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XLXIX -Dave

Ele não conseguia dormir. Desmaiava, mas acordava logo em seguida, apenas para grunhir da angustiante dor no lado direito de seu corpo, ranger os dentes e desmaiar de novo. Desejava poder dormir de uma vez, e ver-se livre do incomodo. E desejava, principalmente, alcançar a princesa com quem tentava sonhar. Quando fechava os olhos, lá estava ela, sorrindo para ele, correndo sob um sol morno num campo verde que estendia-se, infinito, para todos os lados. Focado sempre nos olhos da princesa, ele não sabia o que escondia-se atrás dele, mas tinha a sensação de que era apenas mais e mais grama. Embora ele soubesse que hoje a menina fosse uma rainha, aquela imagem que corria dele numa deliciosa brincadeira de pega-pega ainda era uma princesa. Tinha os cabelos roxos brilhosos, esvoaçando com a brisa morna. O vestido violeta, por mais fabuloso que fosse, nunca seira usado por uma rainha; estava somente à altura de uma princesa. E a coroa que usava era pequena, forjada com calma. Ele já estava a muito tempo tentando pega-la, e sentia que era agora ou nunca. Contudo, sua última chance de alcançar a princesa estava sendo interrompida pela vida real, onde pessoas gritavam, apertavam coisas em seu braço, e tentavam falar com ele, dando-lhe instruções. Dave não ouvia nada além da calma de seu sonho, mas não sentia nada além da dor. Ele precisava fechar os olhos e finalmente alcança-la.

Uma vez fora delicioso e relaxante estar para sempre perseguindo sua senhora. Mas depois de sonhar tanto com aquela exata cena, tornou-se frustrante. Ele queria toca-la, precisava desesperadamente toca-la. Algo lhe dizia que não teria mais aquele sonho se não a pegasse naquele exato momento. Sempre que abria os olhos e voltava a fecha-los, achava que, daquela vez, não tinha como não toca-la. Ele estava cada vez mais perto. Tão perto, em fato, que sentia o calor de sua pele e a maciez da seda que vestia. Seus dedos estavam a milímetros de seu objetivo toda vez que ele voltava para seu ferimento. Mas ele não podia desistir; tinha que continuar tentando.

Desde o dia em que a tulipa roxa crescera no vaso de sua tia e ele tivera o sonho pela primeira vez, ele ainda não havia tentado chama-la. O único som que existia ali era o riso dela e o vento. Ele pensou em gritar por Thaila quando abriu os olhos para a cena de dois vultos próximos a sua face com objetos pontudos em mãos. Concentrou-se naquele pensamento para não esquecer, mas quando conseguiu voltar ao campo, nem pensou que fosse necessário. Ele corria tão rápido, e ela estava tão perto.

"Deve haver um outro jeito" ele pensou e tentou balbuciar quando abriu os olhos de novo. Demorou para dormir daquela vez. Sentia-se mais disposto e já sentia menos dor. Se ele não pensasse logo, não precisaria mais dormir e não conseguiria mais sonhar. Sua princesa fugira por tempo de mais. Ele tinha que pega-la.

Suas pernas imploravam para serem usadas. Seus sapatos suplicavam pelo toque da grama macia. Seus cabelos choravam por não estarem em contato com a brisa. Seus músculos gritavam para ele mover-se. Seus dedos, famintos, salivavam pela simples ideia do toque. Mas Dave lutou contra todos esses desejos e fiou parado. Pela primeira vez, assistiu à sua princesa correr para longe, sorrindo seu mais belo sorriso, olhando para trás com seus belos olhos, deixando o vento balançar seus belos cabelos. Em certo momento, ela parou. Virou-se para encara-lo, ainda sorridente, e esperou. Dave esticou um braço para frente e estendeu a mão. A princesa virou a cabeça, aparentemente confusa, e voltou a correr, desta vez na direção do menino. Ela estava finalmente chegando. Cada vez mais perto; tão perto, tão quente, tão macia. Dave obrigava-se a ficar parado, em pé onde encontrava-se, mas esticava-se cada vez que ela dava um passo. Dobrava o corpo para frente sempre que ela piscava para ele. Estendia-se, e ela corria. Cada vez mais perto. Tão perto. Tão perto.

Dave finalmente alcançou sua princesa.

Ele deixou um suspiro e uma risada contente escaparem de seus lábios sorridentes quando segurou e acariciou a mão dela na sua. Ela riu também.

-Você me pegou, Dave –ela disse.

Mas sua voz não era a que Dave conhecia. Sua princesa nunca tivera uma voz como aquela, suave e hipnotizante. Mesmo depois de tanto sacrifício, ele a soltou. Também pela primeira vez em tantos anos, ele olhou para trás. Não era apenas mais grama que ele via. Havia uma pedreira, uma caverna e uma chaminé que exalava fumaça colorida, criando uma ilusão divertida no ar. Então a grama morreu, e virou areia. O horizonte verde sumiu, e virou mar. A brisa tornou-se praiana e sua princesa transformou-se em outra mulher. Os olhos dela eram negros com pontos brilhantes, como se o universo inteiro morasse ali.

-Você me pegou –falou novamente, ainda sorrindo.

E Dave abriu os olhos.

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