Ele começou a chacoalhar a cabeça para se livrar, e acabou virando o guidão na direção de uma árvore. Alícia agarrou os braços dele do jeito que pode e virou na direção certa, gritando para ele prestar atenção.
-Agora pode por favor prender seu cabelo? –ele falou. –Vou acabar almoçando seu cabelo.
-O que é isso? –ela falou, estranhando a fênix no braço esquerdo do amigo. Dave não disse nada, penas focou na rua. –É por isso que está aqui, não é? Quando foi que fez isso, e com quem?
Dave suspirou. Não falou nada até Alícia prender o cabelo e ele poder ter uma visão melhor da rua. Contou sobre a aposta que perdera com a representante de Elói e que Riley foi testemunha desse pacto. Disse que passou a noite anterior acordado, com medo da própria sombra, e a manhã inteira ao lado de Bia, sem dizer nenhuma palavra para ela.
-Temos que nos manter afastados por um tempo, até nos acostumarmos, se não vamos ficar loucos.
-Isso foi tão idiota –ela comentou. –Merecia ter sido acertado na cabeça por aquele vaso.
-Idiota foi você ter recusado ir à festa por causa de outro pesadelo –Alícia encarou o amigo, com a testa franzida. –É, eu disse que sei quando fala com Isabelle. Sei de muita coisa. Também estou melhorando no meu legado.
-Então precisa melhorar mais –ela olhou para frente. Riley já estava parando em frente ao portão da casa deles. Dave diminuiu a velocidade. –Não tem nada a ver com Isabelle. É muito mais assustador.
Eles ficaram em silêncio até entrar no quarto dela. Romena ainda estava na sala, parecia estar grudada no sofá, vidrada na TV. Riley entrou animado, colocando o cinto em si mesmo e elogiando a leveza das facas. A janela estava aberta e a cortina branca esvoaçava graciosamente. A cama de Romena estava arrumada, a de Alícia raramente era feita e tinha um pacote de salgadinhos meio comido no lençol. Acima de cada uma das camas estava o nome de suas donas em madeira. O de Alícia estava sujo, meio queimado e a última letra 'i' estava faltando. Lia-se "Alíca". Ela havia descontado diversos sentimentos naquele letreiro. A parede à direita tinha dois armários, divididos por uma penteadeira cheia de pequenos objetos de beleza e brinquedos velhos. Dave achou uma bolinha que quicava bem alto e sentou-se no canto, brincando com ela. Alícia ficou contente por ele não ter feito nenhum comentário sobre sua bagunça. Tirou o colar e jogou para o irmão, chutando o pé de Dave para que ele prestasse atenção.
-Esse... –Riley falou, chocado. –Esse é nosso pai? Onde achou isso?
-Não interessa –ela falou. –Tive um pesadelo Riley. Recentemente.
Ela contou sobre o que via no tal orfanato. Deixou o fim, com o trono de pedra, de lado e sentou-se na cama, com as facas ao seu lado. Dave perguntou para ela com um olhar se aquele era mesmo o fim. Ela balançou a cabeça, mas ficou calada.
-O que isso quer dizer? –ele falou. –Que nosso pai foi adotado e dividia um quarto com o maior assassino das Trevas?
Alícia levantou os ombros e mexeu os lábios, tentando achar uma resposta. Ela não sabia. Sentia que seus sonhos queriam dizer alguma coisa, mas nunca conseguia dizer o que era, exatamente. Riley devolveu o colar e ela atirou uma faca no travesseiro de Romena. Depois pegou a bolinha com a qual Dave brincava enquanto ainda estava no ar.
-Você tem um tipo especial de maldade, sabia? –Ele falou.
-Você está ridículo com as roupas do meu irmão.
a-1,'
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro