X -Alícia
O jornal 'A Província' não perdeu tempo e divulgou com detalhes os acontecimentos da tarde do dia anterior. Dedicou três páginas inteiras à tal notícia. Começaram contando como a tarde estava fria e parecia só mais uma tarde. Depois, contaram da chuva de óleo quente e do caminhão que explodira.
-"Testemunhas relataram terem visto um homem vestido de sobretudo preto dirigindo o caminhão e saíndo da cena do crime antes da explosão" –Alícia leu em voz alta. –"Afirmam que essa figura era ninguém mais, ninguém menos do que Pedro Satomak: o maior assassino que Érestha já conheceu. 'Foi obra de Tabata!' Clarayde Benabi, dona de um café da praça, opinou para nossa equipe. 'Tudo porque o representante da princesa Thaila estava aqui conosco'. O menino e seus amigos se recusaram a falar, mas admitiram pensar que aquilo fora um ataque planejado." Não dissemos isso!
-A mídia interpreta tudo do jeito que quiserem. Idiotas. –Dave falou, irritado.
-'É perigoso ficar no mesmo ambiente que Dave Fellows' Clarayde continuou. 'É tão perigoso quanto a caçula dos DiPrata' –Alícia estava indignada. –Isso é um absurdo! É ridículo! Como podem comparar você àquela... monstra?
Estava realmente aborrecida. Esse tipo de afirmação a lembrava de Ramona e a forma como ela tratava a meia-irmã. "Você é tão baixa como uma anã" ou "Alícia tem dentes como o de um coelho. Um coelho velho e feio". As comparações de Ramona foram ficando mais criativas e cruéis através dos anos. Comparar seu melhor amigo àquela seguidora das trevas afetava-a no pessoal.
-Talvez ela esteja certa... –Dave balbuciou. –Sou tão perigoso quanto Isabelle, mas pelo motivo contrário. Tabata mataria para proteger Belle, enquanto mataria para me... Bem, para me matar.
Alícia ficou em silêncio. Não queria admitir que ele estava certo. Além do mais, sua cabeça doía. Os dois estavam sozinhos sentados à uma mesa no gramado entre os dormitórios. Lilian fora usar o banheiro e Riley tinha sido chamado por Sílvia, uma das secretarias de Gary, para pegar algo que havia sido deixado para ele. O cão-fera latia, bravo.
Como prometido, Dave não havia insistido em saber mais sobre a conversa de Alícia e Isabelle. Porém, ela ainda queria saber o que os olhares entre ele e seu irmão significavam. Ficava torturando-se silenciosamente, tentando decidir se queria contar e trocar favores, mas ainda tinha medo. Não só pelo que Isabelle faria com ela, mas pelo que faria a Dave. Valeria a pena?
-Isso é ridículo. Inacreditável –Riley apareceu segurando uma revista. Jogou-a sobre a mesa e Dave pegou-a para ler. –Não acredito que tia Rosa fez isso.
-Meu Deus... –Dave falou. Arrumou a pulseira nova, presente de Thaila em seu pulso antes de continuar. –Mas o que Tia Rosa tem a ver com isso?
Alícia tomou a revista das mãos de Dave e virou-a para si. Era um exemplar de Pest Pixie, uma revista adolescente. Tia Rosa trabalhava como editora dessa revista. Na capa havia a manchete principal "Top 10 lugares mais perigosos de Érestha hoje; lista votada por nossos leitores na edição anterior". A foto que acompanhava tal notícia era o arco na entrada da escola, onde lia-se "Escola Prepartória da Província de Tâmara".
-Minha Tia é editora dessa revista, ela quem aprova as matérias e supervisiona tudo –Riley explicou en quanto se sentava, com raiva -Essa escola não pode mais lidar com tanta publicidade negativa. Perdemos Tyler e Ajala por causa disso.
-Pest Pixie é uma revista muito grande. Talvez ela seja responspavel por um setor expecífico –Alícia pensou em voz alta. Não podia acreditar que estava defendendo sua tia assim como não acreditava que isso fora aprovado por ela. –Ela não faria isso, faria?
-Temos, hm, surpreendente, o Castelo de Vidro em décimo, Albech em nono... Onde é esse lugar? –Dave abriu a revista para ler a tal lista.
-É um deserto –Alícia respondeu. –Fica entre a província de Edgar e a de Tabata. Nossa província também faz fronteira com a da morte. A floresta que as dividem também é mencionada?
-É sim –ele continuou a ler. –"Floresta da Primavera", em quinto lugar. A nossa escola está em terceiro! Perde para O Cemitério do Rei, em segundo, e um lugar chamado Chelmno, que toma o topo da lista.
-Como podem considerar nossa escola mais perigosa que as fronteiras entre as províncias? –Riley estava indignado. -Eu juro, se mais algum de nossos amigos saír por causa dessa matéria, eu vou confontrar Tia Rosa.
Alícia não respondeu, apenas olhou para o irmão com uma expressão que duvidava dele. Claramente vinha tendo problemas com a convivência com Tia Rosa há muito tempo, e nunca nada fora feito a respeito disso. Nem mesmo Ruby, a mãe dos gêmeos e irmã de Rosa, sabia que tia e sobrinhos não se davam muito bem.
-Onde é Chelmno? –Dave perguntou.
A menina esquecia que Dave preferira crescer na total ignorância em relação à Érestha e não sabia informações básicas sobre tal. O nome Chelmno causava arrepios nela. Era um lugar na província de Tabata para onde prisioneiros de guerra foram levados, presos e torturados em busca de informações sobre o legado da futura rainha.
-Tortura da pior forma –Riley contou. –O legado da morte é muito mais perturbador do que qualquer um de nós possa imaginar.
Eles ficaram em silêncio por um momento. Riley balançando-se na cadeira e Dave pensando em sua próxima pergunta. Alícia folheou a revista para ver o resto de seu conteúdo. Não era diferente de qualquer outra revista adolescente no Brasil. Testes para saber isso, dicas de como fazer aquilo, algo sobre garotos e uma entrevista com alguma celebridade. Pensou que sera muito divertido falar com Tia Rosa sobre todas essas matérias, fofocas e outras coisas, se não fosse tão distante dela.
Lorena apareceu atrás dela com um casaco que pertencia a Rômulo e os olhos inchados. Tomou a revista da menina e sentou-se junto ao grupo. Enquanto lia a matéria da capa, ignorou todas as perguntas que Dave fazia para ela até o menino desistir.
-O Cemitério do Rei? Isso é ridículo –ela finalmente falou.
-Não é de se espantar que pessoas temam um cemitério quando a rainha da morte está ressurgindo –murmurrou Dave.
-É uma lenda, primo –Alícia franziu o cenho. Sabia muito bem que o Cemitério do Rei não passava de uma história, mas ficou surpresa em ouvi-la tratando Dave por primo dentro das dependências da escola. Ela nunca fazia isso. –Pessoas acreditam que existe um lugar em alto mar para onde coisas perdidas na correnteza vão. Uma dessas coisas perdidas foram os corpos do rei Wallace e da rainha Ágata, os pais de Éres. A intenção era deixa-los num barco pequeno, juntos, mas este virou e foi levado pela correnteza. Alguns até afirmam já terem ido até lá, mas estão todos trancafiados em manicômios. Eles alegam terem estado sobre os cuidados de uma bruxa, e que em algum lugar por ali estão os corpos dos falescidos monarcas.
Dave não disse nada. Lorena completou afirmando que era estúpido ter medo de uma história como essa, e mais estúpido ainda publicarem tal matéria em uma revista popular. Os quatro permaneceram em silêncio por um bom tempo. Lorena roubou comida do prato de cada um e não se incomodou em responder nenhuma das perguntas feitas anteriormente pelo primo preocupado.
-Pedro Satomak trabalhava em Chelmno? –Fora a pergunta escolhida por Dave para quebrar o silêncio. Alícia sabia que ele ainda estava pensando no assunto.
-Não Dave –Alícia fechou a revista e olhou os olhos angustiados do menino. -Ele era um soldado.
-Um assassino –Lorena corrigiu.
As semanas foram se passando com os números de registros de ataques crescendo por toda Érestha. Nunca havia uma fatalidade, apenas feridos e assustados. Na maioria dos casos, incêndios se alastravam por áreas urbanas, mas eram rapidamente contidos. Esses incêndios normalmente se iniciavam numa máquina enviada ao local que se auto-destruía após causar o estrago. Pessoas pensavam em maneiras de prever e parar esses ataques, e Alícia só conseguia pensar no que Isabelle havia dito. "Tentar impedir é dar o que ela quer". Tabata tinha um plano e o estava colocando em ação.
No último domingo do mês, dia 28, Dave recebu uma ligação da princesa Thaila por seu comunicador de vidro, e passou grande parte da manhã sozinho na casinha azul. Mal tomou café da manhã com os amigos, como de costume. Riley e Chris haviam combinado de se encontrar na biblioteca e terminar uma pesquisa em dupla atribuída a eles pela professora Merina Perrie. Alícia decidiu ir junto, mas não ficou lá por muito tempo.
O dia estava bem frio para o outono. As crianças do primeiro ano estavam trabalhando nas abóboras para a festa de Halloween. Seu irmão e Chris estavam bastante concentrados no trabalho, e Alícia mal havia começado a trabalhar em seus deveres. Não havia conseguido dormir diretio por causa dos pesadelos. Eram sempre a mesma coisa. Sem som algum, imagens de um lugar muito sujo dançavam em sua mente. O chão de terra tinha marcas escuras como sangue, ossos semi-enterrados e restos de objetos de tortura. No céu, nublado e escuro, abutres voavam em círculos, sentindo o cheiro do sofrimento. Tudo com uma vibração muito negativa. A última coisa que via, sempre, era Isabelle. Estava sentada em um trono de pedra negra, com um vestido Tomara-Que-Caia de tule preto e corpete verde com caveiras pratas estampadas. Seus cachos negros, perfeitos como nunca, eram adornados por uma fina coroa de ágata preta e branca. Seus lábios e seus olhos azuis sorriam, e, com um movimento de cabeça, ela permitia que Alícia acordasse.
Perturbada de mais por seus próprios pensamentos, Alícia deixou de lado todo o dever que tinha que terminar para dar uma volta. Era difícil sentar-se tão perto de seu irmão num local tão silêncioso. Dava-lhe vontade de falar. Vinha lutando contra a enorme vontade de contar para alguém sobre o lugar secreto de Isabelle. Estava convencida de que os pesadelos acabariam se ela contasse seu segredo. Sua mente lhe torturava sempre que se aproximava de Dave Fellows, principalmente. Imagens do lugar e o rosto de Isabelle pedindo silêncio passavam por sua cabeça num flash. Vozes sussurravam, implorando para que o sigilo fosse quebrado. Ela tentava, mas sempre que se aproximava para contar ela travava. Sua boca ficava seca, suas mãos e sua testa escorriam suor e seu coração acelerava. Por duas semanas inteiras sofreu com isso, até não aguentar mais. Achou que ficaria louca.
-Talvez eu possa escrever –pensou em voz alta. –Mandar um bilhete para Dave... Ela quer que eu conte para ele, tenho certeza. Vai parar com os pesadelos, vai me deixar em paz! Eu só preciso contar, só tenho que falar para ele.
-Irmã –Riley tocou-lhe o ombro. –Você não está bem.
Só então ela percebeu que havia andado até as crianças que trabalhavam nas abóboras. Estavam talhando-as com bastante precisão, e o tamanho delas era bastante impressionante. Não tanto como a de seu grupo no ano anterior, mas ainda assim mereciam uma boa nota. Percebeu também que estava com frio pois havia saído da biblioteca sem seu casaco. Riley tirou o seu e colocou-o sob os ombros da gêmea.
-Não se preocupe –ela falou. –Vou ficar bem.
Antes que Riley pudesse demonstrar qualquer reação, Dave se juntou a eles e completou o trio.
-Thaila está muito preocupada com todos esses ataques da última semana – o representante da futura rainha contou. –As pessoas também estão ficando desesperadas. Parece que o povo aqui de Érestha precisava disso pra entender que Éres precisa de ajuda.
-Então eles são uma coisa boa? –Alícia perguntou.
-Não, claro que não –Dave respondeu. Colocou as mãos nos bolsos e chacoalhou os ombros. –Mas está deixando todos mais unidos. Você sabe... Para tentar descobrir como pará-los, todos estão se juntando. Algumas pessoas até saíram da província do Rei e voltaram a morar em suas casas.
Não. Alícia pensou. Tentar impedi-la é dar o que ela quer. Eu tenho que contar. Sua boca ficou seca. Preciso avisá-lo. Suor comeoçu a escorrer de sua testa e suas mãos. Conte Alícia. Conte a ele. Essa voz não era mais sua.
-Tenho que voltar e terminar meu trabalho com Chris –Riley falou. –Vá deitar-se Alícia.
A menina e o legado da princesa ficaram parados, observando Riley tentar arrumar seus cabelos bagunçados enquanto andava de volta para a biblioteca. Em certo momento, o gêmeo virou-se para reinforçar, com um olhar, que Alícia devia ir deiar-se. Também tirou algo do bolso e mostrou para Dave. Então continuou andando. Dave estava calmo e confortável em seu sobretudo preto de lã. Alícia estava sofrendo. E a curiosidade também tomava conta dela.
-Certo, eu vou te contar –ela falou.
-Contar o que?
Ela agarrou o braço dele e puxou-o. Andou em silêncio até a casinha azul. Abriu a porta e pediu que ele se sentasse. A lareira estava ligada, então os dois tiraram os casacos e penduraram-nos no mancebo.
-O que aconteceu?
-Eu venho tendo pesadelos.
Ela achou que fosse melhor começar a contar por aí. Descreveu tudo o que via para o amigo até chegar em Isabelle. A menção do nome dela, Dave sentou-se corretamente e pareceu prestar ainda mais atenção. Falar sobre o refúgio secreto foi mais fácil do que ela pensou. Contou-lhe que Isabelle a levava para lá constantemente, perguntava sobre Dave e, mais recentemente, havia aconselhado-a.
-Ela disse que se tentarmos impedir esses ataques, estaremos colaborando com Tabata – concluiu.
Ao proferir tais palavras, Alícia sentiu-se leve. Como se tivesse deixado de carregar uma enorme pedra em suas costas. Dave arregalou seus brilahantes olhos azuis e não disse nada por um momento. Ela pode perceber que ele estava bastante confuso.
-E-ela... Pergunta sobre mim? Te contou tudo isso? Por que?
-Eu não sei –Alícia afastou-se do menino e apoiou-se na parede. –Só espero que os pesadelos acabem.
Sem controle de suas emoções, Alícia Weis começou a chorar. Parte porque estava aliviada, feliz, e parte por estar com medo de ter tomado a decisão errada. Dave levantou-se e abraçou a menina. Agradeçeu-lhe pela confiança e disse que daria um jeito usar tais informações. Era uma sensação muito estranha ter alguém lhe confortando e este não ser seu irmão, mas Alícia não contestou; precisava daquilo.
-Thaila não descubrirá sobre Isabelle e o tal refúgio –ele prometeu.
-Obrigada –ela soluçou, apertando mais o abraço.
Permaneceram em silêncio até a menina se recompor. Desfizeram o abraço e ela limpou suas lágrimas.
-Se a vir novamente, -Dave hesitou antes de terminar a frase –diga que estou bem.
OOOOPA Hihihi!! E o que estão achando do livro dois de Érestha??
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