XVI -A Cozinheira Branca
A noite de Halloween era uma loucura na cozinha de Imani. Ela e suas cozinhairas cozinhavam o triplo do normal e tudo cheirava a doces grudentos. Alguns alunos também estavam ali dentro, organizando doces em cestas e bebidas em garrafas coloridas. A mulher mais supervisionava tudo do que realmente colocava a mão na massa, e isso era desanimador. Crianças e professores vinham perguntar sobre o progresso de sua equipe a cada dez minutos. Ela só queria gritar com todos.
O menu daquele ano incluia javali, marmelada e a clássica sopa de abóbora. Seu maior desafio era liberar as panelas de barro e pratos de prata quando ainda estavam quentes. Ela mesma os carregava até a mesa no meio da escola, desviando de alunos, convidados e animais curiosos. Naquele ano, os alunos mais novos haviam convencido os frequentadores das aulas especiais a emprestarem suas feras. A professora Bennu Wills estava avaliando-os até mesmo na festa, vendo quem conseguia controlar o seu animal bizarro e quem suplicava por ajuda. O cão-fera do diretor também estava ali, na sua primeira festa de Halloween fora de sua casinha, e seu dono observava Imani com a testa franzida.
-Esse é o último prato antes da sopa –ela falou para Bennu. Dentre todos os professores, Bennu era a que menos irritava Imani, o que era um fato muito raro. –Avise-me quando puder trazer a última panela. Quero que comam tudo quente.
-Claro, obrigada, Imani –respondeu a baixinha.
Ela começou a contar-lhe como a festa estava ótima naquela noite, mas a mulher não estava interessada. O olhar de seu chefe sobre si era amedontrador, de alguma forma. Gary DiPrata não falava muito com suas cozinheiras. Na maioria de suas necessidades, eram as secretárias quem falavam. Ninguém naquele território conhecia sua história com os Litos Alvos e seus poderes brancos. Com excessão, talvez, de Dave Fellows. Tinha medo constantemente de que alguém descobrisse e tirasse o emprego dela. Tudo deveria ser um segredo, e ela vinha escondendo isso ha anos. Não tinham motivos para Gary descobrir. Mas ficou desconfiada quando ele começou a andar. Ela virou de costas e deixou Bennu falando sozinha.
No caminho ela só conseguia pensar em seus filhos. Os três passavam seus dias no subterrâneo de terras perigosas, esperando que a mãe voltasse para casa e aprendendo sobre magia. Eles precisavam dela e ela daquele trabalho. Ao menos sabia que era uma boa profissional.
-Imani, está me ouvindo?
Ela chacoalhou a cabeça e abriu os olhos para a noite. Uma de suas ajudantes apontava para um menino parado ao lado de fora da cozinha.
-O que disse?
-O menino quer falar com você –continuou. –Diz que é urgente.
E voltou para seu trabalho com pressa. A mulher ficou aliviada ao ver que não era Rick Fellows, o menino que mais a irritava em toda Érestha. Ela só conhecia o rosto de Riley Weis porque ele estava na bilioteca mais do que nas salas de aula. Imani ajudava os esqueletos bibliotecários quando tinha tempo. Riley estava sempre lá.
-O que quer, menino? Estou muito ocupada, como pode ver.
-Nada demais –ele falou. –Preciso peguntar uma coisa para alguém.
-E o que eu tenho a ver com isso? Vá e pergunte.
-Não posso chegar no Castelo de Pedra –ele disse. A mulher congelou. –Não sem a sua ajuda.
A mulher olhou em volta rapidamente, e avançou para cima do menino quando constatou que ninguém os estava observando. Para a surpresa da mulher, Riley recuou, e acabou batendo a cabeça na parede, assustado. Ela não esperava bem essa reação de um aluno com tanta esperiência num campo de batalha como ele, mas ficou agradecida. Ela pôs uma mão próxima ao ombro dele e encarou-o com o melhor olhar de ameaça que conseguia fazer.
-Escute aqui menino –ela falou. –eu não sei da onde você tirou essas bobagens, mas vai ficar de boca fechada e esquecer isso, entendeu?
-Sou eu quem precisa de ajuda, na realidade –a voz do diretor fez cada pelo do corpo de Imani arrepiar-se. A mulher virou-se vagarosamente para encarar seu chefe de braços cruzados e barba por fazer. –Preciso que Riley faça uma pergunta à minha filha.
-Desde quando o senhor sabe...
-Desde hoje cedo –ele interrompeu a cozinheira. –Eu não me importo com o que você faz em casa, mas que essa sua magia branca fique bem longe de minha escola.
-Sim, senhor -ela respirou fundo, aliviada. Empurrou o ombro dos dois para afastarem-se da porta da cozinha. –Se vamos fazer isso, então vamos fazer direito. Do que precisam no Castelo de Pedra, exatamente?
-Só queremos falar com Isabelle –Riley deu de ombros. –É importante para...
-Esperem, é só isso? –ela franziu o cenho. Seu coração desacelerou. Estivera preocupada em ter que fazer alguma coisa na frente do diretor e falhar por nervosismo. Seus filhos estavam sempre em seus pensamentos. Ela faria tudo o que fosse preciso para protege-los e continuar a colocar comida na mesa deles. –Ora, é só chama-la. Mas não aqui na escola. Não nessa noite.
-E nem nunca –Gary falou por entre os dentes. A mulher sentia a dor dele ao falar sobre a filha, assim como ja vira saudades nos olhos de Isabelle.
-Sim, senhor. Encontrem-me na clareira em dez minutos e eu levo vocês até ela.
Imani não ficou para ouvir a reação deles e virou-se para voltar a seu dormitório. Ela vestiu sua roupa brança e colocou um casaco por cima. Pegou seu giz branco e tirou seus sapatos. Antes de ir até a clareira, deixou uma de suas ajudantes no comando, dizendo que voltava logo. Ela não planejava demorar. Afinal, alguém ainda tinha que arrumar tudo no final da festa.
Ela passou despercebida pelos alunos animados. Nem mesmo Dave Fellows notou que ela passou ao lado de sua mesa, e o menino sempre tivera muito interesse no passado dela. Na clareira, Gary DiPrata e Riley Weis estavam impacientes. O homen parecia desacreditado e o menino, tenso. Imani deixou o casaco escorregar de seus ombros e ignorou o frio de Outono. Sabia que logo ele não a incomodaria mais. Sem dar explicações aos dois que a observavam em suas roupas alvas, começou a murmurar o rítmo que havia aprendido com seus irmãos enquanto pensava em sua própria casa. Aquilo seria fácil até demais. Ela escolheu uma árvore e desenhou círculos, estrelas, quadrados e triângulos em seu tronco. Quando soube que estava pronto, ela passou por seus desenhos como se fosse qualquer outra passagem em Érestha. Sua casa estava vazia àquele horário. Os filhos deveriam estar aprendendo com seus instrutores. Uma noite como a de Halloween não podia passar pelos Litos Alvos sem celebração.
Gary e Riley vieram logo atrás, fascinados. Ela fechou aquela passagem logo em seguida. Ainda sem dizer nada, ela foi até o quarto que mantinha trancado e pegou um cubo de cristal de uma prateleira. Antes de ser cozinheira, Imani trabalhava na produção de comunicadores como aquele. Fazia os cubos e os links entre aqueles que desejavam comunicar-se. Ela ainda guardava alguns modelos sem uso, e lembrava-se muito bem de como estabelecer o link e fazer o comunicador funcionar. Com as habilidades brancas dela, nem precisava que a outra pessoa tivesse um cristal correspondente. Só usava seu giz branco e o cubo como um canalizador.
-Ela não vai ficar nada feliz em ser perturbada –Imani murmurrou quando voltou para a sala. Os dois ainda estavam na mesma posição, olhando para todos os cantos de sua pequena sala. A mulher indicou o sofá para eles sentarem, e apoiou o cubo na mesinha de centro de madeira. –Temos que ser rápidos, entenderam?
-Eu sei onde estamos –Riley exclamou. -A Cidade dos Cavaleiros Mortos, no subterrâneo! Esse lugar me da arrepios.
-Bem-vindos à minha casa –Iamani revirou os olhos. –Agora, concentrem-se. Não vou segurar essa conexão por muito tempo e arriscar Tabata me fazendo muitas perguntas. E mais uma coisa: torçam para que ela esteja sozinha.
Imani estava com pressa. Queria terminar antes dos filhos voltarem para casa e ainda tinha muito o que fazer na escola. Ela não tinha medo de chama-la. No mais, a princesa Tabata viria até ela, lhe daria uma boa bronca e ela culparia um dos filhos por estar treinando e mexendo onde não deveria. Era DiPrata que deveria estar preocupado. Ele se daria muito mal se Isabelle estivesse numa reunião com a princesa da morte e seu psicopata. O homem estava suando enquanto Imani fazia mais formas em sua mesa e pensava no olhar assustador da menina. Era incrível como ela dividia os olhos com o pai, mas passva mais medo do que o general.
-Sejam rápidos –ela reinforçou a informação quando sentiu-se pronta.
O pequeno objeto brilhou, branco como o giz na mão da cozinheira. Uma projeção holográfica do rosto de duas pessoas ficou visível para os presentes. Riley respirou aliviado, e Gary prendeu a respiração. Isabelle estava limpando os ferimentos no rosto de um garoto quando levou um susto com o engasgo do próprio pai.
-O que pensa que está fazendo? –ela sussurrou, irritada. Teria gritado se não tivesse que manter segredo.
O diretor da Escola Preparatória da Província de Tâmara ficou sem reação ao receber o olhar de sua filha. Aqueles malditos olhos azuis tempestuosos passearam dele para Imani e pararam em Riley. O menino levantou as sobrancelhas e mexeu a cabeça. Isabelle pareceu relaxar um pouco com aquilo.
-É um mal momento para te chamar? –Riley perguntou.
-Não –ela suspirou. –Estão todos fora do castelo nesse horário. O que pode ser tão importante para vocês fazerem uma idiotice como essa?
Imani e o menino Weis esperaram que o general dissesse alguma coisa, mas ele estava muito ocupado olhando para sua filha. A última vez que Imani vira os dois juntos, ela ainda tinha um rosto de criança. Isabelle estava mudada por dentro e por fora e o pai não ivera tempo de acompanhar tais mudanças.
-É sobre o exército de Tabata –Riley falou, quebrando o silêncio estranho que havia instalado-se entre eles. –Achamos que seria interessante conhecer a situação de Tabata para saber como proceder com nossos exércitos.
Ela levantou as sobrancelhas e olhou para seu pai. O homem ainda nao conseguia se mexer.
-É uma boa ideia, na verdade. Não tinha pensado nisso. Mas Tabata e Pedro não dividem essas informações comigo. Eu sirvo para outras coisas.
-Mas eu sei exatamente quais são as ideias de Tabata –disse o menino que estava junto de Isabelle. Ele sorriu, bondoso, e um corte em seu rosto começou a sangrar. –Ela ainda está nos treinando, mas, em breve, deseja mandar os recrutas menos experientes ou mais fracos para as cidades. Causar alguma confusão e deixar todos assustados. Esse é o maior fator a favor dela: medo. Seu exército principal é cheio de côndefas, mortos-vivos e os favoritos do comandante Satomak.
-Comandante? –Gary chacoalhou a cabeça, acordando de seu transe para finalmente prestar atenção.
-Tabata quer tê-lo no comando de um batalhão em específico quando for infrentar seus irmãos -o menino sentou-se direito para continuar. –Vocês vão precisar de homens nas cidades principais e alguma ideia briilhante nas linhas de frente. Talvez o senhor devesse comandar as tropas da rainha Thaila, não da princesa verde. Pelo que Belle me contou, o senhor sempre foi muito bom no que fez.
-Ela... Falou? –ele perguntou, melancólico.
-Deixe outros liderando a proteção das cidades, pai –Isabelle disse. –Prepare-os. E veja do que sua rainha precisa.
Ele e Riley anuiram. Imani estava começando a ficar entediada com todo aquele papo de guerra. Ela e sua cidade subterrânea não teriam nada a ver com batalhas e espadas.
-Isabelle, você... –Riley limpou a arganta –sabe alguma coisa sobre Alícia?
-Sei que sua irmã é muito obstinada e uma completa idiota –respondeu. –Não sei onde ela possa estar e também não planejo chama-la tão cedo. Que ela se vire, sinceramente não me importo. Mas já que ela se recusa a falar comigo, posso saber sobre o progresso de vocês, Riley?
-Ótimo, obrigado –ele parecia realmente satisfeito. –E não, você não pode. Vai saber quando Alícia quiser te contar. Aliás, ela nem poderia, já que sumiu antes dos grandes acontecimentos.
-Ótimo, vou interpretar isso da minha maneira –Riley deu de ombros. Ela também parecia satisfeita com a resposta. Imani sentia que era a única que queria gritar "o que isso quer dizer?" e entender direito do que eles estavam falando. –E não me liguem nunca mais. Esperem que eu vá até vo...
-Espere –Gary assustou-a de novo. Imani havia feito menção de desligar o aparelho mas não se mexeu quando o homem pediu. Ele olhou para sua filha novamente. Claramente não sabia como falar com ela –Você...
-Não –ela o interrompeu. –Não fale comigo agora, faça como Theodore disse. Esperançosamente teremos chance de conversar no futuro. Desligue isso, Imani. Agora.
A mulher obedeceu sem pestanejar. Levantou-se, guardou o cubo de cristal no bolso e encarou os dois no seu sofá, esperando que eles dissessem o que mais queriam dela e de seus poderes brancos. Quando não disseram nada, ela voltou a murmurar seus cânticos e reabriu a passagem alva até a clareira da escola. Riley passou por lá primeiro.
-Não fale sobre isso para ninguém –Gary advertiu antes de entrar. –Nunca.
Ele colocou o dedo indicador sobre os lábios para que ela mantesse silêncio, e o corpo inteiro dela voltou a arrepiar-se de pavor. Ele passou, e ela foi logo atrás, tremendo.
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