IV -Dave
Seu horário de quarta-feira o deixava cansado apenas por olhar para ele. Começava com geografia, depois tinha aula com Lorena e mais tarde, com o professor Borges de Educação Física. Foi com a aula de geografia e os latidos de Rúfius que eles começaram o ano. Tipos de solo e suas características. Juntariam essa matéria com a de Bennu Wills, Artes da Terra, ao decorrer do semestre. Dave já sabia o que o esperava na aula de sua prima: arco e flecha. Havia visitado a mesma loja de armas e escudos onde tinha ido no ano anterior e adquirido sua bolça com flechas e seu arco. Ele não fazia ideia de como usá-los.
-O que sua irmã está fazendo agora que se formou na escola? –Lilian perguntou para os gêmeos.
Alícia deu de ombros. Disse que não se importava e que tudo o que sabia era que a casa estava muito melhor sem a megera Ramona Weis.
-Está morando com o namorado na província de Elias –Riley contou. -Ainda quer começar um negócio por ai. Conheceram-se no acampamento para onde vamos.
-Pelo jeito realemnte há loucos para tudo –Alícia comentou.
-É, talvez Riley tenha a sorte de encontrar alguém que seja louca o suficiente para comer manteiga com mel –Dave falou, causando risos de seus amigos e um empurrão de Riley.
Lorena demorou um pouco para chegar até a árvore-alvo. Desde o ano anterior, a turma havia desistido de esperar pela professora na sala que era desinada a ela no prédio de aulas. Sempre saíam para ter aulas ao ar livre, independente do tempo. Quando ela finalmente chegou, trazia consigo um balde de tinta vermelha e um pincel, além de sua aljava, arco e uma maçã. Sem nem dizer nada aos alunos, ela pôs o balde no chão e molhou o pincel na tinta, retocando todos os círculos que haviam sido desenhados na árvore-alvo sem se importar em fazê-lo perfeitamente. Deixou a tinta de lado e encarou os alunos.
-Eu queria ter feito isso mais cedo, mas não fiz –ela falou. Alguns alunos franziram a sobrancelha, outros olharam para Dave e riram. O menino apenas chacoalhou a cabeça e se apoiou em seu arco. –Enfim, vocês são minha primeira turma esse ano. Parabéns! Como prêmio, vou deixar vocês escolherem como serão a maioria das aulas do segundo ano! Adivinhem só: achei as chaves da minha sala!
Ela balançou uma chave com um chaveiro de golfinho com um sorriso. Alguns riram, outros resmungaram. Todos concordaram que queriam deixar as aulas como estavam. A professora falou que eles eram muito chatos e que ela até tinha esperanças de poder ser uma professora normal. Dave e os gêmeos deram risada, sabendo que Lorena jamais seria uma pessoa "normal".
-Certo! –ela bateu palmas para calar os alunos. –O segundo ano aprende arco e flecha comigo. Isso significa que nem precisarão de suas espadas, provavelmente. Acredito que vão demorar um pouco para aprender a fazer isso:
Ela jogou a maçã para cima enquanto tirava o arco de suas costas. Depois chutou a maçã para o alto mais uma vez e fez uma volta com seu corpo deixando apenas um pé de apoio. Tirou uma flecha da aljava e, enquanto tentava recuperar o equilíbrio, encaixou a flecha no arco e atirou. A seta perfurou a maçã e espirrou suco na grama. Continuou a viajar pelo ar até furar um dos círculos que Lorena acabara de pintar, sendo este o centro de um alvo. Os alunos arregalaram os olhos e abriram as bocas. A professora também.
-Para ser bem sincera, essa é a primeira vez que acerto bem no centro!
Lorena retomou o equilíbrio e falou que era a vez das crianças tentarem. Alguns deles tiraram o arco das costas, outros ainda estavam chocados. Dave estava um tanto nevorso. Sempre sentia que tinha que ser bom na frente da prima para deixa-la orgulhosa. E, mais uma vez, ele não fazia ideia de como atirar uma flecha, além de ser ruim de mira. Quando jogava dardos na casa de Tia Rosa com os gêmeos, ele sempre perdia. Chegava a acertar a parede ao invés do alvo e se sentia muito envergonhado, vendo o quanto seus amigos eram bons.
Dave se atrapalhou ao tentar tirar uma das flechas da bolça e acabou derrubando todas no chão. Lilian enrroscou seus longos cabelos claros na corda de seu arco e Herton tinha dificuldade em saber como se segurava um arco. Lorena sorriu e balançou a cabeça negativamente. O arco dela era diferente dos que os alunos haviam sido instruidos em adiquirir. Era mais profissional, com roldanas e uma lente para mais precisão na hora de atirar. O das crianças era o chamado arco recurvo, um arco simples com lâminas recurvadas na ponta que proporcionavam mais energia para o tiro. Dave ficou com medo de acertar uma flecha em um de seus amigos. A professora pegou um outro arco que estava na grama, que era tão simples quanto o dos alunos.
Começou a passar instruções sobre como segurar corretamaente. Imita-se um 'y' com o indicaror e o polegar, abraçando o arco com esses dedos. A fleha era encaixada na corda e numa fissura que o arco possuía para não deixá-lo dançando antes do tiro e proporcionar mais estabilidade e certeza. Um ângulo de noventa graus deveria existir entre os pés e o braço que se esticava. Dave prestou muita atenção nas instruções. Até pensou que seria fácil atirar na árvore após tais dicas.
-Traga a flecha até sua bochecha –Lorena continuou explicando. –Toque seu lábio com o indicador e seu maxilar com o osso do polegar. Não podem simplesmente soltar a corda. Continuem a puxá-la, não vai estourar –conforme falava, ela executava. –Depois, puxem a mão para trás da cabeça, e não deixem de olhar a flecha até que ela atinja o alvo. Não movam o braço.
Ela soltou a flecha da maneira como havia indicado. Esta viajou até perfurar a maçã mais uma vez. Herton finalmente conseguiu segurar seu arco e Lilian se libertou. Todos tentaram seguir as intruções da professora. Se aglomeraram a alguns passos da árvore e o primeiro voluntário foi Dave. Se sentia estranhamente confiante. Colocou os pés na devida posição, encaixou a flecha, puxou e puxou e puxou. Lembrou da posição adequada a flecha, respirou fundo e soltou. Não se mexeu até ver que havia falhado. Sua flecha passou de raspão na árvore, porém bem longe da maçã e do alvo em tinta vermelha. Lorena não fez nenhum comentário, apenas pediu que o próximo tentasse. Lilian acertou a copa da árvore. Herton se esqueceu de não mexer a mão e abaixou o apio da flecha ao soltá-la, acertando as raízes. Riley errou tanto quanto Dave e Alícia acertou bem próximo ao círculo maior. Dave se virou e, por um momento, buscou o olhar de Isabelle, sabendo que a garota seria muito boa em sua primeira tentativa, como sempre era. Mais uma vez, ele sentiu uma dor esquisita. Algo entre saudades e culpa.
Os meninos foram convencidos por Riley a jogar futebol na aula de educação física, e algumas meninas quiseram se juntar. Outras decidiram correr na pista. O professor Borges tinha deixado essa primeira aula livre para os alunos. O pensamento repentino de Dave o havia deixado triste. Sentia falta de Isabelle DiPrata, sendo ela inimiga ou não. "Não sou uma traidora". As últimas palavras ditas pela menina ainda estavam sendo processadas pelamente de Dave Fellows. Ainda era difícil decidir se sentia raiva dela. Não conseguia acreditar que ela faria mal a alguém. Não conseguiu e concentrar direito em nenhuma outra coisa pelo resto do dia.
Às quatro da tarde, iniciaram-se inscrições para as atividades extracurriculares. Havia algumas novas opções em relação ao último ano, assim como algumas coisas já não existiam. Alícia ficou interessada em praticar natação, e Lilian se juntou a uma das novidades: culinária. Dave nunca fora interessado em tais coisas e não assinou nenhum papel. Sentou-se junto dos amigos à uma mesa onde Riley anotava algo num caderno.
-É tão engraçado –Alícia olhava para os novos alunos, que pareciam desconfortáveis com si mesmos e o novo ambiente. –Me lembro quando nós éramos assim.
-Fala como se fosse à décadas –Riley não tirou os olhos do papel.
A gêmea revirou os olhos.
-Sabe o que eu quis dizer –ela tirou um papel mal dobrado do bolso e o esticou sobre a mesa. –Até quando temos que entregar este papel preenchido e assinado?
Era a autorização da PIC, a surpresa do segundo ano. Dave até tinha se esquecido de ficar animado por isso. E logo se entristeceu novamente. A viajem seria muito mais aproveitável com Isabelle, ele tinha certeza. O ano escolar também. Todos os momentos de sua jornada em Érestha que estavam por vir antes pareciam depender dela, agora, não contariam com sua companhia sob nenhuma circunstância. Socou a mesa, reprimindo a si mesmo e balançando-a, fazendo com que Riley borrasse o que escrevia.
Todos encararam o menino, surpresos e assustados. Ele apenas se levantou e deixou a mesa, dirigindo-se à clareira na floresta, onde sentou-se, sozinho, até o toque de recolher.
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